Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01682/07.8BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/30/2016
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:LEGITIMIDADE PASSIVA DO ESTADO; AÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL;
DESPACHO SANEADOR;
Sumário:1 – Decorre do art. 11.º do CPC, sob a epígrafe de "conceito e medida da personalidade judiciária", que a “… personalidade judiciária consiste na suscetibilidade de ser parte ...” (n.º 1), sendo que quem “… tiver personalidade jurídica tem igualmente personalidade judiciária …" (n.º 2).
Resulta, por sua vez, do art. 15.º do mesmo Código, sob a epígrafe de “conceito e medida da capacidade judiciária”, que a “… capacidade judiciária consiste na suscetibilidade de estar, por si, em juízo …” (n.º 1) sendo que a mesma “… tem por base e por medida a capacidade do exercício de direitos …” (n.º 2).
Não é decisivo averiguar se as partes detêm ou não personalidade jurídica para se lhes reconhecer, ou não, a suscetibilidade de serem partes, isto é, de terem a necessária personalidade judiciária. Com efeito, se é certo que de acordo com o disposto no n.º 2 do art. 11.º do CPC a personalidade jurídica atribui necessariamente a personalidade judiciária já não é certa a posição contrária, ou seja, carecer de personalidade judiciária quem não tenha personalidade jurídica dada a extensão da personalidade judiciária a entes ou realidades que não gozam de personalidade jurídica operada pelo art. 12.º do CPC.
2 – À luz da versão original do CPTA, quando esteja em causa o exercício de poderes públicos de autoridade (ou o incumprimento do dever desse exercício), será a ação administrativa especial o meio processual de reação adequado. Em todos os outros casos, muito diversificados e heterogéneos, mas que têm como mínimo denominador comum o facto de integrarem uma relação jurídica tendencialmente paritária, valerá a ação administrativa comum cujo âmbito se encontra, assim, por “exclusão de partes”.
3 – Nos termos do disposto nas als. e) e f) do nº 2 do art. 4º do CPTA, “É, designadamente, possível cumular: (...) e) O pedido de anulação ou declaração de nulidade ou inexistência de um ato administrativo, com (f) o pedido de condenação da Administração à reparação de danos causados com qualquer dos pedidos mencionados nas alíneas anteriores”.
Por outro lado, nos termos do nº 1 do art. 5º do CPTA “Não obsta à cumulação de pedidos a circunstância de aos pedidos cumulados corresponderem diferentes formas de processo, adotando-se, nesse caso, a forma da ação administrativa especial, com as adaptações que se revelem necessárias”.
4 - O artigo 10º nº 2 do CPTA ao atribuir personalidade judiciária aos ministérios, pelo facto de determinar que são as entidades a demandar, não está a retirar qualquer personalidade judiciária ao Estado mas apenas a retirar-lhe a legitimidade para ser demandado.
O Estado, enquanto tal, tem personalidade jurídica, e por inerência personalidade judiciária, apenas carecendo de legitimidade enquanto réu no âmbito de litígios relativos a atos ou omissões praticados pelos respetivos órgãos dos seus ministérios, isto é, face à posição que ocupa na concreta relação processual.
5 - Sendo o Ministério o sujeito passivo da Ação Administrativa Especial anulatória, deverá o mesmo figurar igualmente como sujeito passivo relativamente ao pedido indemnizatório decorrente da prática do ato objeto de impugnação, enquanto “representante” do Estado na Ação, daí a necessidade de se entender que o Ministério Público, enquanto representante passivo do Estado, deverá aqui entender-se como parte ilegítima.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Ministério Público
Recorrido 1:FAEC
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I Relatório
O Ministério Público, no âmbito da Ação Administrativa Especial intentada por FAEC tendente, em síntese, à declaração de nulidade ou anulação do ato de suspensão preventiva praticado pela Diretora da DREN, inconformado com o “Despacho Saneador datado de 13/05/2013 e, acórdão de 25/11/2015, que julgou a ação parcialmente procedente, e anulou o despacho de 23/04/2007 da Diretora Regional de Educação do Norte na parte que determinou a suspensão preventiva do autor e condenou os réus a pagar 10.000€ a titulo de indemnização por danos não patrimoniais”, veio interpor recurso jurisdicional em 22 de fevereiro de 2016 (Cfr fls. 378 a 405 Procº físico).

O aqui Recorrente/MP nas suas alegações de recurso, apresentou as seguintes conclusões (Cfr. Fls. 398 a 405 Procº físico):

“I. Na presente ação administrativa especial, ocorre a questão da legitimidade passiva do R. Estado, nos termos do Art. 10º. N.ºs 1 e 2 do CPTA., e, em contrário do decidido no despacho saneador.

II. Na previsão desta a norma estão incluídas, entre outras, as ações destinadas a impugnar atos administrativos, nos termos dos Artº.s 46º., 50º. e segs., 66º. e segs. e 72º. e segs. do CPTA.. pelo que não é a pessoa coletiva Estado que detém a legitimidade passiva, mas sim o Ministério a cujos órgãos seja imputável o ato jurídico impugnado.

III. “In casu”, à luz da relação material controvertida configurada pelo Autor na petição inicial e perante o pedido por si formulado, é manifesta a ilegitimidade passiva do Estado, na presente ação, uma vez que com o Autor não há qualquer relação funcional, estatutária, hierárquica ou de qualquer outra natureza com relevância para o objeto da causa.

IV. Não cabe ao Réu Estado Português a prática de qualquer ato no que respeita às pretensões anulatórias do Autor, nem que dê ordens nesse sentido, pelo que, o pedido em apreço não deveria ter sido formulado contra o R. Estado Português.

V. Resulta dos autos que o A. pretende a condenação do R. Estado no pagamento de uma indemnização, se bem que nada tenha alegado para sustentar a causa de pedir no petitório, o que o afasta do regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, regulado no Dec. Lei Nº. 48051, de 21.11.1967, aplicável à data da prolação de tal despacho.

VI. O A. ao não imputar ao R. Estado a prática de qualquer ato inválido, que seja passível de impugnação, este não tem qualquer interesse em contradizer o pedido que foi deduzido.

VII. A ilegitimidade passiva constitui exceção dilatória, que determina a absolvição da instância, nos termos do disposto nos Artºs. 278º. Nº. 1, Alínea D), 576º. Nº 1 e 2, e 577º. Al. E) do CPC, aplicável ex vi Artº.s 1º. e 89º. Nº. 1 Al. Al. do CPTA.

VIII. O ato praticado pela Diretora Regional de Educação do Norte, em 23/04/07, de natureza preparatória, que serviu única e exclusivamente como meio instrumental, é irrecorrível, por não ser contenciosamente impugnável, por carecer de lesividade, sendo apenas um “iter”, definido por razões de estrita funcionalidade, por via do qual foi ordenada a instauração de processo disciplinar ao A., que determinou a sua suspensão preventiva, por facto relativo a seu presuntivamente comportamento incorreto consubstanciado em afirmações quanto ao então Primeiro-ministro, passível de integrar infração disciplinar e que “põe em causa o normal funcionamento do serviço”, nos termos do então Artº. 54º. do DL n.º 24/84, de 16 de Janeiro, que àquele era aplicável, enquanto docente.

IX. Tal ato, que se destinou a habilitar o órgão competente a exercer cabalmente o direito disciplinar, foi proferido com respeito pelas regras que dele são atinentes, quer funcional, quer materialmente, tendo dimanado da aplicação de norma legal estatutária que o A. conhecia e à qual sabia dever respeito, pelo que, a atuação da Diretora Regional de Educação do Norte, foi lícita.

X. Desse ato não resultou qualquer risco para a segurança no emprego ou direito ao trabalho, uma vez que se tratou de singela medida preventiva e transitória, que perdurou por 17 dias, tendo mantido o A. o vínculo com a entidade de que dependia então funcionalmente e no decurso de procedimento disciplinar que lhe foi instaurado, pelo que não lhe foi violado qualquer seu direito fundamental, cuja esfera jurídica não foi imediatamente prejudicada, nos termos do Art. 133.°, N.° 2, Al. D) do CPA e nº. 4 do art. 268º. da CRP.

XI. De acordo com o princípio da impugnação unitária, quanto a possível ilegalidade que afete o ato em causa, deve ser suscitada e examinada no recurso que venha a ser interposto do ato final do procedimento, eventualmente, uma vez que só este é que é contenciosamente recorrível, aqui cabendo os atos preparatórios do processo.

XII. Contudo, o ato decisório final foi já jurisdicional e transitadamente apreciado no Proc. Nº. 1772/07.7BEPRT, conforme ação intentada pelo aqui também A., sendo que o aí, tal como aqui, R. Estado Português, foi absolvido do pedido indemnizatório contra si formulado, conforme Acórdão do STA, Processo Nº. 979/13, de 20.02.14.

XIII. Nesse processo fundamentava a causa de pedir, o ato do Secretário-geral do Ministério da Educação, que em 26/04/2007, determinou a cessação da requisição do autor na DREN, onde desempenhava funções com investidura temporária, as quais podiam cessar a qualquer momento - Artigo 6.º da Lei n.º 53/2006, de 07 de Dezembro.

XIV. As presuntivas ilegalidades que, em entender do A. afetaram o ato recorrido, não assumem aqui qualquer pertinência e o que afasta necessariamente, qualquer responsabilidade civil do R. Estado.

XV. A inimpugnabilidade do ato é uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso, de acordo com a previsão dos Artºs 89º. Al. C), do CPTA, nos termos das disposições conjugadas dos Artº.s. 278º nº. 1 Al. E), 576.º N.º 1 e 2, 578º., todos do CPC aplicáveis «ex vi» Art.ºs 1º. e 35º Nº. 2, do CPTA, pelo que deve o réu Estado Português ser absolvido da instância.

XVI. Quanto ao acórdão, relativamente, à matéria de facto que foi fixada, se anota, que o Tribunal “a quo” apreciou, erradamente, o ponto T) do item: “A – Da matéria de facto” ao consignar que: – “No âmbito do processo n.° 1772/07.7BEPRT, intentado pelo autor, foi proferida decisão que, nomeadamente, anulou o ato impugnado – praticado pelo Secretário-geral do Ministério da Educação em 26/04/2007, que determinou a cessação da requisição do autor na DREN, tendo sido tal decisão confirmada por acórdão do TCA Norte de 11/01/2013 [SITAF].”, e que tem de ser alterada.

XVII. O Mº. Pº. por seu requerimento de 23/04/2014, informou os presentes autos que: “… no Proc. N°. 1772/07.7BEPRT, conforme Acórdão do S.T.A., de 22.2.2014, transitado em julgado, (para já consultável in www.dgsi.pt, uma vez que o processo principal ainda não baixou), foi aí o R. Estado Português absolvido “in totum” do pedido contra si formulado pelo também aí A. FAEC.”, e o que foi não foi considerado pelo Tribunal “a quo”.

XVIII. Esse requerimento foi notificado ao A., por duas vezes – oficiosamente pela Secretaria em 18.06.14, e, após despacho judicial em 17.10.2104 - que nada disse aos autos, que, aceitou o informado processualmente, com relevância factual superveniente e a ser atendível pelo Tribunal “a quo”, nos termos dos Artºs. 607º. Nº. 3, 611º. Nº.s 1 e 2 e 662º. do CPC.

XIX. Caso fosse suscitada pertinente dúvida, não restava senão ao Tribunal “a quo” reabrir a audiência e em ordem a remover o que se mostrasse duvidoso, nos termos dos Artigos 602º. Nº. 1, 607.º Nº. 1, 2ª. parte, e, 611º. Nº. 1 do CPC..

XX. Com efeito, o N.º 1 do Art. 662.º deste diploma, determina a obrigação ao Tribunal “ad quem” de alterar a decisão a matéria de facto, se um documento superveniente impuser decisão diversa, tal como o que resulta desse acórdão que se junta.

XXI. Ocorre motivo justificado pertinente para alteração da matéria da facto, quanto ao ponto T) da matéria de facto e o que se reclama, nos sobreditos normativos legais, devendo ficar aí a constar que no Proc. Nº. 1772/07.7BEPRT, por Acórdão do STA, datado de 20.02.2014, em recurso de revista interposto pelo aí R. Estado, foi este transitadamente excluído do direito de indemnização com a consequente absolvição do pedido que contra si foi formulado, pelo mesmo A., que, nesses autos, sem êxito, quis impugnar o ato, proferido pelo Secretário-Geral do Ministério da Educação, de 26.04.2007, de cessação da sua requisição na DREN.

XXII. Tal modificação da matéria de facto terá de relevar negativamente para os interesses do A., no modo como intentou este processo, uma vez que tem vindo a reclamar (duplamente) o pagamento de montante indemnizatório, com a mesma causa de pedir, tendo sempre como fundamento a atuação dos agentes de órgãos da administração.

XXIII. A decisão que foi proferida naquele Processo Nº. 1772/07.7BEPRT, após seu trânsito em julgado, é aqui extintiva da responsabilidade do R. Estado, quanto ao pedido e o que constitui exceção perentória inominada, que obsta ao conhecimento do pedido, dando lugar à absolvição da instância, de acordo com as disposições conjugadas dos Artºs. 576º. Nº. 3, 578º e Al. E) do Nº. 1 do Artº. 278º., todos do CPC.

XXIV. Decidiu o Tribunal “a quo”, que o ato impugnado – Despacho de 23.04.2007 da Senhora Diretora Regional de Educação do Norte, que determinou a: “abertura imediata de processo disciplinar ao autor e a sua “suspensão preventiva por considerar que o comportamento do prof. requisitado Dr. FAEC põe em causa o normal funcionamento do serviço” – padece de vício de forma por falta de fundamentação.

XXV. Entendeu o Tribunal: “a quo” anular o despacho supra na parte que determinou a suspensão preventiva do Autor, bem como condenar os Réus no pagamento de uma indemnização no valor de €10.000,00 por danos não patrimoniais, sendo argumento fundamental para a anulação do despacho referido e para a definição da indemnização atribuída traduz-se no facto da Administração ter determinado a suspensão preventiva do Autor: “sem que tenha aduzido as razões concretas porque o fazia; antes estribou-se numa fundamentação manifestamente conclusiva” o que teria impossibilitado o demandante de provar que: “se a Administração tivesse optado pela conduta alternativa legal (ato devidamente fundamentado), não teria sido preventivamente suspenso; só sabendo as razões concretas da Administração as pode contraditar”.

XXVI. O Tribunal “a quo” admite no Acórdão em crise que a suspensão preventiva, nos termos do artigo 54.º do Estatuto Disciplinar, à data vigente, é uma medida cautelar cuja razão de ser se prende: “…com a necessidade de defesa de prestígio dos serviços públicos e de recolha de provas, que pode ser posta em causa pela presença do arguido, ou seja, a mesma é ditada por razões de ordem funcional e processual.”.

XXVII. A suspensão preventiva do Autor durante a instrução do processo disciplinar não implica qualquer juízo de censura e, por isso, a antecipação da aplicação da pena disciplinar, mais tendo afirmado que: “(…) não resulta do probatório que a suspensão preventiva do autor tivesse sido determinada por motivos de cariz político ou ideológico.”, estabelecendo que: “Nessa medida, forçoso é concluir que a aplicação desta medida cautelar não põe em causa o direito à segurança no emprego, nem tão pouco a liberdade de expressão e muito menos o direito do arguido à presunção de inocência”.

XXVIII. Atento o enquadramento que o Tribunal “a quo”, conforme as citações supra transcritas, faz da natureza da medida cautelar de suspensão preventiva e a condenação dos Réus ao pagamento de uma indemnização, ocorre a verificação de contradição entre os fundamentos e a decisão, daí que o acórdão esteja afetado de vício que obsta à validade da expressão do direito, enquanto ato jurisdicional, que ofendeu as regras próprias da sua elaboração e estruturação, quando os fundamentos invocados deveriam conduzir, num processo lógico, à decisão oposta da que foi adotada e que o torna passível de nulidade, nos termos do citado Artº. 615º. Nº. 1 C) do CPC.

XXIX. Igualmente, se suscita a questão da proporcionalidade do quantum indemnizatório determinado pelo Tribunal, que, a ser aceite (o que se não concede), é manifestamente exagerado, uma vez que o recorrido prestava serviço como funcionalmente como requisitado, ou seja, com um vínculo transitório e que poderia cessar a qualquer momento, nos termos legalmente previstos.

XXX. Mais é certo que, conforme decorre do ponto O) da matéria assente, foi praticado um “ato equivalente à revogação da decisão de suspensão preventiva”, deixando, pois o ato de suspensão de vigorar na ordem jurídica, o que sempre impossibilitaria a Administração de praticar outro ato válido, com a fundamentação suficiente, atendendo, inclusivamente ao lapso de tempo que mediou entre a decisão de suspensão e o conhecimento pelo Autor da sua revogação, sejam 17 dias, conforme referido no parágrafo anterior e que se colhem dos pontos I), J) e K) dos factos assentes.

XXXI. A Sra. Diretora da DREN atuou de acordo com critérios de profissionalismo e zelo que lhes eram exigíveis em razão das circunstâncias concretas em que tal ato foi praticado e o que afasta qualquer responsabilidade do R. Estado.

XXXII. Face a estas, não lhe era exigível outro comportamento, que não consubstancia qualquer atuação ilícita culposamente por si praticada ou sequer pelo Réu Estado, sendo insuscetível de gerar os danos alegadamente sofridos pelo Autor, pelo que, se não encontram preenchidos os requisitos da ilicitude e da culpa, como pressupostos necessários da obrigação de indemnizar;

XXXIII. Igualmente, não se verifica no caso “sub judice” o requisito do nexo de causalidade entre o eventual facto ilícito e o dano alegadamente sofrido pelo Autor, tal como estabelecido pelo Artigo 487.º, n.º 1 do C.C., atenta a natureza subsidiária da responsabilidade civil extracontratual, uma vez que o despacho em causa não é contenciosamente recorrível, por não ser lesivo, nem ilícito ou negligente daquela Sra. Diretora ou do Réu Estado Português, e a requisição do A. poderia cessar a qualquer momento.

XXXIV. O acórdão recorrido não procedeu a uma correta e pertinente fixação da factualidade, por não estarem provados os requisitos de que a lei faz depender a obrigação de indemnizar, o que constitui erro de julgamento de facto e de direito relativamente à apreciação e valoração da prova produzida, nos termos do Artº. 659º. Nº. 2 do C.P.C. e o qual se invoca, para os devidos efeitos legais, e,

XXXV. Decidindo, como decidiu, violou o Tribunal “a quo” os normativos legais supra mencionados.

Nestes termos e nos mais de direito aplicável deve o presente recurso ser provido, tal como o que nele se impetra, com a consequente absolvição do R. Estado Português, como é de inteira JUSTIÇA”

O Recurso Jurisdicional apresentado veio a ser admitido por Despacho de 5 de setembro de 2016 (Cfr. Fls. 444 Procº físico).
O aqui Recorrido/FAEC não veio apresentar contra-alegações de Recurso.

O Ministério Público junto deste Tribunal, foi notificado em 25 de outubro de 2016 (Cfr. Fls. 456 Procº físico).

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, onde se suscita, designadamente, relativamente ao Despacho Saneador, que o Estado não deveria ter sido considerado como tendo legitimidade passiva, ao que acresce a circunstância de indevidamente ter sido considerado que o ato objeto de impugnação seria impugnável.
Relativamente ao acórdão proferido, entende o Ministério Público que o acórdão não fixou corretamente a matéria de facto, “para além de assentar … em contradição entre os fundamentos e a decisão”.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo considerou a seguinte factualidade:
A — Da matéria de facto
Com relevância para a apreciação da questão que ao tribunal cumpre solucionar, mostra-se provado:
A.1. Matéria vertida nos "Factos Assentes" (cfr. despacho de fls. 256 e ss. dos autos):
A) O autor é professor de Inglês da Escola Secundária CM [facto admitido por acordo].
B) O autor, desde 1988, está requisitado na Direção Regional de Educação do Norte [DREN], tendo exercido os cargos de Chefe de Divisão e de Diretor de Serviço, em comissão de serviço [facto admitido por acordo].
C) Entre 26/10/2002 e 10/03/2005 desempenhou as funções de deputado na Assembleia da República, em representação do PSD [facto admitido por acordo].
D) Até então, tinha desempenhado, naquela DREN, as funções inerentes a Diretor de Serviços [facto admitido por acordo].
E) O autor, após a cessação do mandato como deputado, em 10/03/2005, regressou à DREN para desempenhar funções, como professor requisitado, nos serviços de recursos humanos [facto admitido por acordo].
F) Na sequência de uma participação subscrita pelo Diretor de Serviços de Recursos Humanos da DREN, foi instaurado ao autor, por despacho de 23/04/07 proferido pela Diretora da DREN, processo disciplinar, tendo sido determinada a "suspensão preventiva" do ora autor, por se "considerar que o comportamento do prof. requisitado Dr. FAEC põe em causa o normal funcionamento do serviço" [cfr. doc. de fls. 3 do processo administrativo, que se dá por integralmente reproduzido].
G) O autor interpôs recursos hierárquicos, dirigidos quer ao Secretário de Estado da Educação, quer à Ministra da Educação, visando a referida suspensão preventiva, tendo, nos mesmos, requerido a revogação imediata da referida suspensão [cfr. doc. de fls. 33 a 43 e 46 a 56 dos autos, 181 a 203 e ss. e 212 e ss. do p.a. apenso que se dá por integralmente reproduzido].
H) No dia 30/04/2007 foi iniciada a instrução do processo disciplinar [cfr. doc. de fls. 14 do p.a. apenso, que se dá por integralmente reproduzido].
I) A Diretora da DREN enviou fax ao Secretário-Geral do Ministério da Educação [ME] em 23/04/2007, o qual mereceu resposta através de ofício datado de 02/05/2007 no qual se refere que "por despacho de 26/04/2007 do Senhor Secretário-Geral, foi autorizada a cessação da requisição do docente FAEC" [cfr. doc. de fls. 209 do p.a. apenso, que se dá por integralmente reproduzido].
J) Por ofício datado de 07/05/2007 subscrito pelo Secretário-Geral Adjunto do Ministério da Educação, foi a Diretora Regional de Educação do Norte informada de que "a cessação da requisição do docente FAEC produz efeitos a partir de 30/04/2007" [cfr. doc. de fls. 210 do p.a. apenso, que se dá por integralmente reproduzido].
K) Através de ofício datado de 09/05/2007 e pelo autor recebido em 10/05/2007, foi este notificado nomeadamente do seguinte:
" (...) por despacho de 07/04/26 do Exm.° Senhor Secretário-Geral, foi autorizada a cessação da requisição de V. Ex.ª nesta Direção Regional de Educação.
Atendendo a que, por força da cessação da requisição, V. Ex.a deixa de exercer funções nestes serviços, não subsistem as razões nas quais se alicerçou a decisão de suspensão preventiva no âmbito do processo disciplinar instaurado e que se encontra em curso, pelo que, mais fica por este meio devidamente notificado de que deverá apresentar-se no estabelecimento de ensino a cujo quadro pertence no dia útil imediatamente posterior à receção da presente notificação".
[cfr. doc. de fls. 204 do p.a. apenso, que se dá por integralmente reproduzido].
L) O autor apresentou-se na Escola CM no dia 11/05/2007 [facto admitido por acordo].
M) Em 28/05/2007 foi elaborada Informação/Proposta sobre o recurso hierárquico interposto pelo autor e que visou a sua suspensão preventiva, do qual consta, nomeadamente, o seguinte:
" FAEC interpôs perante Sua Excelência a Ministra da Educação e Sua Excelência o Secretário de Estado da Educação, recurso hierárquico do ato que determinou a sua suspensão preventiva, praticado pela Exm.ª Senhora Diretora Regional de Educação do Norte.
(...)
Cumpre informar e propor:
3. O presente recurso hierárquico foi interposto perante Sua Excelência a Ministra da Educação e Sua Excelência o Secretário de Estado da Educação. Porém, atendendo a que é consensual o entendimento de que entre Ministros e Secretários de Estado não existe qualquer relação de subordinação hierárquica, será despicienda a sua apreciação por ambos.
4. O ato objeto do presente recurso hierárquico é o que determinou a suspensão preventiva do recorrente. (...)
10. Por força da cessação da requisição, o recorrente deixou de exercer funções na Direção Regional de Educação do Norte e, consequentemente, não subsistem as razões que conduziram à necessidade da sua suspensão preventiva.
11. Assim, pelo mesmo ofício identificado em 8. Supra, mais foi notificado o recorrente de que cessava a suspensão preventiva, devendo apresentar-se na escola para aí exercer funções.
12. Daqui resulta que o ato que constitui o objeto do presente recurso hierárquico já não subsiste, não sendo possível a satisfação do pedido apresentado, ou seja, revogação de ato que já não existe.
13. Nessa medida, para além de se ter tornado inútil dele conhecer, já não é possível a sua revogação.
(...)
16. Pelos motivos expostos, somos de parecer que, revelando-se inútil o conhecimento do presente recurso hierárquico e impossível a satisfação do que nele é peticionado, por já não existir o ato colocado em crise, deverá ser rejeitado, nos termos do disposto na alínea e) do artigo 173° do Código do Procedimento Administrativo."
[cfr. doc. de fls. 241 a 243 do p.a. apenso, que se dá por integralmente reproduzido].
N) Sobre a informação referida no n.° anterior recaiu parecer datado de 26/05/2007 com o seguinte teor "Concordo. À consideração do Senhor Secretário de Estado da Educação", sem que tenha sido aposto despacho deste último no documento [cfr. doc. de fls. 241 do p.a. apenso, que se dá por integralmente reproduzido].
O) O autor deduziu intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias, que seguiu os seus termos neste tribunal sob o n.° 1042/07.0BEPRT, na qual pedia a cessação da suspensão preventiva decidida em 23/04/2007 e que foi julgada extinta por inutilidade superveniente da lide, em virtude da falta de interesse na prossecução dos mesmos, por ali se ter entendido que: "
(...) na pendência destes autos foi praticado novo ato, de cessação da requisição do requerente, pelo que este deixou de exercer funções na Direção Regional de Educação do Norte. Com base nesta factualidade, ocorreu ato equivalente à revogação da decisão de suspensão preventiva, com determinação do início de produção de efeitos.
Nesta conformidade, releva que o ato em crise, em apreço nos presentes autos, deixou de existir na ordem jurídica, tendo cessado a suspensão preventiva do requerente (que era a finalidade deste processo com carácter urgente). (...)".
[cfr. sentença datada de 29/05/2007 constante a fls. 77 e 78 dos autos, que se dá por integralmente reproduzida].
P) Por ofício da Secretaria-Geral do Ministério da Educação com o n.° OF/1855/2007/DAJ/GR de 29/06, esta reconheceu o direito do autor a ver processado o seu vencimento relativamente ao período de 10 dias correspondentes ao tempo decorrido entre 1 e 10 de Maio de 2007 [cfr. doc. de fls. 252, 257, 262 e 256 do p.a. apenso, que se dá por integralmente reproduzido].
Q) Foi, no âmbito do processo disciplinar instaurado ao autor, elaborado relatório final em 06/07/2007, no qual foi proposta a aplicação da pena de multa, graduada em 250€, suspensa por um ano [cfr. doc. de fls. 156 a 165 do p.a. apenso, que se dá por integralmente reproduzido].
R) Tendo a Diretora da DREN invocado impedimento para deliberar sobre o processo disciplinar instaurado ao autor, foi proferido, em 23/07/2007 pela Senhora Ministra da Educação, despacho de arquivamento do mesmo [cfr. doc. de fls. 167 a 169 e 171 do p.a. apenso, que se dá por integralmente reproduzido].
S) Em 26/10/2007 foi pago ao autor o vencimento relativo ao tempo decorrido entre 30/04/2007 e 10/05/2007, no montante ilíquido de € 1.111,29 e líquido de € 733,82 [cfr. doc. de fls. 163 a 166 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido].
T) No âmbito do processo n.° 1772/07.7BEPRT, intentado pelo autor, foi proferida decisão que, nomeadamente, anulou o ato impugnado - praticado pelo Secretário-geral do Ministério da Educação em 26/04/2007, que determinou a cessação da requisição do autor na DREN, tendo sido tal decisão confirmada por acórdão do TCA Norte de 11/01/2013 [SITAF].
A.2. Factos resultantes da resposta à base instrutória:
U) A circunstância de o autor ter sido suspenso preventivamente provocou-lhe insónias, astenia, um estado de ansiedade, nervosismo, depreciativo e de frustração [respostas aos quesitos 1.°, 3°, 8° e 13° da base instrutória ­depoimento da testemunha CMMMC].
V) Estado que mereceu intervenção médica e tratamento medicamentoso [resposta ao quesito 9° da base instrutória - depoimento da testemunha CMMMC].
W) O autor era um trabalhador empenhado que gostava das funções que desempenhava na DREN [resposta ao quesito 11° - depoimento da testemunha JMRSN].
X) Até ao momento da suspensão preventiva o autor não sofria de qualquer doença do foro psiquiátrico [resposta ao quesito 16° - depoimento da testemunha CMMMC].
A.3. Não resultaram provados os seguintes factos:
1) A circunstância de o autor ter sido suspenso preventivamente impediu-o de se concentrar, provocou-lhe cefaleias, sensação permanente de náuseas e tonturas, bem como desinteresse pelos hábitos quotidianos [cfr. quesito 1°, 1.a parte, 2°, 4° e 5° da base instrutória].
2) O autor apresentava um discurso redondo e repetitivo e dificuldade em alinhar corretamente processos lógicos de raciocínio [cfr. quesito 6° da base instrutória].
3) O autor sofreu crises de pânico e de cariz obsessivo [cfr. quesito 7° da base instrutória].
4) O autor não conseguia deixar de pensar na suspensão preventiva que o afastou das funções que desempenhava na DREN [cfr. quesito 10° da base instrutória].
5) O autor tinha relações de amizade e companheirismo com os colaboradores da DREN [cfr. quesito 12° da base instrutória].
6) O autor chegou a tentar o suicídio [cfr. quesito 14° da base instrutória].
7) Foi diagnosticada ao autor uma neurose depressiva reativa a fatores de ordem socioprofissional, causada pela suspensão preventiva [cfr. quesito 15° da base instrutória].


IV – Do Direito
Importa antes de mais analisar o Recurso interposto relativamente ao Despacho Saneador, mormente no que concerne ao facto de ter sido entendido ter o Estado, representado pelo Ministério Público, Legitimidade passiva.
Antes de mais, foram na Petição inicial formulados os seguintes pedidos:
“a) Ser declarado nulo o ato de suspensão preventiva praticado pela Senhora Diretora Regional de Educação (aqui 1.ª requerida) do Norte em 23 de Abril de 2007 por violação do núcleo essencial dos direitos laborais do aqui autor, nos termos do artigo 133°, n.°2, d) do CPA.
b) Ser decretada a anulação do ato referido na al. precedente por ausência completa de fundamentação, nos termos do artigo 135° do CPA;
Subsidiariamente para o caso de se entender que o recurso hierárquico interposto pelo autor e para o qual decorrido o prazo legal não tem decisão tem carácter necessário:
Seja condenada a 2.ª ou a 3.ª entidade demandada a praticar o ato legalmente devido, ou seja, renovar em face dos vícios expostos, a decisão de suspensão preventiva e todos os efeitos patrimoniais que a mesma produziu no período efetivo em que se verificou e vigorou.
E, cumulativamente, nos termos do artigo 47° do CPTA,
Condenar a 4.ª ré (ou, na falta de legitimidade passiva desta) qualquer uma das primeiras três entidades demandadas no pagamento ao aqui autor da quantia de 882,90€ correspondente ao valor de 10 dias de suspensão preventiva ainda não pagos com juros desde a data de vencimento à taxa legal anual que vigorar até integral pagamento e, ainda, do valor de 25.000€ a título de indemnização devida por danos não patrimoniais sofridos pelo ato em causa, bem como os juros devidos desde a citação, à taxa legal que vigorar, até efetivo pagamento."
Resulta desde logo do peticionado que o pedido indemnizatório dirigido ao Estado é feito meramente à cautela, pois que expressamente se admite a sua falta de legitimidade.
Em concreto, o tribunal a quo, no Despacho Saneador Recorrido, ao apreciar a legitimidade do Estado refere que:
“Na respetiva contestação, o Réu Estado Português a exceção dilatória de ilegitimidade passiva, alegando que o ato impugnado foi praticado por órgão do Ministério da Educação, e que, não obstante, cumulativamente, se pretender a condenação do R. Estado no pagamento de uma indemnização alicerçada em responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, o certo é que o C.P.T.A. permite que com o pedido impugnatório de atos administrativos se formule pedido de condenação da Administração à reparação dos danos resultantes da atuação ou omissão administrativa ilegal.
Apreciando a referida exceção tendo presente que o A. formulou contra o R. Estado Português o seguinte pedido:
"(...) no pagamento ao aqui autor da quantia de 882,90 euros correspondente ao valor de 10 dias de suspensão preventiva ainda não pagos com juros desde a data de vencimento à taxa legal anual que vigorar até integral pagamento e, ainda, do valor de 25.000 euros a título de indemnização devida por danos não patrimoniais sofridos pelo ato em causa, bem como os juros devidos desde a citação, à taxa legal que vigorar até efetivo pagamento".
Nos termos do art.° 26°, n.° 1, do CPC "o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer". Por seu lado, o n.° 2 da mesma disposição legal dispõe que "o interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação; o interesse em contradizer, pelo prejuízo que dessa procedência advenha".
De acordo com o preceituado no n.° 3 do art. 26.°, na falta de disposição legal em contrário, o interesse em contradizer, para efeitos de legitimidade, afere-se pela relação material controvertida tal como ela é configurada pelo autor.
No domínio das relações administrativas, dispõe o art. 10.°, n.° 1 do CPTA que "cada ação deve ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida e, quando for caso disso, contra as pessoas ou entidades titulares de interesses contrapostos aos do autor". O n.° 2 daquele normativo prevê que "quando a ação tenha por objeto a ação ou omissão de uma entidade pública, parte demandada é a pessoa coletiva de direito público ou, no caso do Estado, o ministério a cujos órgãos seja imputável o ato jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os atos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos", sendo que o n.° 3 estabelece que "os processos que tenham por objeto atos ou omissões de entidade administrativa independente, destituída de personalidade jurídica, são intentadas contra o Estado ou a outra pessoa coletiva a que essa entidade pertença".
Resulta do exposto que para se concluir que o Réu Estado Português é parte legítima, há que considerar a relação material controvertida tal como é delineada pelo A. – independentemente de a mesma ser real ou verdadeira – e verificar se da procedência da ação poderá advir um qualquer prejuízo para aquele e bem assim se o referido Réu tem um interesse contraposto ao da Autora.
Nos presentes autos a pretensão deduzida pela A. a título principal traduz-se na declaração de nulidade ou anulabilidade do despacho proferido pela Sr.ª Diretora Regional de Educação do Norte, datado de 23/04/2007, que determinou a sua suspensão preventiva ou, subsidiariamente, a condenação na prática de ato devido – revogação do mesmo ato -, bem como cumulativamente, a condenação no pagamento de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais (pede a A. que se condene os Réus à reparação integral dos danos morais causados à A. em virtude das ilegalidades que assaca ao referido ato, condenando-as a pagar à Autora 889,90 euros e respetivos juros vencidos e vincendos até integral pagamento, a título de danos patrimoniais e ainda a quantia de 25.000€ a título de danos não patrimoniais).
Embora o C.P.T.A. admita a cumulação de pedidos, mesmo que aos mesmos corresponde diferente forma de processo — cfr. art. 5 nº 1 do C.P.T.A. — o certo é que os pedidos indemnizatórios devem ser formulados contra quem detenha personalidade e capacidade judiciárias - o que não o caso da DREN e do Ministério da Educação - sendo inequívoco que o R. Estado reúne tais pressupostos processuais pelo que se julga improcedente a exceção dilatória de ilegitimidade passiva suscitada pelo R. Estado Português.”
Em bom rigor, a solução encontrada pelo TAF do Porto determina que estejamos simultaneamente em presença de duas Ações numa só, parecendo querer antecipar a solução que veio a ser de alguma forma estabelecida pelo novo CPTA, aqui ainda não aplicável.
Com efeito, e em síntese, o que o TAF estabeleceu, foi que, na mesma Ação, o pedido anulatório correria contra o Ministério da Educação e o pedido indemnizatório, contra o Estado, o que não faz sentido.
Decorre do art. 11.º do CPC, sob a epígrafe de "conceito e medida da personalidade judiciária", que a “… personalidade judiciária consiste na suscetibilidade de ser parte ...” (n.º 1), sendo que quem “… tiver personalidade jurídica tem igualmente personalidade judiciária …" (n.º 2).
Resulta, por sua vez, do art. 15.º do mesmo Código, sob a epígrafe de “conceito e medida da capacidade judiciária”, que a “… capacidade judiciária consiste na suscetibilidade de estar, por si, em juízo …” (n.º 1) sendo que a mesma “… tem por base e por medida a capacidade do exercício de direitos …” (n.º 2).
A personalidade judiciária consiste, de harmonia com o normativo processual supra citado e reproduzido, na possibilidade de requerer ou de contra si ser requerida, em próprio nome, qualquer das providências de tutela jurisdicional reconhecida na lei, sendo que o critério geral fixado no n.º 2 do normativo atrás citado para saber quem tem personalidade judiciária é o da correspondência (coincidência ou equiparação) entre a personalidade jurídica (capacidade de gozo de direitos) e a personalidade judiciária.
Não é decisivo averiguar se as partes detêm ou não personalidade jurídica para se lhes reconhecer, ou não, a suscetibilidade de serem partes, isto é, de terem a necessária personalidade judiciária. Com efeito, se é certo que de acordo com o disposto no n.º 2 do art. 11.º do CPC a personalidade jurídica atribui necessariamente a personalidade judiciária já não é certa a posição contrária, ou seja, carecer de personalidade judiciária quem não tenha personalidade jurídica dada a extensão da personalidade judiciária a entes ou realidades que não gozam de personalidade jurídica operada pelo art. 12.º do CPC.
A capacidade judiciária constitui uma manifestação da capacidade de exercício, sendo a mesma a aptidão dum sujeito jurídico para produzir efeitos de direito por mera atuação pessoal, exercitando uma atividade jurídica própria.
Tal como sustenta Freitas do Amaral “… apesar da multiplicidade das atribuições, do pluralismo dos órgãos e serviços, e da divisão em ministérios, o Estado mantém sempre uma personalidade jurídica una. Todos os ministérios pertencem ao mesmo sujeito de direito, não são sujeitos de direito distintos: os ministérios e as direções-gerais não têm personalidade jurídica. Cada órgão do Estado - cada Ministro, cada diretor-geral, …, cada chefe de repartição - vincula o Estado no seu todo, e não apenas o seu ministério ou o seu serviço …” (in: “Curso de Direito Administrativo”, 2.ª edição, vol. I, pág. 221)
Resulta dos elementos disponíveis que foi o Ministério da Educação quem foi responsável pelo ato de suspensão cuja declaração de nulidade ou anulação vem peticionada, sendo que o pedido indemnizatório formulado, decorre manifestamente da prática do referido ato.
Assim, como enunciado no acórdão do TCAS nº 07848/11, de 08-03-2012, quando esteja em causa o exercício de poderes públicos de autoridade (ou o incumprimento do dever desse exercício), será a ação administrativa especial o meio processual de reação adequado. Em todos os outros casos, muito diversificados e heterogéneos, mas que têm como mínimo denominador comum o facto de integrarem uma relação jurídica tendencialmente paritária, valerá a ação administrativa comum cujo âmbito se encontra, assim, por “exclusão de partes” (como o refere este art. 37.º/1 do CPTA).” - cfr. Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in CPTA, Anotado, Vol. I, pág. 260 e 261.
Ora, atentos os factos dados como provados, mostra-se estar em causa (entre outros factos), a existência de um ato administrativo de suspensão preventiva, praticado no âmbito da estrutura orgânica do Ministério da Educação.
Trata-se pois, de um verdadeiro ato administrativo lesivo e como tal suscetível de impugnação.
Assim sendo, procede o então Autor à impugnação do referido ato administrativo através de ação administrativa especial, por ser esta a forma que seguem "os processos cujo objeto sejam pretensões emergentes da prática ou omissão ilegal de atos administrativos" (cfr. nº 1 do art. 46º do CPTA).
Em qualquer caso, o Autor não pretende somente, a declaração de nulidade ou anulação do identificado ato administrativo praticado, pretendendo, também, o direito a ser compensado pelo valor correspondente aos 10 dias de suspensão preventiva e, ainda um valor ”a título de indemnização devida por danos não patrimoniais sofridos pelo ato em causa”.
Ou seja, estão em causa, para além do pedido de declaração de nulidade ou de anulação de ato administrativo, outros pedidos formulados pelo Autor, aqui Recorrido, e admitidos por lei ao contemplar a possibilidade da sua cumulação, sendo a forma processual a adotar a ação administrativa especial.
Efetivamente, nos termos do disposto nas als. e) e f) do nº 2 do art. 4º do CPTA, “É, designadamente, possível cumular: (...) e) O pedido de anulação ou declaração de nulidade ou inexistência de um ato administrativo com o pedido de reconhecimento de uma situação jurídica subjetiva, com (f) o pedido de condenação da Administração à reparação de danos causados com qualquer dos pedidos mencionados nas alíneas anteriores”.
Nos termos do nº 1 do art. 5º do CPTA que “Não obsta à cumulação de pedidos a circunstância de aos pedidos cumulados corresponderem diferentes formas de processo, adotando-se, nesse caso, a forma da ação administrativa especial, com as adaptações que se revelem necessárias”.
Assim, contemplando a lei a possibilidade de cumulação de pedidos (como acontece no caso presente) tem igualmente de se concluir que a forma de processo a adotar será a da ação administrativa especial, nos termos das citadas disposições a legais, devendo a mesma correr exclusivamente contra o Ministério da Educação, uma vez que, por assim dizer, a Ação Administrativa Especial, absorve quaisquer pedidos que isoladamente pudessem determinar a tramitação de Ação Comum.
Como se sumariou no já referenciado acórdão do TCAS nº 07848/11, de 08/03/2012:
“Atento o disposto no art. 37º do CPTA, a ação administrativa comum é a forma processual adequada para a formulação, em Tribunal, de pedidos em que não esteja em causa a avaliação ou emissão de um ato administrativo;
Se estão em causa, para além do pedido de declaração de nulidade ou de anulação de ato administrativo, outros pedidos formulados pelas Recorrentes, e admitidos por lei ao contemplar a possibilidade da sua cumulação, a forma processual a adotar é a ação administrativa especial, e não a ação administrativa comum;
Efetivamente, nos termos do disposto nas als. e), f) e g) do nº 2 do art. 4º do CPTA, “É, designadamente, possível cumular: (...) e) O pedido de anulação ou declaração de nulidade ou inexistência de um ato administrativo com o pedido de reconhecimento de uma situação jurídica subjetiva; f) O pedido de condenação da Administração à reparação de danos causados com qualquer dos pedidos mencionados nas alíneas anteriores (…);
Assim, contemplando a lei a possibilidade de cumulação de pedidos (como acontece no caso presente) tem igualmente de se concluir que a forma de processo a adotar será a forma da ação administrativa especial, nos termos dos arts. 4º, nº 2, als. e), f) e g) e 5º, nº 1 do CPTA.”.

Socorrendo-nos do sumariado no recente acórdão do STA nº 01080/15, de 19-05-2016, refira-se que:
“O artigo 10º nº 2 do CPTA ao atribuir personalidade judiciária implícita aos ministérios, pelo facto de determinar que são as entidades a demandar, não está a retirar qualquer personalidade judiciária ao Estado mas apenas a retirar-lhe a legitimidade para ser demandado.
O Estado, enquanto tal, tem personalidade jurídica, e por inerência personalidade judiciária, apenas carecendo de legitimidade enquanto réu no âmbito de litígios relativos a atos ou omissões praticados pelos respetivos órgãos dos seus ministérios, isto é, face à posição que ocupa na concreta relação processual.
(…)”

Efetivamente, o artigo 10º nº 2 do CPTA ao atribuir personalidade judiciária aos ministérios, pelo facto de determinar que são as entidades a demandar, não está a retirar qualquer personalidade judiciária ao Estado mas apenas a retirar-lhe a legitimidade para ser demandado.

A personalidade judiciária é pois um atributo dos sujeitos, a implícita alusão deste preceito à personalidade judiciária é-o apenas na sua extensão aos ministérios, porque não podem ser partes legítimas sem previamente lhes ser atribuída personalidade judiciária, e não na diminuição de qualidades do sujeito como a amputação da sua personalidade judiciária.

Não é pelo facto de o Estado ser considerado parte ilegítima por não ser a parte passiva na demanda, que o preceito lhe está a amputar a sua personalidade judiciária.

O Estado, enquanto tal, tem personalidade jurídica, e por inerência personalidade judiciária, apenas carecendo de legitimidade enquanto réu no âmbito de litígios relativos a atos ou omissões praticados pelos respetivos órgãos dos seus ministérios, face à posição que ocupa na concreta relação processual.

No caso sub judice, o Estado não ficou sem aptidão para ser titular autónomo de relações jurídicas apenas porque se estendeu a personalidade judiciária aos seus organismos em determinadas situações.

Os ministérios tornam-se assim sujeitos processuais, tornam-se entidades com personalidade judiciária, no âmbito de litígios, pelos atos ou omissões praticados pelos seus órgãos, e também relativamente aos pedidos daí decorrentes.

A expressão a que se alude neste artigo 10º nº 2 apenas refere que, em vez de ser demandado o Estado (como deveria ser por força do princípio da coincidência), deve ser demandado o ministério.

E, face a esta expressão é que, por inerência, se pressupõe a atribuição de personalidade judiciária aos ministérios.

O CPTA veio com o art. 10º flexibilizar os critérios de atribuição de personalidade judiciária, possibilitando ao autor demandar quer a pessoa coletiva de direito público, quer, no caso do Estado, o Ministério, quer ainda o órgão administrativo a quem é imputável a ação ou omissão em litígio, conforme resulta do art.º 10 nº 4, ao estabelecer que no caso de erro na identificação do autor do ato se considera a ação proposta contra a pessoa coletiva de direito público ou, no caso do Estado, contra o ministério a que o órgão pertence.

Não está aqui em causa a suscetibilidade de o Estado poder estar presente no processo, que é uma condição para que o juiz possa decidir de mérito, compor definitivamente o litígio, sob pena de perda de qualquer utilidade, mas tão só de ser a parte que deve ser demandada como réu na relação jurídica controvertida.

A questão que se coloca é, tão só, a de suprimento da ilegitimidade do Estado para figurar como entidade demandada na relação jurídica em causa.

Em função de tudo quanto precedentemente ficou expendido, resulta manifesto que sendo o Ministério o sujeito passivo da Ação Administrativa Especial anulatória, deverá o mesmo figurar igualmente como sujeito passivo relativamente ao pedido indemnizatório decorrente da prática do ato objeto de impugnação, enquanto “representante” do Estado na Ação, daí a necessidade de se entender que o Ministério Público, enquanto representante passivo do Estado, deverá aqui entender-se como parte ilegítima.

Aliás, como se referiu já precedentemente, o próprio Autor na PI admitiu a possibilidade de “falta de legitimidade passiva” do Estado, representado pelo Ministério Público, em face o que desde logo mal se entende que o tribunal de 1ª instância tenha considerado o Estado como parte legítima, considerando “a relação material controvertida tal como é delineada pela A. – independentemente da mesma ser real ou verdadeira …”, sendo incontornável e insofismável que estamos perante uma Ação Administrativa Especial.

Na previsão do Artº 10º do CPTA estão incluídas, designadamente, as ações destinadas a impugnar atos administrativos, que seguem a forma da ação administrativa especial, nos termos dos Artº.s 46º., 50º. e segs., 66º. e segs. e 72º. e segs. do CPTA.

Não será pois Estado, representado pelo Ministério Público, quem deterá a legitimidade passiva mas sim o Ministério a cujos órgãos seja imputável o ato jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os atos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos.

Em síntese, a ação só deve ser dirigida diretamente contra a pessoa coletiva Estado Português, representado pelo Ministério Público, nos termos do Art. 11º, nº 2 do CPTA, nas situações que tenham por objeto relações contratuais ou em que se pretenda efetivar, a título principal, a responsabilidade solidária do Estado por atos ou omissões praticadas pelos seus órgãos.

Como se sumariou no Acórdão deste TCAN nº 02242/04.0BEPRT, de 22/02/2007 “Só nas ações de contratos ou nas ações de responsabilidade “pura” é que a legitimidade passiva pertence ao Estado, em todas as outras em que incumbe a um qualquer órgão da administração a prática de um ato administrativo que contende com os direitos dos particulares, como o caso dos autos, a legitimidade passiva pertence ao Ministério respetivo”.

De facto, no caso em apreço, a responsabilidade pelo pagamento das quantias peticionadas está intimamente relacionada e dependente da prática de um ato administrativo por parte da entidade administrativa/Ministério, pelo que não poderia deixar de ser demandado o Ministério da Educação na presente ação.

Assim, à luz da relação material controvertida, e perante o pedido formulado é manifesta a ilegitimidade passiva do Estado representado pelo Ministério Público, na presente ação.

Efetivamente, não cabe ao Réu Estado Português representado pelo Ministério Público, a prática de qualquer intervenção no que respeita às pretensões anulatórias do Autor, pelo que o pedido indemnizatório em apreço, por consequente do ato objeto de impugnação, não deveria ter sido ser formulado contra o Estado.

Em face de tudo quanto precedentemente ficou expendido, verifica-se que o R. Estado Português, representado pelo Ministério Público, é parte ilegítima relativamente aos pedidos formulados pelo Autor, atento o facto da Ação Administrativa Especial, que tem o Ministério da Educação como Entidade Demandada, ter “absorvido” tudo quanto vinha peticionado, sendo que a ilegitimidade passiva constitui exceção dilatória, com a consequente absolvição da instância, nos termos do disposto nos Artºs. 278º. nº. 1, Alínea d), 576º. nº 1 e 2, e 577º. Al. e) do CPC.

De igual modo, atenta a absolvição da instância do Estado, revogar-se-á o acórdão recorrido, na parte em que o condenou.

* * *
Deste modo, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte em julgar procedentes ambos os recursos, relativos ao despacho saneador e ao acórdão recorridos, pelo que:
a) Julgam procedente a exceção de ilegitimidade passiva invocada e absolvem o Réu Estado da instância.
b) Revogam o acórdão recorrido na parte em que condena o Estado

Sem Custas nesta instância.

Porto, 30 de novembro de 2016
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco
Ass.: Rogério Martins
Ass.: Luís Migueis Garcia - (Voto sentido da decisão quanto à questão da legitimidade passiva)