Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01602/21.7BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/11/2022
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL POR ATRASO NA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA
QUANTUM INDEMNIZATÓRIO
Sumário:
I- A violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, constitui o Estado Português na obrigação de indemnizar o cidadão lesado, ao abrigo do regime da responsabilidade civil extracontratual (cfr. Artigo 22.º da CRP, Artigo 12.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro e Artigo 6.º da Carta Europeia dos Direitos do Homem).
II-Para que se possa afirmar estar-se perante uma situação de atraso na administração da justiça, exige-se a ultrapassagem de um “prazo razoável”, imputável ao sistema de administração da justiça, para o desfecho de um processo judicial.
III- Deve qualificar-se como prazo razoável de duração do processo em primeira instância, o prazo de 3 anos para a generalidade de matérias e o prazo de 4 a 6 anos para a duração global da lide, incluindo o recurso.
IV- No que tange às situações relativas a pedidos de indemnização com fundamento em atraso na administração da justiça, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) tem perfilhado o entendimento de que se deve presumir a existência de danos não patrimoniais como consequência da demora excessiva de um processo judicial, não se impondo ao lesado a prova desses danos, apenas se exigindo a prova dos danos que excedam os normalmente produzidos nestas situações.
V- Tendo o desfecho do processo judicial demorado 9 anos e 3 meses, o montante de 3.000,00€ arbitrado para compensação dos danos morais sofridos pelo autor é adequado, ante a inexistência de uma especial gravidade dos danos morais sofridos com a demora no desfecho do referido processo.
VI- Os danos morais sofridos, são os danos morais resultantes da espera por uma decisão judicial e do consequente desconforto e ansiedade sobre o desfecho da lide, que são danos comuns a todos os que aguardam, para além do tempo razoável, por uma decisão para o seu caso.
Sumário (elaborado pela relatora – artigo 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).
Recorrente:AA
Recorrido 1:Estado Português
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo:
I – RELATÓRIO
1.1. AA, com residência no Porto, intentou a presente ação administrativa contra o Estado Português, pedindo a condenação do Réu no pagamento da quantia de 30.000,01€ a título de indemnização pela violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação.
Para tanto, alega, em síntese, que litigou contra o Instituto Nacional da Propriedade Industrial, I.P., num processo que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto e que durou 9 anos, 3 meses e 17 dias até ser proferida decisão final.
Segundo alega, está legitimado para a presente ação contra o Estado Português, na medida em que detinha 60% do capital social da sociedade, face ao disposto no art. 164.º, n.ºs 2 e 3 do Código das Sociedades Comerciais (CSC).
Invoca que sofreu danos com gravidade suficiente para merecer a tutela do direito, conforme exigido no art. 496.º, n.º 1, do CC, em virtude da incerteza, angústia e ansiedade que a espera lhe causou.
1.2. Citado, o Réu contestou a presente ação, defendendo-se por impugnação, alegando, em síntese, que o Autor também contribuiu para a delonga processual, uma vez que não requereu o andamento do processo, através da aceleração processual, como poderia e deveria ter feito.
Ademais alega que a culpa é diminuta, porque os meios humanos do Tribunal Central Administrativo Norte eram escassos para tramitar e decidir o volume de processos que ali davam entrada, considerando a elevada pendência e o número de juízes.
Finalmente, alega que a quantia peticionada é manifestamente excessiva, desajustada e injusta.
Conclui, pugnando pela improcedência da ação.
1.3. Em 09/03/2022 realizou-se a audiência prévia, proferiu-se despacho saneador tabelar, fixou-se o objeto do litígio e enunciaram-se os temas da prova.
1.4. Prosseguiram os autos para julgamento, e concluída a audiência, foi proferida sentença, datada de 13/06/2022, decidindo de facto e de direito, onde se julgou parcialmente procedente a presente ação, a qual consta da seguinte parte dispositiva:
«Em face do exposto, julgo parcialmente procedente, por parcialmente provada, a presente ação e, em consequência:
a) Condeno o Réu a pagar ao Autor o valor de EUR 3.000,00 (três mil euros), acrescidos de juros à taxa legal a contar da data da prolação da sentença;
b) Absolvo o Réu do demais peticionado.
Custas pelo Réu e pelo Autor, na proporção dos respetivos decaimentos, que desde já se fixam em 10% e 90%, respetivamente, sem prejuízo do apoio judiciário de que o Autor beneficia.
Registe e notifique.»
1.5. Inconformado com a sentença recorrida, o Autor interpôs o presente recurso de apelação, no qual formulou as seguintes Conclusões:
«i. Na douta sentença recorrida foram valorados um conjunto de factos que, s.m.o., mereciam diferente ponderação.
ii. Referimo-nos, mais concreta e inicialmente, ao facto 2., ao qual não foi atribuída qualquer relevância jurídica para a decisão da causa, sendo que dessa forma ficou prejudicada a conclusão jurídica que pretendemos.
iii. A mora no desfecho do processo n.º 3407/11...., provocou danos não patrimoniais na esfera jurídica do Recorrente, merecedores da tutela do direito e imputáveis ao Recorrido, a título de responsabilidade civil extracontratual.
iv. A decisão ora colocada em crise julgou parcialmente procedente a acção, e fixou em, apenas, 3 (três) anos o excesso de prazo razoável na prolação da decisão, à razão de EUR 1.000,00 por cada ano, pelo que condenou o Réu a pagar ao Autor o valor de EUR 3.000,00, acrescidos de juros à taxa legal a contar da data da prolação da sentença.
v. A sentença recorrida desconsiderou a importância do litígio para o Recorrente – que integra o (iv) critério dos parâmetros quantitaivos que a jurisprudência do TEDH tem apontado para se aferir da violação do direito a uma decisão em prazo razoável –, quando, efectivamente, o objeto do litígio se revestia de especial significado para o Autor, não estando em causa o “mero pagamento de uma quantia económica”...
vi. A violação do direito a uma decisão em prazo razoável, teve grave repercussão na vida pessoal e profissional do Recorrente.
vii. O então Autor responsabilizava e reclamava do INPI, uma indemnização pela não concessão atempada de registo da marca “global” – apresentado a 16 de Setembro de 1998 e registado com o n.º ...97 – que só veio a merecer despacho de concessão de marca a 15 de Outubro de 2010.
viii. A titularidade desta marca, “global”, era condição sine qua non do procedimento para o registo do domínio “global.info”, pela sociedade “Comunicus”, na Internet.
ix. Registo que expirou a 31 de Julho de 2007.
x. Com o cancelamento do domínio em nome da sociedade “Comunicus”, esta deixou de lucrar, pelo menos, 300.000,00 Euros, valor que, facilmente, poderia ter sido realizado com a alienação do domínio “global.info”, ou, ainda, rentabilizando-o através de publicidade.
xi. Perdido aquele que teria sido o seu primordial ativo, o domínio “global.info”, a “Comunicus” soçobrou. Foi dissolvida e o seu património liquidado no final do ano de 2008.
xii. Por conseguinte, quando o Recorrente intenta a acção contra o INPI para se ressarcir do prejuízo causado por aquele Instituto, processo que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto – Unidade Orgânica 2 sob o n.º 3407/11. ..., e que durou 9 anos, 3 meses e 17 dias, não estava em questão um “mero pagamento de uma quantia económica” mas todo um projecto de vida!
xiii. Os danos morais aqui implícitos, não são os habituais e comuns que existem sempre nestes casos, coincidentes com a ansiedade, angústia, incerteza e frustração pela inexistência de decisão, antes assumem no caso vertente uma exacerbada gravidade, atenta a importância que a causa, comprovadamente, tinha para o Recorrente.
xiv. Não há equidade nem proporcionalidade que não imponham que seja arbitrado ao Recorrente o valor mínimo de 2.000 Euros por cada ano de demora, atendendo à particular importância de que o assunto em litígio revestia para a vida, pessoal e profissional, do Recorrente.
xv. Como aliás, vem sendo sufragado pelo TEDH – veja-se, por todos, o Acórdão Apicella C. Italie de 10/11/2004, do TEDH, onde lemos: “O montante global será aumentado até 2.000 se o que estiver em causa for importante, nomeadamente em matéria de direito de trabalho, estado e capacidade das pessoas, pensões, processos particularmente importantes relativamente à saúde ou à vida das pessoas (sublinhado nosso).
xvi. Não há situação económica do País ou outras quejandas desculpas que possam interpor-se a este juízo, sob pena de uma leitura enviesada e miserabilista, e de os danos nunca serem legal e efetivamente ressarcidos e do Estado Português, mais dia menos dia, voltar a ser Réu em Estrasburgo, sempre pelas mesmas razões.
xvii. Quanto à excessiva demora do processo ou do atraso na decisão judicial, segundo um raciocínio global, o desenrolar do processo tem de ser aferido segundo os 3 primeiros critérios do TEDH e acolhidos pelos tribunais nacionais [abordado que foi o (iv) quarto critério – importância do litígio para o interessado – em v]: (i) a complexidade do caso, (ii) o comportamento processual das partes, e (iii) a atuação das autoridades competentes.
xviii. Não podemos aceitar que a questão em apreço, esteja envolta em (i) mediana complexidade. Inexistiram, v.g., dificuldades probatórias ou um elevado número de intervenientes processuais.
xix. Por sua vez, e quanto ao segundo critério, o (ii) comportamento processual das partes, nada houve a apontar que pudesse aportar dilação ao prazo de decisão.
xx. Relativamente ao terceiro critério, a (iii) atuação das autoridades competentes, critério de todos o mais volátil e indeterminado, não nos parece ter sido sopesado na douta sentença, sendo no entanto, primacial, referir, uma permanente agilização do aparelho da Justiça que se revela na diminuição do excesso de prazo das decisões jurisdicionais.
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xxi. Segundo este raciocínio, e a mais recente e melhor corrente jurisprudencial, nacional e do TEDH, a duração média de um processo judicial situa-se nos 2/3 anos, máxime 4, considerando a tramitação dos autos, a etiologia de eventuais delongas e as complexidades processuais e substantivas ínsitas.
xxii. E não 4 a 6 de duração global da lide, conforme ditou a sentença, sem sequer ponderar a média aritmética, da qual resultariam 5 anos e não 6, de duração razoável...
Em suma, a sentença recorrida não pode manter-se na ordem jurídica, por incorrer em erro de julgamento quanto ao montante arbitrado a título de indemnização, em violação da lei (arts. 3.º e 12.º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado, 496.º, n.º 1, e 566.º, n.º 3, do Código Civil (ex vi art. 3.º, n.º 3 daquele Regime), 22.º da CRP e 6.º, n.º 1, e 13.º da CEDH), devendo ser revogada e substituída por decisão que considere a exacerbada gravidade dos danos morais produzidos, compensando o Recorrente no valor de EUR 2.000 por cada ano de atraso, excesso de prazo que terá de se quantificar em pelo menos 5 (cinco) anos, o que, aritmeticamente, equivale a uma indemnização de EUR 10.000.
Nestes termos e nos mais de Direito, que V. Exas. mui doutamente suprirão, deverá o presente recurso proceder, revogando-se a sentença recorrida, com o que fará este Tribunal inteira e habitual
J U S T I Ç A !»
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1.6. O Apelado contra-alegou, apresentando as seguintes Conclusões:
«1 – O recurso vem interposto da douta sentença proferida na Ação em apreço em 13/06/2022 que condenou o Estado Português a pagar ao Autor o valor de EUR 3.000,00 (três mil euros), acrescidos de juros à taxa legal a contar da data da prolação da sentença, absolvendo-o do demais peticionado;
2 – No tocante ao excesso de prazo, a Mmª Juiz a quo atendeu à jurisprudência dominante que considera que a duração média de todo o processo deve corresponder, em princípio ou regra geral, quando haja recurso para os Tribunas Superiores, a um período que vai de 4 a 6 anos, salvo casos especiais;
3 – Pelo que, a douta sentença agora em crise ao entender que o processo em apreciação e que motivou a instauração dos presentes autos sofreu uma demora de 3 anos e 3 meses, nenhum reparo nos deve merecer;
4 – Quanto ao valor da indemnização atribuída ao Recorrente, atenta a factualidade efetivamente provada nos presentes autos, somos forçados a concordar com a Mmª Juiz a quo quando entendeu que “...não decorre da factualidade apurada nos autos que esteja em causa um processo cujo objeto do litígio se revista de especial significado para o Autor, estando em causa o mero pagamento de uma quantia económica, pretensão esta que, de resto, veio considerada totalmente improcedente”;
5 – Efetivamente, da matéria dada como provada, não descortinamos a “exacerbada gravidade” que a demora constituiu, nem que na ação objeto de atraso estivesse em causa “...todo um projeto de vida...” como defende o recorrente;
6 – Assim, num juízo de equidade, entendemos como justo e adequado o montante de indemnização fixado na douta sentença;
7 – A assim não se entender e a proceder a tese do Recorrente, estaríamos necessariamente perante um enriquecimento injusto ou sem causa por parte do Recorrente à custa do Estado Português;
8 – Por conseguinte, a Mma Juiz a quo fez, salvo melhor entendimento, uma correta interpretação da Lei, devendo ser confirmada nos seus precisos termos a douta decisão recorrida.
Porém, V. Exªs, decidindo, farão, como sempre, inteira JUSTIÇA.
1.8. Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.
2.1.Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Acresce que por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
2.2. Assentes nas mencionadas premissas, as questões que se encontram submetidas à apreciação deste TCAN resumem-se a saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento em matéria de direito quanto ao montante arbitrado a título de indemnização, de 3.000,00€, violando o disposto nos artigos 3.º e 12.º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado, 496.º, n.º 1, e 566.º, n.º 3, do Código Civil, 22.º da CRP e 6.º, n.º 1, e 13.º da CEDH, e se, por conseguinte, na procedência do invocado erro de julgamento, se a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra decisão que considere a exacerbada gravidade dos danos morais produzidos, compensando o Recorrente no valor de EUR 2.000 por cada ano de atraso, excesso de prazo que terá de se quantificar em pelo menos 5 (cinco) anos.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
A. DE FACTO
3.1. Com interesse para a apreciação da causa, o Tribunal a quo julgou provada a seguinte facticidade:
«1. O Autor detinha 60% do capital da sociedade por quotas “Comunicus – Comunicação Empresarial, Lda”, que se encontra extinta administrativamente desde 21.10.2008.
2. Em 23.11.2011, o Autor intentou ação administrativa comum, sob a forma ordinária, contra o Instituto Nacional da Propriedade Industrial, I.P. (INPI), em que peticionou a condenação do réu ao pagamento de uma indemnização de 300.000,00 Euros, que veio a correr termos junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto sob o n.º 3407/11.....
3. Através de ofício de 06.02.2012, foi o réu da ação em causa citado para contestar, o que veio a concretizar em 14.03.2012, defendendo-se por exceção e por impugnação.
4. Notificado da contestação, o Autor replicou em 23.04.2012, respondendo às exceções.
5. Em 04.05.2012, o réu treplicou, arguindo a nulidade processual da réplica e peticionando a condenação do Autor como litigante de má-fé.
6. O réu apresentou articulado superveniente em 20.06.2013, onde, entre outros, requereu a junção aos autos de dois documentos e, de novo, a condenação do Autor como litigante de má fé.
7. Em 29.09.2015, foi proferido saneador-sentença, em que a Mm.ª Juiz julgou procedente a exceção da prescrição invocada pelo réu e, em consequência, julgou aquela ação totalmente improcedente e absolveu o réu dos pedidos.
8. Em 24.11.2015, o Autor apresentou recurso da decisão referida em 7 para o Tribunal Central Administrativo Norte.
9. Em 25.01.2016, o réu, apresentou as suas contra-alegações.
10. Em 15.07.2016, foram os autos remetidos ao TCAN que, em 30.04.2020, proferiu Acórdão que negou provimento ao recurso, o qual foi notificado à Ilustre Mandatária do Autor através de ofício de 20.05.2020.
11. Em 02.11.2020, o Autor apresentou recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo.
12. Em 11.03.2021, os juízes da formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo acordaram em não admitir a revista.
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Nada mais foi provado com interesse para a decisão em causa e inexistem factos não provados com tal relevo, atenta a causa de pedir.»
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III.B.DE DIREITO
3.2. O presente recurso de apelação vem interposto da sentença proferida pelo TAF do Porto em 13/06/2022 que julgou parcialmente procedente a ação administrativa intentada pelo Autor, aqui Apelante, contra o Estado Português, por via da qual pretendia obter a condenação do último no pagamento de uma indemnização no valor de 30.000,01€, com fundamento em responsabilidade civil extracontratual decorrente de atraso na administração da justiça verificado no processo n.º 3407/11...., que instaurou com vista à condenação do INPI, réu dessa ação.
O tribunal a quo julgou a ação parcialmente procedente e, em conformidade, condenou o Estado Português a pagar ao Apelante uma indemnização de 3.000,00€ a título de danos não patrimoniais sofridos, tendo para o efeito fixado o excesso do prazo razoável no desfecho do processo n.º 3407/11...., em 3 anos.
O Apelante entende que a sentença recorrida errou ao fixar o excesso do prazo na tramitação da referida ação em apenas 3 anos, uma vez que, contrariamente ao que foi entendido pelo Tribunal a quo, a duração média total de um processo não se situa em 6 anos, mas nos 2/3 anos, no máximo, em 4 anos. Ademais, os danos não patrimoniais por si sofridos revelam-se de exacerbada gravidade, o que também não foi devidamente atendido pelo Tribunal a quo. Por fim, a quantia a arbitrar por cada ano de atraso no desfecho do processo n.º 3407/11...., deve ser de 2.000,00€ e não de 1.000,00€ conforme foi decidido.
Vejamos.
Nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável.
Trata-se de um preceito que praticamente reproduz o disposto no artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, onde se estabelece que, “Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. (...).”.
No mesmo sentido, prevê o artigo 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (2000/C 364/01), que “Toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei. Toda a pessoa tem a possibilidade de se fazer aconselhar, defender e representar em juízo.
A violação de tal direito, constitui o Estado Português na obrigação de indemnizar o cidadão lesado, ao abrigo do regime da responsabilidade civil extracontratual (cfr. Artigo 22.º da CRP, Artigo 12.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro e Artigo 6.º da Carta Europeia dos Direitos do Homem).
Trata-se, na verdade, da responsabilidade do Estado pelo anormal funcionamento da atividade judicial, mormente pela violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável.
Afigura-se claro que, para que se possa afirmar estar-se perante uma situação de atraso na administração da justiça, se exija a ultrapassagem de um “prazo razoável” imputável ao sistema de administração da justiça para o desfecho de um processo judicial.

Em tais casos, o direito indemnizatório visa a reparação de danos que derivem para os interessados de não ter sido possível assegurar, em tempo útil, a efetiva tutela jurisdicional da pretensão deduzida em juízo, e que poderão emergir quer da demora na prolação da decisão final, quer da não adoção tempestiva dos procedimentos cautelares que tenham sido requeridos ou da respetiva execução coativa, pelo que, a indemnização visa, assim, ressarcir as consequências económicas negativas que derivam, para a esfera jurídica dos pleiteantes, da violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva enquanto garantia processual dos cidadãos, a que se refere o art.º 268º, n.º 4, da CRP – cfr. Carlos Alberto Fernandes Cadilha, em Regime de Responsabilidade do Estado e demais entidades públicas anotado, 2ª edição, pág. 245.
O regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas (doravante RRCEE) consta atualmente da Lei n.º 67/2007, de 31/12, que entrou em vigor a 30/01/2008.

É no artigo 12.º do RRCEE que está essencialmente prevista a responsabilidade civil do Estado por violação do direito a uma decisão em prazo razoável, aí se estabelecendo que “Salvo o disposto nos artigos seguintes, é aplicável aos danos ilicitamente causados pela administração da justiça, designadamente por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, o regime da responsabilidade por factos ilícitos cometidos no exercício da função administrativa”.
Este preceito estabelece, como princípio geral, a aplicação à responsabilidade por danos ilicitamente causados pela administração da justiça o regime da responsabilidade por factos ilícitos cometidos no exercício da função administrativa, consagrado nos art.ºs 7º a 10º do RRCEE.
Pese embora a efetivação da responsabilidade civil extracontratual do Réu esteja subordinada ao regime da Lei n.º 67/2007, é irrefragável que os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual da Administração Pública decorrente de atos ilícitos praticados pelos seus agentes são idênticos aos do regime da responsabilidade civil extracontratual prevista e regulada no artigo 483º do Código Civil.
Conforme se pode constatar pela leitura do Acórdão do STA, de 03/07/2007, proferido no processo nº 0443/07- que se cita a título meramente exemplificativo- a jurisprudência da mais alta instância desta jurisdição é convergente no entendimento de que «A responsabilidade civil extracontratual do Estado e pessoas coletivas por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos ou agentes assenta nos pressupostos da idêntica responsabilidade prevista na lei civil, que são o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante (culpa), o prejuízo ou dano, e o nexo de causalidade entre este e o facto».
De particular, na responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas entidades públicas, há a considerar que o art.º 9º da citada Lei n.º 67/2007 estabelece, em sede de ilicitude, considerarem-se ilícitas as ações ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos (n.º 1), bem como quando a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos resulte do funcionamento anormal do serviço, segundo o disposto no n.º 3 do art. 7º (n.º 2).
Resulta deste dispositivo legal que em sede de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, se consagra um conceito amplo de ilicitude (bem mais amplo do que resulta do n.º 1 do art.º 483º do CC), na medida que para efeitos desta específica responsabilidade é ilícito o ato que viole normas legais, sejam constitucionais ou infraconstitucionais, incluindo, regulamentares ou princípios gerais aplicáveis, bem como aquele que viole as regras de ordem técnica e de previdência comum.
Neste sentido já se pronunciava Marcelo Caetano – in “Manual de Direito Administrativo”, 10ª ed., volo. II, pág. 1125 - no âmbito da vigência do anterior DL n.º 48.051, ao ponderar que “É necessário, em primeiro lugar, que tenha sido praticado um ato jurídico, nomeadamente um ato administrativo, como um facto material, simples conduta despida do caráter de ato jurídico. O ato jurídico provem por via de regra de um órgão que exprime a vontade imputável à pessoa coletiva de que é elemento essencial. O facto material é normalmente obra dos agentes que executam ordens ou fazem trabalhos ao serviço da Administração. O art. 6º do DL 48054 contém, para os efeitos de que trata o diploma, uma noção de ilicitude. Quanto aos atos jurídicos, incluindo, portanto, os atos administrativos, consideram-se ilícitos os que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis: quer dizer, a ilicitude coincide com a ilegalidade do ato e apura-se nos termos gerais em que se analisam os respetivos vícios. Quanto aos factos materiais, por isso mesmo que correspondem tantas vezes ao desempenho de funções técnicas, que escapam às malhas da ilegalidade estrita e se exercem de acordo com as regras de certa ciência ou arte, dispõe a lei que serão ilícitos, não apenas quando infrinjam as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis, mas ainda quando violem as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração”.
Conforme se extrai do Acórdão do STA, de 07/11/2019, proferido no processo n.º 0145/04.6BESNT, aquela Alta Instância optou, desde há muito, por um conceito amplo de ilicitude que aproxima a responsabilidade do Estado e demais entidades públicas [por atos de gestão pública] da responsabilidade civilística, exigindo que a ilegalidade se traduza na violação de direitos subjetivos do lesado ou, pelo menos, de interesses cuja proteção a norma violada se destina a proteger.
«Seguiu, assim, a orientação que é preconizada pelo Professor GOMES CANOTILHO, que, embora reconhecendo que «no nosso direito positivo, facilmente se constata que o ilícito definido no artigo 6º do DL nº48.051 […] é mais amplo que o ilícito civil definido no artigo 483º do Código Civil» sustenta que não se deverá adotar uma «completa equiparação da ilegalidade à ilicitude», antes se devendo exigir uma «relação mais íntima do indivíduo lesado para com a administração do que a simples legalidade e regularidade do funcionamento dos órgãos administrativos». Segundo este Professor, «a violação dos preceitos jurídicos não é, por si só, fundamento bastante da responsabilidade. Quer se exija a violação de direitos subjetivos, quer a violação de um dever jurídico ou funcional para com o lesado, quer ainda uma falta da Administração, faz-se intervir sempre um elemento qualificador e definidor de uma relação mais íntima do indivíduo prejudicado com a Administração do que a simples legalidade e regularidade do funcionamento dos órgãos administrativos» - esta «posição» é também defendida por outros autores, nomeadamente Margarida Cortez, e foi seguida em Pareceres do Conselho Consultivo da PGR - nº46/80 e nº183/81, in BMJ nº306 e nº316 - e sufragada por este STA, desde logo, e entre outros, nos arestos de «05.03.98», Rº30.840, e de «09.11.2000», Rº46.441.
Não basta, para que se possa afirmar a ilicitude (ou, pelo menos, a ilicitude relevante para efeitos de responsabilidade civil) a constatação de ter sido violado um determinado preceito normativo, uma regra de ordem técnica ou um dever objetivo de cuidado. É também necessário que essa violação ocorra no círculo de interesses protegidos pela norma violada.»
Quanto à culpa, "Agir com culpa significa atuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo" -Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 6ª edição, p. 531).
Na senda deste conceito de culpa e concretizando-o para efeitos de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, estabelece o artº. 10º da Lei n.º 67/2007, que a culpa dos titulares de órgãos, funcionários e agentes deve ser apreciada pela diligência e aptidão que seja razoável exigir em função das circunstâncias ou agente zeloso e cumpridor (n.º 1) e que sem prejuízo da demonstração de dolo ou culpa grave, presume-se a existência de culpa leve na prática de atos ilícitos (n.º 2) e que para além dos demais casos previstos na lei, também se presume a culpa leve, por aplicação dos princípios gerais da responsabilidade civil, sempre que tenha havido incumprimento dos deveres de vigilância (n.º 3).
Destarte, resulta deste preceito não só que para efeitos de culpa, a aferição desta deverá ser feita, como sucede na responsabilidade civil extracontratual em geral, de acordo com as concretas circunstâncias especificas do caso concreto em que o agente deixou de atuar, apesar de sobre si impender um dever legal de atuação, ou em que atuou, e tendo em consideração o grau de diligência de um homem médio (bónus pater família), no caso, de um funcionário diligente, zeloso e cumpridor, mas também que em sede de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas é aplicável a presunção de culpa prevista no art. 493º, n.º 1 do CC, o que desde sempre constituiu entendimento reiterado e pacífico ao nível da jurisprudência administrativa.
No caso, estando em causa o funcionamento anormal do serviço, a que se referem os n.ºs 3 e 4 do art.º 7º, o que releva é a circunstância de não ser atingido o padrão de diligência funcional média do exercício da atividade, que deverá aferir-se por um standard de atuação e rendimento normalmente exigível.
Note-se que face à definição ampla de ilicitude, tem a jurisprudência considerado ser difícil estabelecer uma linha de fronteira entre os requisitos da ilicitude e da culpa, afirmando que, estando em causa a violação do dever de boa administração, a culpa assume o aspeto subjetivo da ilicitude, que se traduz na culpabilidade do agente por ter violado regras jurídicas ou de prudência que tinha obrigação de conhecer ou de adotar (neste sentido, vide Acórdão TCA Norte, de 30/11/2012, proferido no processo n.º 00466/08.0BEPRT).
A questão ganha acuidade nos casos em que se suscita a aplicação do disposto no art.º 10.º, n.º 3 RRCEE que dispõe o seguinte:
“1. A culpa dos titulares de órgãos, funcionários e agentes deve ser apreciada pela diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor.
2. Sem prejuízo da demonstração de dolo ou culpa grave, presume-se a existência de culpa leve na prática de atos jurídicos ilícitos.
3. Para além dos demais casos previstos na lei, também se presume a culpa leve, por aplicação dos princípios gerais da responsabilidade civil, sempre que tenha havido incumprimento de deveres de vigilância.”
Quanto ao pressuposto do dano, é consabido que dano ou prejuízo é toda a ofensa de bens ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica (cf. MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA E COSTA, Direito das Obrigações, 12º edição, 2009, pág. 590), desde que essa ofensa seja imputável em termos de causalidade adequada à conduta que se considera ter originado o direito indemnizatório.
Neste âmbito, decorre do art.º 3º do RRCEE que a responsabilidade abrange os danos patrimoniais e não patrimoniais, sendo danos patrimoniais os prejuízos suscetíveis de avaliação em dinheiro, neles estando compreendidos o dano emergente (prejuízo imediato sofrido pelo lesado) e o lucro cessante (as vantagens que deixaram de entrar no património do lesado em consequência da lesão) [564º, n.º 1, do Código Civil] e danos não patrimoniais (danos morais) os que resultam da lesão de bens estranhos ao património do lesado (integridade física, saúde, tranquilidade, bem-estar físico e psíquico, liberdade, honra, reputação) – lesão de direitos de personalidade que, não sendo suscetíveis de avaliação em dinheiro, a atribuição de uma quantia se legitima, não pela ideia de indemnização ou reconstituição, mas pela ideia de compensação.
Deve ainda atender-se na fixação da indemnização os danos futuros, desde que sejam previsíveis e não apenas eventuais.
De todo o modo, quem esteja obrigado a indemnizar deve, em cumprimento do princípio da reposição natural, reconstituir a situação que existiria não fora o facto que origina o dever de reparar, a não ser que se verifiquem as situações a que alude o n.º 2 do art.º 3º do RRCEE.
Precise-se que o artigo 12.º do RRCEE abrange todos os danos causados no exercício da administração da justiça como é o caso, por exemplo, dos resultantes de violação do segredo de justiça, da anulação da venda derivada da falta de citação dos executados, ou de errada identificação do arguido pelos serviços de justiça determinante de notificação para julgamento em processo criminal, pelo que a referência aos danos decorrentes da violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável é meramente exemplificativa.
No que tange ao nexo de causalidade, a Lei n.º 67/2007 não contém norma que se refira expressamente ao princípio da causalidade. Todavia, expressa que a responsabilidade a que se reporta compreende os danos patrimoniais e não patrimoniais, os emergentes e os futuros, nos termos gerais do direito.
Contudo, a jurisprudência administrativa portuguesa tem adotado a teoria da causalidade adequada, na formulação negativa de Enneccerus-Lehmann, que a generalidade da doutrina portuguesa considera encontrar-se consagrada no artigo 562.º do Código Civil, onde se estabelece que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
De acordo com esta teoria da causalidade adequada na sua formulação negativa, uma condição do dano deixará de ser considerada causa dele sempre que seja de todo indiferente para a sua produção e só se tenha tornado sua condição em virtude de outras circunstâncias extraordinárias. Como tal, para que um facto seja causa do dano é necessário que, no plano naturalístico, seja sua condição sine qua non em concreto e em abstrato, segundo as regras da vida, ou seja, as máximas da experiência, os princípios da lógica e os juízos correntes de probabilidade.
Não basta, por isso, que o evento tenha produzido certo efeito para que, de um ponto de vista jurídico, se possa considerar causado ou provocado por ele, antes sendo necessário que o primeiro seja uma causa provável ou adequada do segundo.
Em consequência, «o juízo sobre a causalidade integra, por um lado, matéria de facto, certo que se trata de saber se na sequência de determinada dinâmica factual um ou outro facto funcionou efetivamente como condição desencadeante de determinado efeito, e, por outro, matéria de direito, designadamente a determinação, no plano geral e abstrato, se aquela condição foi ou não causa adequada do evento, ou seja, dada a sua natureza, se era ou não indiferente para a sua verificação.» - cfr. Salvador da Costa, in artigo citado.
De acordo com este recorte, só existe o nexo de causalidade adequada quando dos factos provados se possa concluir que a conduta imputável aos funcionários ou agentes da administração é, em abstrato, idónea para a produção do dano, ou seja quando há uma relação direta e necessária entre a conduta do lesante e os danos causados ao lesado, sendo legítima tal conclusão sempre que o resultado dessa conduta seja previsível.
Feita esta explanação, no caso, importa recordar que apenas está em discussão saber se a decisão do Tribunal a quo errou ao considerar como prazo razoável para o desfecho do processo n.º 3407/11...., o prazo global de 6 anos e, bem assim, se errou ao fixar o valor de indemnização por cada ano de atraso em apenas 1.000,00€ quando devia fixar esse valor em 2.000,00€ por cada ano de atraso, por serem graves os danos sofridos pelo Apelante, de acordo com o que sustenta.
Como sabemos, sobre esta matéria existem múltiplas decisões dos tribunais nacionais e do TEDH, sendo à luz da jurisprudência emanada por esses tribunais que as questões suscitadas no domínio da responsabilidade civil extracontratual do Estado decorrente da morosidade na administração da justiça devem ser equacionadas e decididas.
A respeito desta problemática, são muito pertinentes e elucidativas as considerações efetuadas pela Senhora Conselheira Maria Benedita Urbano in “Da Duração excessiva do processo, in Comentário da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e dos Demais Protocolos” (Paulo Pinto de Albuquerque org.), Volume II, Universidade Católica Editora, 2019, p. 967 e ss.-, segundo a qual “a Convenção não consagra limites temporais ou prazos de referência para a duração dos processos, nem estabelece regras gerais sobre a duração dos processos, procedimentos e diligências necessárias. Já o TEDH, mais do que fixar critérios precisos para aferir da ultrapassagem ou não da duração razoável, optou por estabelecer algumas orientações gerais a apreciar casuisticamente.”
Diz ainda a Senhora Conselheira que «só interessa, para efeitos de tutela indemnizatória, a lentidão patológica.
O procedimento de delimitação do período de tempo relevante (…) desenvolvesse em dois passos. O primeiro deles consiste em calcular em concreto e objetivamente o tempo efetivo do decurso do processo. O segundo passo consiste em avaliar se o tempo relevante apurado pode ou não ser considerado como correspondendo a uma «duração razoável», com vista a avaliar da existência ou não de uma violação do artigo 6.º, n.º 1 da CEDH.
(…)
No âmbito civil, o dies a quo coincide com a propositura da ação em tribunal.
Para aferição da eventual violação da duração razoável o TEDH preconiza que sejam atendidas todas as circunstâncias do caso»
A mesma autora, elenca os quatro critérios, desenvolvidos pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, destinados a determinar qual é a duração razoável do processo, a saber:
«1º - O comportamento do requerente /queixoso durante o processo
O TEDH defende que é fundamental descortinar de que modo aquele que apresentou uma queixa por atraso na justiça não é ele próprio responsável, em alguma medida, pela dilatação dos tempos da justiça. A análise do comportamento do requerente / queixoso deve ser totalmente objetiva. Além disso, o TEDH aprecia de que modo certos atrasos imputados ao requerente/queixoso não foram eles próprios ampliados pela demora das autoridades nacionais cuja atenção tem impacto no julgamento. (…)
2º - O comportamento das autoridades (judiciais) nacionais
Como facilmente se compreende, apenas as demoras que possam ser imputadas aos Estados poderão ser tidas em consideração e não também as demoras de que são responsáveis, v.g., entidades privadas. Mas, é preciso notar, hoje em dia entende-se que não são necessariamente apenas os tempos das autoridades judiciais que é preciso ponderar, mas, de igual forma, os tempos daquelas autoridades cuja atuação pode repercutir-se num julgamento (e na administração da justiça em geral) – daí que seja mais ajustado falar-se em comportamento das autoridades nacionais competentes ou relevantes.
O Estado acusado não pode refugiar-se nas deficiências estruturais do seu sistema judiciário para se desresponsabilizar pelo atraso na justiça. A argumentos como, entre outros, o da sobrecarga crónica do sistema, o da sobrecarga de determinado juiz ou tribunal, o da mudança constante de juízes, responde o TEDH com a chamada de atenção para a obrigação de os Estados se responsabilizarem pela criação e manutenção de um serviço público de justiça capaz de dar resposta pronta e eficiente às demandas dos cidadãos, ainda que isso implique a necessidade de reformas legislativas. (…)
3º- A complexidade do caso
Esta complexidade pode dizer respeito à questão de facto como à questão de direito. São vários os exemplos de fatores que determinam a complexidade do caso que têm vindo a ser identificados pela jurisprudência do TEDH. A título meramente exemplificativo refiram-se o número de testemunhas ou de especialistas a ouvir; o volume de provas a obter e as ser examinado; o número de arguidos; a ausência de precedentes ou de casos semelhantes; as dificuldades das questões jurídicas envolvidas e a intervenção de terceiras pessoas (por exemplo, quando um incidente de habilitação de herdeiros é enxertado no processo); a necessidade do reenvio prejudicial; a falta de clareza e da previsibilidade do regime jurídico interno aplicável. Mas a simples presença de um ou mais de estes fatores pode, ainda assim, não impedir a condenação do Estado nacional por violação da exigência da duração razoável do processo. Falta lembrar que o Tribunal de Estrasburgo tem vindo a inclinar-se pela inversão do ónus da prova nestes casos.
4º- A importância da causa para o requerente / queixoso
O Tribunal de Estrasburgo pode reputar como excessiva a duração de um processo que não foi assim tão demorado por comparação com outros processos, mais longos, que não mereceram idêntica censura da sua parte. Isto porque, justamente, estima que há questões particularmente sensíveis em que se justifica uma atuação mais rápida da justiça. São elas questões de aposentação /reforma, questões relacionadas com o estado civil e capacidade das pessoas, com a residência das crianças ou pensão de alimentos; com doenças incuráveis e consequente esperança de vida reduzida; disputas laborais, em especial as que envolvem a suspensão, transferência ou despedimento do trabalhador; detenção de suspeitos; indemnizações por acidentes rodoviários. (…)».
A jurisprudência dos nossos tribunais superiores, alinhados com a jurisprudência do TEDH, tem estabilizado no sentido de qualificar como prazo razoável de duração média de um processo, em 3 anos na primeira instância e para a generalidade das matérias, e de 4 a 6 anos como duração média global da lide (primeira instância – processo declarativo e executivo/recursos).
Contudo «(…) só se pode afirmar que um processo foi decidido para além do «prazo razoável» quando o mesmo foi julgado para além do momento em que, em circunstâncias normais, deveria ter sido decidido e que esse atraso se ficou a dever ao deficiente e culposo funcionamento da «máquina judicial». Só assim, isto é, só havendo a certeza de que o processo foi decidido para além do tempo em que seria razoável decidi-lo e que essa anomalia se ficou a dever a culpa dos serviços da administração da justiça é que se poderá afirmar que se verificam as condições determinantes da emergência do direito a uma indemnização ressarcitória por via da responsabilidade civil extracontratual.
Sendo assim, se se concluir que a decisão final foi proferida para além do «prazo razoável», mas que esse atraso se deve a uma tramitação com incidências extraordinárias, não provocadas pelo funcionamento da «máquina judicial» - designadamente que se ficou a dever à complexidade do processo, à própria natureza deste ou ao censurável comportamento das partes - então haverá que concluir não estarem reunidos os requisitos de que depende o apontado dever indemnizatório. Sendo certo que nessa apreciação o que releva é a análise da tramitação do processo no seu conjunto e não o que aconteceu em cada uma das suas fases o que obriga a que se não dê demasiada atenção ao cumprimento de cada um dos prazos dos atos desse percurso em detrimento de uma visão de conjunto que atenda a todas as suas incidências. Ou seja, e dito de forma diferente, na procura das causas responsáveis pelo atraso na decisão do processo a atenção deve ser concentrada naquelas que decorrem do comportamento das autoridades judiciárias pois que só se concluir que a demora foi irrazoável, foi chocante, foi inaceitável para os critérios e expectativas do homem comum e que tal resulta do andamento da máquina da administração da justiça é que se poderá falar na responsabilidade civil extracontratual do Estado. Juízo esse que terá de ter em conta (1) a complexidade do processo, (2) o comportamento das partes (3) a atuação das autoridades competentes no processo e (4) a importância do litígio para o interessado. - Vd., por todos, Acórdão deste STA de 9/10/2008 (rec. 319/08)»- cfr. Ac. do STA de 27/11/2013, Proc. n.º 0144/13.
No mesmo sentido, afirmar-se no Acórdão do STA, de 21/5/2015 proferido no processo n.º 072/14, que « a violação do direito a uma decisão num prazo razoável só pode gerar a obrigação de indemnizar se as circunstâncias concretas do caso ditarem que ela podia ter sido alcançada num prazo inferior ao que efetivamente foi e que tal só aconteceu por incúria ou negligência dos operadores judiciários”».
Por outro lado, lê-se no acórdão do STA de 6/2/2020, 03/16, «A verdade é que nestas situações de indemnização por atraso na justiça, um eventual atraso terá de ser apreciado de forma unitária, desde a proposição da ação até à prolação da decisão de mérito final. Até porque pode haver atrasos em certas fases do processo e não em todas, sendo isso, no entanto, suficiente para condenar o Estado por atraso na justiça. Só uma visão global do processo permite, pois, ao julgador, avaliar se a decisão judicial foi dada sem dilações indevidas».
Na sentença recorrida, a 1.ª Instância, invocando a jurisprudência, quer nacional, quer do TEDH deu como certo o entendimento de acordo com o qual se deve qualificar como prazo razoável de duração do processo em primeira instância, o de 3 anos, para a generalidade de matérias e o prazo de 4 a 6 anos para a duração global da lide, sem deixar de assinalar, contudo, que a consideração dos referidos «parâmetros quantitativos deve conjugar-se com o apelo aos critérios que a jurisprudência do TEDH, acolhida pelos tribunais nacionais, tem apontado para se aferir da existência de uma violação do direito a uma decisão em prazo razoável, a saber: a) a complexidade do processo, b) o comportamento das partes, c) a atuação das autoridades competentes no processo e d) o assunto do processo e o significado que o mesmo pode ter para o requerente (veja-se, entre outros, o Ac. COMINGERSOLL, S.A. v. PORTUGAL do TEDH, de 06.04.2000, Proc. nº 35382/97, in https://hudoc.echr.coe.int).». E que «o direito à justiça em prazo razoável não passa pela escalpelização do cumprimento dos vários prazos processuais no âmbito de um processo».
Partindo desse enquadramento, a 1.ª Instância considerou, e bem, que na situação dos autos « nada há a apontar ao comportamento das partes de entre a factualidade apurada que deva ser considerado para a dilação do prazo de decisão.» uma vez que « não se verificou qualquer momento em que tramitação do processo tivesse estado parado na dependência do impulso do Autor, não se verificando, igualmente, nenhuma situação passível de consubstanciar qualquer tipo de utilização abusiva ou dilatória dos meios processuais disponíveis.»
Entendeu também a 1.ª Instância não decorrer da «factualidade apurada nos autos que esteja em causa um processo cujo objeto do litígio se revista de especial significado para o Autor, estando em causa o mero pagamento de uma quantia económica.», e bem assim que « a complexidade do processo judicial em causa afigura-se mediana, nada de específico havendo a salientar a este respeito.», conclusões que merecem a nossa adesão.
Nesse seguimento e tomando como prazo razoável para a prolação da decisão final no processo n.º 3407/11...., o prazo de 6 anos, concluiu que « a duração da ação judicial em causa se revelou desconforme com o direito do Autor a uma decisão em prazo razoável, tal como preceituado no art. 6.º, n.º 1 da CEDH e no art. 20.º, n.º 1 e 4 da CRP.», verificando-se por conseguinte, o pressuposto da ilicitude, dando também como verificados os pressupostos da culpa e do nexo de causalidade.
No caso, a ação que correu termos com o processo n.º 3407/11.... foi proposta em 23/11/2011 (cfr. ponto 2 do probatório), tendo a 1.ª Instância proferido decisão final em 29/09/2015, julgando-a improcedente com fundamento na prescrição do direito indemnizatório que o aí autor pretendia exercer.
O autor, ora Apelante, recorreu dessa decisão para o TCAN, que proferiu Acórdão em 30/04/2020.
O aqui Apelante interpôs recurso de revista para o STA do referido acórdão do TCAN, que foi rejeitado por acórdão de 11/03/2021 -vide. pontos 10 e 12 do elenco dos factos provados.
Assim sendo, o processo n.º 3407/11.... teve uma duração global superior a 9 anos e 3 meses e 17 dias, conforme alegado pelo Apelante.
Quanto aos danos e ao montante indemnizatório a arbitrar ao Autor, aqui Apelante, foi a seguinte a decisão proferida pelo Tribunal a quo que consideramos útil transcrever integralmente:
«Dos danos e do montante indemnizatório:
Para que se gere a obrigação de indemnizar é ainda “conditio sine qua non” que exista um dano que tenha emergido na esfera jurídica do lesado.
Neste âmbito, dano é a lesão ou o prejuízo que o lesado sofreu em virtude de um certo facto, que no caso concreto se reconduz ao atraso na composição definitiva da demanda no processo n.º 3407/11.....
A esse propósito cumpre atender na jurisprudência do TEDH e dos Tribunais nacionais superiores sobre a matéria, máxime no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo n.º 07472/11, em 12.05.2011 (in www.dgsi.pt), em cujo sumário se refere que: “(...) I -As normas de direito interno respeitantes à responsabilidade civil do Estado Juiz devem ser objecto de interpretação conforme à Convenção Europeia dos Direitos do Homem e devem ser aplicadas tomando em consideração a jurisprudência do TEDH.
II - De acordo com a jurisprudência do TEDH, que tem sido acolhida pelo STA, é de presumir que da violação do direito à obtenção em prazo razoável de decisão judicial que regule definitivamente o caso submetido a juízo resulta um dano moral que constitui o dano psicológico e moral comum que sofrem todas as pessoas que se dirigem aos tribunais e não vêem as suas pretensões resolvidas por um acto final do processo. (...)” (assinalado nosso)
Acresce que a densificação legal de danos não patrimoniais decorre do artigo 496.º do Código Civil, segundo o qual, apenas são ressarcíveis os danos que pela sua gravidade mereçam, a tutela do direito.
A relevância do tipo de danos que conduzem ao dever de indemnizar neste âmbito, já foi por diversas vezes discutida na doutrina e jurisprudência.
Afirma o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão proferido no processo n.º 0308/07, em 28.11.2007, in www.dgsi.pt, depois de assinalar, em termos idênticos aos que acima foram formulados, a relevância hermenêutica a atribuir à jurisprudência do TEDH, que este órgão jurisdicional: “relativamente aos danos morais suportados pelas vítimas de violação da Convenção, não restringe a dignidade indemnizatória aos de especial gravidade e, em casos similares, de ofensa ao direito a uma decisão em prazo razoável, tem entendido que a constatação da violação não é bastante para reparar o dano moral (vide, por exemplo: acórdão de 21 de Março de 2002, processo nº 46462/99, no caso Rego Chaves Fernandes c. Portugal; acórdão de 29 de Abril de 2004, processo nº 58617/00, proferido no caso Garcia da Silva c. Portugal). Razão pela qual, estando em causa uma violação do art. 6º § 1º da Convenção e a sua reparação, em primeira linha, ao abrigo do princípio da subsidiariedade, pelo Estado Português, a norma do art. 496º/1 do C.Civil haverá de interpretar-se e aplicar-se de molde a produzir efeitos conformes com os princípios da Convenção, tal como são interpretados pela jurisprudência do TEDH (vide ponto 80. do acórdão de 29 de Março de 2006, proferido no processo nº 64890/01, no caso Apicella c. Itália).”
Assim sendo, os danos não patrimoniais comuns correspondentes à angústia normal decorrente da não prolação de decisão que ponha fim a uma demanda judicial em prazo razoável, e cuja presunção decorre do mero reconhecimento da delonga processual, são, em abstrato, subsumíveis ao art. 496.º, do Código Civil.
Sendo que, conforme referido pelo acórdão do Tribunal Central Administrativo proferido no processo n.º 13706/16, em 15.12.2016 (in www.dgsi.pt), os designados danos não patrimoniais comuns resultantes do atraso na obtenção de uma decisão em prazo razoável, “(...) merecem, em princípio, a tutela do direito, não sendo de minimizar na respetiva relevância, sem prejuízo de prova em contrário ou de diferente causalidade (...)”.
Os mesmos consistem, como se explicitou no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 319/08, em 09.10.2008, no “(...) dano psicológico e moral comum que sofrem todas as pessoas que se dirigem aos tribunais e não vêm as suas pretensões resolvidas por um ato final do processo” (in www.dgsi.pt).
À luz da jurisprudência que vem citada, por estar em causa um dano moral presumível por força da demora na prolação de decisão judicial, impõe-se concluir pela existência de danos não patrimoniais comuns na esfera jurídica do Autor na sequência do facto ilícito do Réu.
Encontra-se assim também reunido este pressuposto da concessão de indemnização ao Autor.
*
Resta, pois, determinar concretamente o montante em que se traduz o “quantum” indemnizatório.
Pelo atraso na prolação de decisão no processo, o Autor peticiona o pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais ou morais no valor de 30.000,01 euros, acrescida de juros de mora desde a citação à taxa legal até integral pagamento.
Desde já se diga que, para efeitos a aferição do dano, é totalmente irrelevante o facto de o Autor ter sido detentor de 60% do capital da sociedade em causa no processo judicial, conforme invoca (cfr. ponto 1 do probatório). Na realidade, estão em causa danos causados pela delonga num processo judicial em que o próprio Autor era a parte ativa (cfr. ponto 2 do probatório), pelo que será na sua esfera jurídica apenas que tais danos se irão repercutir.
Vejamos então.
O arbitramento de indemnizações por danos não patrimoniais deve ser feita por recurso à equidade e deve atender aos princípios gerais de direito aplicáveis, nomeadamente o princípio da proporcionalidade.
Também no arbitramento do montante indemnizatório haverá de ter em conta os padrões que têm vindo a ser fixados pela jurisprudência nesta matéria.
Recorrendo às doutas palavras do Supremo Tribunal Administrativo, “Este juízo de equidade, como é sabido, parte sempre do direito positivo, como expressão histórica máxima da justiça, embora tenha muito particularmente em conta as circunstâncias do caso concreto, mediante a sua ponderação à luz de regras da boa prudência, da justa medida das coisas, e da criteriosa ponderação das realidades da vida [entre outros, AC STJ de 17.06.2004, Rº04P2364; AC STJ de 07.12.2006, Rº6P3053].” (cfr. Ac. do STA de 30.03.2017, proc. n.º 0488/16, in www.dgsi.pt).
É de atender à jurisprudência do TEDH referida, inter alia, no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo n.º 7472/11, em 12.05.2011 (in www.dgsi.pt), no qual se refere a existência de uma “(...) grelha estabelecida pelo TEDH no “caso Musci C. Itália” (P. 64699/01) variável entre 1000 e 1500 Euros por cada ano de demora do processo, nunca se poderia esquecer que se estava perante uma mera base de partida, suscetível de ser aumentada ou diminuída, de acordo com os danos concretos, a importância dos interesses em jogo e o comportamento do requerente eventualmente justificativo da demora.(...)”.
Em sentido idêntico, veja-se ainda o douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 01004/16, em 11/05/2017, no qual se faz uma resenha dos danos que têm vindo a ser considerados na jurisprudência do TEDH e dos tribunais nacionais superiores, em que se refere, entre outros, o seguinte:
“(...) Assim, e desde já, quanto a este ponto socorrendo-nos nesta sede daquilo que tem sido a jurisprudência do «TEDH» firmada quanto aos fatores que importa atender e considerar no juízo de equidade definidor do valor a arbitrar pelos danos não patrimoniais extrai-se: i) consideração da duração do processo, que deve ser feita levando em conta os anos que o mesmo esteve pendente, apurando-se no seu conjunto e não isoladamente por cada ano de demora/atraso; ii) a importância do litígio e seu impacto na esfera jurídica da parte [especial relevância para as ações laborais, sobre o estado e capacidade das pessoas, sobre pensões, relativas à saúde ou à vida das pessoas]; iii) o comportamento da parte durante o processo; iv) o levar em consideração o próprio nível de vida do país; v) e conduz à redução do montante a arbitrar o serem apuradas condutas que hajam importado ou contribuído para o retardamento do processo, o facto da participação no procedimento ter sido curta ou breve, o facto do litígio e sua decisão assumir pouca importância na esfera jurídica e patrimonial da parte, ou ainda o facto desta já ter obtido/recebido quantia em dinheiro destinada a indemnizar a lesão do direito a uma decisão judicial em prazo razoável [cfr., entre outros, Ac. do «TEDH» de 10.11.2004 (c. «Musci v. Itália», § 27)]. (...)”
Da referida jurisprudência resulta claro que a grelha estabelecida pela jurisprudência do TEDH é meramente indicativa, devendo atender-se na indemnização a fixar em concreto aos contornos do processo em que a mesma é arbitrada e ao enquadramento sistemático fornecido pelas demais decisões proferidas pelo TEDH e pelos tribunais nacionais sobre a matéria, por forma a assegurar a proporcionalidade da decisão.
Assim, para a fixação do quantum indemnizatório dos danos não patrimoniais comuns sofridos por atraso na justiça em termos conformes com o princípio da proporcionalidade, cumprirá atender, não só ao lapso de tempo decorrido – que como vimos ultrapassou os 9 anos e 3 meses -, mas também a aspetos específicos do litígio, como seja o objeto do litígio (os bens jurídicos em causa), ao valor da ação e o nível de vida em Portugal (cfr. Ac. do STA de 11.05.2017, proc. n.º 01004/16, in www.dgsi.pt).
Ora, como vimos a respeito da constatação da ilicitude, não decorre da factualidade apurada nos autos que esteja em causa um processo cujo objeto do litígio se revista de especial significado para o Autor, estando em causa o mero pagamento de uma quantia económica, pretensão esta que, de resto, veio considerada totalmente improcedente.
Por outro lado, o tempo de delonga ultrapassou apenas em cerca de 3 anos e 3 meses o prazo considerado razoável para a duração de um processo que percorreu as três instâncias, conforme acima se referiu.
Apelando aos valores que têm sido fixados pela jurisprudência, bem como aos demais fatores a considerar, nos termos descritos, afigura-se assim, ao abrigo do art. 496.º, n.º 4, do CC, equitativa a atribuição ao Autor de uma indemnização global no valor de EUR 3.000,00, a título de danos morais.»
O Apelante discorda da sentença recorrida defendendo que contrariamente ao que foi considerado pelo Tribunal a quo a violação do direito a uma decisão em prazo razoável teve grave repercussão na vida pessoal e profissional do mesmo, uma vez que, na ação em causa reclamava do INPI, uma indemnização pela não concessão atempada de registo da marca “global” – apresentado a 16 de setembro de 1998 e registado com o n.º ...97 – que só veio a merecer despacho de concessão de marca a 15 de outubro de 2010, uma vez que a concessão da referida marca era condição sine qua non do procedimento para o registo do domínio “global.info”, pela sociedade “Comunicus”, na Internet, registo que expirou a 31 de julho de 2007. E com o cancelamento do domínio em nome da sociedade “Comunicus”, esta deixou de lucrar, pelo menos, 300.000,00 Euros, valor que, facilmente, poderia ter sido realizado com a alienação do domínio “global.info”, ou, ainda, rentabilizando-o através de publicidade.
E daí que, no processo n.º 3407/11. ..., e que durou 9 anos, 3 meses e 17 dias, não estava em questão um “mero pagamento de uma quantia económica” mas todo um projecto de vida.
A seu ver, os danos morais aqui em causa não são os habituais e comuns que existem sempre nestes casos, coincidentes com a ansiedade, angústia, incerteza e frustração pela inexistência de decisão, antes assumem no caso vertente uma exacerbada gravidade, atenta a importância que a causa, comprovadamente, tinha para o Recorrente, advogando que no caso se justifica a atribuição de 2.000,00€ por cada ano de demora. Ademais, sustenta que de acordo com a mais recente e melhor corrente jurisprudencial, nacional e do TEDH, a duração média de um processo judicial situa-se nos 2/3 anos, máxime 4, considerando a tramitação dos autos, a etiologia de eventuais delongas e as complexidades processuais e substantivas ínsitas, e não de não 4 a 6 de duração global da lide, conforme ditou a sentença, sem sequer ponderar a média aritmética, da qual resultariam 5 anos e não 6, de duração razoável. Assim, entende que lhe deve ser atribuída uma indemnização de 10.000,00€ , resultante do processo ter excedido em 5 anos o prazo de duração razoável e de ser adequada a quantia de 2.000,00€ por cada ano de atraso.
Não tem razão o Apelante, desde logo, quando alega que a sentença recorrida errou ao considerar como prazo razoável para a duração do processo n.º 3407/11...., o prazo global de 6 anos.
Na verdade, como vimos, esse é o prazo que a mais sólida e firme jurisprudência considera que deve corresponder à duração média de um processo quando haja recurso para os Tribunas Superiores.
No que tange ao montante indemnizatório que lhe foi concedido, o Tribunal de 1.ª Instância considerou adequada o arbitramento da quantia de 3.000,00€ que o Apelante reputa de inadequada, reclamando a atribuição de uma indemnização de 2.000,00 por cada ano de atraso, no montante global de 10.000,00€.
Vejamos,
São danos não patrimoniais «…os que afetam bens não patrimoniais (bens da personalidade), insuscetíveis de avaliação pecuniária ou medida monetária, porque atingem bens, como a vida, a saúde, a integridade física, a perfeição física, a liberdade, a honra, o bom nome, a reputação, a beleza, de que resultam o inerente sofrimento físico e psíquico, o desgosto pela perda, a angústia por ter de viver com uma deformidade ou deficiência, os vexames, a perda de prestígio ou reputação, tudo constituindo prejuízos que não se integram no património do lesado, apenas podendo ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente» ( Vide Acórdão do STJ de 25.11.2009, processo nº 397/03.0GEBNV.S1).
Daí que, o dano não patrimonial assuma vários modos de expressão: o chamado quantum doloris, que se reporta às dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária, com tratamentos, intervenções cirúrgicas, internamentos (nele se considerando a extensão e a gravidade das lesões, e a complexidade do seu tratamento clínico); o dano estético, prejuízo anátomo- funcional e que se refere às deformidades e aleijões que perduraram para além do processo de tratamento e recuperação da vítima; o prejuízo de distração ou passatempo, caracterizado pela privação das satisfações e prazeres da vida, como a renúncia a atividades extraprofissionais, desportivas ou artísticas; o prejuízo de afirmação social, dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afetiva, recreativa, cultural, cívica), integrando este prejuízo a quebra da «alegria de viver»; o prejuízo da saúde geral e da longevidade, em que avultam o dano da dor e o défice de bem estar, e que valoriza as lesões muito graves, com funestas incidências na duração normal da vida; os danos irreversíveis na saúde e bem estar da vítima e o corte na expectativa de vida; o prejuízo juvenil, que afeta os sinistrados muito jovens que ficam privados das alegrias próprias da sua idade; o prejuízo sexual, consistente nas mutilações, impotência, resultantes de traumatismo nos órgãos sexuais; e o prejuízo da auto- suficiência, caracterizado pela necessidade de assistência duma terceira pessoa para os atos correntes da vida diária (tudo conforme Ac. do STJ, de 25.11.2009, processo nº 397/03.0GEBNV.S1, reiterado depois no Ac. da RG, de 10.10.2013, processo nº 5981/12.0TBVCT.G1).
Dispõe o artigo
496º, nº 1 do C.C. que, «na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito», aqui se incluindo aqueles que afetem profundamente os valores ou interesses da personalidade física ou moral.
Não obstante, a gravidade do dano não patrimonial indemnizável deverá ser aferida por um padrão objetivo (embora tendo em conta as circunstâncias do caso concreto), e não por um padrão subjetivo, derivado de uma sensibilidade especialmente requintada ou exacerbada ou, pelo contrário, particularmente embotada (João de Matos Antunes Varela, Direito das Obrigações, Vol. I, 7ª edição, Livraria Almedina, 576).
Outrossim, dispõe o nº 4 do artigo 496º do C.C. que «o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º», o mesmo é dizer, tendo em conta o «grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, e as demais circunstâncias do caso» (mormente, o tipo de lesões registadas e o sofrimento daí resultante), sem esquecer os padrões adotados pela jurisprudência e a flutuação da moeda.
Deste modo, o critério central a ter em conta para a fixação da indemnização por danos não patrimoniais é o da equidade, cujo julgamento «é sempre o produto de uma decisão humana que visará ordenar determinado problema perante um conjunto articulado de proposições objetivas; distingue-se do puro julgamento jurídico por apresentar menos preocupações sistemáticas e maiores empirismo e intuição» (António Menezes Cordeiro, O Direito, 122º, p. 272. No mesmo sentido, Almeida Costa, «Reflexões Sobre a Obrigação de Indemnização», RLJ, 134º, p. 299, e Vaz Serra, RLJ, 114º, p. 310).
A equidade, opera, pois, como um mecanismo de adaptação da lei geral às circunstâncias do caso concreto (só o juiz - e não a lei abstrata - o podendo fazer).
Em bom rigor, ao «fixar o valor em dívida com base na equidade, o Tribunal deixa de aplicar as normas jurídicas em sentido estrito, para lançar mão de um critério casuístico que aquela situação demanda, em termos de ponderação das particularidades do caso, tendo em conta a decisão justa e adequada à hipótese em julgamento, pelo que o critério é consentidamente deixado ao prudente arbítrio do julgador, com a carga de subjetividade que isso implica, mas sempre com o limite da solução mais justa, equitativa e objetiva».
Reconhece-se, assim, que o «recurso à equidade constitui um
critério residual», por envolver «uma atenuação do rigor da norma legal, por virtude da apreciação subjetiva do julgador, subtraindo este aos critérios puros e rigorosos de carácter normativo fixados na lei» (Ac. do STJ, de 13.04.2010, processo nº 109/2002.C1.S1).
Quanto à situação económica do autor do facto lesivo e da vítima, terão que ser ponderados «no contexto da situação económica do cidadão médio e do significado do bem jurídico afetado para a vida em sociedade» (Abrantes Geraldes, Temas da Responsabilidade Civil, Vol. II, Indemnização dos Danos Reflexos em Geral, 2ª edição, Almedina, p. 24).
Relativamente às demais circunstâncias do caso, atende-se aqui nomeadamente às lesões registadas e aos sofrimentos que provocaram, tendo necessariamente em conta a idade do lesado.
Por fim, ter-se-ão ainda «em consideração os critérios jurisprudenciais vigentes e aplicáveis a situações semelhantes, face ao que dispõe o artigo 8º, nº 3, do CC, fazendo-se a comparação do caso concreto com situações análogas equacionadas noutras decisões judiciais, não se perdendo de vista a sua evolução e adaptação às especificidades do caso sujeito» (Ac. do STJ, de 15.04.2009, Raul Borges, Processo nº 08P3704, com bold apócrifo).
Note-se que «não deve confundir-se a equidade com a pura arbitrariedade ou com a total entrega da solução a critérios assentes em puro subjetivismo do julgador, devendo a mesma traduzir a justiça do caso concreto, flexível, humana, independentes de critérios normativos fixados na lei, impondo-se que o julgador tenha em conta as regras da prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida» (Ac. do STJ, processo nº 2025/04.8).
O recurso à equidade, imposto pelo artigo 496º, nº 4 do C.C., «não afasta», assim, «a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso» (Ac. do STJ, de 22.01.2009, processo nº 07B4242).
Com efeito, os «Tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é … na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vetores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha reta à efetiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição» (Ac. do STJ, de 31.01.2012, processo nº 875/05.7TBILH.CV1.S1).
Não se trata aqui de uma verdadeira indemnização, mas sim da atribuição de certa soma pecuniária, que se julga adequada a compensar e a minorar dores e sofrimentos, mercê das alegrias e satisfações que a mesma pode proporcionar. Por outras palavras, os «interesses cuja lesão desencadeia um dano não patrimonial são infungíveis, não podem ser reintegrados por equivalente. Mas é possível, em certa medida, contrabalançar o dano, compensá-lo mediante satisfações derivadas do dinheiro. Não se trata, portando, de atribuir ao lesado “um preço de dor” ou “um preço de sangue”, mas de lhe proporcionar uma satisfação, em virtude da aptidão do dinheiro para propiciar a realização de uma ampla gama de interesses, na qual se podem incluir interesses de ordem refinadamente ideal» (Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição, 1991, p. 115).
Esta reparação reveste mesmo uma natureza mista, visando, por um lado, compensar (mais até do que indemnizar) os danos não patrimoniais sofridos pelo lesado; e, por outro, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico…, a conduta do agente (assim também se compreendendo o apelo, feito no art. 496º, nº 4 do C.C., ao «grau de culpabilidade do agente»).
Contudo, precisa-se que esta vertente secundária (sancionatória, de pena privada), face à vertente principal (essencialmente compensatória), apenas tem pleno sentido nos casos de responsabilidade civil em que o autor do dano é, simultaneamente, o efetivo pagador da indemnização, não se intrometendo um terceiro, estranho ao facto lesivo, com quem foi contratualizada a transferência da responsabilidade (v.g. mormente, as empresas seguradoras).
Reconhece-se, porém, que: da «conjugação do art. 496º com o 494 para que remete, verifica-se que a indemnização deve antes de mais ser ajustada à
gravidade da ofensa (dentro do critério geral da restauração, quanto possível, da situação que existiria se não fosse a ofensa) e ao grau de culpa do agente», e «só depois a situação económica e outras circunstâncias do caso» (Ac. do TRC, de 16.01.2008,processo nº 555/04.0GTAVR.C1); todos estes elementos de ponderação implicam uma certa dificuldade de cálculo, com o inerente risco de nunca se estabelecer uma indemnização rigorosa e precisa (Ac. do STJ, de 16.04.1991, in BMJ nº 406, p. 618).
No entanto, há muito que se defende que deve ter um alcance real e não meramente simbólico, por forma a que se atinja um justo grau de “compensação”, sendo «mais que tempo, conforme jurisprudência que, hoje, vai prevalecendo, de se acabar com miserabilismos indemnizatórios. A indemnização por danos patrimoniais deve ser correta, e a compensação por danos não patrimoniais deve tender, efetivamente, a viabilizar um lenitivo ao lesado, já que tirar-lhe o mal que lhe foi causado, isto, neste âmbito, já ninguém nem nada consegue ! Mas - et pour cause - a compensação por danos não patrimoniais deve ter um alcance significativo, e não meramente simbólico. Aliás, é nesta linha que se encontra, como é do conhecimento geral, o contínuo aumento dos seguros obrigatórios estradais e dos respectivos prémios» (Ac. do STJ, de 16.12.1993, in CJ, 1993, Tomo III, p. 182. Reafirmando-o, Ac. do STJ, de 15.04.2009, processo nº 08P3704).
Este juízo sai reforçado se, conforme o «considerou o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 19 de abril de 2012 (proc. n.º 3046/09.0TBFIG.S1, acessível em www.dgsi.pt)», destacarmos «a nossa inserção no espaço político, jurídico, social e económico correspondente à União Europeia e o maior relevo que vem sendo dado aos direitos de natureza pessoal, tais como o direito à integridade física e à qualidade de vida, e, bem assim, que a jurisprudência deste mesmo Supremo Tribunal tem evoluído no sentido de considerar que a indemnização em causa deve constituir um lenitivo para os danos suportados e não ser orientada por critérios hoje considerados miserabilistas, por forma a, respondendo atualizadamente ao comando do artigo 496º, traduzir uma efetiva possibilidade compensatória para os danos suportados e a suportar» (Ac do STJ, de 18.06.2015, processo nº 2567/09.9TBABF.E1.S1).
Em suma, a indemnização por danos não patrimoniais reveste uma natureza acentuadamente mista, sendo que termos do disposto no art. 496º, n.º 1 do Cód. Civil, nem todos os danos não patrimoniais são compensáveis, mas apenas aqueles que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito. Essa gravidade deve aferir-se por um grau objetivo e não por um padrão subjetivo, derivado de uma sensibilidade requintada ou embotada, mas a compensação a arbitrar deverá ser significativa, até para se atingir aquela finalidade sancionatória. Por outro lado, concluído que seja que um determinado dano não patrimonial é suscetível de ser compensado, nos termos do disposto no art. 496º, n.º 3, a compensação será fixada pelo tribunal por recurso à equidade, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494º, designadamente o grau de culpabilidade do agente, a situação económica do lesante e a do lesado- ( cfr. Acórdão do TCAN, de 10/03/2022, proferido no processo n.º 00303/15.0BEBRG, por nós relatado)
No que tange às situações relativas a pedidos de indemnização com fundamento em atraso na administração da justiça, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) tem perfilhado o entendimento de que se deve presumir a existência de danos não patrimoniais como consequência da demora excessiva de um processo judicial, não se impondo ao lesado a prova desses danos, apenas se exigindo a prova dos danos que excedam os normalmente produzidos nestas situações.
Em conformidade com a jurisprudência do TEDH a indemnização a atribuir pelo juiz nacional deve ser razoável e em montante idêntico aos atribuídos por aquele tribunal para casos idênticos, tendo em conta o número de anos de atraso, o número de jurisdições em que os casos correram termos, a importância dos interesses em jogo, o comportamento das partes e a jurisprudência de cada país - neste sentido, cf., designadamente, os Acórdãos n.º 36813/97, de 29.03.2006, Scordino c. Itália, e n.º 64699/01, de 29.03/2006, Musci c. Itália. Assim, o montante da indemnização a arbitrar nas situações de ultrapassagem do prazo razoável de decisão judicial deve ter em conta os parâmetros adotados na jurisprudência nacional e do TEDH.
A sentença recorrida considerou que “...não decorre da factualidade apurada nos autos que esteja em causa um processo cujo objeto do litígio se revista de especial significado para o Autor, estando em causa o mero pagamento de uma quantia económica, pretensão esta que, de resto, veio considerada totalmente improcedente” e nessa sequência, condenou o Estado Português a pagar ao Autor a quantia de 3.000,00€.
A fim de melhor aquilatarmos da adequação do montante indemnizatório arbitrado, vejamos o montante indemnizatório que tem sido fixado em situações similares pelo TEDH e pelo STA, a fim de aferirmos se o padrão seguido pela sentença recorrida na determinação da indemnização arbitrada ao Apelante se mostra conforme com essa jurisprudência ou se, ao invés, é como o Apelante pretende.
Nesse desiderato, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11/05/2017, proferido no processo nº 01004/16, no qual se expendeu o seguinte:
“LII. E quanto aos montantes que concretamente têm sido fixados pelo «TEDH» no quadro de petições dirigidas contra o Estado Português, aqui também R., invocando a violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, ressaltam, nomeadamente, as condenações de:
- 4.000,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 27.10.2009, no c. «BB», §§ 22, 24 e 27 – relativo ao atraso verificado em ação (declarativa e executiva) instaurada no Tribunal de Trabalho ainda pendente e que se estendia já por 04 anos e 09 meses para uma só instância];
- de 3.500,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 13.04.2010, no c. «Ferreira Alves n.º 6», §§ 23 e 51 - relativo ao atraso verificado, nomeadamente, em ação de regulação de poder paternal/direito visitas que durou 07 anos e 11 meses, para dois graus de jurisdição];
- de 28.000,00 € [para um A.] [valor final esse correspondente à redução ao montante de 43.000,00 € do que foi o montante arbitrado ao mesmo na ação indemnizatória interna] e de 11.000,00 € [para outros dois AA.] [valor final esse correspondente à redução ao montante de 21.000,00 € do que foi o montante arbitrado aos mesmos na ação indemnizatória interna] [no Ac. daquele Tribunal de 12.04.2011, no c. «Domingues Loureiro e outros», §§ 55, 60 e 68 - relativo aos atrasos verificados em ação cível (acidente de viação) e na ação indemnizatória fundada no atraso na administração da justiça, que, respetivamente, duraram 14 anos, e 20 dias para três instâncias percorridas, e 12 anos, 06 meses e 19 dias, numa só instância];
- de 1.200,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 20.09.2011, no c. «Ferreira Alves n.º 7», §§ 38 e 53 - relativo ao atraso verificado em ação cível para cobrança de dívida que durou 08 anos, 08 meses e 12 dias para três instâncias percorridas];
- de 7.600,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 04.10.2011, no c. «Ferreira Alves n.º 8», §§ 69/71 e 95 - relativo ao atraso verificado em três ações cíveis que duraram, respetivamente, 10 anos, 06 meses e 28 dias para duas instâncias, 12 anos, 05 meses e 01 dia para duas instâncias, e 09 anos e 14 dias para quatro instâncias];
- de 16.400,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 31.05.2012, no c. «Sociedade C. Martins &Vieira n.º 4», §§ 48/49 e 68/70 - relativo ao atraso verificado em duas ações cíveis (falência/verificação créditos e ação para efetivação de responsabilidade contratual por construção defeituosa de um imóvel) que, respetivamente, duraram 15 anos, 05 meses e 03 dias, para três instâncias, e 04 anos, 03 meses e 28 dias para duas instâncias] [aquele montante corresponde ao valor global arbitrado, resultante da soma duma primeira verba indemnizatória de 14.400,00 € (respeitante aos danos não patrimoniais decorrentes do atraso na ação falimentar) e duma segunda de 2.000,00€ (relativa aos danos pelo atraso na outra ação)];
- de 5.000,00 € [para uns requerentes] e de 4.800,00 € [para outros requerentes] [no Ac. daquele Tribunal de 16.04.2013, no c. «Associação de Investidores do Hotel Apartamento ... e outros», §§ 48/50 e 77 - relativo ao atraso verificado em ações cíveis (de recuperação empresas, de falência, de reclamação e verificação créditos e ação para execução especifica de contrato-promessa) que, respetivamente, duraram 16 anos, 01 mês e 01 dia, para três instâncias, 18 anos, 04 meses e 13 dias para três instâncias, 14 anos, 03 meses e 20 dias em duas instâncias, e 14 anos, 05 meses e 12 dias numa só instância];
- de 15.600,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 30.10.2014, no c. «Sociedade C. Martins &Vieira e outros», §§ 50 e 73 - relativo ao atraso verificado em processo penal que durou 14 anos e 09 meses numa só instância] [quantia essa a ser repartida pelos três requerentes - 5.200,00 €];
- de 3.750,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 04.06.2015, no c. «Liga Portuguesa de Futebol Profissional», §§ 88 e 100 - relativo ao atraso verificado em ação laboral que durou 09 anos e 07 meses, para três instâncias];
- de 11.830,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 29.10.2015, no c. «Valada Matos das Neves», §§ 111 e 117 - relativo ao atraso verificado em ação de reconhecimento de direito quanto à existência de contrato trabalho com autarquia que durou 09 anos, 11 meses e 20 dias, num único grau de jurisdição].
LIII. Já no plano interno e quanto aos litígios que concretamente têm sido julgados por este Supremo e os montantes fixados nas condenações do Estado Português por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável resulta, nomeadamente, o seguinte:
- 5.000,00 € [2.500,00 € para cada um dos AA.] [no Ac. do STA de 28.11.2007 (Proc. n.º 0308/07) - relativo ao atraso verificado em ação cível (despejo), que intentada em 18.01.1995 ainda estava pendente em 2003, percorrendo duas instâncias]; - 5.000,00 € [2.500,00 € para cada um dos AA.] [no Ac. do STA de 09.10.2008 (Proc. n.º 0319/08) - relativo ao atraso verificado em execução sentença cível, intentada em 30.01.1997 e que perdurou até 22.02.2002, data em que foi declarada suspensa a instância nos termos do art. 882.º do CPC (na redação à data vigente), percorrendo duas instâncias];
- 10.000,00 € [no Ac. do STA de 09.07.2009 (Proc. n.º 0365/09) - relativo ao atraso verificado em ação cível (acidente de viação) intentada em 15.07.1983 e que perdurou até 30.10.2003 (data em que se iniciaria a audiência de discussão e julgamento e em que o processo terminou por transação), correspondendo a uma duração superior a 20 anos numa só instância];
- 10.000,00 € [para um A.] e 5.000,00 € [para cada um dos dois outros AA.] [no Ac. do STA de 01.03.2011 (Proc. n.º 0336/10) - relativo ao atraso verificado em ação cível (inventário facultativo instaurado em 13.12.1981), pendente à data da instauração indemnizatória, ia para 26 anos, e sem que tivesse terminado, tendo percorrido duas instâncias];
- 3.550,00 € [para um A.] e 1.500,00 € [para o outro A.] [no Ac. do STA de 15.05.2013 (Proc. n.º 01229/12) - relativo aos atrasos verificados em processos tributários (impugnações judiciais - uma relativa a «IVA» e outra a «IRC»), processos que, tendo sido apresentados em juízo em 19.02.2003 só foram julgados em 18.10.2006, isto é, cerca de 03 anos e 08 meses depois da sua apresentação, sem que tivessem ocorrido incidentes anormais e em que os atrasos, fundamentalmente, resultaram de duas «paragens» do processo, a primeira, entre a contestação e a inquirição de testemunhas - mais de um ano - e, a segunda, entre a notificação para a apresentação das alegações finais e o julgamento - quase dois anos -, tendo percorrido apenas uma instância];
- 4.000,00 € [no Ac. do STA de 14.04.2016 (Proc. n.9 01635/15) - relativo ao atraso verificado em processo de menores (regulação do poder paternal), instaurado em 07.07.1999 e concluído em 18.01.2011, sempre na mesma instância, sendo que no valor arbitrado foi considerado apenas o período de duração (de 04 anos) e até ao seu termino correspondente ao período que a A. interveio, após ter atingido a maioridade];
- 4.800,00 € [para cada um dos AA.] [no Ac. do STA de 30.03.2017 (Proc. n.9 0488/16) - relativo ao atraso verificado em processo penal, no qual foi deduzida acusação em 30.04.2003 e que após cerca de 12 anos (à data da emissão da sentença na ação indemnizatória - 23.07.2015) ainda estava pendente mercê de suspensão aguardando a decisão dos processos tributários de impugnação judicial instaurados relativamente às liquidações de «IRC» e de «IVA»].”
Como vem reconhecendo a jurisprudência nacional, de acordo com os padrões fixados pela jurisprudência do TEDH, atribui-se entre € 1.000 a € 1.500, a título de indemnização por danos não patrimoniais, por cada ano de atraso injustificado.
Sendo assim, afigura-se-nos que o montante de 3.000,00€ arbitrado ao Apelante pela 1.ª Instância é adequado.
Note-se que, no caso, contrariamente ao invocado pelo Apelante, não se vislumbra, de todo, que da demora no desfecho do processo n.º 3407/11.... tenham resultado danos morais de exacerbada gravidade na esfera jurídica do Apelante.
A esse respeito não é despiciendo ter em consideração que no âmbito da referida ação que correu termos com o processo n.º 3407/11...., a 1.ª Instância julgou prescrito o direito indemnizatório que o aí Autor e aqui Apelante, pretendia obter, decisão essa que foi confirmada por Acórdão deste TCAN de 30/04/2020, que transitou em julgado, uma vez que, pese embora tenha sido interposto recurso excecional de revista, o mesmo foi rejeitado em sede de apreciação preliminar pelo STA.
Não há gravidade exacerbada nos danos morais sofridos pelo Apelante com a demora no desfecho do referido processo, desde logo porque o direito que o mesmo pretendia exercer no âmbito da ação em causa já estava prescrito quando cuidou de instaurar a referida ação. Os danos morais sofridos pelo Apelante são os danos morais resultantes da espera por uma decisão judicial e do consequente desconforto e ansiedade sobre o desfecho da lide, que são danos comuns a todos os que aguardam para além do tempo razoável por uma decisão para o seu caso.
Em face do exposto, é seguro que o Apelante não provou, conforme se retira dos factos assentes, que a demora verificada naqueles autos se tenha traduzido numa “ “exacerbada gravidade” , nem que na ação objeto de atraso estivesse em causa “...todo um projeto de vida...”, e não se vê como lograria provar tais consequências danosas na sua esfera jurídica quando como se disse, já estava já prescrito o direito que pretendia exercer através daquela ação no momento em que decidiu recorrer aos tribunais portugueses.
Como tal, não podemos senão concluir que, nas particularidades do caso em análise, a quantia arbitrada é correta.
Assim sendo, impõe-se julgar o presente recurso como improcedente e confirmar a sentença recorrida.
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IV-DECISÃO
Nesta conformidade, acordam os Juízes Desembargadores deste Tribunal Central Administrativo do Norte em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas pelo Apelante (art.º 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
Notifique.
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Porto, 11 de novembro de 2022
Helena Ribeiro
Nuno Coutinho
Ricardo de Oliveira e Sousa