Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00950/10.6BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/12/2012
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Fernanda Esteves
Descritores:ERRO NA FORMA DE PROCESSO
ILEGALIDADE DA REVERSÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
CONVOLAÇÃO
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário:I. O meio processual adequado de reacção contra a ilegalidade de um despacho que determina a reversão da execução fiscal é a oposição à execução fiscal e não a impugnação judicial.
II. Havendo erro na forma de processo, deverá ser ordenada a convolação do meio processual inadequado para o meio processual adequado, salvo se a petição for extemporânea para o efeito.
III. O prazo para deduzir oposição à execução fiscal é, em regra, de 30 dias a contar da citação pessoal, pelo que, não constando da sentença recorrida nem dos elementos juntos aos autos a data em que ocorreu a citação do revertido, impõe-se a ampliação da matéria de facto para averiguar da possibilidade de convolação dos autos de impugnação em oposição à execução.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:M...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1.Relatório
M…, com os sinais nos autos, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que, atento o erro na forma do processo e a impossibilidade de convolação dos presentes autos em processo de oposição, declarou a nulidade de todo o processado e absolveu a Fazenda Pública da instância.
O recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
• estando em causa a apreciação da legalidade do acto praticado pela Administração Fiscal, a deduzir do pedido formulado na petição inicial, o processo adequado é o de impugnação judicial;
• o Impugnante/recorrente, na facticidade alegada, põe em causa a legalidade do acto praticado, concluindo pelo pedido de “anulação do processo de reversão” e não pela extinção da execução fiscal, sendo adequado, neste caso, o procedimento judicial da impugnação, porquanto, através dele, se pretende obter o reconhecimento judicial visado.
• O procedimento judicial da “Impugnação” é o meio processual adequado à obtenção da declaração judicial de ANULAÇÃO do acto administrativo.
• A admitir-se erro na forma do processo, ainda era possível convolar a impugnação judicial em oposição à execução fiscal, nos termos do n°4 do art° 98° do CPPT e do n°3 do art° 198° do CPC.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O Exmo Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre agora decidir já que a tal nada obsta.
Objecto do recurso - Questão a apreciar e decidir:
A questão suscitada pelo Recorrente e delimitada pela alegação de recurso e respectivas conclusões [artigos 660º, nº 2, 664º e 684º, nº s 3 e 4 todos do CPC “ex vi” artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do CPPT] é apenas a de saber se a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga enferma de erro de julgamento ao ter considerado que o processo de impugnação judicial é meio inidóneo de reacção contra o despacho de reversão e respectivas ilegalidades e, ainda, no pressuposto de que era inútil a convolação da impugnação judicial em oposição à execução, ter declarado nulo todo o processado e absolvido a Fazenda Pública da instância.
2. Fundamentação
2.1. Matéria de Facto
2.1.1.Com interesse para a decisão, julgam-se provados os seguintes factos:
1. No Serviço de Finanças de Amares foi instaurado e corre termos o processo de execução fiscal nº 0345200901010921 contra a contra a sociedade N… - Imobiliária, Lda, para cobrança de dívida proveniente de imposto municipal de sisa, no montante global de € 39.217,97.
2. Por despacho de 3/3/2010, a execução fiscal indicada em 1) foi revertida contra M… no pressuposto de que esta era responsável subsidiária - cfr. fls. 20 a 24 dos autos.
3. O acto sindicado na impugnação é o acto de reversão proferido na execução fiscal indicada em 1), que o impugnante reputa de ilegal, por falta do pressuposto de culpa na insuficiência do património societário e o pedido formulado é o de “(…) ser declarada anulada a reversão da execução contra o Impugnante enquanto responsável subsidiário” - cfr. fls. 5 dos autos.
2.2. O direito
A questão em causa no presente recurso é a de saber se a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga enferma de erro de julgamento ao ter considerado que o processo de impugnação judicial é meio inidóneo de reacção contra o despacho de reversão e respectivas ilegalidades e, ainda, no pressuposto de que era inútil a convolação da impugnação judicial em oposição à execução, ter declarado nulo todo o processado e absolvido a Fazenda Pública da instância.
O Recorrente insurge-se contra a decisão recorrida, sustentando, em síntese, que procedimento judicial de impugnação judicial é o meio processual adequado à obtenção da declaração judicial de anulação de acto administrativo e, a admitir-se erro na forma de processo, ainda era possível convolar a impugnação judicial em oposição à execução fiscal, nos termos do nº 4 do artigo 98º do CPPT e do artigo 198º, nº 3 do CPC.
Vejamos.
Nos termos do disposto no artigo 2º, nº 2, do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável no contencioso tributário, por força do disposto no artigo 2º, al. d), da Lei Geral Tributária e artigo 2º, al. e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, “a todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da acção”. Em face dessa correspondência entre direito e a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, haverá apenas um determinado meio processual que, em cada caso, pode ser utilizado para obter a tutela judicial (cfr. Jorge Lopes de Sousa, in CPPT anotado e comentado, 6ª ed., 2011, Vol. II, pág. 88).
O erro na forma de processo (previsto no artigo 199º do Código de Processo Civil) ocorre sempre que a forma processual escolhida não corresponde à natureza da acção, ou seja, o erro na forma de processo ocorre quando o autor use uma forma processual inadequada para fazer valer a sua pretensão. Constitui entendimento doutrinal e jurisprudencial pacífico que a ocorrência de tal erro deve aferir-se pelo pedido formulado na acção, pois é pela pretensão que o requerente pretende fazer valer que se determina a propriedade ou impropriedade do meio processual empregue para o efeito (cfr., entre outros, Rodrigues Bastos, Notas as Código de Processo Civil, 3ª ed., 1999, pág. 262, Antunes Varela, RLJ, 100º - 378 e Lopes Cardoso, Notas ao CPC, 3ª ed., 1999, pág. 262 e, entre muitos, a título meramente exemplificativo, acórdãos do STJ de 20/5/2004, Processo 04B1358 e de 12/12/2002, Recurso nº 3981/02).
No caso dos autos, da leitura da petição inicial resulta que o Impugnante pediu ao tribunal a anulação da reversão da execução fiscal, com fundamento na ausência de culpa na insuficiência do património da devedora originária para pagamento da dívida exequenda. Ora, o pedido formulado nos autos [anulação da reversão] não se adequa ao processo tributário de impugnação, uma vez que este meio processual é adequado para atacar, anular, o acto tributário, aquela declaração de vontade da Administração Tributária que define o quantum a exigir ao contribuinte (cfr. Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, Código de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Almedina, 3ª edição, pág. 257) e vulgarmente designado por liquidação. Como refere Jorge Lopes de Sousa, in ob, cit., pág. 107, “o processo de impugnação será de utilizar quando o acto a impugnar é um acto de liquidação ou um acto administrativo que comporta a apreciação de um acto desse tipo e, relativamente a actos de outro tipo, quando a lei utilizar o termo «impugnação» para referenciar o meio processual a utilizar”.
Por outro lado, o despacho que ordena a reversão é um acto praticado no âmbito de um processo de execução fiscal, pelo que a sua legalidade deve ser discutida através dos meios processuais próprios deste processo, designadamente de oposição ou de reclamação judicial [cfr. artigos 97º, alínea o) e n) e 203º, 276º e seguintes do CPPT e ainda artigo 101º, alínea d) da LGT]. De facto, tem sido entendimento jurisprudencial pacífico, reiterado e uniforme de que é a oposição à execução fiscal e não o processo de impugnação judicial o meio processual adequado para o revertido impugnar contenciosamente o despacho que ordena a reversão, com fundamento no não exercício da gerência de facto ou de direito da sociedade originária e na existência de culpa na insuficiência do património, fundamento este que se enquadra na alínea b) do n.º 1 do artigo 204º do CPPT - cfr., entre outros, acórdãos do STA de 29/6/2005, Processo 501/05; de 8/3/2006, Processo 1249/05; de 4/6/2008, Processo 76/08; de 25/6/2008 Processo 123/08; de 19/11/2008, Processo 711/08; de 27/5/2009, Processo 448/09; de 14/4/2010, Processo 057/10; de 30/3/2011, Processo 0742/10; de 13/7/2011, Processo 0358/11; de 19/10/2011, Processo 0525/11 e 0705/11; de 10/11/2011, Processo 0681/11.
É certo que os executados - revertidos também podem impugnar judicialmente, nos termos do artigo 22º, nº 4 da LGT, mas tal impugnação destina-se a atacar os actos tributários que estão subjacentes à dívida exequenda com vista a obter a anulação ou a declaração da nulidade ou inexistência desses actos e não a atacar os fundamentos próprios do despacho de reversão.
Assim, é de concluir que o meio processual adequado para conhecer a questão que o Recorrente suscita na impugnação judicial deduzida, que se reconduz à ilegitimidade do Impugnante para a execução decorrente da alegada ausência de culpa pelo não pagamento da dívida exequenda é a oposição à execução fiscal (cfr. artigo 204º, nº 1, alínea b) do CPPT) e não a impugnação judicial, cujos fundamentos se encontram previstos no artigo 99º do CPPT e se referem, exclusivamente, aos vícios dos actos tributários que constituem o seu objecto. Nesta medida, não tendo sido questionado na presente impugnação judicial a legalidade do acto tributário subjacente à dívida exequenda (imposto de sisa), não merece qualquer censura a sentença recorrida ao decidir que o meio processual adequado para reagir contra a reversão da execução não é a impugnação judicial, mas, antes, a oposição à execução fiscal.
Tendo o contribuinte utilizado o processo de impugnação, só é possível a convolação se a petição inicial tiver sido apresentada no prazo da oposição (acórdãos do STA de 4/6/2008, 25/6/2008 e de 19/11/2008, proferidos nos recursos 076/08, 0123/08 e 0711/08), sendo que o prazo para deduzir oposição à execução fiscal é de 30 dias a contar da citação pessoal (artigo 203, nº 1, alínea a) do CPPT).
A este propósito, a sentença recorrida concluiu pela impossibilidade da convolação dos autos em processo de oposição com a seguinte motivação: “Ora, apenas seria possível aproveitar qualquer acto praticado nos presentes autos, se a petição inicial tivesse sido apresentada no prazo fixado pelo artº 203º/1 do CPPT, o que no caso, não se apura.” Não constando dos autos quaisquer elementos que permitissem aferir a data em que ocorreu a citação do Recorrente para a execução, não podia o tribunal a quo, sem prévia averiguação desse facto, concluir, como concluiu, pela não convolação dos presentes autos em oposição. Motivo porque não pode manter-se a sentença recorrida nessa parte.
Assim, não tendo sido fixado probatório onde conste a data da citação do Recorrente para a execução, bem como a data da apresentação da petição inicial de impugnação e não existindo nos autos quaisquer elementos que nos permitam apurar a data da citação para a execução e proceder à sua fixação, não é possível saber se pode (ou não) ser ordenada a convolação em oposição. A omissão na averiguação e na fixação desses factos, necessários à boa decisão da causa, conduz à anulação da sentença recorrida e à determinação da remessa do processo ao Tribunal a quo, para melhor investigação e nova decisão, de harmonia com os termos do disposto no artigo 712º do CPC.
3. Decisão
Termos em que, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em:
a) Conceder provimento ao recurso e anular a sentença recorrida (na parte em que decidiu pela impossibilidade de convolação dos autos em processo de oposição);
b) Ordenar a baixa dos autos à 1ª instância para apuramento da data da citação do Recorrente para a execução fiscal e, após, em conformidade, ser proferida nova decisão sobre a possibilidade (ou não) de convolação da impugnação judicial em oposição à execução fiscal.
Sem custas.
Porto, 12 de Janeiro de 2012
Ass. Fernanda Esteves
Ass. Álvaro Dantas
Ass. Anabela Russo