Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00026/12.1BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/06/2012
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Pedro Marchão Marques
Descritores:MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA; INTERPRETAÇÃO DO ART. 89-A, Nº 3, DA LGT; REPARTIÇÃO E ALCANCE DO ÓNUS DA PROVA; AFECTAÇÃO DE CERTO RENDIMENTO A DETERMINADA FORTUNA EVIDENCIADA.
Sumário:I – Há lugar à avaliação indirecta da matéria colectável quando o contribuinte evidencie as manifestações de fortuna constantes da tabela prevista no n.º 4 do artigo 89.º-A da LGT e o rendimento líquido declarado mostre uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão resultante da referida tabela (50% do valor anual).
II – A interpretação teleológica da norma consagrada no art. 89.º-A da LGT sugere um elemento de conexão, uma relação causal, entre um certo rendimento e uma determinada manifestação de fortuna.
III – Reunidos os pressupostos para a determinação da matéria tributável nos termos do artigo 89°-A da LGT, cabe ao contribuinte fazer prova do fluxo ou mobilização dos concretos meios financeiros de referência – empréstimos e produto da venda de um imóvel – para suprimentos efectuados na sociedade de que é sócio único, não bastando para justificar a manifestação de fortuna evidenciada a demonstração da existência da disponibilidade financeira alegada.
Recorrente:Direcção geral dos Impostos/MºPº
Recorrido 1:A(...) e m(...)
Votação:Unanimidade
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
I. Relatório
O Ministério Público e o Director de Finanças de Vila Real não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que julgou procedente o recurso interposto por A(...) e mulher C(...), ambos m.i. nos autos, da decisão do Director de Finanças de Vila Real de avaliação do rendimento colectável por métodos indirectos referente ao ano de 2008, ao abrigo dos artigos 89.º-A, n.ºs 7 e 8 da Lei Geral Tributária (LGT) e 146.º-B do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), vêm dela interpor recurso apresentando as seguintes conclusões (que se transcrevem):
A) Recurso do Ministério Público:
1. Não basta para afastar a decisão de avaliação indirecta da matéria colectável ao abrigo do art. 89-A, manifestações de fortuna, fazer prova de que se foi mutuário de dois empréstimos e de recebimento de produto da venda de uma vivenda, sendo o total mais do que suficiente para realizar os suprimentos manifestação de fortuna.

2. Porque a melhor interpretação do art. 89-A, nº 3, da LGT exige que o contribuinte prove a relação directa e concreta de afectação de certo rendimento (não sujeito a tributação) a determinada manifestação de fortuna evidenciada.

3. Ora, no caso, não existem nos autos elementos de prova da utilização/mobilização dos concretos empréstimos e produto da venda, ou de sua grande parte, para suprimentos efectuados na sociedade.

4. A sentença recorrida não perfilhando tal entendimento violou o art. 89-A da LGT.

5. Pelo que deve ser revogada e substituída por outra que julgue improcedente o recurso interposto por A(...) e esposa.

6. Com o que se julgará procedente, como é de lei e de justiça, o nosso recurso aqui interposto.
B) Recurso do Director de Finanças de Vila Real:
I. Pelo elenco de fundamentos acima descritos, infere-se que a douta sentença, concedeu provimento ao recurso à margem referenciado, com as consequências aí sufragadas, e consequentemente, aquilatou que os Recorrentes comprovaram que é outra a fonte da manifestação de fortuna evidenciada.
II. Com efeito, o entendimento propugnado na douta sentença ora recorrida, radica no facto, de que, tendo os Requerentes demonstrado que a origem dos rendimentos e que se reportam a um contrato de mútuo no valor de € 200.00,00, celebrado com o B. B(...) em 17.10.2006; a um contrato de mútuo celebrado com o B. E(...), SA Sucursal de Espanha, no valor de € 120.000,00, em 23.07.2007; e na venda de uma vivenda em Sevilha em 2007, pelo valor de € 254.000,00, tudo no total de € 574.000,00, já não têm de demonstrar que tais recursos foram posteriormente canalizados para efectuar os suprimentos à sociedade, ou seja que os recursos financeiros obtidos com a celebração dos contratos de mutuo e a venda da vivenda em Sevilha, se destinaram posteriormente para efectuar suprimentos à sociedade.

III. É contra tal entendimento se insurge o ora Recorrente, tendo em conta que o mesmo viola frontalmente no n.º 3 Art. 89.-A da LGT, desvirtuando por completo a ratio legis em termos de ónus de prova ínsita no aludido preceito, sendo manifestamente contrário à doutrina e à jurisprudência.

IV. As manifestações de fortuna constituem um instrumento jurídico de luta contra a fraude e evasão fiscais, que se materializa num método substitutivo, em que não sendo possível apurar os rendimentos efectivamente auferidos pelo sujeito passivo este é tributado de forma indirecta, através de um rendimento padrão, que resulta da valoração dos bens adquiridos, designados como manifestações de fortuna.

V. De acordo com o disposto no n 3 do aludido Art. 89º-A da LGT, cabe ao sujeito passivo comprovar que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo de património ou da despesa efectuada, (nomeadamente herança ou doação, rendimentos que não esteja obrigado a declarar, utilização do seu capital ou recurso ao credito) podendo fazê-lo, mediante apresentação, de cópia dos extractos bancários que evidenciem a origem e a mobilização dos recursos financeiros utilizados.

VI. Assim, e atendendo ao ónus de prova estatuído no aludido n.º 3 do Art. 89.º-A da LGT, o entendimento propugnado na douta sentença falece desde logo, porquanto, não encontra assento ou guarida nem no espírito da lei nem na letra da norma.

VII.É incontornável que a mens legislatori repercutida no n. 3 do Art.º 89-A da LGT, exige a prova da relação directa entre a afectação de certo rendimento (não sujeito a tributação) a determinada manifestação de fortuna evidenciada.

VIII. Ao contrário do entendimento plasmado na douta sentença, no caso dos autos impunha-se ao Recorridos efectuar prova, designadamente mediante cópia dos extractos bancários que evidenciem a origem e a mobilização dos recursos financeiros obtidos, e que esses recursos se destinaram aos suprimentos efectuados à referida sociedade

IX. O ónus de prova da mobilização e destino dos recursos financeiros para justificar a manifestação de fortuna, tem sido objecto de profícua jurisprudência do STA de que se destaca o Acórdão referente ao Proc. n. 0579/09 de 08.09.2009, “Não é este, como se sabe, o único caso em que a lei tributária actual legitima a Administração tributária a fixar por métodos indirectos o rendimento tributável em sede de IRS (cfr. os artigos 87.º, n.º 1, alíneas d) e f) e 88.º da LGT), mas é este, dos previstos, o “mais automático”, aquele que menores exigências de fundamentação implica para a Administração tributária, daí que de aplicação mais expedita (e também de utilização mais frequente, segundo JOSÉ GUILHERME XÁ VIER DE BASTO, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra, 2007,p. 375). Serve isto para dizer que, demonstrando que os fluxos financeiros entre a sociedade e o sócio não são suportados pela declaração de rendimentos apresentada, e não demonstrando o contribuinte em termos plausíveis de onde provem a sua capacidade económica, não está a Administração tributária impedida de recorrer, nos termos da lei, à fixação por avaliação indirecta dos seus rendimentos”.

X. Na mesma esteira tem sido entendimento desse Colendo Tribunal de que exemplo o Acórdão de 28 de Outubro de 2010, proferido no processo com o 00212/10.9BEPNF: «A não ser assim, bem podia suceder que o contribuinte continuasse a manter na sua disponibilidade os meios financeiros que alegou e demonstrou não estarem sujeitos a declaração totalmente incólumes (i.e; não consumidos por manifestação de fortuna alguma), sendo ate que sempre poderia usar os mesmos meios financeiros para justificar diferentes manifestações de fortuna ou, pelo menos, manifestações de fortuna evidenciadas em anos diferentes. Ora, manifestamente, nem pode ser isso que quis o legislador nem esse entendimento colhe apoio na letra da lei. Concluímos, pois, que a melhor interpretação do art. 89.-A, n.º 3, da LGT, exige que o contribuinte prove a relação directa de afectação de certo rendimento (não sujeito a tributação) a determinada manifestação de fortuna evidenciada [...] »

XI. Refira-se ainda, que a subsistir o ideário argumentativo da douta sentença estaria encontrada a fórmula para contornar a ratio legis do Art. 89-A da LGT, porquanto, não tendo de provar os concretos meios financeiros que disponibilizou para a manifestação de fortuna, bem podia suceder que o contribuinte continuasse a manter na sua disponibilidade os meios financeiros que alegou e demonstrou não estarem sujeitos a declaração totalmente incólumes (e não consumidos pela manifestação de fortuna), sendo até que sempre poderia usar vos mesmos meios financeiros para justificar diferentes manifestações de fortuna, ou pelo menos, manifestações de fortuna evidenciadas em anos diferentes (a este propósito veja-se o Acórdão proferido por esse Colendo Tribunal referente ao Proc. n.º 130/10.0BEMDL).

XII. Mais, não ter de efectuar a correlação referida entre as duas operações por parte dos Recorrentes, estar-se-ia, em abstracto, a permitir situações completamente descabidas, ou seja, em que mesmo um sujeito passivo declarasse rendimentos muito baixos que resultassem nas desproporções constantes do art. 89°-A da LGT – verdadeiras manifestações de fortuna – bastaria existir disponibilidade financeira e a demonstração da mesma, para facilmente afastar os pressupostos de avaliação indirecta, o que em nada se coaduna com o propósito implícito no preceito referido, que tem, como objectivo, travar a fuga e evasão fiscais.

XIII. Aliás, em abono da verdade, que a situação hipotética anteriormente apresentada, é concretamente aplicada in casu, porquanto, os Recorridos foram objecto de idêntico procedimento, tendo interposto recurso que corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela sob o Proc. n.° 391/11.8BEMDL, para o ano de 2007, e no qual invocam os mesmos empréstimos para justificar os suprimentos efectuados em 2007, colocando-se a questão de saber se a justificação dos montantes poderá ser usada para servir o propósito de justificar a manifestação de fortuna em ambos os anos de 2007 e 2008.

XIV. Logo, resulta de forma clara e notória que a douta sentença, viola claramente o disposto no n.º 3 do Art.º 89.°-A da LGT.

Os Recorridos contra-alegaram, apresentado a seguinte conclusão:

Não obstante os doutos argumentos constantes das alegações apresentadas pela recorrente, na modesta opinião dos recorridos, a igualmente douta decisão proferida em primeira instância não merece o menor reparo.

Com dispensa dos vistos legais, atenta a sua natureza urgente, o processo vem agora submetido à Secção de Contencioso Tributário para julgamento do recurso.
I. 1. Questões a apreciar e decidir:
As questões suscitadas pelos Recorrentes, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões (art.s 660.º, n.º 2, 664.º e 684.º, n.º s 3 e 4, todos do CPC ex vi art. 2.º, al. e), e art. 281.º do CPPT), reconduzem-se a saber:

i) Se o Tribunal a quo errou ao ter considerado que os ora Recorridos provaram a fonte de rendimento que lhes permitiu fazer os suprimentos à sociedade “SCB(…), Lda”;

ii) Se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito sobre a repartição e alcance do ónus da prova estatuído no art. 89.º-A da LGT, nomeadamente sobre a exigência de prova da relação entre a afectação de certo rendimento a determinada fortuna evidenciada.

II. Fundamentação
II.1. De facto
É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela e que aqui se reproduz ipsis verbis:
MOTIVAÇÃO

Com interesse para a decisão dão-se por provados os seguintes factos:

1. A liquidação aqui impugnada teve origem na acção de fiscalização ao exercício 2008 em sede de IRS dos aqui Recorrentes, iniciada em 2/5/2011 e concluída em 26/10/2011 – Fls. 8 do PA;

2. Nessa sequência foram os Recorrentes notificados da fixação do rendimento tributável de IRS com recurso a métodos indirectos, ao abrigo do disposto no art.° 89.°-A, no valor de 81.572,60 € – Fls. 1 do PA;

3. O Relatório de Inspecção de 19/12/2011, que resultou da acção inspectiva indicada, consta das folhas 5 e ss do PA, dá-se aqui por reproduzido, com o seguinte destaque: “ IV Motivo e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos// 1. — Os sujeitos passivos são casados e também sócios das sociedades VBC, Lda, NIF (...) o SCB, Lda, NIF (...), com as participa ções evidenciadas no quadro seguinte: AC(...) 50%; CC(…) 50% - relativamente à “VBC” // CC(…) — 100% da sociedade SCB 1/2.1 - Foi efectuado na sociedade VBC, Lda um aumento de capital de € 280.000,00. De acordo com a acta n.° 9 de 1 de Julho de 2008, foi deliberado pelos sócios que esse aumento seria efectuado através de entradas em dinheiro realizadas pelos sócios em montantes iguais, no valor de € 140.000,00. Ainda conforme a acta referida, o sócio-gerente informou a assembleia de que o reforço de capital já se encontrava integralmente realizado pelos sócios e como tal, a partir daquele momento, estava já efectivado o aumento do capital; 2.2 — A sociedade SCB, Lda, de que CC(…) é a única sócia, foi constituída em 9 de Julho de 2008 com um capital inicial de € 5.000,00 e, em 15 de Dezembro de 2008, foi deliberado pela única sócia efectuar um aumento de capital de € 125.000,00 a realizar integralmente em numerário, conforme acta n.° 2 do dia 15 de Dezembro de 2008. Ainda de acordo com a citada acta o sócio-gerente informou a assembleia que o reforço já se encontrava integralmente realizado; //2.3 — Ainda relativamente à sociedade SCB, Lda constatou-se que foram efectuados suprimentos/empréstimos pela única sócia, no montante de € 163.145,36; 114 — O n.° 1 do art.° 89.° - A da LGT dispõe que há lugar a avaliação indirecta da matéria colectável quando falte a declaração de rendimentos ou os rendimentos declarados para efeitos de IRS num determinado ano, mostrem unia desproporção superior a 50% para menos em relação ao rendimento padrão apurado nos termos da tabela a que se refere o n.° 4 do citado artigo. O n.º 4 do art. 89.º-A da Lei Geral Tributária (LGT) prevê por sua vez que o rendimento padrão, quando sejam efectuados suprimentos e/ou empréstimos, seja apurado pela aplicação de 50% ao valor dos empréstimos/suprimentos efectuados no ano, ou seja, em 2008 o rendimento-padrão dos sujeitos passivos era de € 81.572.68 //5 — Ora, da demonstração da liquidação de IRS relativa ao ano de 2008, retira-se que os rendimentos líquidos foram de € 4.638,59, pelo que sendo este valor inferior a 50% do rendimento padrão, encontram-se reunidas as condições para aplicação da avaliação indirecta nos termos das disposições legais supra referidas; //6 — Mas para além das manifestações de fortuna, os sujeitos passivos apresentam também evidência de acréscimos do seu património, nomeadamente das suas participações sociais. Como se referiu nos pontos 2.1 e 2.2. o sr. A(...) e a esposa aumentaram as suas participações sociais no montante de € 280.000,00 na sociedade VBC, Lda e a sra CC constituiu a sociedade SCB, Lda com um capital inicial de € 5.000,00 e efectuou um aumento de capital de € 125.000,00, tendo as mesmas sido realizadas integralmente em numerário, conforme já referido. Temos portanto que, para além dos suprimentos efectuados no ano de 2008, os sujeitos passivos no ano de 2008 tiveram um acréscimo no seu património, via aumento das suas participações sociais, de €410.000,00,// (…) Suprimentos empréstimos (1) 163.145,46”

4. Sobre o Relatório dos Serviços de Inspecção Tributária recaiu o despacho do Director de Finanças Vila Real, em substituição, de 13/1/12, que consta de fls. 5 do PA, que aqui se dá por reproduzido, com o seguinte destaque: “ Sanciono o presente relatório da I.T. do qual resulta a tributação do exercício de 2008, nos termos e fundamentos enunciados nos artigos IV e V (...)”;

5. Os rendimentos líquidos dos Recorrentes no ano de 2008 foram de 4.638,59 € – fls. 9 do PA

6. Em 17/10/2006 a Recorrente CC celebrou contrato de mútuo no valor de 200.000,00 € – doc. n.° 6 da PI;

7. Em 23/7/2007 contraiu junto do BES, Sucursal de Espanha, um empréstimo no valor de 120.000,00 € – doc. n.° 7;

8. Em 25/10/2007 a Recorrente celebrou contrato promessa de compra e venda de uma vivenda - como promitente vendedora - que possuía em Sevilha, pelo preço de 260.000,00 €, tendo recebido de sinal no acto da escritura a quantia de 30.000 € - doc. n.° 8

9. Em 2/4/2008 celebrou escritura de compra e venda do imóvel referido no número anterior, com redução do preço, pelo valor final de 254.000,00 € – doc. n.º 9;

10. O valor da venda da casa referida em 6. foi depositada na conta n.º 8(…)3 da agência de(…) (Espanha), recebido da seguinte forma: 30.000,00 €, no acto de assinatura do contrato promessa em 25/10/2007; o resto do preço de 224.000,00 € foi recebido no acto da celebração da escritura pública que ocorreu em 2/4/2008, em duas tranches, por depósito na conta da Recorrente; uma no valor de 101.000,00, ficando logo disponível, e a outra no valor de 123.000,00€ que só ficou disponível em 4/4/2008 – doc n.º 10.


Ao abrigo do disposto no artigo 712º do CPC, dada a sua relevância para a decisão da causa, adita-se a seguinte matéria de facto, a qual também resulta provada documentalmente:

11. A sociedade “SC” foi criada em 9.07.2008, sendo sócia única e sua gerente a Recorrente mulher (cfr. doc.s 1 e 2, juntos com a p.i.).

12. Dou por integralmente reproduzido o teor do documento 10 junto com a p.i. (cfr. fls. 108 e s.) – “Extracto de Movimientos” – da conta em EUR n.º 01(…)3, agência de H(…), titulada por CCF, do qual constam os seguintes movimentos:
DATACRÉDITODÉBITO
2.04.2008101.000,00
4.04.2008123.000,00
4.04.2008- 118.420,42
(pagamento empréstimo)
9.06.2008- 11.310,0
(cheque)
16.06.2008- 13.000,00
(cheque)
17.06.2008- 25.000,00
(cheque)
27.06.2008- 25.000,00
(cheque)
18.07.2008- 6.000,00
(cheque)
01.09.2008- 7.500,00
(cheque)
5.09.2008- 12.000,00
(cheque)








II.2. De direito

Os contribuintes ora Recorridos, ao abrigo do disposto no n.º 7 do artigo 89.º-A da LGT e 146.º-B do CPPT, recorreram da decisão do Director Distrital de Finanças de Vila Real que, no âmbito de acção inspectiva de fixação da matéria colectável referente a IRS do ano de 2008, fixou o rendimento a tributar no montante de € 76.934,14, a enquadrar no rendimento da categoria G do IRS (correspondente à diferença entre o valor apurado de acordo com a tabela constante no nº 4 do art. 89.º-A: 50% dos suprimentos – valor dos rendimentos líquidos declarados).

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela concedeu provimento ao recurso por ter considerado que os ora Recorridos comprovaram a fonte de rendimento que lhes permitiu fazer os suprimentos às sociedades de que eram sócios, cabendo à Administração tributária provar o contrário, nomeadamente demonstrar que o montante de EUR 574.000,00 (o somatório dos montantes de dois contratos de mútuo celebrados com instituições bancárias em 2006 e 2007, de EUR 200.000,00 e de EUR 120.000,00 e o valor de EUR 254.000,00 proveniente da venda de uma vivenda em Sevilha em 2007) não havia sido utilizado para esse fim.

Os ora Recorrentes não se conformaram com o assim decidido e interpuseram o presente recurso jurisdicional no qual se insurgem contra a sentença daquele Tribunal, ambos identificando idênticos fundamentos de recurso e que se reconduzem às questões supra identificadas e que este Tribunal cumpre resolver. Ao fim e ao cabo, pretendem os Recorrentes a revogação da sentença recorrida por entenderem que os ora Recorridos não lograram fazer prova do trato sucessivo entre a alegada fonte de rendimento e os suprimentos realizados – prova da relação directa entre a afectação de certo rendimento e determinada manifestação de fortuna evidenciada –, prova essa que legalmente lhes incumbia efectuar.

Vejamos então, sendo que, atenta a identidade de questões colocadas em ambos os recursos interpostos, se procederá à sua análise de modo conjunto.

Dispõe o artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária (na redacção em vigor ao tempo dos factos):

«1 - Há lugar a avaliação indirecta da matéria colectável quando falte a declaração de rendimentos e o contribuinte evidencie as manifestações de fortuna constantes da tabela prevista no n.º 4 ou quando o rendimento líquido declarado mostre uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão resultante da referida tabela

(…)

3 - Verificadas as situações previstas no n.º 1 deste artigo, bem como na alínea f) do artigo 87.º, cabe ao sujeito passivo a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou o acréscimo de património ou o consumo evidenciados.

4 - Quando o sujeito passivo não faça a prova referida no número anterior relativamente às situações previstas no n.º 1 deste artigo, considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, no ano em causa, e no caso das alíneas a) e b) do n.º 2, nos três anos seguintes, quando não existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90.º, que permitam à administração tributária fixar rendimento superior, o rendimento padrão apurado nos termos da tabela seguinte:

Manifestações de fortuna Rendimento padrão
1.Imóveis de valor de aquisição igual ou superior a € 250.000 20% do valor de aquisição.
2.Automóveis ligeiros de passageiros de valor igual ou superior a € 50.000 e motociclos de valor igual ou superior a € 10.000. 50% do valor no ano de matrícula com o abatimento de 20% por cada um dos anos seguintes.
3Barcos de recreio de valor igual ou superior a € 25.000 Valor no ano de registo com o abatimento de 20% por cada um dos anos seguintes.
4Aeronaves de Turismo Valor no ano de registo com o abatimento de 20% por cada um dos anos seguintes.
5Suprimentos e empréstimos feitos no ano de valor igual ou superior a € 50 00050% do valor anual











5 - No caso da alínea f) do artigo 87.º, considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, quando não existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90.º, que permitam à administração tributária fixar rendimento superior, a diferença entre o acréscimo de património ou o consumo evidenciados e os rendimentos declarados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação.
(…)».
Como se disse no recente Acórdão deste TCAN de 23.11.2012, no processo n.º 391/11.8BEMDL, “a avaliação indirecta dos rendimentos é a excepção no nosso ordenamento jurídico (a regra é a avaliação ser efectuada com base nas declarações dos contribuintes – artigo 59.º do CPPT, o que resulta da forma taxativa como o artigo 87.º da LGT fixa as situações em que pode ter lugar).”

Para o que nos interessa, há lugar à avaliação indirecta da matéria colectável quando contribuinte evidencie as manifestações de fortuna constantes da tabela prevista no n.º 4 e o rendimento líquido declarado mostre uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão resultante da referida tabela (50% do valor anual).

No caso dos autos entendeu o Tribunal a quo que estavam reunidos os pressupostos da determinação da matéria tributável nos termos resultantes do artigo 89°-A da LGT porquanto os ora Recorridos efectuaram, no decurso do ano de 2008, suprimentos no valor de EUR 163.145,36, sendo que os rendimentos por si declarados nesse ano, no montante de EUR 4.638,59, foram inferiores em 50% àquele rendimento padrão. Juízo esse que não sofreu contestação, não sendo objecto de recurso.

Mais concluiu o Mmo. Juiz do TAF de Mirandela que caberia aos ora Recorridos justificar a totalidade do montante que permitiu a manifestação de fortuna evidenciada, ou seja, os suprimentos no montante de EUR 163.145,36 às sociedades de que são sócios, o que estes lograram fazer, não lhes sendo já exigível a prova de que aquele concreto montante se destinou a efectuar os ditos suprimentos. É este o ponto de dissensão.

Está provado que a fonte de fortuna que possibilitou a realização de suprimentos no ano de 2008 (no valor de EUR 163.145,46) foram dois empréstimos bancários, efectuados em 17.10.2006 e em 23.07.2007, junto do B(…), SA e do BS(…), SA, Sucursal de Espanha (Madrid), nos montantes, respectivamente, de EUR 200.000,00 e de EUR 120.000,00, e ainda o recebimento de EUR 254.000,00 (EUR 30.000,00 em 2007 e o remanescente do preço com a escritura) resultante da venda em 2.04.2008 de um imóvel que a Recorrida CC possuía em Sevilha.

Temos assim que entre Outubro de 2006 e Abril de 2008, os Recorridos obtiveram de empréstimos e da alienação de bens mais de EUR 570.000,00. E perante tal prova, o Tribunal recorrido considerou justificada – erradamente pode já adiantar-se – a manifestação de fortuna.

Ora, a propósito do âmbito do ónus da prova decorrente do artigo 89.º-A, n.º 3, da LGT teve já oportunidade de se pronunciar este TCAN no já citado Acórdão de 23.11.2012, processo n.º 391/11.8BEMDL (para citar o mais recente), em que as partes são as mesmas e o recurso da decisão que fixou o rendimento a tributar por recurso a métodos indirectos (manifestações de fortuna), a enquadrar no rendimento da categoria G do IRS tem por base os mesmos fundamentos, divergindo apenas o ano de referência: ali IRS de 2007, aqui o ano de 2008. Aliás, cumpre referir que em ambos os processos vêm invocados os mesmos empréstimos para justificar os suprimentos efectuados em 2007 e 2008.

Concordando-se com o seu discurso fundamentador, passa-se a transcrever o mesmo na parte para o efeito aqui relevante:

Provados os pressupostos de aplicação do n.º 1 do artigo 89º-A da LGT, passa a caber ao sujeito passivo a prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas, nomeadamente, herança ou doação, rendimentos que não esteja obrigado a declarar, utilização do seu capital ou recurso a crédito – n.º 3 do artigo 89º-A da LGT.

A lei ao dizer que o sujeito passivo tem de provar que «é outra a fonte das manifestações de fortuna evidenciada» pretende o sujeito passivo indique a “fonte”, o mesmo é dizer, a origem da manifestação de fortuna, como é que ela se materializou.

Ora, não atinge tal desiderato provar fontes de rendimentos suficientes para a realização de determinada manifestação de fortuna. Porque, não se sabendo se os rendimentos foram utilizados naquela específica manifestação de fortuna, podem servir para justificar toda e qualquer manifestação de fortuna, logo, não servem para justificar nenhuma [sublinhado nosso].”

Como de igual modo se concluiu no Acórdão do STA de 12.04.2012, processo nº 298/12:

Para prova da ilegitimidade deste acto de avaliação indirecta não basta ao contribuinte demonstrar que no ano em causa detinha meios financeiros de valor superior ao dos consumos realizados, mas também quais os concretos meios financeiros que afectou à realização de tais consumos sendo a melhor interpretação do art. 89.º-A, n.º 3, da LGT, a que exige que o contribuinte prove a relação causal de afectação de certo rendimento (não sujeito a tributação) a determinada manifestação de fortuna evidenciada.

(…)

Patenteia-se que o sistema criado de controlo das manifestações de fortuna e outros acréscimos patrimoniais não justificados exige ao sujeito passivo que comprove a realidade dos rendimentos declarados e que é outra a fonte do acréscimo do património ou do consumo efectuado - cfr. art.° 89°-A n.° 3 da LGT. não lhe bastando fazer a demonstração de factos que permitam duvidar da existência do facto tributário ou da sua quantificação, antes se lhe impondo, que para além disso demonstre quais os concretos meios financeiros não sujeitos a declaração que foram afectos ao consumo evidenciado.

A demonstração de que se fala é, pois, a da afectação concreta dos recursos brotados da referida fonte (rendimentos não sujeitos a tributação) ao concreto consumo ou acréscimo patrimonial.

(…)

Tendo presente o regime da avaliação indirecta previsto no referido art. 89.º-A e a sua teleologia, parece-nos claro que a lei exige uma relação causal entre os meios financeiros não sujeitos a declaração e à sua afectação à manifestação de fortuna evidenciada. (…)”.

Assim, ao entender o Tribunal a quo que os ora Recorridos não tinham que fazer prova de que os montantes em causa e constantes do probatório tinham sido utilizados na realização dos concretos suprimentos, interpretou erradamente o comando normativo ínsito no artigo 89.º-A, n.º 3, da LGT (cfr., no mesmo sentido para além da jurisprudência citada e transcrita, o Acórdão deste TCAN de 20.01.2011, processo n.º 251/09.2BEMDL).

Com efeito, o entendimento plasmado na sentença recorrida levaria a que, por absurdo, “bastaria” ao contribuinte manter uma conta bancária provisionada com um montante avultado, para que sempre estivesse justificada toda e qualquer manifestação de fortuna evidenciada. A interpretação teleológica da norma consagrada no art. 89.º-A da LGT sugere um elemento de conexão, uma relação causal entre um certo rendimento e uma determinada manifestação de fortuna. Ou como se afirmou no Acórdão deste TCAN de 28.10.2010, processo n.º 212/10.9BEPNF:

A não ser assim, bem podia suceder que o contribuinte continuasse a manter na sua disponibilidade os meios financeiros que alegou e demonstrou não estarem sujeitos a declaração totalmente incólumes (i.e; não consumidos por manifestação de fortuna alguma), sendo até que sempre poderia usar os mesmos meios financeiros para justificar diferentes manifestações de fortuna ou, pelo menos, manifestações de fortuna evidenciadas em anos diferentes.

Ora, manifestamente, nem pode ser isso que quis o legislador nem esse entendimento colhe apoio na letra da lei. Concluímos, pois, que a melhor interpretação do art. 89.-A, n.º 3, da LGT, exige que o contribuinte prove a relação directa de afectação de certo rendimento (não sujeito a tributação) a determinada manifestação de fortuna evidenciada (…)”.

Razão pela qual a decisão recorrida não pode manter-se.

Aqui chegados, vejamos agora se a decisão do Director de Finanças de Vila Real que fixou o rendimento a tributar no ano de 2008 em sede da categoria G de IRS, no montante de EUR 76.934,14 se deve manter, sendo que os autos fornecem já os elementos pertinentes para o efeito.

Neste capítulo, e para além do que se vem de concluir, apesar de os ora Recorridos terem alegado – de modo algo genérico e conclusivo – na petição de recurso da decisão do Director Distrital de Finanças objecto dos autos que se encontrava justificada a aplicação dos empréstimos pessoais e o produto de parte do preço da venda de um imóvel em Espanha, certo é que da prova documental por si junta não se infere que tenham feito prova da proveniência e da mobilização dos recursos financeiros utilizados nos suprimentos efectuados à sociedade em questão no ano de 2008. De acordo com o disposto no n.º 3 do aludido 89.º-A da LGT competia aos ora Recorridos fazer tal prova, nomeadamente através de cópias de cheques e de ordens de movimentação de contas bancárias, designadamente transferências interbancárias, que evidenciassem quer a origem, quer a mobilização dos recursos financeiros utilizados (não sendo manifestamente suficiente para fazer prova dessa conexão a referência a vários levantamentos numa conta bancária da Recorrida mulher, sem suporte indiciário de que esses montantes serviram depois para efectuar os concretos suprimentos à sociedade). Aliás, a totalidade dos cheques assinalados (v. supra o que ficou provado em 12.) como nota a Fazenda, totalizam o montante de EUR 99.810,00, ou seja, menos que a parte restante. Isto é, dos EUR 163.579,60 de suprimentos efectuados (tal como de resto alegado pelos Recorridos), apenas EUR 99.810,00 poderiam ser justificados com levantamentos da conta em Espanha. Mas ainda assim, sempre os ora Recorridos não demonstraram, porque não apresentaram prova para tanto, que aqueles levantamentos serviram para efectuar os tais suprimentos.

Não se pondo em causa nem os dois empréstimos contraídos e respectivos montantes, nem o montante e recebimento do produto da venda do imóvel sito em Espanha, o que importava era saber se desses “dinheiros” saíram os quantitativos referidos a título de suprimentos durante o ano de 2008. Ou seja, a prova a efectuar é a da transferência dessas concretas quantias para a sociedade alegadamente beneficiária dos suprimentos.

E no caso dos autos os Recorridos não lograram fazer prova do fluxo ou mobilização dos concretos meios financeiros (que ficou provado possuírem) para a sociedade sob a forma de empréstimos/suprimentos. Como conclui o MP no recurso interposto, não existem nos autos elementos de prova da utilização/mobilização dos concretos empréstimos e produto da venda, ou de sua grande parte, para suprimentos efectuados na sociedade.

Deste modo, não estando justificada a manifestação de fortuna, deve manter-se o acto recorrido do Director de Finanças de Vila Real, o qual fixou o rendimento a tributar no ano de 2008 em sede da categoria G de IRS, no montante de EUR 76.934,14, em obediência ao disposto nos artigos 87.º, al. d), e 89.º-A, nº 4, da LGT.
III DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e julgar improcedente o recurso interposto da decisão do Director de Finanças de Vila Real que fixou o rendimento a tributar no ano de 2008 em sede da categoria G de IRS, no montante de EUR 76.934,14.
Custas pelos Recorridos, em ambas as instâncias.
Porto, 6 de Dezembro de 2012
Ass.: Pedro Marchão Marques
Ass.: Paula Ribeiro
Ass.: Fernanda Esteves