Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00755/11.7BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/31/2020
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:RECURSO
Sumário:I) – É de negar provimento ao recurso quando não triunfa apontado erro de julgamento. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Município de (...)
Recorrido 1:J.A.M.S. e esposa
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:

Município de (...) (Praça (…), (...)) recorre de decisão do TAF de Aveiro que julgou parcialmente procedente acção administrativa comum ordinária intentada por J.A.M.S. e esposa R.O.F.S. (Largo (…), em (...)).

Conclui:


1. A douta sentença recorrida enferma num erro quanto à apreciação da matéria de facto, dado que, entende o recorrente que não foi feita uma correta apreciação da prova produzida quer documental, testemunhal, e pericial,
2. Existia no terreno dos recorridos um tubo de escoamento enterrado para o escoamento das águas pluviais, que foi indevidamente retirado.
3. As construções existentes na Rua (...), em (...), estão dotadas de rede de águas pluviais, uma vez que o licenciamento da edificação depende de vários requisitos, entre os quais a existência de um projeto de drenagem de águas pluviais e a respetiva implementação.
4. Até 1986, não existia na zona uma rede de drenagem de águas pluviais,
5. Existe no local 3 (três) sarjetas interligadas entre si, acima da linha férrea; a sul da referida linha existe um poço que tem ligação com a sarjeta localizada nas traseiras da sede do clube estelas vermelhas; por sua vez, na entrada do mencionado clube existe uma sarjeta e um poço de águas limpas e, mais a sul, existem duas outras sarjetas,
6. O cerne do problema surge através da retirada indevida do tudo de drenagem que existia no terreno dos recorridos.
7. Foi possível constatar na inspeção ao local e existência do tubo de drenagem de águas pluviais, nomeadamente a entrada do tubo na caixa e o regueiro por onde o mesmo seguiu em tempos.
8. Os problemas de drenagem de águas pluviais no terreno dos recorridos ocorreram porque foi retirado o tubo de drenagem de águas pluviais, e, porque foram os autores/recorridos que alteraram as características morfológicas dos terrenos ao despejarem entulhos, bem como terra argilosa, que resultou numa elevação do nível dos terrenos em pelo menos 1,5 metros ficando o desnível relativamente ao prédio contíguo de cerca de 3 metros.
9. O contribuiu para produzir uma significativa impermeabilização do solo e para reduzir a capacidade de absorção natural das águas.
10. Bem sabendo que a construção do muro de contenção iria resolver os problemas reclamados pelos recorridos, nada fizeram até à presente data.
11. Para justificar a sua inércia no acatamento da decisão judicial os recorridos invocam a falta de sustentabilidade do mesmo sem a execução da rede de drenagem.
12. O recorrente não deve ser responsabilizado pela execução de uma rede de drenagem de águas pluviais,
13. Não existe nenhuma disposição legal que imponha ao recorrente a obrigatoriedade de criação de uma rede de águas pluviais.
14. O que existe é a atribuição de competências.
15. Estamos perante um manifesto caso de abuso de direito, um venire contra factum proprium, porquanto foram os autores que procederam ao aterro de terras argilosas e de entulhos que inutilizaram o solo para fins agrícolas, alterando a sua morfologia e consequente impermeabilização.
16. Pelo que os recorridos agem contra factos a que deram causa, e, por esse facto, incorrem em abuso de direito.

Contra-alegou o réu, concluinindo que “deverá ser mantida a Douta Sentença do Tribunal a quo”.

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A Exmª Procuradora-Geral Adjunta, notificada nos termos do art.º 146º, nº 1, do CTA, não emitiu parecer.
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Dispensando vistos, cumpre decidir.
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Factos, que o tribunal “a quo” fixou:
A). Os AA. são, desde 1986, proprietários de um terreno, constituído por dois artigos rústicos sob a matriz n.º 925 e 926, situados em (...), confrontando com caminho público, J.S.G. e J.S.F.. – cfr. acordo e fls. 13 a 15 e 103 a 109 dos autos (processo físico);
B). A norte e a nascente do referido terreno, para além da linha férrea Vale do Vouga, existem vários arrumamentos que foram alcatroados com uma pequena camada de betuminoso, antes sendo de terra batida com gravilha espalhada. – cfr. acordo e inspecção ao local;
C). Lateralmente aos ditos arruamentos, foram sendo construídas moradias unifamiliares e alguns blocos residenciais, com rés-do-chão e 1º andar. – cfr. acordo, inspecção ao local e docs. de fls. 16 dos autos (processo físico) e depoimento de A.J.A.;
D). Para além dos arruamentos alcatroados, junto do terreno dos AA. existem duas vias – uma paralela e outra vertical – situadas a Norte da linha férrea (Vale do Vouga), com construções edificadas no local que recebeu, em toponímia, o nome de Rua (...). – cfr. acordo e inspecção ao local;
E). Nos serviços do R. existiram processos de fiscalização relativamente a construções clandestinas naquele local. – cfr. depoimento de M.F.A.;
F). No âmbito do processo n.º 331/2001, que correu termos no 2º Juízo do Tribunal de Espinho, foi proferida sentença, em 03.01.2005, ordenado aos aqui AA. a construção de um muro de suporte de terras, localizado a sul, no limite da propriedade dos AA., a qual foi confirmada por acórdão do Tribunal da Relação do Porto, prolatado em 12.02.2007 e, posteriormente, pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 18.10.2007. – cfr. acordo e fls. 277 a 325 dos autos (processo físico);
G). Para a construção do referido muro, o A. marido, em 31.03.2009, requereu junto do R. o respectivo licenciamento, tendo o processo decorrido sob o n.º 47/09. – cfr. fls. 1 e ss. do processo administrativo «verde»;
H). Em 01.02.2010, os AA. apresentaram pedido formal à Junta de Freguesia de (...), no sentido de ser implantada a rede pública de águas pluviais nas estradas que convergem e circundam a propriedade dos AA.. – cfr. acordo e fls. 16 e ss. do processo administrativo «rosa»;
I). A Junta de Freguesia de (...) decidiu remeter o pedido mencionado no ponto que antecede ao R., do que deu conhecimento ao A. marido, por ofício datado de 29.03.2010, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. – cfr. acordo e fls. 14 e ss. do processo administrativo «rosa»;
J). Por ofício datado de 30.07.2010, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, o A. marido foi notificado do deferimento do licenciamento de muro de suporte de terras no âmbito do processo n.º 47/2009, com a menção de poderia “(…) no prazo de 1 ano, solicitar o respectivo alvará de licença de construção, (…)”. cfr. fls. 39 e 40 do processo administrativo «verde»;
K). Com registo de entrada nos serviços do R. em 09.12.2010, o A. marido apresentou requerimento, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e do qual consta além do mais, o seguinte:
(…)
1- (…)
2 - (…), não recebeu o requerente qualquer resposta dessa Ex.ma Câmara, no sentido de ver contempladas as obras, que se revelam de necessidade imperativa, levar a efeito na via pública.
Concretamente,
3 - A implantação, dada a sua inexistência, de uma rede de águas pluviais públicas na estrada que circunda a propriedade do requerente.
4 - Aliás, a solicitada rede de águas pluviais públicas está directamente ligada ao pedido de licenciamento de construção de muro, que já foi deferido e consta do processo : LE- EDI-47/2009 do DOA dessa Câmara.
(…), vem R. a V.Exa. se digne informar o requerente quanto à premente exequibilidade da implantação da rede de águas pluviais públicas, como, então, foi requerida. (…)”. - cfr. fls. 49 do processo administrativo «verde»;
L). No seguimento da exposição mencionada no ponto antecedente, pelos serviços do R., em 11.03.2011, foi proferida “informação”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)”, sobre a qual recaiu despacho de concordância, em 23.03.2011. – cfr. fls. 50 e 51 do processo administrativo «verde»;
M). Na mesma data de 23.03.2011, pela Directora do Departamento de Gestão Urbanística e Equipamentos Municipais foi proposta a remessa da exposição/ requerimento referido em J). à Divisão de Águas e Saneamento para emissão de parecer. – cfr. fls. 51 do processo administrativo «verde»;
N). Pelo ofício n.º 615/2011, com data de 30.03.2011, o A. – marido foi notificado do teor da «informação» mencionada no ponto L) que antecede, e de que, na mesma data, “(…) o processo foi reencaminhado para a Divisão de Águas e Saneamento desta Câmara, para emissão do respectivo parecer.” cfr. fls. 52 do processo administrativo «verde»;
O). Com registo de entrada nos serviços do R. em 20.04.2011, o A. marido requereu a prorrogação, por uma vez, do prazo de um ano para a emissão do alvará de licença de construção. – cfr. fls. 54 e 55 do processo administrativo «verde»;
P). O pedido mencionado no ponto que antecede foi deferido por despacho de 03.05.2011, o que foi notificado ao A. marido por ofício de 04.05.2011, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. – cfr. fls. 56 a 58 do processo administrativo «verde»;
Q). Com registo de entrada nos serviços do R. em 29.08.2011, o A. marido apresentou requerimento, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…) Assim, não havendo naquele processo, por parte dessa Câmara Municipal qualquer tramitação processual e constatando-se a inobservância dos prazos legais e incumprimento do direito à informação que lhe assiste, vem R. a V. Exa. se digne mandar passar certidão, (…), donde conste a inexistência de resolução inerente ao pedido formulado. (…)”. cfr. fls. 58 e 59 do processo administrativo «verde»;
R). Pelo ofício n.º 1381/2011, de 22.09.2011, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, foi o A. marido notificado da informação prestada pela Divisão de Obras Particulares e Licenciamentos e de que “(…) foi o processo novamente envidado ao Departamento de Águas e Saneamento para colher o parecer em causa. (…)”. cfr. fls. 61 a 63 do processo administrativo «verde»;
S). Com data de 30.09.2011, a Eng.ª Civil C.L., prestou a informação, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte:
“(…)
Parecer em anexo.
Informo que este parecer substitui a saída n.º 627/2011, uma vez que existem infra-estruturas anteriormente desconhecidas e constatadas hoje, dia 30/09/2011, na Rua de (...).” cfr. fls. 64 do processo administrativo «verde»;
T). O teor do “parecer em anexo” que aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte:
“(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)” cfr. fls. 65 e ss do processo administrativo «verde»;
U). O terreno dos AA. confronta: - a norte com estrada (arruamentos) - sem que exista qualquer valeta ou muro e construções - as quais, por sua vez, confrontam também a norte com a linha férrea - e, a sul, com terreno do Sr. G.. – cfr. inspecção ao local;
V). No local circundante ao terreno dos AA., existe um declive de pendência norte- sul. – cfr. inspecção ao local;
W). Em 1998, a zona onde se localiza o terreno dos AA. não era dotada de rede de drenagem águas pluviais na sua totalidade. – cfr. confissão do R. (artigo 17º da contestação);
X). O sistema de drenagem de águas pluviais existente no local é composto por 3 sarjetas interligadas entre si, acima (norte) da linha férrea. – cfr. depoimento da testemunha A.J.A. e inspecção ao local;
Y). Da última sarjeta existente acima da linha férrea e até à valeta - localizada em paralelo à linha e após o local de atravessamento da mesma - não existe qualquer outra sarjeta. – cfr. inspecção ao local;
Z). No terreno localizado a sul da linha e, portanto, a norte do terreno dos AA., existe um poço que tem ligação com uma outra sarjeta localizada nas traseiras da sede do clube “Estrelas Vermelhas”. – cfr. inspecção ao local;
AA). À entrada da sede do clube “Estrelas Vermelhas” e do lavadouro existe uma sarjeta e um poço de águas limpas. - cfr. inspecção ao local;
AB). Existem, ainda, mais duas sarjetas - uma encostada à casa do Sr. M.F e, outra, em frente àquela, encostada ao terreno dos AA. - para as quais são encaminhadas as águas pluviais. – cfr. inspecção ao local;
AC). As águas pluviais escorrem no sentido norte- sul, acompanhando o declive do terreno. - cfr. inspecção ao local;
AD). O teor, apenas no referente à topografia do local, da planta de localização do Lugar do (...), emitida com data de 26.11.2013, da qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)” cfr. fls. 182 dos autos (processo físico);
AE). Em data não determinada, o terreno dos AA. era utilizado para cultivo. – cfr. depoimento de A.A., Álvaro Santos e Júlio Grenha;
AF). Actualmente, o terreno dos AA. é muito húmido e tem ervas, silvas, pinheiros e eucaliptos. – cfr. depoimentos de A.A., Domingos Silva e Álvaro Santos;
AG). Os AA., em 1999, fizeram um aterro no seu terreno para o respectivo nivelamento – cfr. confissão artigo 16º da petição inicial e depoimento de A.A. e Júlio Grenha;
AH). A construção de um muro de suporte de terras pode prever duas formas de drenagem: - tubo furado na raiz do muro, ou - construção de valeta encostada ao muro. – cfr. depoimento de A.A.;
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E foram julgados não provados:
1. Os projectos urbanísticos das construções existentes nos arruamentos adjacentes ao terreno dos AA. não foram objecto da correspondente análise, em ordem a poder ter sido licenciadas pelo R..
2. As construções referidas no ponto que antecede foram submetidas a licenciamento do R., concedidos os respectivos alvarás de habitabilidade sem que tenham sido exigidas infraestruturas de abastecimento de água, saneamento, electricidade, gás e rede de águas pluviais públicas.
3. A data de edificação das construções / moradias mencionadas nos pontos C) e D) da factualidade assente.
4. A vistoria técnica realizada ao local pelo R. foi de âmbito localizado e restrito.
5. A execução de obras pela REN para colocação de cabos de alta tensão, que hajam danificado a via pública.
6. No terreno dos AA. existia um tubo de escoamento enterrado para escoamento das águas pluviais.
7. O tubo de escoamento mencionado no ponto que antecede foi partido e arrancado.
8. A ausência de previsão orçamental e cabimentação do R. relativa à ampliação da rede de águas pluviais.
9. O derrube do muro de suporte de terras por ausência de rede de drenagem de águas pluviais público.
10. A rentabilização do cultivo que antes existia no terreno dos AA..
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A apelação.
Na presente acção os autores peticionaram a condenação do R. “na execução da rede de águas pluviais, no local onde os AA. têm o seu terreno, (…)”, “na responsabilidade civil por prejuízos e danos causados, directa ou indirectamente, por qualquer retardamento, na implantação daquela rede pública de águas;” e, “ordenar, enquanto não for executada a rede de águas pluviais, a suspensão do processo administrativo autárquico Nº LR-EDI-47/2009, a que se reporta a construção do muro de suporte de terras”; em sede de ampliação de pedido, a condenação do R. ao pagamento “a título de indemnização, o valor global, nunca inferior, a € 2.000,00 (dois mil euros) mensais pelos prejuízos já causados e que, no devir, se agravarão. 8. E que aquela indemnização decorrerá, até que o Município de (...), (…), desencadeie as obras de implantação efectiva, na estrada municipal, concretizando o necessário entubamento/ drenagem das águas pluviais públicas, que deverão ser para aí encaminhadas, determinando esse Ilustre Tribunal, (…), o adequado prazo para o efeito.”.
O tribunal “a quo” julgou “a presente acção, parcialmente procedente, nos seguintes termos:
(i) procedente o pedido de condenação do R. à execução de uma rede de drenagem de águas pluviais, e, consequentemente, condeno o Réu Município (...) a executar as obras necessárias para garantir o eficaz escoamento das águas pluviais no local, por forma a que estas não invadam os prédios dos AA.;
(ii) improcedentes ambos os pedidos indemnizatórios deduzidos pelos AA., absolvendo, consequentemente, o R. dos mesmos;
(iii) improcedente o pedido de suspensão do processo administrativo autárquico n.º LE-EDI- 47/2009.
Quanto aos factos
O tribunal “a quo” julgou não provado:
6. No terreno dos AA. existia um tubo de escoamento enterrado para escoamento das águas pluviais.
7. O tubo de escoamento mencionado no ponto que antecede foi partido e arrancado.
O recorrente considera que “deveria ter sido dada como provada a matéria constante dos artigos 6 e 7 dos factos não provados” (corpo de alegações), concluindo que “ “Existia no terreno dos recorridos um tubo de escoamento enterrado para o escoamento das águas pluviais, que foi indevidamente retirado.”.
Alicerça que “não foi feita uma correta apreciação da prova produzida quer documental, testemunhal, e pericial”.
Mas não mais concretiza de tais meios probatórios que a referência à inspecção judicial (cujo auto se encontra incorporado na acta de 21/03/2014), e a prova testemunhal.
Ora, “Os recorrentes que pedem na apelação a reapreciação da matéria de facto e não indicam os meios de prova e as passagens das gravações dos depoimentos que, no seu entender, impõem decisão diversa da proferida, não cumprem o ónus de alegação previsto no art. 640.º, n.º 1, do CPC” – Ac. do STJ, de 8-10-2019, proc. n.º 3138/10.2TJVNF.G1.S2..
O que aqui sucede, limitando-se o recorrente a aludir aos depoimentos de C.L. e A.A. sem respeito por indicação de registo, determinando rejeição imediata (depoimentos sobre os quais a motivação da matéria de facto faz análise critica, havendo a demonstração do erro de julgamento de empregar esforço de revelação desse erro, e não a mera dissonância, não bastando que a prova produzida permita uma diferente leitura, consoante a pessoa que a analisa e valora, sob pena de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção daqueles a quem a decisão se destina).
Resguardada a inspecção, da qual todavia, como decorre dos termos documentados, não promana que se imponha decisão diversa.
No que mais o recorrente discorre factualmente, fá-lo à margem de censura ao julgamento de facto consignado em probatório.
Quanto ao direito
Aponta o recorrente que “não existe nenhuma disposição legal que imponha ao recorrente a obrigatoriedade de criação de uma rede de águas pluviais. O que existe sim, é a atribuição de competência, conforme resulta dos normativos invocados na douta sentença de fls. … — artigo 1º, ponto 7º, 1º parágrafo, do Decreto n.º 5787-III, de 10 de maio de 1919, artigo 13º, n.º 1 alínea I), da Lei n.º 159/99, de 14 de setembro, artigos 53º, n.º 3, alínea a), e 64º, n.º 2, alínea c), do Decreto-Lei n.º 169/99, de 18 de setembro e o Decreto-Lei n.º 194/2009.” (corpo de alegações).
Foi, efectivamente, esse o enquadramento normativo convocado e aplicado na decisão recorrida, na consideração dos factos apurados:
«(…)
Com efeito, da factualidade assente resulta que, a área circundante do terreno dos AA., em 1988, não era dotada de rede de água pluviais na sua totalidade [cfr. ponto W) do probatório]. Todavia, actualmente, no local existem três sarjetas interligadas entre si, acima da linha férrea; a sul da referida linha existe um poço que tem ligação com a sarjeta localizada nas traseiras da sede do clube “Estrelas Vermelhas”; por sua vez, na entrada do mencionado clube existe uma sarjeta e um poço de águas limpas, e, mais a sul, existem duas outras sarjetas [cfr. pontos X), Y), Z), AA) e AB) do probatório].
Ora, pese embora a alegada - mas, não provada - existência de um tubo de escoamento de águas pluviais enterrado no terreno dos AA. [factos não provados 6. e 7.], a verdade é que, como os arruamentos circundantes foram alcatroados e aumentou a construção de moradias na zona, diminuiu, consequentemente, a permeabilidade dos solos; adicionalmente, devido ao declive de pendência norte- sul do local e porque as águas pluviais existentes são encaminhadas para a sarjeta que se encontra “encostada ao terreno dos AA.” nele se acumulando - devido à sua permeabilidade (por ausência de construção), conclui-se, pois, que a rede de drenagem de águas pluviais no local é insuficiente [cfr. pontos V), AB), AC), AE) e AF) do probatório].
Assim, atenta a referida factualidade assente, bem como os normativos supra elencados, é ao Réu que cabe assegurar que as águas pluviais públicas sejam devidamente encaminhadas por forma a garantir que o prédio dos AA. não sofra inundações que tenham como causa o seu não encaminhamento, obrigação esta que lhe é imposta pela lei (cfr. o artigo 1.º, 7.º, §1.º, do Decreto n.º 5787-III, os artigos 13º n.1 alínea l) da Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro, e 53º n.3 alínea a) e 64º n.2 alínea c) do Decreto-Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro e Decreto- Lei n.º 194/2009, de Agosto).
(…)».
Debalde o recorrente censura o decidido por ausência de “disposição legal que imponha ao recorrente a obrigatoriedade de criação de uma rede de águas pluviais”.
Como o próprio desenvolve, “aquando da aquisição pelos recorridos dos terrenos de que são proprietários, não existia na zona uma rede de drenagem de águas pluviais na sua totalidade.
Contudo, foi sendo implementada ao longo do tempo a rede de drenagem de águas pluviais que é composta por 3 (três) sarjetas interligadas entre si, acima da linha férrea; a sul da referida linha existe um poço que tem ligação com a sarjeta localizada nas traseiras da sede do clube estelas vermelhas; por sua vez, na entrada do mencionado clube existe uma sarjeta e um poço de águas limpas e, mais a sul, existem duas outras sarjetas, cf. pontos X)., Y)., Z)., AA) e AB) dos factos provados.
Pelo que o recorrente nunca se pretendeu eximir das suas responsabilidades por força das competências que lhe são atribuídas na qualidade de ente público.” (corpo de alegações).
Não rejeitando, então, em local onde essa rede existe, que exerça essas competências (complexo de poderes funcionais) suprindo a falha apontada: “a rede de drenagem de águas pluviais no local é insuficiente”; dentro do que cabe nas suas atribuições (As atribuições são os interesses públicos cuja realização cabe a uma pessoa colectiva de direito público, com vista à prossecução dos seus fins específicos. Cf. Prof. Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, Vol.I, págs. 202, 211/213 e 312).
Os autores nada mais pedem que aquilo que ao réu/recorrente compete e incumbe, como gestor do sistema de drenagem, que o deve manter em bom funcionamento.
Quer para os seus utilizadores, quer a modo de não afectação dos direitos de terceiros, mormente de propriedade, em encargo fora das limitações ou restrições legais.
Aponta o réu que “Os problemas de drenagem de águas pluviais no terreno dos recorridos ocorreram porque foi retirado o tubo de drenagem de águas pluviais, e, porque foram os autores/recorridos que alteraram as características morfológicas dos terrenos ao despejarem entulhos, bem como terra argilosa, que resultou numa elevação do nível dos terrenos em pelo menos 1,5 metros ficando o desnível relativamente ao prédio contíguo de cerca de 3 metros”, determinando uma “significativa impermeabilização do solo e para reduzir a capacidade de absorção natural das águas”.
Tiram que, perante tais circunstâncias, há abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium.
Mas nem todas se provam, além de que tal figura reclama violação do princípio da confiança, traduzida no facto de o demandante agir, de forma claramente ofensiva, contra as fundadas expectativas por ele criadas no demandado, no sentido do não exercício do direito, o que é de total ausência no caso.
Mais se observará que se na hipótese de um proprietário alterar o seu imóvel com “significativa impermeabilização do solo e para reduzir a capacidade de absorção natural das águas” é de retorno ter de arcar com um agravamento para a capacidade permeável do solo face ao natural fenómeno de precipitação, ainda assim não encontra justificante um agravamento que resulte do encaminhamento de águas pluviais para «a sarjeta que se encontra “encostada ao terreno dos AA.”» e que, não chegando a adequado ponto de descarga final, para o imóvel confluam.
A condenação tem, pois, respaldo legal.
Sem chancela à apontada inércia dos autores/recorrentes na construção do muro de contenção, como claramente resulta na julgada improcedência do seu pedido de suspensão do processo administrativo autárquico n.º LE-EDI-47/2009.
Outras questões que eventualmente pudessem estar coenvoltas, nem foram suscitadas, como haveriam de obedecer ao princípio de concentração na defesa, sob pena de preclusão.
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Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas: pelo recorrente.

Porto, 31 de Janeiro de 2020.

Luís Migueis Garcia
Frederico Branco
Nuno Coutinho