Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01923/13.2BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/22/2018
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Pedro Vergueiro
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IVA
JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO
CORRECÇÃO À MATÉRIA COLECTÁVEL
ARTIGOS 19º E 20º DO CIVA
QUESTÃO NOVA
Sumário:I) A lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, o que significa que o Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida.
II) Os recursos jurisdicionais destinam-se a alterar ou a anular a decisão de que se recorre, dentro dos fundamentos da sua impugnação, e que não lhes cabe o conhecimento ex novo de questões que não foram apreciadas na decisão recorrida (como sucede no caso presente com os pressupostos atinentes ao conteúdo que deve ser observado na emissão das facturas) - regra que só pode ser quebrada quando lei permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:S..., Lda.
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública, devidamente identificada nos autos, inconformada veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 31-10-2017, que julgou parcialmente procedente a pretensão deduzida pela sociedade “S..., Lda.” na presente instância de IMPUGNAÇÃO, relacionada com as liquidações de IVA e juros compensatórios referentes a períodos de tributação de 2009, 2010 e 2011, n.ºs 13010226 a 13010233, no montante global de € 118.469,27.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 913-917), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“ (…)
A Vem o presente recurso interposto da douta sentença que anulou parcialmente as liquidações adicionais de IVA impugnadas, na parte correspondente às facturas emitidas pela sociedades R…, Lda, NIPC 5…; C…, Lda., NIPC 5…; T…, SA, NIF 5…e W…, SA NIPC 5….
B O inciso decisório considera, para além da prova documental, a prova testemunhal foi determinante para a tomada de decisão.
C O desacordo da Fazenda Pública centra-se na avaliação efectuada da prova produzida, de molde a considerá-la suficiente para invalidar ou neutralizar os indícios que foram recolhidos no âmbito do procedimento de inspecção.
D Estando em causa o direito à dedução do IVA nas facturas identificadas no RIT, importa salientar que a emissão das referidas facturas, são uma formalidade ad substantiam para efeitos do exercício do direito à dedução previsto nos artigos 19º e 20º do Código do IVA.
E Assim, enquanto requisito objectivo exige-se que a factura emitida respeite determinados requisitos legais, art. 36º, n.º 5 do CIVA.
F As exigências legais relativas à emissão de factura, tem por objectivo combater a fraude e a evasão fiscal e cumprir o princípio da neutralidade fiscal.
G A factura é um elemento essencial para a Administração Tributária, uma vez que constitui o documento demonstrativo das operações económicas sobre que incide o imposto.
H Por este motivo, para que a factura seja válida para efeitos de IVA, deverá identificar do modo mais completo possível, o comprador e vendedor, a qualidade/tipo e a quantidade de serviços prestados, o preço aplicável ao serviço devidamente individualizado, a respectiva data de transacção, ou seja,
I deve conter os elementos relevantes que permitam identificar a operação de forma a que possa avaliar-se a incidência objectiva e subjectiva, taxa, cobrança, reembolsos, etc.
J Razão pela qual, a jurisprudência dos Tribunais Superiores, tem defendido de forma reiterada, que no âmbito do exercício do direito à dedução do IVA, as formalidades respeitantes às facturas revestem natureza ad substantiam e não meramente ad probationem, pelo que a sua falta, nos termos conjugados do artigo 364º, n.º 1 do Código Civil e artigo 19º n.º 22, alínea a) e 6 do Código do IVA, não poderá ser substituída por outros meios de prova, testemunhal ou documental independentemente da realidade das operações subjacentes.
Ao contrário do que transparece da análise dos indícios sérios recolhidos feita na douta sentença sob recurso, é da interpenetração destes indícios e da sua apreciação com recurso às regras da experiência que se conclui que as facturas em causa não correspondem a operações reais e efectivas,
K In casu, da leitura das facturas que a Administração fiscal considerou não poderem suportar a dedução do IVA, nelas identificado pela Impugnante, facilmente se conclui pelo carácter genérico das operações económicas nelas vertidas, o que desde logo obsta ao desejado intuito legislativo na prevenção da fraude e evasão fiscal.
L Com efeito, tais documentos, são manifestamente omissos, seja quanto à quantidade de serviços prestados, seja quanto ao preço unitário, bem como à data ou datas em que foram prestados, ou fornecidos, como se pode constatar, a título de exemplo do descritivo da factura n.º 006/2009, de 28/12/2009.
M Assim, considera a Fazenda Pública que foi com base em factos devidamente comprovados e fundamentados que os Serviços de Inspecção Tributária sustentaram as correcções em sede IVA, daí retirando as consequências devidas em termos de inadmissibilidade das deduções inerentes, nos termos dos arts. 19 e 20º do CIVA, verificando-se nos presentes autos, em nosso entender e sempre com o respeito devido, errada valoração probatória, isto é erro de julgamento, no que respeita ao valor atribuído aos factos que resultam do relatório de inspecção, em contraposição, com o valor atribuído à prova produzida pelo impugnante, designadamente a testemunhal e à sua idoneidade invalidante quanto àqueles factos.
N A douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 19º e 20º do Código do IVA.
Termos em que,
Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, com as legais consequências.”

A Recorrida S…, Lda., apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma (cfr. fls. 919-928):
“(…)
1- O Tribunal ad quem não pode apreciar o recurso formulado pela FP, porque, por um lado não cumpriu o ónus de impugnação estatuído no art. 640º, n.º 1 do CPC, e por outro lado, porque, o mesmo se enraíza numa questão nova, cujo conhecimento lhe está vedado pelo art. 608º, n.º 2 do CPC, ex vie art. 2º, al. e) do CPPT.
2- Em momento algum da fase graciosa do processo tributário a AT fundamentou as correcções à base tributável em IVA na falta de verificação dos pressupostos atinentes ao conteúdo que se deve ser observado na emissão das facturas.
3- Em nenhuma das fases do processo judicial de impugnação dos actos de liquidação foi solicitado ao Tribunal a aferição do direito à dedução da IVA, nos pressupostos atinentes ao conteúdo que se deve ser observado na emissão das facturas.
4- A exclusão do direito à dedução do IVA suportado nas facturas emitidas pelas sociedade R…, C…, T… e W…, com base na inobservância dos requisitos de conteúdo de emissão de facturas, nos termos da al. a) do n.º 2, do art. 20º do CIVA apenas foi suscitado em sede de alegações de recuso.
5- Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais (artigo 627º do CPC), através dos quais se visa reapreciar e modificar decisões e, não criá-las sobre matéria nova (salvo quanto às questões de conhecimento oficioso) e tendo-se demonstrado que a exclusão do direito à dedução de IVA por inobservância das regras de conteúdo que regulam a emissão das facturas, à luz do disposto na al. s), do n.º 2, do art. 20º do CIVA, apenas foi suscitada em sede de recurso, não pode este Tribunal de recurso ser chamado a pronunciar-se sobre a mesma, por constituir uma QUESTÃO NOVA.
6- A reapreciação da prova considerada pelo Tribunal a quo, na prolação da decisão, por parte do Tribunal ad quem, exige que a parte interessada cumpra o ónus de impugnação prescrito no art. 640º, n.º 1 do CPC.
7- A FP não deu cumprimento aos normativos legais aplicáveis, pelo que está vedada ao Tribunal ad quem, a possibilidade de conhecer do alegado erro de julgamento da matéria de facto.
8- Em face do que fica dito, a decisão em Recurso não merece qualquer reparo, devendo manter-se na Ordem Jurídica.
Assim, confirmando a decisão proferida pelo Tribunal a quo, farão V. Ex.ªs inteira e sã JUSTIÇA!”

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, impondo-se apreciar o descrito erro quanto ao julgamento da matéria de facto e bem assim a pertinência das correcções à matéria colectável com referência ao disposto nos artigos 19º e 20º do CIVA.
3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
Compulsados os autos e analisada a prova produzida, dão-se como provados, com interesse para a decisão, os factos infra indicados:
1. A 15 de novembro de 2007 a Impugnante tinha como objeto social a “[r]ealização de consultadoria, nomeadamente estudos técnicos, de mercado e financeiros, bem como gestão logística e fiscalização. A gestão de processos negociais relativos a quaisquer negócios jurídicos, designadamente a compra e venda, a cessão, a fusão, a aquisição, a dissolução, ou outros, de sociedades empresariais, ou quaisquer outras formas de associação, tais como agrupamentos complementares de empresas, consórcios, suas gestoras de participações sociais, e as suas respectivas participações sociais. A construção civil, urbanização e loteamento. A administração de projectos de investimento e das participações financeiras da própria sociedade, designadamente na área da realização de projectos urbanísticos de arquitectura e de engenharia” - cfr. fls. 78 a 81 do processo físico;
2. A 30 de dezembro de 2009 o objeto social referido no número anterior foi alterado para: “[r]ealização de consultadoria, nomeadamente estudos técnicos, de mercado e financeiros, bem como gestão logística e fiscalização. A gestão de processos negociais relativos a quaisquer negócios jurídicos, designadamente a compra e venda, a cessão, a fusão, a aquisição, a dissolução, ou outros, de sociedades empresariais, ou quaisquer outras formas de associação, tais como agrupamentos complementares de empresas, consórcios, suas gestoras de participações sociais, e as suas respectivas participações sociais. Compra e venda, permuta e arrendamento, de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim. Urbanização e loteamentos, construção e reconstrução de edifícios para venda, construção civil e obras pública em geral, bem como, compra, venda, revenda, distribuição, importação e exportação de mercadorias e matérias primas relacionadas com o sector da construção civil e afins. Administração de projectos de investimento e das participações financeiras da própria sociedade, designadamente na área da realização de projectos urbanísticos de arquitectura e engenharia” - cfr. fls. 78 a 81 do processo físico;
3. A Impugnante possui como CAE principal o n.º 70220 relativo a “Outras actividades de consultoria para os negócios e a gestão” e como CAEs secundários os n.ºs 41200, 71110 e 74900, respetivamente relativos a “Construção de edifícios (residenciais e não residenciais)”, “Actividades de arquitectura” e “Outras actividades de consultoria, científicas, técnicas e similares, n.e.” - cfr. fls. 78 do processo físico;
4. A impugnante foi objeto de uma ação de inspeção externa, em sede de IVA, no âmbito da qual foram efetuadas correções à matéria coletável, de natureza meramente aritmética, aos exercícios de 2009, 2010 e 2011, nos montantes respetivos de € 32.850, € 61.856 e € 13.570,01 - cfr. relatório de inspeção de fls. 54 e ss. do Processo Administrativo;
5. No dia 12 de fevereiro de 2013 foi elaborado relatório de inspeção tributária, o qual se dá por integralmente reproduzido - cfr. fls. 54 a 72 do Processo Administrativo apenso aos autos - e no qual consta que as correções mencionadas no número anterior foram efetuadas com o seguinte fundamento, que aqui se transcreve na parte com interesse para a decisão:
Da análise às faturas que a S… possui contabilizadas emitidas pelos fornecedores a seguir identificados, verifica-se que não contêm a denominação usual dos serviços prestados, contrariando o disposto no nº 5 do artº 36º do código do IVA (CIVA), o que não permite aferir da legitimidade das deduções de IVA efetuadas, e, consequentemente, da legitimidade dos reembolsos de IVA solicitados. Por outro lado, a partir da consulta efetuada aos elementos constantes na base de dados da AT, nomeadamente as declarações periódicas de IVA, constatamos a existência de anomalias, em termos declarativos, relativamente a alguns dos fornecedores da S..., uma vez que ou não tinham apresentado declarações ou os valores declarados eram incompatíveis com os constantes nas facturas emitidas para o cliente S.... (…)
O IVA que o sujeito passivo contabilizou e declarou como dedutível nas declarações apresentadas relativas aos períodos 0912 e seguintes está suportado, na sua quase totalidade, por facturas emitidas pelos seguintes fornecedores:
A) R…, Lda., NIPC 5… (doravante R…)
(…)
Em suma:
- As faturas da R..., que suportam o IVA deduzido, não discriminam, nem especificam a natureza dos serviços prestados, o mesmo se verificando relativamente às faturas emitidas pela S... para a A... (a quem teriam sido repercutidos os serviços de acordo com os esclarecimentos prestados pela S...);
- As cópias das faturas exibidas pela R... são impressas em tipografia e as faturas na posse da S... que serviram de base à dedução, e deviam ser iguais às cópias na posse da R..., são emitidas por computador;
- A S... não fez contar na 1º DP de IVA apresentada para o período de 0912 o imposto constante na fatura nº 6/2009 emitida pela R..., que só deduziu na declaração de substituição relativa ao período 0912 apresentada em 12-07-2010.
- A R... também só declarou o imposto liquidado na factura nº 6/2009 em 06-07-2010 e não declarou o imposto liquidado nas restantes faturas emitidas para a S....´
- Os cheques relativos às faturas da R..., com exceção daquele que tem valor igual ao IVA da fatura n.º 006/2009, foram depositados na conta particular do gerente da R...;
- A S..., apesar de notificada para o efeito, não apresentou qualquer prova quer da materialidade desses serviços, quer de que os mesmos tenham sido adquiridos para a realização de operações sujeitas a imposto e dele não isentas (tão pouco esclareceu ou comprovou o tipo de operações por si realizadas).
Assim, é nossa convicção que os factos descritos constituem indícios fundados de que as faturas que a S... possui contabilizadas em que figura como emitente a R... não consubstanciam a efetiva prestação de serviços de consultadoria, apenas traduzem operações simuladas. Assim, nos termos do nº 3 do artº 19º do CIVA, considera-se que o imposto suportado pelas faturas emitidas pela R... foi deduzido indevidamente.
b) Cr…, NIF 2…
(…)
Apesar de na fatura constar a indicação de IVA incluído, verifica-se que o emitente da fatura é um sujeito passivo isento nos termos do artº 53º do CIVA.
Acresce que da consulta ao anexo B da declaração de IRS, ano de 2009, apresentada pelo emitente da fatura, verifica-se que não foi declarado qualquer valor relativo a vendas ou prestações de serviços.
Notificada a S... para indicar para que fim adquiriu os bens, foi-nos informado que “dizem respeito a uma ação de campanha publicitária realizada pela nossa empresa para divulgação e conhecimento da mesma no setor imobiliário e afins”. No entanto, não foram apresentados quaisquer comprovativos da efetiva realização dessa campanha.
Assim, não foi comprovado que os bens adquiridos estejam relacionados com a atividade exercida pela S..., e consequentemente o IVA é não dedutível nos termos do artº 20º do CIVA.
c) Fatura nº 901434 de M…, Lda.
(…)
Assim, e dado que a S... não faturou, aos beneficiários da formação, ou à sua entidade empregadora, qualquer montante relativo à formação prestada, o imposto suportado com a formação dos identificados empregados da F…, no montante de 1 866,67€ (2/3*14 000,00*20%) não é dedutível, nos termos do artº 20º do CIVA, pois não é relativo a serviços adquiridos pelo sujeito passivo para a realização de prestação de serviços sujeitos a imposto e dele não isentas.
d) C…, Lda., NIF 5…
(…)
Em Suma:
- A S... não apresentou qualquer documento comprovativo da efetiva prestação dos serviços que lhe foram faturados pela C…;
- A C... informou que existem relatórios mas não os apresentou;
- A C... foi notificada para apresentar comprovativos do recebimento dos valores faturados e respetiva contabilização, nada tendo apresentado.
- Os cheques destinados ao pagamento das faturas foram pagos a Rose.. (gerente da C...).
- A S... informou que este estudo era destinado a um cliente. No entanto, apesar de alegadamente o mesmo ter sido concluído em Novembro de 2010, não existe nenhuma fatura emitida pela S... no ano de 2010 ou 2011 relativa a tal estudo.
Assim, é nossa convicção que estamos na presença de operações simuladas, pelo que o IVA que lhe está associado, no montante de 10 499, 9€, foi indevidamente deduzido nos termos do disposto no nº 3 do artº 19º do CIVA.
e) T…, SA, NIF 5…
(…)
Em Suma:
- Do exposto, resulta claramente que o que está em causa é a apresentação por parte da T… à S... de vários imóveis propriedade de terceiros, localizados em território nacional, tendo em visto a sua transação.
- Questionado o sujeito passivo S... para exibir documentos comprovativos da materialidade dos serviços prestados e identificar os clientes da S... a quem foram repercutidos os serviços adquiridos, foi-nos informado que “relativamente a este tema existem uma série de oportunidades comerciais que nos foram endereçadas que se encontram em nosso poder e que estamos em fase de análise e decisão inicial (algumas inclusive temos acordos de confidencialidade assinados), pelo qual só os poderemos exibir assim que for tomada alguma decisão da nossa parte como investidores. Mais uma vez gostaríamos de relembrar V. Exas. Que a S..., além de prestadora de serviços é também investidora”.
- Assim, o sujeito passivo S... assume que esta aquisição de serviços se insere no âmbito da sua atividade de “compra e venda, permuta e arrendamento de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim” – atividade isenta de IVA, nos termos do disposto no artº 9º, nº 30, do CIVA, que, como tal, não confere direito à dedução do imposto suportado na aquisição de bens e/ou serviços, conforme preconiza o artº 20º do CIVA.
- Deste modo, o IVA suportado pelas faturas emitidas pela Times B foi indevidamente deduzido pelo sujeito passivo, nos termos do artº 20 do CIVA, porquanto respeita a uma atividade isenta.
f) W…, SA, NIPC 5…
(…)
Dos esclarecimentos supra transcritos, resulta claramente que a S... associa os serviços em causa a um conjunto de ações de pesquisa de negócios imobiliários, mas não identifica negócios concretos, nem qual o seu papel nestes negócios. O “naipe de dossiers” que a S... apresentou como comprovativos consiste num conjunto de plantas de arquitetura, sem qualquer identificação do seu autor e/ou proprietário, bem como algumas fotografias / imagens virtuais, relativas a um empreendimento imobiliário, que identifica como “Z…, rua…, Porto, projetado para um terreno que não identifica.
Assim, é nossa convicção que esta aquisição de serviços se insere no âmbito da sua atividade de “compra e venda, permuta e arrendamento de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim” que é uma atividade isenta de IVA, nos termos do disposto no artº 9º, nº 30, do CIVA, e, como tal, não confere direito à dedução do imposto suportado na aquisição de bens e/ou serviços, conforme preconiza o artº 20º do CIVA.
Deste modo, o IVA suportado pelas faturas emitidas pela W… foi indevidamente deduzido pelo sujeito passivo, nos termos do artº 20 do CIVA, porquanto respeita a uma atividade isenta.
(…)
Dos factos descritos, resulta IVA indevidamente deduzido, nos termos dos artº 19º e 20º do CIVA, no total de 108 276,01 €, com a seguinte distribuição por período de imposto:
Período
Total deduções indevidas
0912
32.850,00
1009T
34.500,00
1012T
27.356,00
1103
13.570,01

” - cfr. relatório de inspeção tributária a fls. 66 a 71 dos Processo Administrativo apenso aos autos;
6. Na sequência das correções efetuadas, a 9 de março de 2013, foram emitidas as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios, n.ºs 13010226 a 13010233, referentes a períodos de tributação de 2009, 2010 e 2011, no montante global de € 118.469,27, cujo prazo limite de pagamento voluntário terminou a 31 de maio de 2013 - cfr. documento de fls. 359 e 365 do Processo Administrativo e fls. 601 a 608 do processo físico;
7. A 30 de março de 2009 M… e I… e F…, Lda. subscreveram “contrato promessa de compra e venda” (cfr. doc. de fls. 129 a 131 do processo físico, que se dá por integralmente reproduzido) pelo qual os primeiros prometeram vender e a segunda comprar os prédios sitos em Boqueirão, freguesia do Porto Santo, inscritos na matriz predial sob parte do artigo 9… e 9… da secção “AV” e descritos na Conservatória do Registo Predial do Porto Santo sob os n.ºs 0.. e 0…, o qual foi objeto de aditamento em 26 de abril de 2010 - doc. de fls. 132 e 133 do processo físico, que se dá por integralmente reproduzido;
8. A 2 de abril de 2009 a Impugnante [como Primeira Outorgante] e a R..., Lda. [como Segunda Outorgante] outorgaram contrato de prestação de serviços destinado a “iniciar e incrementar sucessivamente e de forma sustentável as suas relações comerciais, consubstanciadas no encaminhamento, por parte da Primeira Outorgante de propostas de negócio e/ou aquisição de peças imobiliárias da carteira da Segunda Outorgante ou suas outras unidades de negócio” (cfr. cláusula terceira, ponto primeiro) e do qual consta a seguinte cláusula relativa a remuneração (cfr. cláusula quinta):
Primeiro - A remuneração a pagar pela Primeira Outorgante à Segunda pelos serviços prestados no âmbito deste contrato, é fixada, globalmente, na quantia de € 197.500,00 (cento e noventa e sete mil e quinhentos euros) à qual acrescerá IVA à taxa legal aplicável.” - cfr. doc. de fls. 83 a 85 do processo físico e fls. 270 e 271 do Processo Administrativo, que se dá por integralmente reproduzido;
9. O serviço referido no número anterior encontra-se titulado pela fatura n.º 006/2009, de 28-12-2009, referente a “contrato de prestação de serviços imobiliários”, com um valor total de € 225.150,00 valor que foi pago através dos cheques constantes de fls. 125 a 128 do processo físico, sacados sobre o Banco BPI - cfr. fls. 60 verso do Processo Administrativo;
10. No âmbito dos serviços prestados a coberto do contrato referido no número 8) encontram-se os preparativos (cfr. docs. de fls. 91 a 124 e 696 a 701 do processo físico) para os negócios discriminados nos anexos 1 e 2 a tal contrato, respetivamente de 2 de abril de 2009 e de 8 de outubro de 2009 - cfr. docs. de fls. 86 a 90 do processo físico, que se dão por integralmente reproduzidos e depoimento de Rob…;
11. A 2 de abril de 2009 a Impugnante e a R... –, Lda. subscreveram “contrato de permuta de serviços e promessa de constituição de sociedade comercial, sob condição suspensiva” (doc. de fls. 136 a 141), do qual consta que:
- “ as ditas Outorgante contratam-se, mutuamente, para, em regime de permuta, realizarem: a Primeira [Impugnante] todas as consultas para localização e aquisição de peças imobiliárias a afectar ao fim objecto do presente contrato e a Segunda [R...] todos os estudos de mercado que entender necessários” (cláusula segunda);
- “[a] título de remuneração, ambas as Outorgantes estabelecem que se envolverão com uma quantia global de € 600 000, 00 (seiscentos mil euros), correspondente ao envolvimento de ambas as aqui Outorgantes na fase de instalação deste projecto, reservando-se, entre si, diferentes âmbitos de actuação, pela qual à Primeira Outorgante se reservará a prospeção de peças imobiliárias e a consulta de entidades oficiais com vista à localização de empreendimentos hoteleiros. (…)
Por sua vez, à Segunda Outorgante ficará reservada a actuação ao nível da prospecção, análise e estudo do mercado.” (cláusula quarta).
12. No âmbito do contrato referido no número anterior, foi realizado pela R... um estudo de mercado e um designado “masterplan” para o desenvolvimento, construção e operação de hotéis em Cabo Verde (cfr. docs. de fls. 144 a 266 do processo físico), serviços titulados pelas facturas n.ºs 12/2010, 18/2010, 19/2010 e 20/2010, num montante global de € 238.004, 00, pago por cheques, sacados sobre o Banco B… - cfr. fls. 267 a 274 e 696, 697 e 702 a 714 do processo físico e depoimento de Rob…;
13. A R... faturou à Impugnante em 14 de junho de 2010, através da fatura n.º 10/2010, “prestação de serviços consultadoria imobiliária para terreno apartamentos no Funchal conforme contrato de prestação de serviços datado de 2 de abril de 2009”, no montante global de € 34.500,00 (cfr. doc. de fls. 134 do processo físico), valor que foi pago através do cheque constante de fls. 135 dos autos, sacado sobre o Banco B….
14. A Impugnante em sede de esclarecimentos solicitados durante a inspeção tributária realizada afirmou que a fatura referida no número anterior “corresponde ao pagamento inicial de um outro contrato sobre Cabo Verde, assinado em 02-04-09, referente à entrada inicial do mesmo, e que foi mal redigido tendo nós já solicitado a sua rectificação em termos de texto (já que a data e a importância permanece inalterável)” – cfr. fls. 800 verso do Processo Administrativo.
15. O cheque de fls. 125 do processo físico foi depositado na conta bancária pertencente à R... - cfr. fls. 125 do processo físico, fls. 62 e 63 do Processo Administrativo;
16. Os cheques de fls. 126, 127, 128, 135, 268, 270, 272 e 274 do processo físico, após endosso da R..., foram depositados na conta pessoal do sócio gerente da R..., Rob… - cfr. fls. 126, 127, 128, 135, 268, 270, 272 e 274 do processo físico, fls. 62 e 63 do Processo Administrativo e depoimento de Rob…;
17. As faturas relativas aos serviços prestados pela R... à Impugnante, excetuando a n.º 20/2020, foram emitidas duplamente, de forma tipográfica e em computador - cfr. fls. fls. 280 a 284 e fls. 292 a 297 do Processo Administrativo e depoimento de Rob…;
18. A R... atuou da forma descrita em 14) devido a exigências de J…(gerente da S...) que pretendia as faturas em formato digital, sendo que a firma de contabilidade com a qual a R... trabalhava emitia faturas em formato tipográfico - depoimento de Rob…;
19. O gerente da R..., Rob…, atuou da forma descrita no número anterior porque o outro sócio gerente da R..., que também vinculava a sociedade, se ausentou para o Brasil, não sendo possível movimentar a conta da sociedade R... - cf. depoimento de Rob…;
20. Em 2 de agosto de 2010 a Impugnante e a C... subscreveram “contrato de prestação de serviços” (cfr. doc. de fls. 275 do processo físico, que se dá por integralmente reproduzido) destinado ao fornecimento pela C... à Impugnante de serviços de consultadoria de “estudo de mercado para aquisição de unidades fabris têxteis” (cláusula primeira) pela qual a Impugnante pagaria o montante de € 49.999, 50, acrescidos de IVA à taxa legal em vigor (cláusula segunda), montante titulado pelas faturas n.ºs 1 e 2 de 31/12/2010, nos valores respetivos de €10.199, 17 e €50.000,23 e pagos por cheques, sacados sobre o Banco B… - cfr. fls. 491 a 494 do processo físico;
21. No âmbito de tal contrato foi feito o estudo constante de fls. 276 a 490 do processo físico - cf. depoimento de F…;
22. A 30 de novembro de 2009 Cr… emitiu fatura à Impugnante no montante de € 20000, com menção de IVA incluído, relativos a 1700 sweat shirt‟s, 1700 bonés, 1700 pólos e 1700 t-shirts, o qual foi pago pela mesma - cfr. docs. de fls. 495 e 496;
23. O material referido no número anterior destinava-se à promoção da Impugnante e seus serviços através de uma campanha publicitária de distribuição no Estádio do Dragão - cfr. coisas móveis juntas aos autos em que é legível a seguinte publicidade “S..., Lda.” e depoimento de F…;
24. A 31 de dezembro de 2009, a M… faturou à Impugnante a quantia de € 24.000 (com iva incluído), relativo a serviços de consultadoria prestados, formação em Word e Excel a 3 funcionários individualmente e formação PowerPoint a 2 funcionários individualmente, montante que foi pago pela Impugnante através de cheque - cfr. docs. de fls. 497 e 498 dos autos;
25. Os beneficiários da formação referida no número anterior foram o Srs. J… (gerente da S...), F… e P… funcionários da F…) – cfr. fls. 67 do Processo Administrativo e depoimentos de F… e J…;
26. J… à data dos factos era também gerente da F… - cfr. fls. 58 do Processo Administrativo e depoimentos de F… e J…;
27. F… e P… receberam formação porque era objetivo da Impugnante integrá-los nos seus quadros para desenvolver uma nova área de negócio, a venda de hardware informático - depoimento de F…;
28. De acordo com os elementos de contabilidade, a Impugnante não dispõe de qualquer trabalhador ao seu serviço, sendo a atividade desenvolvida pelo seu gerente, J…, e também com recurso a serviços prestados por entidades externas à empresa - cfr. relatório de inspeção tributária, a fls. 58 do Processo Administrativo e fls. 78 do processo físico e depoimento de F…;
29. A 22 de março de 2010 a Impugnante e a T… SA subscreveram contrato de prestação de serviços profissionais de consultoria imobiliária e de investimentos (cfr. doc. de fls. 499 do processo físico), pela qual a Impugnante se comprometeu a pagar o valor global de € 75.010, acrescido de IVA à taxa legal em vigor.
30. O contrato referido no número anterior deu origem aos estudos constantes de fls. 500 a 594 dos autos - cfr. fls. 500 a 594 dos autos e depoimento de F…;
31. O contrato referido em 29) originou as faturas constantes de fls. 514, 545, 562 e 594 dos autos, tendo sido pagos pela Impugnante à T… através de cheque em 22 de dezembro de 2010 o montante de € 15.742,10 e em 15 de novembro de 2011 a quantia de € 75.020,00 - cfr. docs. de fls. 515 e 546 dos autos;
32. A 1 de março de 2011 a Impugnante e a W… subscreveram um contrato de prestação de serviços (cfr. doc. de fls. 595 dos autos, que se dá como integralmente reproduzido), mediante o qual a W… se obrigou a prestar à Impugnante serviços de consultadoria em gestão e estratégia de negócio, pelos quais a Impugnante pagaria o montante global de € 59.000 acrescido de IVA à taxa legal em vigor.
33. No âmbito do contrato referido no número anterior foram emitidas as faturas correspondentes e os montantes relativos às mesmas foram pagos pela Impugnante através de cheque (cfr. fls. 597 a 600 do processo físico).
34. No âmbito do contrato referido em 32) foram efetuados os estudos constantes de fls. 595-B a 596 e 724 a 777 do processo físico - cfr. fls. 595-A a 596 e 724 a 777 do processo físico e depoimento de D…;
35. A presente Impugnação foi apresentada junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 30 de julho de 2013 - cfr. fls. 2 do processo físico;

Factos não provados
Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa.
Motivação:
Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos, no processo administrativo em apenso, conforme indicado em cada um dos números.
Quanto aos factos provados números 10, 12, 16, 17, 18, 19, 21, 23, 25, 26, 27, 28, 30 e 34, além da prova documental quando aplicável, foi determinante o depoimento das testemunhas inquiridas conforme atas de fls. 693A e 716, a saber Rob…, F…, J…, F…, F… e D…, que se mostraram:
- credíveis e coerentes, dado que apresentaram um discurso seguro e congruente, sem hesitações de relevo, não resultando do seu depoimento incoerências internas nem contradições decorrentes do respetivo confronto com os documentos e prova juntos aos autos;
- isentas, pois não revelaram qualquer interesse pessoal na resolução da causa;
- e demonstraram ter conhecimento direto dos factos pelas razões infra discriminadas.
Rob… demonstrou ter conhecimento direto dos factos em causa nos presentes autos porquanto era gerente da R..., tendo conseguido demonstrar em Tribunal os termos em que foram efetuados os negócios com Impugnante, a materialidade das operações efetuadas pela R... e explicar porque existiam faturas em formato digital e em formato tipográfico, assim como porque os valores relativos aos negócios acabariam por ser depositados na sua conta pessoal. Ainda demonstrou esta testemunha uma atitude cooperante para a descoberta da verdade material, tendo enviado, a requerimento do Tribunal, documentação adicional para comprovar a materialidade das operações efetuadas pela sua empresa.
F…e demonstrou ter conhecimento direto dos factos por ser legal representante da T…, S.A., tendo conseguido demonstrar em Tribunal o tipo de serviços que prestou à Impugnante e respetiva finalidade.
J… demonstrou ter conhecimento direto dos factos porquanto era gerente da M…, tendo prestado serviços informáticos e de formação aos trabalhadores do Sr. J… (gerente da Impugnante e de outras empresas).
F… demonstrou ter conhecimento direto dos factos porque trabalhou na sociedade F…, pertencente ao grupo de empresas do grupo F… (ao qual também pertencia a Impugnante), entre 2005 e 2015, exercendo as funções de rececionista e secretária e prestando serviços a todas as empresas do grupo, pois todas funcionavam no mesmo espaço. Por tal motivo, recebeu formação da empresa M…, assim como rececionou a mercadoria de Cr… destinada a campanha publicitária.
F…i demonstrou ter conhecimento direto dos factos por ter efetuado o estudo solicitado pela Impugnante à empresa “C...”.
D… demonstrou ter conhecimento direto dos factos porquanto colaborou com a empresa W… no trabalho de consultadoria destinado à Impugnante no ano de 2011 (Projeto Z…), tendo conseguido explicar ao Tribunal os critérios que presidiram ao valor do contrato, a sua finalidade e os serviços fornecidos pela W… à Impugnante no âmbito do mesmo.”
«»
3.2. DE DIREITO
Nas suas alegações, a Recorrente aponta que o inciso decisório considera, para além da prova documental, a prova testemunhal foi determinante para a tomada de decisão, sendo que o desacordo da Fazenda Pública centra-se na avaliação efectuada da prova produzida, de molde a considerá-la suficiente para invalidar ou neutralizar os indícios que foram recolhidos no âmbito do procedimento de inspecção.
Mais refere que foi com base em factos devidamente comprovados e fundamentados que os Serviços de Inspecção Tributária sustentaram as correcções em sede IVA, daí retirando as consequências devidas em termos de inadmissibilidade das deduções inerentes, nos termos dos arts. 19 e 20º do CIVA, verificando-se nos presentes autos, em nosso entender e sempre com o respeito devido, errada valoração probatória, isto é erro de julgamento, no que respeita ao valor atribuído aos factos que resultam do relatório de inspecção, em contraposição, com o valor atribuído à prova produzida pelo impugnante, designadamente a testemunhal e à sua idoneidade invalidante quanto àqueles factos.

Quanto ao julgamento da matéria de facto, crê-se pertinente apontar que com a revisão do CPC operada pelo DL n.º 329-A/95, de 12.12, e pelo DL n.º 180/96, de 25.09, foi instituído, de forma mais efectiva, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto.
Importa, porém, ter presente que o poder de cognição deste Tribunal sobre a matéria de facto ou controlo sobre a decisão de facto prolatada pelo tribunal “a quo” não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto - art. 685º-B do CPC, que regula esta matéria depois da alteração introduzida pelo D.L. nº 303/07, de 24-08 (actual art. 640º a partir da Lei nº 41/2013, de 26-06), porquanto, por um lado, tal possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados e desde que cumpra os pressupostos fixados no art. 685º-B nºs 1 e 2 do CPC, e, por outro lado, o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade (vide sobre esta problemática A.S. Abrantes Geraldes in: “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. II, págs. 250 e segs.).
Daí que sobre o recorrente impende um especial ónus de alegação quando pretenda efectuar impugnação com aquele âmbito mais vasto, impondo-se-lhe, por conseguinte, dar plena satisfação às regras previstas no art. 685º-B do CPC.
É que ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 712.º, n.º 1 do CPC, incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
Diga-se ainda que a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova por parte do julgador que se mostra vertido no art. 655.º do CPC, sendo certo que na formação da convicção daquele quanto ao julgamento fáctico da causa não intervém apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também factores não materializados, visto que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação e/ou na respectiva transcrição, o que significa que a convicção do tribunal se forma de um modo dialéctico, pois, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas produzidas nos autos, importa atender também à análise conjugada das declarações produzidas e dos depoimentos das testemunhas, em função das razões de ciência, da imparcialidade ou falta dela, das certezas e ainda das lacunas, das contradições, das hesitações, das inflexões de voz, da serenidade, dos “olhares de súplica” para alguns dos presentes, da "linguagem silenciosa e do comportamento", da própria coerência de raciocínio e de atitude demonstrados, da seriedade e do sentido de responsabilidade evidenciados, das coincidências e inverosimilhanças que transpareçam no decurso da audiência de julgamento entre depoimentos e demais elementos probatórios.
Ao invés do que acontece nos sistemas da prova legal em que a conclusão probatória está prefixada legalmente, nos sistemas da livre apreciação da prova, como o nosso, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do discussão em sede de julgamento, com base apenas no juízo que se fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
Note-se, contudo, que este sistema não significa puro arbítrio por parte do julgador.
É que este pese embora livre no seu exercício de formação da sua convicção não está isento ou eximido de indicar os fundamentos onde aquela assentou por forma a que, com recurso às regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquele processo de formação da convicção sobre a prova ou não prova daquele facto, permitindo, desta feita, sindicar-se o processo racional da própria decisão.
Aliás, a nossa lei processual determina e faz impender sobre o julgador um ónus de objectivação da sua convicção, através da exigência da fundamentação da matéria de facto (da factualidade provada e da não provada), devendo aquele analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção (cfr. art. 653.º, n.º 2 do CPC).
É que não se trata de um mero juízo arbitrário ou de simples intuição sobre veracidade ou não de uma certa realidade de facto, mas antes duma convicção adquirida por intermédio dum processo racional, objectivado, alicerçado na análise critica comparativa dos diversos dados recolhidos nos autos na e com a produção das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações, sendo que aquela convicção carece de ser enunciada ou explicitada por expressa imposição legal como garante da transparência, da imparcialidade e da inerente assunção da responsabilidade por parte do julgador na administração da justiça.
À luz desta perspectiva temos que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
Ora, como já ficou claro, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, o que significa que o Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida, sendo que a Recorrente, “in casu”, não cumpre com o referido ónus, pois que, nada é dito sobre a matéria de facto em concreto no que concerne ao teor do probatório, do mesmo modo que nada é dito com referência aos concretos elementos probatórios, de modo que, não tendo a recorrente cumprido o determinado na norma citada, o recurso nesta parte é rejeitado, o que obsta a que este Tribunal proceda ao reexame de tal matéria de facto.

A partir daqui, importa entrar na análise da questão central suscitada nos autos e que se prende com o direito à dedução do IVA nas facturas identificadas no RIT, salientando a Recorrente que a emissão das referidas facturas, são uma formalidade ad substantiam para efeitos do exercício do direito à dedução previsto nos artigos 19º e 20º do Código do IVA, pois que, enquanto requisito objectivo exige-se que a factura emitida respeite determinados requisitos legais, art. 36º, n.º 5 do CIVA, verificando-se que as exigências legais relativas à emissão de factura, tem por objectivo combater a fraude e a evasão fiscal e cumprir o princípio da neutralidade fiscal, apresentando-se a factura como um elemento essencial para a Administração Tributária, uma vez que constitui o documento demonstrativo das operações económicas sobre que incide o imposto e por este motivo, para que a factura seja válida para efeitos de IVA, deverá identificar do modo mais completo possível, o comprador e vendedor, a qualidade/tipo e a quantidade de serviços prestados, o preço aplicável ao serviço devidamente individualizado, a respectiva data de transacção, ou seja, deve conter os elementos relevantes que permitam identificar a operação de forma a que possa avaliar-se a incidência objectiva e subjectiva, taxa, cobrança, reembolsos, etc., razão pela qual, a jurisprudência dos Tribunais Superiores, tem defendido de forma reiterada, que no âmbito do exercício do direito à dedução do IVA, as formalidades respeitantes às facturas revestem natureza ad substantiam e não meramente ad probationem, pelo que a sua falta, nos termos conjugados do artigo 364º, n.º 1 do Código Civil e artigo 19º n.º 22, alínea a) e 6 do Código do IVA, não poderá ser substituída por outros meios de prova, testemunhal ou documental independentemente da realidade das operações subjacentes.
Ao contrário do que transparece da análise dos indícios sérios recolhidos feita na douta sentença sob recurso, é da interpenetração destes indícios e da sua apreciação com recurso às regras da experiência que se conclui que as facturas em causa não correspondem a operações reais e efectivas, in casu, da leitura das facturas que a Administração fiscal considerou não poderem suportar a dedução do IVA, nelas identificado pela Impugnante, facilmente se conclui pelo carácter genérico das operações económicas nelas vertidas, o que desde logo obsta ao desejado intuito legislativo na prevenção da fraude e evasão fiscal.
Com efeito, tais documentos, são manifestamente omissos, seja quanto à quantidade de serviços prestados, seja quanto ao preço unitário, bem como à data ou datas em que foram prestados, ou fornecidos, como se pode constatar, a título de exemplo do descritivo da factura n.º 006/2009, de 28/12/2009, de modo que, considera a Fazenda Pública que foi com base em factos devidamente comprovados e fundamentados que os Serviços de Inspecção Tributária sustentaram as correcções em sede IVA, daí retirando as consequências devidas em termos de inadmissibilidade das deduções inerentes, nos termos dos arts. 19 e 20º do CIVA, verificando-se nos presentes autos, em nosso entender e sempre com o respeito devido, errada valoração probatória, isto é erro de julgamento, no que respeita ao valor atribuído aos factos que resultam do relatório de inspecção, em contraposição, com o valor atribuído à prova produzida pelo impugnante, designadamente a testemunhal e à sua idoneidade invalidante quanto àqueles factos, o que significa que a douta sentença recorrida violou os disposto nos artigos 19º e 20º do Código do IVA.

Que dizer?
Nas suas contra-alegações, a Recorrida defende que se está perante uma questão nova, na medida em que a matéria que delimita o objecto do recurso traduz-se em saber se as facturas que titulam as operações concluídas entre a Alegante e as transmitentes de serviços (R... –, Lda., NIPC 2…, C..., Lda., NIPC 5…, T…, SA, NIF 5…e W…, SA NIPC 5…), preenchem os formalismos legais prescritos no n.º 5, do art. 36º do CIVA, para assim lhe conferirem direito à dedução nos termos do art. 20º, n.º 2, al. a) do CIVA, realidade que a decisão não tratou.

E diga-se que tem razão.

Na verdade, como sintetiza a Recorrida, a AT fundamenta no RIT as correcções à base de tributação em IVA para os anos de 2009 | 2010 | 2011, em dois únicos argumentos:
i) verificação de operação simulada entre a Alegante e as sociedades R... e C...;
ii) o imposto suportado nas operações concluídas entre Alegante e as sociedades CR…, M…, T… e W…, reporta-se as bens e serviços que foram afectos a operações isentas.

Tal significa que em momento algum da fase graciosa do processo tributário a AT fundamentou as correcções à base tributável em IVA na falta de verificação dos pressupostos atinentes ao conteúdo que deve ser observado na emissão das facturas, do mesmo modo que em nenhuma fase do processo judicial de impugnação dos actos de liquidação foi solicitado ao Tribunal a aferição do direito à dedução de IVA, nos pressupostos atinentes ao conteúdo que se deve ser observado na emissão das facturas.

Por outro lado, tendo presente o teor do RIT, facilmente se constata que a exclusão do direito à dedução não tem como fundamento a inobservância dos requisitos de forma e conteúdo das facturas (art. 20º, n.º 2, al s) do CIVA), mas sim, o facto de a AT, considerar que nuns casos as facturas titulam operações simuladas (o que exclui o direito à dedução nos termos do art. 19º, n.º 3 do CIVA), e noutros, o facto de o imposto suportado ter na sua génese a aquisição de bens e serviços que foram afectos a operações isentas (o que exclui o direito à dedução nos termos do art. 20º, n.º 1 do CIVA).

É bem certo que são apontados alguns elementos relacionados com o teor das facturas, mas em sede de conclusão, foram as duas normas referidas no parágrafo anterior que foram eleitas pela AT para fundamentar as correcções efectuadas, sendo este o enquadramento que a ora Recorrida pretendeu colocar em crise no âmbito do presente processo e que veio a ter vencimento nos termos da decisão recorrida na parte que agora interessa para os autos.

Assim sendo, o facto de as facturas que titulam as operações concluídas entre a Alegante e as transmitentes de serviços (R..., Lda., C..., Lda., T…, SA, e W…, SA), preencherem os formalismos legais prescritos no n.º 5, do art. 36º do CIVA, para assim lhe conferirem direito à dedução nos termos do art. 20º, n.º 2, al. a) do CIVA envolve questão nova que não foi apreciada pelo tribunal recorrido, por lá não ter sido suscitada, pois que percorrida a petição inicial subjacente à presente impugnação, não se encontra rasto da matéria que agora se pretende ver apreciada nos autos.
Tal significa que se está perante uma questão nova, integrada no processo através das alegações de recurso apresentadas pela Recorrente, realidade até aí, em absoluto ausente do processo, não tendo sido suscitada em qualquer peça processual e não tendo, por isso, sido apreciada na sentença.
Assim, tal como se afirma no recente Ac. do S.T.A. de 13-03-2013, Proc. nº 0836/12, www.dgsi.pt, “… como é sabido, e é jurisprudência uniforme, os recursos são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova (cf. entre outros, os Acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo de 28.11.2012, recurso 598/12, de 27.06.2012, recurso 218/12, de 25.01.2012, recurso 12/12, de 23.02.2012, recurso 1153/11, de 11.05.2011, recurso 4/11, de 1.07.2009, recurso 590/09, 04.12.2008, rec. 840/08, de 30.10.08, rec.112/07, de 2.06.2004, recurso 47978 (Pleno), de 2911.1995, recurso 19369 e do Supremo Tribunal de Justiça, recurso 259/06.0TBMAC.E1.S1, todos in www.dgsi.pt.).
Por isso, e em principio, não se pode neles tratar de questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, salvo questões de conhecimento oficioso.
Tem-se, assim, como assente que os recursos são meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre - Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, pag. 147, Cardona Ferreira, Guia dos Recursos em Processo Civil, pag. 187, Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, págs.80-81. …”.
Deste modo, tratando-se, como se trata, de matéria nunca antes suscitada nos autos, e que naturalmente não foi apreciada na decisão recorrida, forçoso é concluir que nesta parte a pretensão da Recorrente está condenado ao insucesso, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão no que concerne ao presente recurso.
Assim sendo, na improcedência das conclusões da alegação da recorrente, impõe-se, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.
Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.


4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.
Custas pela Recorrente.
Notifique-se. D.N..
Porto, 22 de Março de 2018
Ass. Pedro Vergueiro
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos