Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02600/09.4BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/15/2015
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:EMBARGOS DE TERCEIRO
EXERCÍCIO DO COMÉRCIO
DÍVIDAS CONTRAÍDAS NA CONSTÂNCIA DO MATRIMÓNIO
PROVEITO COMUM
DÉFICE INSTRUTÓRIO
Sumário:I - Na medida em que o processo de execução fiscal, por dívidas de IVA e juros compensatórios, do ano de 2003, foi autuado, apenas, contra o executado-marido, só podemos, legal e legitimamente, imputar à esposa responsabilidade pelo pagamento coercivo das mesmas no pressuposto de que se mostre possível, seja viável, concluir pela existência de uma dívida susceptível, capaz, de responsabilizar ambos os cônjuges, a coberto do estatuído no artigo 1691.º, n.º 1, alínea d) do Código Civil.
II - Nos termos do n.º 2 do artigo 1690.º do Código Civil, para a determinação da responsabilidade dos cônjuges, as dívidas por eles contraídas têm a data do facto que lhes deu origem.
III - Estando-se em presença de dívidas tributárias contraídas em função e por motivo do exercício do comércio, por parte do, então, marido da recorrida, a responsabilidade do respectivo pagamento é de imputar a ambos, salvo se a recorrida provar que os visados débitos não foram assumidos em proveito conjunto do casal.
IV - O apuramento do proveito comum traduz-se numa questão mista ou complexa, envolvendo uma questão de facto e outra de direito, sendo a primeira a de averiguar o destino dado ao dinheiro representado pela dívida e a segunda a de ajuizar sobre se, tendo em conta esse destino apurado, a dívida foi contraída em proveito comum, preenchendo o conceito legal.
V - Revelando os autos insuficiência factual para a boa decisão da causa, em virtude de terem sido omitidas diligências probatórias indispensáveis para o efeito, impõe-se a anulação da sentença recorrida e a baixa do processo ao Tribunal recorrido para melhor investigação e nova decisão, em harmonia com o disposto no artigo 712.º, n.º 4 do Código de Processo Civil ex vi artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:R...
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 29/04/2013, que julgou procedentes os embargos de terceiro deduzidos por R..., contribuinte fiscal n.º 1…, melhor identificada nos autos, reagindo contra a penhora de 1/6 do seu vencimento, realizada no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3379200501037900, do Serviço de Finanças (SF) do Porto, instaurado contra J….


A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
A. A douta sentença recorrida julgou procedentes os embargos de terceiro apresentados por R..., contra a penhora de 1/6 do seu vencimento, ordenada por despacho do Serviço de Finanças do Porto 5, de 13-07-2009, no âmbito do processo de execução fiscal nº 3379200501037900.
B. A sentença tem a seguinte fundamentação:
Na situação em apreço a embargante foi citada para efeitos do disposto nos artºs 220º e 239º do CPPT, na qualidade de cônjuge do executado, quando já se encontrava divorciada do mesmo. Acresce que a penhora que incidiu sobre o seu vencimento foi efectuada também em data posterior aos dois referidos eventos.
(…) tendo em conta os já referidos factos (…) forçoso é de concluir que na situação em apreço aquela citação não pode produzir os efeitos que a lei lhe atribui, na medida em que à data da sua realização a embargante já não tinha a qualidade de cônjuge do executado a que se referem aqueles normativos.
Portanto na altura da citação e da penhora a embargante era totalmente alheia à execução em apreço, não sendo o cônjuge do executado, logo não sendo co executada pelo que a penhora efectuada sobre o seu vencimento é ilegal, não podendo manter-se.
Por todo o exposto julgam-se os embargos totalmente procedentes por provados.”
C. A Fazenda Pública não se conforma com o assim decidido, porque entende que a sentença avaliou incorrectamente as consequências da extinção do casamento entre o executado e a embargante na responsabilidade pelas dívidas tributárias contraídas pelo executado na vigência do casamento.
D. No mesmo ensejo, a sentença bastou-se com a prova da ocorrência do divórcio, olvidando que, para afastar a responsabilidade da embargante, seria necessária que esta, provando que a dívida de IVA não tinha sido contraído pelo executado em proveito comum do casal,
E. Afastando desse modo, a presunção legal estabelecida no art.º 1691º do Código.
F. Tal como resulta da matéria dada como provada, o processo de execução fiscal foi instaurado em 15-09-2005 contra o executado para cobrança coerciva de dívidas de IVA, de 2003, no montante de € 3.016,32.
G. A embargante foi casada no regime de comunhão de adquiridos com o executado desde 1998 até à dissolução por divórcio, cuja decisão transitou em julgado em 30-03-2004.
H. No período a que respeita a dívida (2003) a embargante encontrava-se casada com o executado.
I. Determina a alínea d) do nº 1 do art.º 1691º do Código Civil que as dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges no exercício do comércio, são da responsabilidade de ambos os cônjuges, salvo se provar que não foram contraídas em proveito comum do casal, ou se vigorar entre os cônjuges o regime de separação de bens.
J. A doutrina e a jurisprudência têm sido persistentes na afirmação do entendimento segundo o qual as dívidas tributárias são da responsabilidade de ambos os cônjuges, “nos casos em que estão em causa actividades lucrativas atento o exercício do comércio que essas actividades pressupõem e pela presunção de proveito comum das dívidas contraídas nesse exercício [alínea d) do … art. 1691.º do Código Civil]”.1
K. No que respeita às divida da responsabilidade de ambos os cônjuges e conforme vem sendo defendido pelo Conselheiro Jorge Lopes de Sousa CPPT anotado Volume II, 5ª edição em comentário ao art.º 220º “Tem-se entendido que as dívidas tributárias são da responsabilidade de ambos os cônjuges nos casos em que estão em causa actividades lucrativas, atento o exercício do comércio que essas actividades pressupõem e pela presunção de proveito comum das dividas contraídas nesse exercício concluindo que será o que sucede por exemplo relativamente a divida de IRC, IRS, IVA e contribuições para a segurança social”.
L. Em obra mais recente defende ainda o ilustre Conselheiro que “… há suporte legal para afirmar que as dívidas de impostos que sejam contraídas em proveito comum do casal são, como todas as dívidas que sejam contraídas com essa finalidade, da responsabilidade de ambos os cônjuges como decorre das alíneas b) c) e d) do nº 1 do art.º 1691º do CC. E, por força desta alínea d) é de presumir que as dívidas de impostos derivados do exercício de actividade comercial são contraídas em proveito comum.”- CPPT anotado Volume III, anotação ao artº 220, pag. 606.
M. No caso e conforme factos provados estamos perante dívidas decorrentes de IVA, atinentes ao exercício de actividade que se presume em proveito comum do casal.
N. Pelo que accionando um dos cônjuges, é como se ambos fossem accionados, atenta a solidariedade na imputação de tais dívidas.
O. Nestes termos, entende a Fazenda Publica que a douta sentença incorreu em erro quando fundamenta a sua decisão no facto de a embargante ter sido citada e ordenada a penhora do seu vencimento numa altura em que já não se encontrava casada com o executado, uma vez que, resultou provado que a dívida exequenda respeita a período em que se encontrava casada.
P. Perante a presunção legal do proveito comum, não basta a extinção do casamento por divórcio, para afastar desde logo a responsabilidade da embargante,
Q. Seria necessário que resultasse provado, pela embargante, que a actividade exercida pelo executado donde emerge a dívida de IVA, despontada em 2003, não foi exercida em proveito comum do casal.
R. Ora não resultando esse facto da factualidade dada, cremos, com a ressalva do devido respeito que a sentença recorrida errou ao dar procedência aos embargos deduzidos pela embargante com fundamento de que, “… na altura da citação e da penhora a embargante era totalmente alheia à execução em apreço, não sendo cônjuge do executado, logo não sendo executada, pelo que a penhora efectuada sobre o seu vencimento é ilegal não podendo manter-se.”
Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V. Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso e, consequentemente, revogar a douta sentença recorrida, com as legais consequências.

1 Ac. STA de 25.5.2004, rec. 0476/04, Acs. TCAN de 5.5.2005, proc. 00062/03 - Braga, de 26.6.2008, proc. 00047/08.9BEPNF e Acs. TCAS de 15.6.2005, proc. 00591/03, de 3.5.2006, proc. 06972/02; todos disponíveis em www.dgsi.pt.

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A Recorrida não contra-alegou.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso – cfr. fls. 124 a 126 do processo físico.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao julgar procedentes os embargos de terceiro apresentados contra a penhora de 1/6 do vencimento de R....

III. Fundamentação

1. Matéria de facto

Da sentença prolatada em primeira instância, consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
Factos provados com relevância para a decisão da causa:
1. No Serviço de Finanças (SF) do Porto, em 15.09.2005, foi instaurada a execução fiscal n.º 3379200501037900, contra o executado J…, com o NIF 1… (fls. 19 e ss.);
2. Por dívidas de IVA, de 2003, no montante de € 3.016,32;
3. A embargante foi citada, para efeitos do disposto no art. 1409.º, do CC, na qualidade de comproprietária de um imóvel com o executado em, 16.05.2008 (fls. 21);
4. A embargante casou com o executado em 1988, sob o regime de comunhão de adquiridos (fls. 8 e 24);
5. E divorciou-se, por decisão judicial transitada em julgado, em 30.03.2004 (fls. 24);
6. A embargante foi citada, na qualidade de cônjuge do executado, para os efeitos do disposto nos arts. 220.º e 239.º, do CPPT, em 07.04.2009 (fls. 25 e ss.);
7. Por despacho do OEF, de 13.07.2009, foi ordenada a penhora de 1/6 do vencimento mensal da embargante (fls. 27);
8. Por ofício datado de 24.07.2009 a FP notificou o centro Hospitalar do Médio Ave, EPE para proceder à penhora de 1/6 do vencimento da embargante até perfazer o montante de €3.016,32 (fls. 28).

Factos não provados:
Com interesse para a decisão da causa não foram apurados.
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MOTIVAÇÃO.
A convicção do tribunal baseou-se no correlacionamento e análise crítica de toda a prova produzida nestes autos, com especial destaque para os documentos juntos aos autos, não impugnados, conforme a remissão feita nos respectivos factos dados como provados. Acresce que, a situação em litígio versa sobretudo sobre questões jurídicas já que quanto aos factos a parte estão, essencialmente, de acordo.
Os restantes factos alegados não foram julgados provados ou não provados, por constituírem considerações pessoais ou conclusões de facto ou de direito e por não terem relevância para a decisão da causa.”
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2. O Direito

A sentença recorrida decidiu que “(…) Na situação em apreço a embargante foi citada para efeitos do disposto nos artºs 220º e 239º do CPPT, na qualidade de cônjuge do executado, quando já se encontrava divorciada do mesmo. Acresce que a penhora que incidiu sobre o seu vencimento foi efectuada também em data posterior aos dois referidos eventos. (…) tendo em conta os já referidos factos, de a embargante ter sido citada em data posterior à do divórcio e a da penhora ter ocorrido em momento posterior ao da citação, forçoso é de concluir que, na situação em apreço, aquela citação não pode produzir os efeitos que a lei lhe atribui, na medida em que à data da sua realização a embargante já não tinha a qualidade de cônjuge do executado a que se referem aqueles normativos.
Portanto, na altura da citação e da penhora a embargante era totalmente alheia à execução em apreço, não sendo cônjuge do executado, logo não sendo co-executada, pelo que a penhora efectuada sobre o seu vencimento é ilegal não podendo manter-se. (…)”
A Fazenda Pública não se conforma com o assim decidido, por entender que a sentença avaliou incorrectamente as consequências da extinção do casamento entre o executado e a embargante na responsabilidade pelas dívidas tributárias contraídas pelo executado na vigência do casamento.
Alerta a Fazenda Pública que a sentença se bastou com a prova da ocorrência do divórcio, olvidando que, para afastar a responsabilidade da embargante, seria necessário que esta provasse que a dívida de IVA não tinha sido contraída pelo executado em proveito comum do casal, afastando, desse modo, a presunção legal estabelecida no artigo 1691.º do Código Civil.
O digníssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste tribunal referiu no seu parecer que bem andou o Tribunal a quo ao julgar procedentes os embargos de terceiro deduzidos pela ora recorrida, dado não ter sido a execução também instaurada contra a embargante, o que inviabiliza ser penhorado o seu vencimento.
É verdade que o processo de execução fiscal n.º 3379200501037900 foi instaurado somente contra o executado J…, único figurante na respectiva certidão de dívida.
Contudo, as regras que regulam a questão da legitimidade de exequente e executado, no âmbito dos processos de execução comum/cível, não são transponíveis de forma directa, necessária e acrítica para os terrenos da execução fiscal, porque, por um lado, a regulamentação processual desta integra um complexo normativo especial, dirigido ao tratamento das questões envolventes da legitimidade das partes – cfr. artigo 152.º a 161.º CPPT, e, por outro, porque a demanda por dívidas de impostos pode ter de conformar-se, dar expressão e actuar especiosas razões, de cariz substantivo e/ou doutrinário, somente acutilantes e legitimadas pelas privativas condições em que nascem e se processam as relações jurídico-tributárias – cfr. Acórdão do TCAN, de 13/11/2008, proferido no âmbito do processo n.º 00470/05.0BEBRG.
Vejamos, agora, as alegações da Fazenda Pública, respeitantes ao facto de a dívida em causa ter sido contraída quando executado e embargante eram casados, sob o regime da comunhão de adquiridos.
Tendo-se apurado que o processo de execução fiscal mencionado, por dívidas de IVA e juros compensatórios, do ano de 2003, foi autuado, apenas, contra o executado, só podemos, legal e legitimamente, imputar à embargante responsabilidade pelo pagamento coercivo das mesmas no pressuposto de que se mostre possível, seja viável, concluir pela existência de uma dívida susceptível, capaz, de responsabilizar ambos os cônjuges, a coberto do estatuído no artigo 1691.º, n.º 1 alínea d) do Código Civil:
«1 - São da responsabilidade de ambos os cônjuges: (…)
d) As dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges no exercício do comércio, salvo se se provar que não foram contraídas em proveito comum do casal ou se vigorar entre os cônjuges o regime de separação de bens; (…)»
Para além desta norma e dos casos que com ela se podem relacionar, não haverá suporte legal para afirmar, em geral, a responsabilidade de ambos os cônjuges pelas dívidas tributárias da responsabilidade de um deles – cfr. Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado, 4.ª Edição, Visilis Editores, página 956.
Assim, estando-se em presença de dívidas tributárias contraídas em função e por motivo do exercício de comércio, por parte do, então, marido da embargante, a responsabilidade do respectivo pagamento é de imputar a ambos, porque à data casados sob o regime de comunhão de adquiridos, salvo se a embargante provar que os visados débitos não foram assumidos em proveito conjunto do casal. Saliente-se que deve tomar-se em consideração que, nos termos do n.º 2 do artigo 1690.º do Código Civil, para a determinação da responsabilidade dos cônjuges, as dívidas por eles contraídas têm a data do facto que lhes deu origem. No caso, entre 1988 e 2004, a embargante estava casada com o executado, sob o regime de comunhão de adquiridos.
As dívidas em causa, provenientes de impostos devidos pelo exercício de uma actividade comercial exercida pelo executado, na constância do matrimónio, não podem deixar de se incluir no âmbito do disposto no artigo 1691.º, n.º 1, alínea d) do Código Civil. A dívida de IVA é da responsabilidade de ambos os cônjuges, respondendo por tais dívidas, nos termos do artigo 1695.º, n.º 1 do Código Civil, os bens comuns do casal, e, na falta ou insuficiência deles, solidariamente, os bens próprios de qualquer dos cônjuges. A responsabilidade que a lei atribui a ambos os cônjuges só será de afastar, repete-se, se se provar que as dívidas não foram contraídas em proveito comum do casal (ou se vigorasse entre os cônjuges o regime de separação de bens) – cfr. Acórdão do TCAN, de 12/01/2012, proferido no âmbito do processo n.º 00647/11.0BEAVR.
Ora, compulsada a petição inicial, constatamos que a embargante alegou factualidade (cfr. artigos 6.º, 12.º, 13.º, 15.º e 20.º) tendente a demonstrar que as dívidas de IVA em apreço não foram contraídas em proveito comum do casal: “(…) desde o ano de 2001 que se encontravam separados de facto; vivendo cada um deles em casas separadas e em total separação de bens; não contribuindo o executado para a economia comum do casal, que de resto já não existia; (…) a embargante desconhece e nunca fez parte da actividade profissional ou comercial do executado; (…) nunca praticou qualquer acto de comércio próprio de comerciante (…)”.
Sucede que, no tribunal recorrido, se entendeu (cfr. fls. 69 do processo físico) não produzir a prova testemunhal requerida no articulado inicial.
Todavia, mostrando-se imperioso descobrir se as dívidas referentes a IVA e juros compensatórios, do ano de 2003, foram ou não contraídas em proveito comum da embargante e seu, à data, marido; deparamo-nos, agora, com défice de natureza instrutória, que se repercute na decisão da matéria de facto disponibilizada à nossa apreciação.
Deste modo, não podendo sufragar-se, sem mais, o julgamento produzido em 1.ª instância, impõe-se anular, oficiosamente, segundo o disposto no artigo 712.º, n.º 4 do Código de Processo Civil, a sentença, de molde a permitir que, no tribunal recorrido, seja promovida a inquirição das testemunhas arroladas pela embargante e efectivadas as demais diligências probatórias que se mostrem adequadas e necessárias ao esclarecimento, mais completo possível, do aspecto apontado como deficitariamente instruído.


Conclusões/Sumário

I - Na medida em que o processo de execução fiscal, por dívidas de IVA e juros compensatórios, do ano de 2003, foi autuado, apenas, contra o executado-marido, só podemos, legal e legitimamente, imputar à esposa responsabilidade pelo pagamento coercivo das mesmas no pressuposto de que se mostre possível, seja viável, concluir pela existência de uma dívida susceptível, capaz, de responsabilizar ambos os cônjuges, a coberto do estatuído no artigo 1691.º, n.º 1, alínea d) do Código Civil.
II - Nos termos do n.º 2 do artigo 1690.º do Código Civil, para a determinação da responsabilidade dos cônjuges, as dívidas por eles contraídas têm a data do facto que lhes deu origem.
III - Estando-se em presença de dívidas tributárias contraídas em função e por motivo do exercício do comércio, por parte do, então, marido da recorrida, a responsabilidade do respectivo pagamento é de imputar a ambos, salvo se a recorrida provar que os visados débitos não foram assumidos em proveito conjunto do casal.
IV - O apuramento do proveito comum traduz-se numa questão mista ou complexa, envolvendo uma questão de facto e outra de direito, sendo a primeira a de averiguar o destino dado ao dinheiro representado pela dívida e a segunda a de ajuizar sobre se, tendo em conta esse destino apurado, a dívida foi contraída em proveito comum, preenchendo o conceito legal.
V - Revelando os autos insuficiência factual para a boa decisão da causa, em virtude de terem sido omitidas diligências probatórias indispensáveis para o efeito, impõe-se a anulação da sentença recorrida e a baixa do processo ao Tribunal recorrido para melhor investigação e nova decisão, em harmonia com o disposto no artigo 712.º, n.º 4 do Código de Processo Civil ex vi artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

IV. Decisão
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, anular a sentença recorrida e ordenar a remessa do processo à 1ª instância para nova decisão, com preliminar ampliação da matéria de facto, após a aquisição de prova conforme acima se indica.
Sem custas.
D.N.
Porto, 15 de Outubro de 2015.
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Fernanda Esteves