Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00427/12.5BEVIS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/28/2014
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA COMUM
PRAZO - INVALIDADE CONTRATO - ART. 41º DO CPTA
Sumário:I- Se as ilegalidades dos contratos que conduzem a anulação apenas podem ser sindicadas pelos tribunais no prazo de 6 meses, as ilegalidades dos contratos administrativos que geram nulidade podem ser apreciadas a todo o tempo desde que os actos jurídicos praticados pelas entidades outorgantes que permitiram a sua conclusão também o sejam.
II- O que o Autor pede é que seja julgada procedente a acção e por via dela declarada a ilegalidade da cláusula 3ª do contrato de fornecimento celebrado entre ele e a Ré;
II.1- o despacho posto em crise, ao remeter para o teor do acórdão proferido pelo STA de 09/10/2008, proc. 0335/08, sem fazer constar qualquer referência ao pedido formulado na p.i., ou à causa de pedir, não deixa dúvidas quanto à interpretação que fez deste pedido, ou seja, que o Autor pretendia a anulação do contrato de fornecimento de água celebrado em 26 de Outubro de 2001, o que não se coaduna com a leitura dos pedidos a final (cfr., nomeadamente, o ponto 1. da pretensão principal);
II.2- a situação de facto e de direito analisada pelo STA naquele acórdão diverge da situação de facto e de direito colocada nestes autos.
III- O A. entende que a obrigação de pagamento à sociedade dos valores mínimos garantidos fixados no anexo I e a que se refere a cláusula 3ª do contrato de fornecimento é ilegal;
III. 1-nos termos do artº 41º/2 do CPTA apenas e só os pedidos de anulação, total ou parcial, de contratos, estão sujeitos a prazo para o exercício do direito de acção;
III. 2-já não estão sujeitos a prazo - nº 1 do mesmo preceito - os pedidos de declaração de ilegalidade de cláusulas de contratos que sejam nulas, por serem nulos os actos administrativos que as aprovaram;
III. 3-para determinar se o prazo para o exercício do direito de acção é de 6 meses, previsto no artº 41º/2, torna-se necessário apurar se a ilegalidade invocada se traduz numa nulidade ou numa mera anulabilidade;
III. 4-ocorre, pois, erro de julgamento de direito, ao decidir-se, prematuramente, que a acção foi instaurada fora do prazo de 6 meses.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Município de Resende
Recorrido 1:Águas de Trás-os-Montes e Alto Douro, S.A.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
O Município de Resende, Autor nos autos acima identificados, em que é Ré Águas de Trás-os-Montes e Alto Douro, veio recorrer do despacho saneador proferido pelo TAF de Viseu na parte em que decidiu que o exercício do direito de acção caducou pelo decurso do prazo de 6 meses previsto no artº 41º/2 do CPTA e, em consequência absolveu da instância a Ré.
Em alegação concluiu assim:
1.ª / O autor alegou que a cláusula 3.ª do contrato de fornecimento de água celebrado com a ré, ao fixar o pagamento de valores mínimos de consumo de água, equivale à criação de um imposto.
2.ª/ O pagamento dos consumos mínimos por parte do autor, enquanto utente do serviço prestado pela ré, assume juridicamente a natureza de imposto ou contribuição especial por que foi criada, estabelecida e imposta como instrumento de financiamento de um serviço público de titularidade e responsabilidade estadual.
3ª / Aquela criação, estabelecimento e imposição de pagamento de consumos mínimos é da responsabilidade da assembleia da república por estar sujeita ao princípio da legalidade fiscal, quer na dimensão de princípio da reserva do parlamento, quer na dimensão de reserva de lei material enquanto incorpora os elementos essenciais dos impostos.
4.ª / Razão pela qual a declaração de vontade do Presidente da Câmara, enquanto representante do autor, exarada naquela cláusula 3.ª do contrato de fornecimento, é um ato nulo e de nenhum efeito nos termos do artigo 133.º n.º 2 alínea a) do CPA por usurpar o poder reservado à assembleia da república para a criação de impostos ou contribuições especiais.
5.ª / Para determinar se o prazo para o exercício do direito de ação de 6 meses previsto no artigo 41.º n.º 2 do CPTA, que apenas se aplica aos pedidos de anulação, total ou parcial, dos contratos, era mister apurar se a ilegalidade, ou não, daquela cláusula 3.ª do contrato, se traduzia numa nulidade ou numa mera anulabilidade dos atos administrativos de que dependem.
6.ª/ Posto que as nulidades são impugnáveis a todo o tempo e, por isso, o direito de ação está consagrado no n.º 1 do citado artigo 41.º do CPTA e não no n.º 2.
7.ª / Não tendo o tribunal recorrido apurado que tipo de ilegalidade está em causa nos presentes autos, se geradora de uma nulidade, ou uma mera anulabilidade, ocorre erro de julgamento de direito ao decidir que a presente ação para declaração daquela ilegalidade foi instaurada fora do prazo de 6 meses.
8.ª/ Para a hipótese de vir a entender-se que o direito de ação de que o autor pretende exercer nos presentes autos está sujeito a prazo de 6 meses previsto no n.º 2 do artigo 41.º do CPTA, então esta norma é inconstitucional por violação do artigo 18.º da CRP porque restringe o direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais, sem respeitar o princípio da proporcionalidade, da necessidade e da adequação.
TERMO EM QUE deve proceder o presente recurso e a final ser revogada a decisão recorrida, substituindo-a por outra que determine o prosseguimento da ação.
JUSTIÇA.
A Recorrida apresentou contra-alegação, sem conclusões, pedindo que seja negado provimento ao recurso.
O MP, notificado ao abrigo do disposto no artº 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
Está posto em causa o despacho do TAF de Viseu que concluiu pela caducidade do exercício do direito de acção pelo decurso do prazo de 6 meses contido no artº 41º/2 do CPTA.
É este o seu discurso jurídico fundamentador:
Alega a A. que os pedidos de anulação de contratos administrativos devem ser deduzidos no prazo de seis meses, contados da data da sua celebração, nos termos do artigo 41º, nº 2, do CPTA.
Tendo a presente acção dado entrada em juízo em Setembro de 2012 e o contrato sido celebrado em 2001, já há muito que caducou o direito de acção do A..
Por sua vez, alega o A. que atenta a data da celebração do contrato objecto dos autos, o artigo 41º, nº 2, do CPTA, não é aplicável ao contrato em causa, por ter sido celebrado antes da entrada em vigor do CPTA.
Cumpre apreciar e decidir.
A questão em apreço já foi apreciada pelo Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão de 9/10/2008, no Processo nº 0335/08, o qual subscrevo integralmente e passo a citar, com vénia ao seu Relator, o seguinte trecho:
«…A única questão a decidir é a de saber se a presente acção foi tempestivamente instaurada.
Como destacou o acórdão do TCA-Norte a questão que decidiu foi a de saber "se a acção administrativa comum, sob a forma ordinária é intempestiva, quanto ao pedido de anulação do contrato, celebrado entre as recorridas, em 29 de Novembro de 1984, por este conter cláusulas ilegais que prejudicam a recorrente"
No acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo, que admitiu a revista a questão é novamente posta em destaque:
"Está em causa um problema melindroso qual é, em suma, o de saber se num quadro de direito transitório e à luz dos critérios fixados no art. 12º do C. Civil é possível estabelecer uma conexão relevante entre o direito ou posição processual da recorrente (legitimidade para atacar um acto situado no passado mas que continua a produzir efeitos no presente) e a lei nova (CPTA)".
A questão é com efeito de aplicação da lei no tempo, porque o CPTA veio permitir, ao contrário do que acontecia no regime anterior, que os terceiros - isto é, aqueles que não intervieram no contrato - possam pedir a sua anulação, num prazo de seis meses a contar da celebração do contrato ou do conhecimento do seu clausulado. O que fazer, então, quando o terceiro tenha tido conhecimento do contrato há muito mais de seis meses, mas ainda antes de ter entrado em vigor o CPTA, isto é, quando não tinha legitimidade para pedir a anulação do mesmo contrato?
O TCA/Norte, no acórdão recorrido, entendeu que, nestes casos, o prazo de seis meses começava a contar a partir da entrada em vigor do CPTA.
O recorrente sustenta que, quando entrou em vigor o CPTA a situação estava estabilizada, à luz da lei então vigente e que o art. 12º do C. Civil não permite a aplicação da lei nova ao presente caso.
Vejamos a questão.
O art. 41º, 2 do CPTA, diz-nos o seguinte:
"Os pedidos de anulação, total ou parcial, de contratos podem ser deduzidos no prazo de seis meses contado da celebração do contrato ou, quanto a terceiros, do conhecimento do seu clausulado".
No domínio do regime anterior (LPTA e Código Administrativo) as acções sobre contratos só podiam ser propostas pelas partes contratantes, como resultava do disposto no art. 825º do Código Administrativo. Por outro lado, as acções sobre contratos poderiam ser intentadas a todo o tempo, salvo o disposto em lei especial (art. 71º da LPTA).
Deste modo, e para o problema que nos ocupa, antes do CPTA aquele que não era parte no contrato não podia pedir a sua anulação. Em contrapartida o direito de pedir a anulação do contrato, mesmo pelas partes, deve ser exercido no prazo de "seis meses" a contar do conhecimento do seu clausulado.
Podemos, desde logo, afastar a interpretação que foi sustentada na sentença da 1ª instância, que contou o prazo de seis meses a partir do conhecimento do clausulado, de tal modo que tal prazo terminou antes de o CPTA ter entrado em vigor.
Este entendimento não é sustentável.
Ou não se aplica o art. 41º, 2 aos contratos já celebrados; ou se esse artigo for aplicável não pode contar-se o prazo de seis meses criado, ex novo, pelo CPTA, de modo a que o mesmo termine antes do CPTA entrar em vigor: o prazo terminaria antes de se ter iniciado, o que é absurdo.
A nosso ver, e adiantando a solução, o prazo do art. 41º, 2, é aplicável aos contratos celebrados antes da entrada em vigor do CPTA, que ainda subsistem, por força do disposto no art. 12º, 2, parte do C. Civil.
Vejamos porquê.
Não estão em causa as condições de validade dos factos objecto do contrato, isto é a validade das cláusulas contratuais. Com efeito, e apesar de ser pedida a anulação do contrato não é a validade das cláusulas que agora nos ocupa (essa é matéria sobre o mérito da acção, se viermos a concluir que a mesma foi tempestivamente instaurada); o que agora está em causa é o surgimento de um direito de acção a exercer num determinado prazo (para os terceiros) e o encurtamento desse prazo para os contraentes (que antes do CPTA poderiam propor a acção a todo o tempo e com este Código passaram a ter um prazo de seis meses).
Importa, assim, saber em que medida este "direito de acção" a exercer dentro de certo prazo é aplicável a contratos celebrados antes da sua vigência.
Também não está em causa saber se a legitimidade de terceiros introduzida pelo CPTA é aplicável a este caso, pois a sentença decidiu haver legitimidade para alguns dos pedidos formulados na acção, e nessa parte não houve recurso. Está pois assente, nesta acção que as partes são legítimas, ou seja, foi, quanto à legitimidade já aplicada a lei nova.
A nosso ver o direito de exercer a acção contratual no prazo de seis meses localiza-se no conteúdo de uma situação jurídica, com abstracção do facto que lhe dá origem. Numa situação jurídica que tenha por fonte um contrato, a distinção entre os factos que cabem na primeira e na segunda parte do art. 12º, 2 do Código Civil há-de ser feita nos seguintes termos: "A lei nova só poderá, sem retroactividade, reger os efeitos futuros dos contratos em curso quando tais efeitos possam ser dissociados do facto da conclusão do contrato" - BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, 1983, pág. 241.
Ora, no presente caso, a nova lei veio dispor sobre aspectos que não interferiram na conclusão do contrato (prazo de arguição de invalidades), tem natureza injuntiva e reporta-se a matéria que não se encontrava na disponibilidade das partes quando formaram a decisão de contratar. É, deste modo, patente a sua dissociação do facto da conclusão do contrato, e, desse modo, podemos afirmar com segurança que se trata de um efeito jurídico que não teve em conta o facto que criou a situação jurídica que subsiste (o contrato).
A aplicação da lei nova, e porque a mesma diz respeito a prazos, implica ainda um esclarecimento.
O art. 297º do C. Civil não prevê directamente a hipótese da lei nova estabelecer pela primeira vez um prazo mas, como refere BAPTISTA MACHADO, ob. cit. pág. 243 "deve ainda acrescentar-se que, se a Lei Nova vem estabelecer pela primeira vez um prazo, este só deve ser contado, qualquer que seja o momento inicial fixado, a partir do início de vigência da nova lei". Não poderia ser de outro modo, sob pena de - como já vimos - cairmos no absurdo em que caiu a sentença da 1ª instância que deu o prazo por concluído antes mesmo dele ter sido criado.
Não se argumente, como faz a recorrente que a situação jurídica estava estabilizada, e que a ora recorrida poderia ter impugnado o contrato, pelo menos a partir da revisão constitucional de 1997.
Aceitamos - sem quaisquer reservas - que uma situação já definida, ou seja, uma situação jurídica em que o prazo para arguir a invalidade já tivesse decorrido, não renascia com a lei nova. Tal decorre do art. 12º, 2 segunda parte do C. Civil quando nos diz que só é aplicável a lei nova a situações que subsistam. E, desse modo, as situações abrangidas pelo caso decidido estarão a coberto dos efeitos a haver com a lei nova. O ressurgimento de um direito cujo exercício tivesse precludido só poderia acontecer por vontade do legislador, e na medida em que a retroactividade fosse constitucionalmente admissível.
Só que, no caso em apreço, a lei antiga dispunha que as acções sobre contratos poderiam ser intentadas a todo o tempo (art. 71º da LPTA).
Logo, se a autora e ora recorrida, tivesse adquirido a legitimidade para impugnar o contrato com a revisão constitucional de 1997, esse direito poderia ser exercido a todo o tempo até à entrada em vigor do CPTA; e dentro de 6 meses a partir de então.
Daí que, mesmo nessa hipótese, o art. 41º, 2 do CPTA tinha, então, para o terceiro prejudicado com o contrato, o sentido de encurtar o respectivo prazo para seis meses - que como é óbvio só poderia começar a correr a partir da publicação da lei nova.
Não pode, deste modo, a recorrente imputar à nova lei uma abusiva intromissão ou destruição da segurança e estabilidade das relações contratualmente constituídas, pois a lei em vigor na data da conclusão do contrato previa a possibilidade das acções sobre contratos serem instauradas a "todo o tempo" (art. 71º da LPTA), não legitimando, desse modo, a expectativa de cada uma das partes à consolidação na ordem jurídica do respectivo contrato.
Assim, é a nosso ver indiscutível que a autora desta acção poderia pedir a anulação do contrato dentro dos seis meses seguintes à entrada em vigor do CPTA.».
Tendo o contrato de fornecimento sido celebrado em 26/10/2001, o CPTA entrado em vigor em 1/01/2004 e a presente acção sido interposta em 27/08/2012 (cf. fls. 1 dos autos), é manifesta a sua extemporaneidade, logo, procede a excepção de caducidade invocada pela Ré.
Ante o exposto, julgo procedente a excepção de caducidade do direito de acção e absolvo da presente instância a Ré, nos termos dos artigos 278º, nº 1, alínea e), 576º, nº 2, do CPC, aplicáveis “ex vi” do artigo 1º do CPTA e artigo 41º, nº 2, do CPTA. (os sublinhados são nossos).
X
O Recorrente discorda da decisão que, com invocação da jurisprudência do STA, fixada no acórdão 0335/08, de 9/10, decidiu que o exercício do direito de acção dos presentes autos caducou pelo decurso do prazo de 6 meses previsto no artº 41º/2 do CPTA, porquanto o que pretende principalmente com a acção é que o tribunal aprecie a legalidade de uma cláusula do contrato e não que seja anulado o contrato e, nos termos do nº 2 daquele artº 41º, apenas e só os pedidos de anulação, total ou parcial, de contratos, estão sujeitos a prazo para o exercício do direito de acção. Isto é, não estão sujeitos a prazo os pedidos de declaração de ilegalidade de cláusulas de contratos que sejam nulas, por serem nulos os actos administrativos que as aprovaram.
Cremos que tem razão.
Vejamos:
Conforme alegado, aquela 3ª cláusula dispõe, além do mais, o seguinte:
“4. Os valores mínimos garantidos a entregar pelo município, os quais constituem uma condição essencial do equilíbrio da concessão, são os fixados no anexo I. Até 31 de Dezembro de 2004, os valores mínimos fixados no anexo I poderão não ser garantidos, sem prejuízo da cláusula 16ª do contrato de concessão. Sem prejuízo do disposto no número seguinte, os valores mínimos serão garantidos sempre que, em cada ano, a receita global da sociedade seja inferior à prevista no orçamento desse ano.”
5. O município garante à sociedade o pagamento dos mínimos fixados no anexo I para os sucessivos anos de utilização do sistema, de acordo coma as tarifas aplicáveis nos termos do nº 1 e da cláusula 4ª nº 2, com excepção das situações em que haja acordo com outro ou outros utilizadores, que pressuponha a alteração daqueles mínimos, e sem prejuízo do pagamento de todos os caudais verificados cujo valor ultrapasse esses mínimos.“
Por sua vez a cláusula 4ª/2 do contrato de fornecimento, citada no nº 5 da cláusula 3ª, refere que:
“2. O município adoptará tarifários de venda de água aos seus consumidores que se adeqúem à cobertura dos seus encargos perante a sociedade”.
O Autor/Recorrente entende que a obrigação do pagamento à sociedade Ré dos valores mínimos garantidos fixados no anexo I e a que se reporta a cláusula 3ª do contrato de fornecimento é ilegal pelos fundamentos que aduziu na petição inicial.
Por outro lado, o ponto 1. do pedido principal é o seguinte: seja julgada procedente, por provada, a acção e por via dela ser declarada a ilegalidade da cláusula 3ª do contrato de fornecimento celebrado entre o autor e a ré.
Ora, segundo o nº 1 do artº 41º do CPTA, sem prejuízo do disposto na lei substantiva, a acção administrativa comum pode ser proposta a todo o tempo.
E o nº 2 do mesmo preceito adianta que os pedidos de anulação, total ou parcial, de contratos podem ser deduzidos no prazo de seis meses contado da data da celebração do contrato ou, quanto a terceiros, do conhecimento do seu clausulado.
O tipo de acção adoptada pelo Autor foi, como se viu, a acção administrativa comum, o que não foi posto em causa quer pela Ré, quer pelo Tribunal na decisão sob recurso.
Assim formou-se caso decidido quanto ao tipo de acção adoptada pelo autor - a acção administrativa comum -.
E, repete-se, de acordo com a regra geral prevista no artº 42º/1 pode ser instaurada a todo o tempo.
É certo que o nº 2 deste normativo consagra uma excepção àquele regime geral, fixando o prazo de 6 meses a contar da data da celebração do contrato para o exercício da acção quando os pedidos formulados sejam a anulação, total ou parcial, dos contratos.
Assim, importava apurar, em primeira linha, se o pedido formulado pelo Autor se enquadra naquela excepção, o que não foi feito.
Na verdade, o pedido de declaração de ilegalidade da cláusula 3ª do contrato de fornecimento de água não é igual, nem idêntico, a um pedido de anulação, total ou parcial, do contrato de fornecimento de água.
O ETAF, quanto ao âmbito da jurisdição administrativa, fixa no seu artigo 1º/al. b), que compete aos tribunais da jurisdição administrativa a apreciação dos litígios que tenham por objecto a fiscalização da legalidade das normas e demais actos jurídicos emanados por pessoas colectivas de direito público ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal, bem como a verificação da invalidade de quaisquer contratos que directamente resulte da invalidade do acto administrativo no qual se fundou a respectiva celebração.
Por sua vez a alínea d) estabelece que compete aos tribunais administrativos a fiscalização da legalidade das normas e demais actos jurídicos praticados por sujeitos privados, designadamente, concessionários, no exercício de poderes administrativos.
O contrato onde se insere a referida cláusula é um contrato administrativo tal como vem definido no artº 178º nºs 1 e 2 alíneas g) e h) do CPA.
E, nos termos do artº 185º do mesmo diploma, que fixa o regime da invalidade dos contratos, os mesmos são nulos ou anuláveis, nos termos do presente código, quando forem nulos ou anuláveis os actos administrativos de que haja dependido a sua celebração.
Assim, tem de se concluir que a anulação, total/parcial, dos contratos administrativos, como é o caso do contrato de fornecimento de água para abastecimento público, apenas é possível se os actos administrativos, proferidos pelas entidades públicas contratantes que os aprovaram, forem anuláveis. Daí que o prazo de 6 meses fixado no artº 41º/2 do CPTA se refira a anulação total ou parcial do contrato (quando os actos administrativos proferidos pelas entidades públicas contratantes que os aprovaram forem anuláveis).
Contudo, na presente acção o que está em causa, em 1ª linha, é que se declare a ilegalidade da cláusula 3ª do contrato de fornecimento celebrado entre Autor e Ré.
É que, tal como vem configurado na petição inicial, a dita cláusula 3ª está inserida num contrato que, de acordo com a causa de pedir, cria um verdadeiro imposto, ou seja, cria uma forma de financiamento do Estado, ao impor ao município utilizador do sistema de abastecimento de água o pagamento de consumos mínimos.
Segundo o A, a inserção daquela clausula 3ª no contrato de fornecimento deriva da imposição feita à Ré por força da cláusula 16ª do contrato de concessão celebrado com o Estado Português.
Na verdade, aquela cláusula 16ª do contrato de concessão dispõe que “os valores mínimos (…) a receber anualmente pela concessionária como condição do equilíbrio económico-financeiro da concessão são garantidos pelos utilizadores…”
Por sua vez esta cláusula 16ª do contrato de concessão resulta da imposição feita pelo legislador na base XIII nº 2 alínea c) do anexo ao DL 319/94, de 24 de Dezembro, publicado no DR 161, de 20 de Agosto de 2009 que reza assim:
“A concessionária adoptará e executará, …., o esquema financeiro constante do estudo económico anexo ao contrato de concessão. O esquema referido …será organizado tendo em conta as seguintes fontes de financiamento: …c) As receitas provenientes das tarifas cobradas pela concessionária”.
Ora, as ilegalidades dos contratos administrativos, à semelhança dos actos administrativos, tanto podem conduzir à nulidade como originar apenas anulabilidade.
E, se as ilegalidades dos contratos que conduzem a anulação apenas podem ser sindicadas pelos tribunais no prazo de 6 meses, as ilegalidades dos contratos administrativos que geram nulidade podem ser apreciadas a todo o tempo desde que os actos jurídicos praticados pelas entidades outorgantes que permitiram a sua conclusão também o sejam.
No caso em concreto o Autor sustenta que se trata de uma ilegalidade ou invalidade que fulmina com nulidade a cláusula 3ª do contrato, pois que a norma jurídica prevista na base XIII aprovado pelo DL 319/94, de 24/12, não permite a fixação de valores mínimos de consumo a cobrar pela concessionária aos utilizadores.
Na acção, o aqui Recorrente, ao pedir que seja proferida decisão que declare a ilegalidade daquela cláusula, não está a pedir que seja anulado, total ou parcialmente, o contrato de fornecimento na medida em que aquela cláusula não foi adoptada pelas partes de acordo com o princípio da liberdade contratual a que se refere o artigo 405º do C.C., mas porque a vontade do órgão da administração, no caso o Presidente da Câmara que outorga o contrato pratica um acto administrativo que é nulo por criar um imposto ou uma contribuição especial para financiamento de um serviço público cuja criação está sujeita ao princípio da legalidade fiscal quer na dimensão de princípio da reserva de lei formal ou reserva da assembleia da república, quer na dimensão de reserva de lei material enquanto portadora dos elementos essenciais dos impostos: unilateralidade e coactividade.
Esta nulidade do acto jurídico (vontade do município pagar consumo mínimo, exarada na dita cláusula 3ª) resulta, na óptica do Autor, do artº 133º/2/a) do CPA ao proferir um acto jurídico (criação de um imposto ou contribuição especial para financiamento de um serviço publico) que está reservado ao poder legislativo, isto é, à Assembleia da República.
Desta feita, a situação enquadra-se na previsão do nº 1 do falado artº 41º, isto é, a acção pode ser instaurada a todo o tempo.
Ora, a decisão recorrida limitou-se a seguir a orientação do STA que versou sobre o direito de acção para anulação, total ou parcial, do contrato, essa sim, sujeita ao prazo de 6 meses. Salientou “Não estão em causa as condições de validade dos factos objecto do contrato, isto é a validade das cláusulas contratuais. Com efeito, e apesar de ser pedida a anulação do contrato não é a validade das cláusulas que agora nos ocupa”.
Todavia, não foi assim que o Autor desenhou a p.i.;
Deste modo, tal como advogado, para determinar se o prazo para o exercício do direito de acção de 6 meses, previsto no artº 41º/2 do CPTA, que apenas se aplica aos pedidos de anulação, total ou parcial, dos contratos, era necessário apurar se a ilegalidade, ou não, daquela cláusula 3ª, se traduzia numa nulidade ou numa mera anulabilidade dos actos administrativos de que dependem - conclusão 5ª - o que não foi enfrentado pelo Tribunal a quo.
Tal equivale a dizer que o despacho recorrido, que julgou verificada a excepção de caducidade do direito de acção sem apreciar o tipo de ilegalidade em causa - nulidade ou mera anulabilidade - não pode manter-se na ordem jurídica; 1º há que definir a natureza da ilegalidade e depois decidir em conformidade.
Em suma:
-o que o Autor pretende é que seja julgada procedente, por provada, a acção e por via dela seja declarada a ilegalidade da cláusula 3ª do contrato de fornecimento celebrado entre ele e a Ré;
-o despacho posto em crise, ao remeter para o teor do acórdão proferido pelo STA de 09/10/2008, proc. 0335/08, sem fazer constar qualquer referência ao pedido formulado na p.i., ou à causa de pedir, não deixa dúvidas quanto à interpretação que fez deste pedido, ou seja, que o Autor pretendia a anulação do contrato de fornecimento de água celebrado em 26 de Outubro de 2001, o que não se coaduna com a leitura dos pedidos a final - cfr., nomeadamente, o ponto 1. da pretensão principal;
-a situação de facto e de direito analisada pelo STA naquele acórdão diverge da situação de facto e de direito colocada nestes autos;
-o A. entende que a obrigação do pagamento à sociedade dos valores mínimos garantidos fixados no anexo I e a que se refere a cláusula 3ª do contrato de fornecimento é ilegal;
-nos termos do artº 41º/2 do CPTA apenas e só os pedidos de anulação, total ou parcial, de contratos, estão sujeitos a prazo para o exercício do direito de acção;
-já não estão sujeitos a prazo - nº 1 do mesmo artigo - os pedidos de declaração de ilegalidade de cláusulas de contratos que sejam nulas, por serem nulos os actos administrativos que as aprovaram;
-para determinar se o prazo para o exercício do direito de acção de 6 meses previsto no artº 41º/2, que, repete-se, apenas se aplica aos pedidos de anulação, total ou parcial, dos contratos, é necessário apurar se a ilegalidade invocada se traduz numa nulidade ou numa mera anulabilidade;
-ocorre, pois, erro de julgamento de direito, ao decidir-se, prematuramente, que a acção foi instaurada fora do prazo de 6 meses.
Procedem, pois, as conclusões da alegação.
DECISÃO
Termos em que se concede provimento ao recurso e, consequentemente:
a) revoga-se a decisão;

b) ordena-se a remessa dos autos ao TAF de Viseu para que proceda nos termos supra apontados, caso a tal nada mais obste.
Custas a cargo da Recorrida.
Notifique e D.N..

Porto, 28/03/2014
Ass.: Fernanda Brandão
Ass.: João Sousa
Ass.: Maria do Céu Neves