Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00369/05.0BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/31/2020
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Isabel Costa
Descritores:PRORROGAÇÃO; PRAZO, NULIDADE PROCESSUAL
Sumário:I - Da formulação legal do n.º 5 do artigo 145.º do CPC 1961, não pode o intérprete inferir que os três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo acrescem ou prorrogam o prazo, sob pena de fazer uma leitura contra legem.

II - O pagamento da multa é condição de validade da prática de um ato depois de findo o prazo legal e não condição de acréscimo do prazo.

III - O requerimento de prorrogação de prazo deve ser requerido dentro do prazo de 30 dias para contestar. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:H., LDA
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE (...)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I – Relatório

H., LDA, vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo TAF de Penafiel que julgou improcedente a ação que intentara contra o MUNICÍPIO DE (...), peticionando a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 484.562,35 (sendo € 348.982,26 a título de capital e € 135.580,09 a título de juros vencidos até 20/08/2004), acrescida dos juros que se vencerem a partir daquela data e até integral pagamento.

Na alegação apresentada, formulou as seguintes conclusões, que se transcrevem ipsis verbis:

a) A Recorrente vem indicar que no presente recurso se censura e impugna também, os despachos interlocutórios proferidos pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel (doravante, Juiz a quo), de 07.11.2005, a fls. 72 (que autorizou a prorrogação do prazo para contestação) e o seu posterior despacho de 10.10.2006, a fls. 169/172, que desconsiderou a arguição da nulidade daquele despacho de fls. 72, e, em consequência, considerou tempestiva a contestação apresentada pelo Réu.
Quanto aos despachos interlocutórios de fls. 72 e 169/172 e seus antecedentes:
b) Começamos por analisar este segundo aspeto do recurso – os despachos interlocutórios - já que uma declaração de ilegalidade destes Despachos sindicados, afeta/altera a decisão de mérito proferida na Sentença recorrida.




c) Na medida em que for declarada a nulidade do despacho de fls 72 (e naturalmente do despacho de fls. 169/172), a contestação/reconvenção apresentada pelo Recorrido é intempestiva, extemporânea e, em consequência, terá que ser desentranhada dos autos, com os efeitos que se extrai da revelia do Réu: A procedência do pedido formulado pela Recorrente, nos termos do então vertido no nº 1 do art.º 484.º do CPC, ex vi do art.º 1.º, do nº 1 do art.º 35.º e nº 1 do art.º 42.ºdo CPTA2002.
Senão vejamos,
d) O Recorrido foi citado para contestar a ação administrativa dos autos, por carta registada com aviso de receção, no dia 29 de setembro de 2005, para no prazo de 30 dias, acrescido da dilação de 5 dias, contestar a ação. Este prazo terminava no dia 03 de Novembro de 2005.
e) Por fax datado de 04 de Novembro de 2005 – um dia após o término do prazo - o Recorrido requereu, ao abrigo do disposto no artigo 486.º, n.º 5, do CPC, prorrogação do prazo para apresentar a sua contestação “por um período não inferior a 20 dias”.
f) A prorrogação do prazo foi deferida pelo despacho do Juiz a quo, de fls. 72, datado de 07 de Novembro de 2005, e notificado à ilustre mandatária do Recorrido, no dia 08 de Novembro de 2005.
g) O Recorrido apresentou a contestação (com pedido reconvencional), no dia 28 de novembro de 2005, via fax, e em suporte papel, no dia 02 de dezembro de 2005, sendo desta ultima notificada a Recorrente em 05 de dezembro de 2005.
h) A que a Recorrente respondeu, apresentando em 19 de dezembro de 2005, contestação ao pedido reconvencional, invocando nesta a exceção da extemporaneidade da contestação,
i) Exceção novamente invocada pela Recorrente na resposta datada de 26 de janeiro de 2006 à Treplica do Recorrido, datada de 16.01.2006, quando este invoca, pela primeira vez, a autorização de concessão da prorrogação do prazo da contestação através daquele despacho de fls. 72, e arguida, então, pela Recorrente, a nulidade deste despacho judicial.
j) O Despacho de fls. 72 nunca foi notificado à Recorrente.
k) Através do despacho de fls. 169/172, datado de 10 de Outubro de 2006, o Juiz a quo desconsiderou a arguida nulidade do despacho de fls. 72, considerando, assim, tempestiva a contestação oferecida pelo Recorrido.
l) A este despacho de fls. 169/172 (e de igual modo ao despacho de fls. 72), do Juiz a quo, opôs-se a Recorrente, através de recurso, de Agravo, destes Despachos, para o Tribunal Central Administrativo do Norte (doravante, TCAN), pugnando, neste recurso, pela nulidade do despacho de fls. 72, por violação do disposto nos artigos 486.º, nºs 1 e 5 e 145.º, nº 3, ambos do CPC, em vigor à data dos fatos.
m) E reclamou para o mesmo TCAN, por requerimento datado de 05.02.2007, do Despacho do mesmo Juiz a quo, de fls. 202/204, datado de 21 de janeiro de 2007, que não admitiu o recurso interposto quanto ao despacho de fls. 72 por entender, como alegou, que a norma do artigo 486.º, nº 6, do CPC, apenas impede o Tribunal Superior de se pronunciar sobre o teor da decisão – discricionária – de deferir ou indeferir a prorrogação requerida, mas já não o impede, em sede de recurso, de apreciar a legalidade da decisão, no que diz respeito ao cumprimento/não cumprimento dos pressupostos impostos por Lei para a sua prolação.
n) Sobre este Recurso de Agravo e Reclamação apresentados, pronunciou-se o TCAN, por decisões de 14 de junho de 2007 e 14 de maio de 2007, respetivamente, decidindo, em ambos que “a impugnação da decisão judicial em crise apenas poderá ser feita nos termos do regime processual previsto no nº 5 do art. 142.º do CPTA, ou seja, tal decisão só passível de recurso jurisdicional no âmbito do recurso que vier a ser interposto da decisão final”.
o) A decisão final/Sentença, em crise, está datada de 07.06.2017 e foi notificada à Recorrente 19 de junho de 2017. É, pois, este o momento da impugnação destes despachos interlocutórios e expostas as razões da sua impugnação.
Importa referir,
p) Que à data da prolação dos Despachos em crise (de fls. 72 e 169/172), o regime de recurso do Código de Processo Civil em vigor era o de 1961, com as alterações aprovadas pelo DL. n.º 38/2003, de 8 de Março (doravante CPC1961).
q) E que as normas do CPC referentes a recursos eram ao tempo (e ainda são), de aplicação subsidiária aos processos dos Tribunais Administrativos nos termos do disposto nos artigos 1.º e 140.º do CPTA2002, de acordo com os quais: (artigo 1.º) - “O processo nos tribunais administrativos rege-se pela presente lei, pelo Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e, supletivamente, pelo disposto na lei de processo civil, com as necessárias adaptações”. E, (artigo 140.º) - “Os recursos ordinários das decisões jurisdicionais proferidas pelos tribunais administrativos regem-se pelo disposto na lei processual civil, com as necessárias adaptações, e são processados como os recursos de agravo, sem prejuízo do estabelecido na presente lei e no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais”.
r) O Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado pela Lei nº 15/2002, de 22 de Fevereiro (CPTA), introduziu, à data, um regime unitário de recursos nos processos dos Tribunais Administrativos, designadamente através do nº 5 do art.º 142.º, segundo o qual “as decisões proferidas em despachos interlocutórios devem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final…”. Regra que apenas é afastada nos casos de subida imediata, previstos no CPC, que não é caso dos autos.
s) Neste mesmo sentido, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes
Cadilha in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, 2005, 1ª Edição, pág. 707: “O nº 5 [do art.º 142.º do CPTA] estabelece uma regra especial no tocante ao regime de subida e à tramitação dos recursos dos despachos interlocutórios. Estes são impugnados no recurso que venha a ser interposto da decisão final, exceto nos casos em que o recurso deva subir imediatamente, segundo o regime do CPC”.
t) E a mais diversa jurisprudência. Desde logo, o Acórdão do STA de 18/01/2012, Proc. 0574/10, in, www.dgsi.pt, que sumariamente enuncia que “ I – O nº 5 do artigo 142º. do CPTA estabelece uma regra especial quanto ao regime de subida e tramitação do recurso dos despachos interlocutórios no contencioso administrativo, por força da qual estes despachos são impugnáveis no recurso único a interpor da decisão final, só assim não sendo nos casos em que esse recurso deva subir imediatamente segundo o regime do Código de Processo Civil”.
u) Este recurso, da Sentença e dos Despacho Interlocutórios (agora em apreciação), obedece, presentemente, ao regime processual que decorre do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de junho (doravante NCPC), como resulta do artigo 7.º do respetivo diploma preambular, passando os recursos a serem interpostos da decisão final (regra geral de impugnação de recurso hoje prevista no art.º 644.º, nºs 1,2 e 3 do NCPC, bem como no nº 5 do referido artigo 142.º do CPTA), sem esquecer que os recursos das decisões jurisdicionais proferidas pelos Tribunais Administrativos se regem pelo disposto na lei processual civil, como prescreve o art.º 140.º do CPTA.
v) Recurso, agora, necessariamente reportado ao de Apelação, em resultado da reforma dos recursos em processo civil, introduzida pelo DL nº 303/2007, de 24 de agosto, que eliminou o recurso de Agravo e revogou todas as normas que lhe eram respeitantes.
w) Daí, repete-se, ser este o momento, também, de impugnação destes Despachos sindicados, claramente ilegais na modesta opinião da Recorrente, como se pretende demonstrar e cuja decisão final – se assim for decidido - faz com que a contestação/reconvenção do Recorrido seja intempestiva/extemporânea e resulta na extinção do direito do Réu de contestar e de reconvir, nos termos então previstos nos arts. 145º, nº 3, 486º, nº 1, e 501º, nº 1, do CPC1961 (equivalentes aos atuais arts. 139º, nº 3, 569º, nº 1, e 583º, nº 1, do NCPC), extraindo daí, o efeito da revelia do Réu, julgando-se a ação como se o Réu não tivesse contestado (art.º 484.º nº 1 do CPC, ex vi do art.º 1º; nº 1 do art.º 35º e nº 1 do art.º 42º do CPTA).
Da nulidade destes despachos:
x) Dispunha o art.º 145.º, nº 3 do CPC1961 (equivalente ao atual art. 139.º NCPC) que "O decurso do prazo peremptório extingue o direito de praticar o acto", permitindo o nº 5 desse mesmo artigo, a prática do ato "dentro dos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo".
y) Por sua vez, o art.º 486.º, nº 5, do mesmo CPC1961 permite ao Juiz, a requerimento da parte e em circunstâncias muito especiais "prorrogar o prazo da contestação, até ao limite máximo de 30 dias". Ora,
z) Conjugando estas duas normas, tem que se concluir que a Lei distingue duas
situações: O prazo e os dias subsequentes ao termo do prazo.
aa) No caso dos autos, o "prazo" perentório para o Recorrido apresentar a contestação, terminou no dia 3 de Novembro de 2005. Findo este prazo, poderia ainda o Recorrido praticar o ato – a contestação - mediante pagamento de multa, nos três dias úteis posteriores. Todavia, estes três dias, também conhecidos como período de multa, já não fazem parte do “prazo”, não se confundem nem acrescem ao prazo,
bb) Constituindo uma faculdade que a lei concede às partes para a prática do ato,
depois de decorrido o prazo, mas não para qualquer outro requerimento, designadamente, para prorrogação do prazo.
cc) Que a Recorrida, abusando desta pretensa possibilidade, utiliza este período de multa por duas vezes: Uma quando requereu a prorrogação do prazo para contestar (em 04.11.2005, quando o prazo tinha terminado no dia anterior) e outra vez, quando entregou a contestação, em 28.11.2005, via fax e 02.12.2005, em papel, e o prazo, mesmo com prorrogação, tinha terminado em 23.11.2005.
dd) E sem que o Recorrido tenha pago, em qualquer das situações, a multa(s) devida(s).
Verdade,
ee) O art.º 486.º nº 5 do CPC1961 permitia (e também, agora, o permite o artigo 569.º do NCPC), prorrogar o prazo da contestação, determinando o nº 6 deste mesmo artigo, que a apresentação do requerimento de prorrogação, não suspende o prazo em curso.
ff) Todavia, o único sentido interpretativo do vocábulo “prorrogação” é que este pressupõe que o prazo está em curso, não tendo terminado. Prorroga-lo é, tão-somente, acrescentá-lo no preciso momento em que antecede aquele em que se completa. E,
gg) Logicamente, só é possível prorrogar o que ainda existe. Ou, “à contrário”, não se pode prorrogar, o que já terminou.
hh) Como, aliás, neste mesmo sentido, o referem, ANTÓNIO MONTALVÃO MACHADO e PAULO PIMENTA, in “O Novo Processo Civil”, 2ª ed., Almedina, pág. 176: "o requerimento tendente à prorrogação tem que ser apresentado em tempo, isto é, antes de terminar o prazo inicialmente fixado na lei para a contestação";
ii) Também, JOSÉ LEBRE FREITAS, no “Código de Processo Civil”, anotado, em comentário ao artigo 147º do CPC “a prorrogação do prazo processual legal só pode ter lugar uma vez e por período igual ao da sua duração inicial. O acordo deve ter lugar antes de decorrido o prazo inicial, uma vez que a consequência deste decurso é a extinção do direito a praticar o acto (art. 145-3)”.E, assim,
jj) Tendo o prazo dos autos, para contestação, terminado no dia 3 de Novembro de 2005, no dia 4 de Novembro (data em que o Recorrido solicitou a prorrogação) já não havia prazo para prorrogar.
Desta forma,
kk) Ao deferir a prorrogação solicitada, o despacho de fls. 72 é nulo por violação do art.º 486.º, nº 1 e 5 e do art.º 145.º nº 3, ambos do CPC1961 (equivalentes aos atuais arts. 569.º, nº 1 e 5 e 139.º, nº 3 do NCPC), logo revogado, como revogado, por maioria de razão e com a mesma argumentação legal, o despacho de fls. 169/172 e, em consequência de tudo isto, declarada extemporânea a contestação/reconvenção, por ser ilícita a prorrogação deferida pelo despacho de fls. 72.
Ainda,
ll) E em oposição ao despacho do Juiz a quo que considerou ser o despacho de fls 72 irrecorrível, por força do disposto no artigo 486º, do CPC1961, é entendimento da Recorrente, e da maioria da doutrina e jurisprudência que o que não pode ser objeto de recurso é a decisão - discricionária - do Juiz quando defere ou indefere a prorrogação. Já não assim quando, como defende Carlos Francisco de Oliveira Lopes do Rego, in “Comentários ao Código de Processo Civil”, Almedina, pág. 326, estão em causa situações “em que o juiz, de forma anómala, exceda os limites da discricionariedade", e decide em violação de normas legais imperativas.
mm) Devendo ser admitida a impugnação de tais despacho quando o Juiz decida sem que estejam reunidos os pressupostos legais ou decida em manifesta violação de normas legais imperativas.
nn) Como sucede no caso dos autos, conforme foi decidido pelo Presidente do TCAN, na Reclamação apresentada quanto à não admissão do recurso do despacho de fls. 72, quando a este título refere “Como não há actos totalmente discricionários, tem que se entender que os momentos vinculados dos actos discricionários são susceptíveis de recurso. Por isso a exclusão do direito de recurso prevista no nº 6 do art. 486º, não se deve aplicar nas situações que é a prorrogação surge como um poder-dever (como se tem
defendido relativamente ao caso previsto no nº 4), nem nos actos anómalos em que se excede os limites do poder discricionários, como será o caso, por exemplo, de se deferir uma prorrogação por prazo superior a 30 dias”.
Donde,
oo) E em face de todo o exposto, ao não considerar extemporânea a contestação (e ao não revogar o despacho de fls. 72, que é nulo e assim definitivamente importa declarar), como se exigia, o despacho de fls. 169/172 violou, também e desde logo, o disposto nos arts. 486.º, nos 1 e 5, e 145.º, nº 3, ambos do CPC1961.
pp) Com todas as legais consequências que daí resultam: A confissão da totalidade dos fatos alegados pelo Recorrente na sua PI (nomeadamente os fatos vertidos no artigo 7º, que a Sentença recorrida deu como fatos assentes), conforme resulta claro do nº 1 do artigo 484º do CPC1961, aqui aplicado ex vi do nº 1 do artigo 35º e nº 1 do artigo 42.º, ambos do CPTA2002.
qq) Neste mesmo sentido, que tem que ser único, decidiu o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 21/03/2013, Proc. 08699/12, in www.dgsi.pt: “ I. Em acção administrativa comum, não contestada pelo réu, em que se mostram alegados os factos relativos à realização de trabalhos de empreitada, à emissão das facturas correspondentes, à data de emissão e de vencimento em relação a cada uma das facturas, ao seu envio para o empreiteiro para pagamento e à sua falta de pagamento, estão alegados os factos essenciais à procedência do pedido. II. Considerando o efeito da revelia, decorrente da falta de contestação, de se considerarem confessados os factos articulados pelo autor, previsto no nº 1 do artº 484º do CPC e nº 1 do artº 35º do CPTA, impõe-se a condenação do réu no pedido”.
Ainda, da tempestividade deste recurso,
rr) A Recorrente não foi notificada do despacho de fls. 72 aquando da sua prolação, nem posteriormente. A Recorrente tomou conhecimento que havia sido requerida a prorrogação do prazo para contestar e que tal prorrogação fora deferida pelo despacho de fls. 72, quando foi notificada da Tréplica da Recorrida, em 16.01.2006, não lhe sendo exigível o seu conhecimento em data anterior,
ss) Pelo que, só a partir desta data (16.01.2006) começou a contar o prazo para arguir a nulidade do despacho de fls. 72, prazo que a Recorrente respeitou, não sendo, por isso, extemporânea a sua arguição.
tt) Até porque, apesar de não conhecer aquele despacho de fls. 72, na Réplica que apresentou, à contestação/reconvenção, a Recorrente arguiu desde logo a exceção da extemporaneidade da contestação, com todas as legais consequências, face à data do carimbo de entrada no Tribunal (2.12.2005).
uu) Assim, ao decidir de forma diferente, o despacho de fls. 169/172 violou, ainda, o disposto no art.º 205.º, nº 1, do CPC, pelo que também a este título deve ser revogado.
Quanto ao Recurso da Sentença e o Direito:
vv) É nula a Sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (Cfr. al. d) do nº 1 do artigo 615º do NCPC.
ww) É na sentença que o Juiz deve pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (no caso dos autos, a invocada extemporaneidade da contestação/reconvenção) – Cfr. 1ª parte, al. d), nº 1, art.º 615.º NCPC.
xx) Do mesmo modo, que o Juiz não deverá conhecer de questões que não podia tomar conhecimento (no caso dos autos, em caso de extemporaneidade da contestação/reconvenção: A prescrição invocada na contestação/reconvenção, atento o vertido no artigo 303º do CC) – Cfr. 2ª parte, al. d), nº 1, art. 615.º NCPC.
yy) Em obediência a estas disposições legais, a Meritíssima juíza do Tribunal a quo deveria, previamente à prolação da sentença que proferiu, apreciar a tempestividade da contestação do Recorrido, decidindo nesta, se a mesma é ou não extemporânea, retirando da sua decisão as devidas consequências.
zz) Ora, a exceção da prescrição não é do conhecimento oficioso. “O Tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita para ser eficaz, de ser invocada…”, diz o Art.º 303º do CC.
aaa) Ou seja, a prescrição tem que ser invocada por aquele a quem aproveita, com clara identificação do direito subjacente e da quantificação do mesmo, mas deixará de estar invocada se for declarada – como é de direito, in casu – a extemporaneidade da contestação apresentada pelo Recorrido.
bbb) E se fosse decidido nesta Sentença, como teria que ser (mas não foi), que a contestação/reconvenção é extemporânea, teria a mesma que ser desentranhada dos autos, como se não tivesse sido apresentada, com a consequência da revelia do Réu, atento o disposto no artigo 484.º, nº 1 do CPC, ex vi dos referidos artigos 1.º, 35.º e 42.º do CPTA2002 (confessados os fatos articulados pela Recorrente),
ccc) Até pela circunstância da Recorrente ter feito prova do que peticionou, quer
através das razões que invocou na PI, quer através do conteúdo dos documentos aí juntos (nomeadamente, notas de débito e faturas, docs 1 a 19), estando assim devidamente fundamentado o pedido da Recorrente, que a Sentença em crise corroborou ao decidir tais fatos como “factos Assentes”.
Desta feita,
ddd) A Sentença, ao não apreciar esta situação, nos termos que vem expostos, violou o disposto na alínea d) do mesmo nº 1 do já invocado preceito (artigo 615º do NCPC), sendo por tal fato, NULA.
Também,
eee) Da sentença recorrida extrai-se, como “Factos Assentes”, o seguinte: “As obras relativas ao “pavilhão gimnodesportivo de (...); “Bairro Social de (...) – (...)”; “construção de 26 fogos de habitação social do bairro da Vila – (...)” e “construção de 15 fogos de habitação social, (...) – (...)” foram executadas pela Autora de acordo com o que tinha sido convencionado – Facto não controvertido”;
fff) “O réu ainda que tardiamente liquidou diversas faturas, encontrando-se ainda por pagar diversas notas de débito que a seguir se discriminam …” (os documentos 1 a 19 juntos à PI, anotação nossa). E ainda,
ggg) “Relativamente à obra de “construção da Piscina Ribeirinha, (...), (...)”, o Réu não pagou à autora os seguintes valores: € 9.477,16 resultante de auto de trabalhos final que não foi assinado; € 17.457,93 resultante do auto de trabalhos a mais …”.
hhh) In casu, e pelos “Factos Assentes” atrás vertidos, a Recorrente logrou provar a quase totalidade dos factos para fundamentar a sua pretensão, ainda que a sentença, na “subsunção jurídica da factualidade apurada”, tenha concluído de forma bem diferente.
iii) Desde logo, quanto ao instituto da Prescrição: Como dispõe a douta Sentença, neste ítem, “a prescrição é uma exceção peremptória que determina a extinção do efeito jurídico em relação aos fatos articulados pelo autor … que a proceder importa a absolvição do Réu do pedido” e “A prescrição não é do conhecimento oficioso, antes carece, para ser eficaz, de ser invocado por aquele a quem aproveita …”
jjj) O que por si só demonstra que, a proceder a exceção da extemporaneidade da contestação, deixa de fazer qualquer sentido esta invocação, a sua análise e consequências jurídicas da mesma.
kkk) Mas ainda assim, importaria pelo menos verificar se, in casu, não houve interrupção da prescrição, nos termos previstos no artigo 325.º do mesmo CC, “… pelo reconhecimento do direito, efetuado perante o respetivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido”, determinando o nº 2 deste artigo que “o reconhecimento tácito só é relevante quando resulte de factos que inequivocamente o exprimam”.
lll) Reconhecimento do direito da Recorrente que é mais que evidente, face ao alegado no artigo 8º da PI, que o Recorrido não contestou e assim confirmou o aí invocado e, ainda, ao documento, declaração de divida (junto pela A., como doc. 1, na resposta à contestação/reconvenção), assinado pelo Presidente da Câmara do Recorrido e datado de 25.10.1994, também não impugnado, o que é bem demonstrativo da existência de fatos interruptivos da prescrição, para efeitos do disposto no artigo 325.º do CC.
Deste modo, também,
mmm) A Sentença recorrida incorreu, ainda, em erro de julgamento (de direito), por violação do disposto nos artigos 323.º e 325.º do CC, ao julgar procedente a exceção da prescrição, desconsiderando os demonstrados factos interruptivos da prescrição invocados: O reconhecimento do direito da Recorrente, por parte do Recorrido.
Finalmente,
nnn) E quanto à obra de “Construção da Piscina Ribeirinha, (...), (...)”, a Sentença recorrida, deu como assente que “o Réu não pagou à autora os seguintes valores: € 9.477,16 resultante de auto de trabalhos final que não foi assinado; € 17.457,93 resultante do auto de trabalhos a mais…”.
ooo) E mais adiante declarou sobre os valores reclamados pela Recorrente nesta obra, que de acordo com o disposto no art.º 342.º do CC, competia ao “Autor provar os fatos do direito que alega…”, sentenciando de seguida, que “… a Autora não demonstrou o facto constitutivo do seu direito, ou seja, a conclusão da obra, os trabalhos
realizados (normais e a mais), os trabalhos em falta e que os mesmos foram executados de acordo com o que tinha sido convencionado, daí que tenha de soçobrar a sua pretensão de pagamento os valores respeitantes ao auto de trabalhos finais no valor de € 9.477,16, auto de trabalhos a mais no valor de € 17.457,93 …”.
ppp) Todavia, assente na Sentença que o Recorrido não pagou à Recorrente (logo é seu devedor), o montante de € 9.477,16 e de € 17.457,93, irrelevante é, para o efeito, se foi ou não a Recorrente que concluiu a obra e se os trabalhos foram executados nos termos convencionados. Reconhecida esta dívida, na Sentença, no montante global de € 26.935,09, a mesma tem que ser paga pelo Recorrido.
qqq) E desta feita, porque os fundamentos estão em oposição à decisão, a Sentença recorrida incorreu, ainda, em nulidade, por violação do disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 615º do NCPC.
rrr) Por tudo o que vem referido, os doutos despachos interlocutórios, violaram, entre outras disposições legais, o disposto nos artigos 145.º nº1; 205.º, nº 1; 484.º, nº 1 (ex vi art. 1.º; 35.º e 42.º do CPTA2002); 485.º e 486.º, nºs 1,5 e 6, todos do CPC e a douta Sentença recorrida violou, também, quer os referidos artigos 484.º, nº 1 e 485.º do CPC; os artigos 303.º; 323.º; 325.º e 342.º do CC, para além do disposto nas alíneas c) e d) do nº 1 do artigo 615.º do NCPC.
TERMOS EM QUE,
E nos melhores de direito, deve o presente recurso ser admitido, considerado procedente e, por tal:
a) Ser decretados nulos os Despachos interlocutórios de fls. 72 e 169/172. E, sempre,
b) Revogada a Sentença recorrida, julgando-se, em conformidade, a ação procedente, com todas as legais consequências.

O Recorrida contra-alegou defendendo o não provimento do recurso.

O Ministério Público junto deste TCA não emitiu parecer.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II – Objeto do recurso

As questões suscitadas pela Recorrente, nos limites das conclusões das alegações apresentadas a partir da respectiva motivação (cfr. artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, todos do CPC de 2013, ex vi artigo 140º do CPTA) consistem em saber se as decisões recorridas (despacho judicial de 07.01.2005, a fls. 72, que autorizou a prorrogação do prazo para contestação; despacho de 10.10.2006, de fls. 169/172, que considerou tempestiva a contestação apresentada pelo Réu) padecem de erro de julgamento e se a sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia (por não ter apreciado da invocada extemporaneidade da contestação/reconvenção e tirado daí as necessárias consequências) por excesso de pronúncia (por ter conhecido da exceção da prescrição), de erro de julgamento quanto à verificação da exceção da prescrição. E, por último, de nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão.


III – Fundamentação de Facto

Dá-se por reproduzida a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 663º, n.º 6, do CPC.


IV – Fundamentação de Direito

Na origem deste recurso estão os dois despachos interlocutórios, de 07.11.2005 (de fls. 72 dos autos em suporte papel) e de 10.10.2006 (de fls.169/172 dos autos em suporte papel), que, respectivamente, deferiram o pedido de prorrogação do prazo para o Réu contestar e consideram tempestiva a contestação que este apresentou.
Em face do regime unitário dos recursos, tal como foi acolhido pelo artigo 142º nº 5 do CPTA, a regra é a de que a impugnação dos despachos interlocutórios proferidos no processo se faz com o recurso interposto da decisão final (vide, a este respeito, entre outros, o Acórdão do STA de 18/01/2012, Proc. 0574/10, in, www.dgsi.pt/jsta bem como os Acórdãos do TCA Sul de 27/07/2005, Proc. 00916/05; de 29/11/2007, Proc. 03134/07; de 05/03/2009, Proc. 03480/08; de 15/04/2010, Proc. 05959/10; de 29/04/2010, Proc. 02494/07; de 09/07/2015, Proc. nº 09448/12; de 19/12/2017, Proc. nº 236/14.7BELSB-A, disponíveis in, www.dgsi.pt/jtca, e os acórdãos deste TCA Norte de 13/06/2014, Proc. nº 0352/11.6BEPRT e de 07/04/2017, Proc. nº 02587/15.4BEBRG-A, disponíveis in, www.dgsi.pt/jtcna).

Apreciemos então os despachos judiciais de 07.01.2005, de fls. 72, e de 10.10.2006, de fls. 169/172, que, respectivamente, autorizaram a prorrogação do prazo para a contestação e consideraram tempestiva a contestação apresentada pelo Município Réu:

Importa, antes de mais, ter presente a seguinte factualidade (a qual se enunciará, pontuada, aqui e ali, por alguns juízos conclusivos, assinalados a sublinhado, para melhor permitir apreender a situação controvertida):

1. O Município Réu foi citado para contestar a presente ação, por carta registada com aviso de receção, no dia 29 de setembro de 2005, para, no prazo de 30 dias, acrescido da dilação de 5 dias, contestar a ação (cfr. fls. 68 dos autos em suporte papel). Esse prazo terminaria no dia 03 de Novembro de 2005.

2. Por fax datado de 04 de Novembro de 2005 – primeiro dia após o término do prazo - o Município Réu requereu, ao abrigo do disposto no artigo 486.º, nº 5, do CPC, a prorrogação do prazo para apresentar a sua contestação “por um período não inferior a 20 dias” com os seguintes fundamentos:
a) Terem tido lugar, recentemente, as eleições autárquicas (09.10.2005);
b) A tomada de posse ter tido lugar em 28.10.2005
c) A notificação para contestar… apenas ter sido entregue… no passado dia 31.

3. Este pedido de prorrogação de prazo foi deferido por despacho do juiz a quo, de 07 de Novembro de 2005, do seguinte teor: Atendendo aos motivos invocados, vai o pedido deferido, concedendo-se a prorrogação do prazo da contestação por 20 dias, nos termos do n.º 5 do artigo 486º do CPC” (cfr. despacho de fls. 72), tendo sido enviada carta destinada a notificar a mandatária do Município deste despacho, no dia 08 de Novembro de 2005.

4. O Município apresentou a sua contestação (com pedido reconvencional), no dia 28 de novembro de 2005, via fax, e em suporte papel, no dia 02 de dezembro de 2005, tendo sido notificada à A. por ofício de 05 de dezembro de 2005. Em nenhum destes documentos foi feita referência ao despacho referido em 3. (cfr. fls. 96 e sgts. 114 dos autos em suporte papel).

5. Em 19 de dezembro de 2005, a A. apresentou réplica e contestação ao pedido reconvencional, invocando, aí, a exceção da extemporaneidade da contestação, exceção que foi novamente suscitada na resposta apresentada em tribunal em 26 de janeiro de 2006 (à tréplica do Município - notificada à A. em 19.01.2006 - quando este invoca, pela primeira vez, a autorização de concessão da prorrogação do prazo da contestação através daquele despacho de fls. 72) – cfr. fls 126 e sgts. e 140 e sgts.

7. O despacho de fls. 72 que deferiu o pedido de prorrogação do prazo para contestar nunca foi notificado à A..

8. Através do despacho de fls. 169/172, datado de 10 de outubro de 2006, o juiz a quo desconsiderou a arguida nulidade do despacho de fls. 72, invocada pela A. considerando tempestiva a contestação oferecida pelo Município.
Verteu este despacho, o seguinte entendimento:
“ O Réu pediu a prorrogação do prazo da contestação por faz remetido ao tribunal no dia 4 de novembro de 2005, isto é, ainda dentro do prazo suplementar de três dias em que podia apresentar a contestação, com pagamento de multa, ao abrigo do artigo 145º do CPC (cfr. fls. 69 a 70).
O mencionado prazo suplementar de três dias ainda faz parte do prazo para apresentação da contestação, embora a sua efectiva integração neste último prazo esteja dependente do pagamento de multa. Daí que nos meios judiciais se entre sempre em consideração com ele na contagem dos prazos processuais.
Ora, quando o réu pediu a prorrogação, estava ainda em tempo de apresentar a contestação, posto que sob a condição de pagar a competente multa.
Sendo assim, entende-se que o despacho em crise não é nulo.
Mas mesmo que o fosse, estaria sanada a nulidade, em virtude de não ter sido arguida pela autora no primeiro ato em que interveio depois de cometida a suposta nulidade, ou seja, na réplica (artigo 205º, n.º 1, do CPC).
Por este conjunto de razões, julgo improcedente a arguição da nulidade e, em consequência, indefiro o requerimento em apreço.”

A Recorrente insurge-se quanto ao decidido em ambos os despachos.

Quanto ao primeiro porque deferiu o pedido de prorrogação para apresentar a contestação, formulado pelo Município, por fax, no dia 4 de novembro de 2005, quando o prazo para apresentação da contestação já havia terminado (no dia 3 de novembro de 2005), em violação do disposto nos artigos 486º, n.º s 1 e 5 e 145º, n.º 3, ambos do CPC1961, em vigor à data dos factos.

E tem razão.
Dispunha o art. 145.º, nº 3, do CPC1961 (equivalente ao atual art. 139.º CPC2013) aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA, que "O decurso do prazo peremptório extingue o direito de praticar o acto". Não obstante, o nº 5 desse mesmo artigo permitir a prática do ato "dentro dos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo"
Por sua vez, o art. 486.º, nº 5, do mesmo CPC1961 permite ao Juiz, a requerimento da parte e em circunstâncias muito especiais "prorrogar o prazo da contestação, até ao limite máximo de 30 dias, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa..".
Conjugando estas duas normas, tem que se concluir que a lei distingue duas situações: o prazo e os dias subsequentes ao termo do prazo.
No caso dos autos, o "prazo" (que é perentório) para o Réu apresentar a contestação era de 30 dias e terminou, com a dilação, em 3 de Novembro de 2005.
Findo este prazo, poderia ainda o R. praticar o ato – a contestação - mediante pagamento de multa, nos três dias úteis posteriores. Mas, ao contrário do que se diz no despacho recorrido, de fls. 169/172, estes três dias não fazem já parte do prazo, como claramente decorre da letra da Lei. O prazo, esse, já estava esgotado desde o dia 3 de Novembro de 2005.
Entende este despacho de fls. 169/172, que estes três dias integram ainda o prazo, por nesse período (dito período de multa) ser ainda possível praticar o ato.
Erradamente.
A prática do ato no período de multa só é possível porque a lei expressamente o permite, como exceção à regra geral do prazo.
Assim o prazo para praticar o ato não se pode confundir com o período de multa, que não pode acrescer ou fazer parte daquele, ainda que após o pagamento de multa.
O ato só pode ser praticado, com multa, nos dias subsequentes ao termo do prazo. Da formulação legal “... pode o ato ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo…” não pode o intérprete inferir que estes três dias acrescem ou prorrogam o prazo, sob pena de fazer uma leitura contra legem.
O pagamento da multa é condição de validade da prática de um ato depois de findo o prazo legal e não condição de acréscimo do prazo.
Este período de multa pode ser utilizado pela parte apenas para a prática definitiva do ato e não para qualquer outro requerimento com ele conexo, designadamente para requerer a prorrogação do prazo.
Neste mesmo sentido vem decidindo a jurisprudência. A título de exemplo se indica, a seguinte:
- O Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão de 11.07.2012, Proc. nº 0577, in www.dgsi.pt: “III – O requerimento de prorrogação de prazo deve ser requerido dentro do prazo de 10 dias para contestar a oposição, (pois apenas pode ser prorrogado um prazo que ainda não tenha expirado), e o mesmo requerimento não suspende o mesmo prazo em curso, como expressamente resulta do nº 6 do artº 486º do CPC, subsidiariamente aplicável”;
- O Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 27.11.2008, Proc. nº 08B2372, in www.dgsi.pt: “O justo impedimento só pode ser invocado em situações em que ainda não tenha decorrido o prazo peremptório estabelecido na lei para a prática do acto processual, não o podendo ser no período temporal adicional de três dias úteis, estabelecido no n.º 5 do art. 145º do Cód. Proc. Civil”;
- O Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão de 19.05.2014, Proc. nº 1200/13, in www.dgsi.pt: “A figura do justo impedimento só é invocável no âmbito do prazo que se encontrava a decorrer para a prática de acto processual e não no prazo dos três dias úteis a que se reporta o nº 5 do artigo 145º do Cód. Proc. Civil”;
- O Tribunal da Relação do Porto, no Acórdão de 21.05.2001, Proc. nº 0051217, in www.dgsi.pt: “a faculdade prevista no artigo 145º, nº 5, do CPC, não acresce ao prazo a que se refere o pedido de prorrogação para contestar prevista no artigo 486º, nºs 4 e 5 do CPC, uma vez que aquela faculdade só pode ser usada com vista à prática definitiva do acto (no caso, a apresentação da contestação), ou seja, uma só vez”;
- O Tribunal da Relação do Porto, no Acórdão de 20.12.2004, Proc. nº 0455970, in www.dgsi.pt: “… a partir do significado intrínseco do vocábulo “prorrogação”. Este supõe que o prazo está em curso, não tendo terminado e prorrogá-lo é, tão-só, acrescentá-lo no preciso momento que antecede aquele em que se completa…”;
O Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão de 31.05.1974, publicado no BMJ, 237º-296 “Não pode ser prorrogado ou concedido um prazo se a parte deixou findar o prazo concedido pelo juiz sem requerer a respectiva prorrogação”.

Ora, tendo o prazo terminado no dia 3 de Novembro de 2005, no dia 4 de Novembro (data em que o Réu pediu a prorrogação do prazo para contestar) já não havia prazo para prorrogar.
Desta forma, ao deferir a prorrogação requerida, o despacho de fls. 72 violou o art.º 486.º, n.ºs 1 e 5 e o art.º 145.º n.º 3, ambos do CPC1961 (equivalentes aos atuais arts. 569.º, n.º s 1 e 5 e 139.º, n.º 3 do CPC), aplicáveis ex vi do artigo 1º do CPTA, pelo que terá o mesmo que ser anulado.
Em desabono desta posição, não é invocável o disposto no art.º 486º n.º 6, do CPC1961.
Pois, como foi decidido pelo Presidente deste TCAN, em 14.05.2007, na Reclamação apresentada quanto à não admissão do recurso do despacho de fls. 72:
“O nº 6 do artigo 486º do CPC, aplicável ao processo administrativo por remissão do artigo 1º do CPTA, diz expressamente que o juiz decide o pedido de prorrogação do prazo de apresentação da contestação “sem possibilidade de recurso”(…) Como não há actos totalmente discricionários, tem que se entender que os momentos vinculados dos actos discricionários são susceptíveis de recurso. Por isso a exclusão do direito de recurso prevista no nº 6 do art.º 486º, não se deve aplicar nas situações em que a prorrogação surge como um poder-dever (como se tem defendido relativamente ao caso previsto no nº 4), nem nos actos anómalos em que se excede os limites do poder discricionários, como será o caso, por exemplo, de se deferir uma prorrogação por prazo superior a 30 dias. No caso concreto, embora o problema tenha que ser discutido no âmbito do eventual recurso, à primeira vista também se está perante um caso de excesso do uso do poder discricionário. O réu foi citado em 29/9/05, data da assinatura do aviso de recepção da notificação (cfr. fls 15); com a dilação de 5 dias, o prazo de 30 dias para contestar terminou em 3/11/2005; em 4/11/05 foi pedida a prorrogação do prazo; e por despacho de 7/11/05 o prazo foi prorrogado. Ou seja, quando foi apresentado o pedido de prorrogação do prazo de apresentação da contestação o mesmo já havia caducado. E nem se diga que ainda havia a faculdade prevista no nº 5 do artigo 145º do CPC, porque a dilação com multa não acresce ao prazo a que se refere o pedido de prorrogação para contestar, uma vez que aquela faculdade só pode ser usada com vista à prática definitiva do acto (no caso a apresentação da contestação), ou seja, uma única vez (cfr. Ac. da RP de 21/5/2001, rec. nº 005127, www.dgsi.pt). Portanto, a prorrogação de um prazo já caduco é um acto que pode ofender os direitos processuais das partes, e como tal é susceptível de recurso”.
Também o despacho de 10.10.2006, de fls. 169/172, ao não ter julgado extemporânea a contestação e ordenando o seu desentranhamento, violou o disposto nos arts. 486.º, n.ºs 1 e 5, e 145.º, nº 3, ambos do CPC1961 (aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA).
Diz-se nesse despacho que a arguição da nulidade é extemporânea, por não ter ocorrido aquando da primeira intervenção da ora Recorrente nos autos depois de cometida nos termos exigidos pelo n.º 1 do artigo 205º do CPC 1961.
Erradamente.
A Recorrente nunca foi notificada do despacho de fls. 72
A Recorrente foi notificada da contestação do Município em 05.12.2005. Desta notificação, não resultava qualquer referência ao despacho de fls. 72. O mesmo ocorrendo na contestação aí junta. Só depois de notificada da tréplica da Recorrida, em 16.01.2006, a Recorrente tomou conhecimento que havia sido requerida pelo Réu a prorrogação do prazo para contestar e que tal prorrogação fora deferida pelo despacho de fls. 72. E só aí tomou, de facto, conhecimento da nulidade cometida. Nos termos do art. 205º, nº 1, do CPC 1961: “Quanto às outras nulidades, se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento me que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar; se não estiver, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificado para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência.”
Ora, quando apresentou a sua réplica (na resposta à reconvenção), a Recorrente não tinha ainda conhecimento do despacho de fls. 72, o qual só veio a conhecer depois. Contudo, apesar de não conhecer aquele despacho de fls. 72, na réplica que apresentou, a Recorrente arguiu logo a extemporaneidade da contestação. A Recorrente só teve conhecimento do despacho de fls. 72 com a notificação que lhe foi feita da tréplica, e em resposta, voltou a arguir a extemporaneidade da contestação, requerendo ainda a revogação do despacho de fls. 72. Pelo que, não se vê que mais poderia ser devido à Autora no âmbito da arguição da nulidade em causa.
Sem embargo do que antecede, estando a nulidade em causa – a apresentação extemporânea da contestação - coberta pelo despacho judicial de fls. 72 que deferiu o pedido de prorrogação do prazo para contestar (do qual foi interposto recurso), a mesma não é susceptível de sanação.
Verifica-se, assim, a ilegalidade, quer do despacho de fls. 72, de 07.11.2005, que deferiu o pedido de prorrogação do prazo para contestar, quer do despacho de fls. 169/172 de 10.10.2006, que indeferiu a arguição de nulidade, pois viabilizaram a apresentação de uma contestação extemporânea.
Tenha-se presente que, fora das situações enunciadas nos artigos 186º a 195º do CPC “a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa” (cfr. artigo 195, nº 1, do CPC).
Ocorre, assim, nulidade processual, por ter sido praticado (embora a coberto de um despacho judicial) ato processual - a apresentação de contestação intempestiva- que influiu no exame e na decisão da causa determinante da anulação dos termos posteriores do processo, incluindo o despacho de 10.10.2006 e a sentença recorrida (cfr. artigo 195º, nº 2 do CPC).
A nulidade da sentença não é nulidade decisória, mas nulidade processual, por ter sido admitida a prática de ato (apresentação de contestação intempestiva) que não deveria ter sido praticado e que teve influência na decisão da causa.
Impõe-se, assim, anular o despacho de fls. 72 que concedeu a prorrogação de prazo para contestar, ordenar o desentranhamento da contestação (e a sua devolução ao Município Réu), e anular os termos subsequentes do processo, incluindo o despacho de 10.10.06 e a sentença recorrida, o que se declara e determina.

A presente declaração de extemporaneidade da contestação e reconvenção resulta na extinção do direito do Réu de contestar e de reconvir nos termos então previstos nos artigos 145º, n.º 3, 486, n.º 1 e 501, n.º 1 do CPC1961 extraindo-se daí o efeito da revelia do Réu pelo decurso do prazo perentório para a apresentação da contestação nos termos do artigo 484º, n.º 1 do CPC1961.
Alega a Recorrente que deve julgar-se a ação como se o Réu não tivesse contestado, considerando-se confessados os factos por esta articulados.
É certo que a revelia (operante) tem por efeito a confissão dos factos articulados pelo autor, tal como estabelecia a parte final do 484º, n.º 1 do CPC1961 e estabelece hoje o n.º 1 do artigo 567º do CPC 2013, sendo que este regime tem lugar quando o Réu, apesar de não contestar, tenha sido ou deva considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa, ou, pelo menos, haja juntado procuração a mandatário judicial, no prazo da contestação.
E que, nos termos legais gerais, não tendo o Réu contestado e considerando-se confessados os factos alegados pelo autor, restará apenas decidir a causa “conforme for de direito” (cfr. artigo 567º, n.º 2 in fine do CPC 2013).
Contudo, nos termos da alínea d) do artigo 485º do CPC 1961 e do artigo 568º do CPC 2013, a revelia não produz efeitos relativamente aos factos para prova dos quais se exija documento escrito.
Na presente ação, a Autora vem reclamar créditos emergentes de diversos contratos de empreitada de obras públicas, que celebrou com o Município Réu.
São eles os relativos à obra do “Pavilhão Gimnodesportivo de (...)”; à obra do “Bairro Social de (...) – (...)”, à obra de “Construção de 26 fogos de habitação social do Bairro da Vila – (...), à obra de “Construção de 15 fogos de habitação social, (…), (…) – (...)” e, por fim, à obra de “Construção da Piscina Ribeirinha, (...), (...)” (cfr, artigo 3º da petição inicial).
Alega a Autora, no artigo 4º da petição inicial, que tais obras lhe foram adjudicadas mediante prévio concurso e com respeito pelos formalismos do Decreto-Lei n.º 235/86, de 18 de agosto, ao tempo em vigor, e demais legislação aplicável.
Estabelecia o n.º 2 do artigo 48º do Decreto-Lei n.º 235/86, de 18 de agosto, (que continha, ao tempo, o regime jurídico das empreitadas de obras públicas), que: “O contrato será sempre reduzido a escrito, entendendo-se, quando a lei dispense todas as formalidades na sua celebração, que pode ser provado por documentos particulares”.
No caso, como resulta da alegação da Autora, os contratos foram precedidos de prévio concurso, pelo que não estamos perante um caso em que a lei dispense as formalidades da sua celebração.
E, se, por um lado, resulta do nº 2 do referido artigo 48º que os contratos de empreitada em causa nos autos devem ser reduzidos a escrito, por outro lado, o artigo 107º do Decreto-Lei n.º 235/86, de 18 de agosto, estabelece que se a obra for realizada por conta do Estado, outra entidade pública ou serviço dotado de autonomia administrativa e financeira, o contrato deve constar de documento autêntico exarado ou registado em livro próprio na sede dos serviços competentes, salvo quando haja dispensa expressa desta formalidade ou se trate de despesas provenientes de revisão de preços.
Não se pode, por isso, aplicar sem mais a norma processual que prevê que, na falta de contestação, se consideram confessados os factos articulados pelo autor, já que tal conduziria a um resultado contrário ao exigido pela lei substantiva (daí a ressalva da alínea d) do artigo 485º do CPC 1961 e do artigo 568º do CPC 2013).
Ora, a celebração dos contratos de empreitada de obra pública em causa nos autos, para a qual a lei impõe forma especial, bem como o clausulado dos mesmos, são factos essenciais para o julgamento da presente ação.
Assim, a falta de contestação, no caso concreto, implica a confissão de todos os factos articulados pela Autora, salvo daqueles que efectivamente careçam de prova documental para a sua demonstração.
Nestes termos, o efeito da revelia não é aqui, totalmente operante, não podendo dar-se por confessados, desde logo, os factos relativos aos diversos contratos de empreitada e seus termos.
Diga-se, ainda que, compulsados os autos, nestes apenas se encontra o contrato relativo à obra de “Construção da Piscina Ribeirinha, (...), (...)”, exarado sob a forma de escritura pública.
Tendo em conta que existe uma situação de revelia, mas que os efeitos da mesma não são plenos, por existirem factos essenciais que carecem de prova documental para a sua demonstração, importa pois que os autos regressem à fase de saneamento (cfr. n.º 2 do artigo 593º do CPC2013 ex vi da al. a) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 592º do mesmo Código, ex vi do artigo 1º do CPTA) para individualização dos factos que carecem de prova documental, consequente instrução e ulterior prolação de sentença.

Em face do decidido fica prejudicado o conhecimento das demais questões objeto do recurso.

V - Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Norte em:
Conceder provimento ao recurso, anular o despacho de 07.11.2005, que concedeu a prorrogação de prazo para o Réu contestar, ordenar o desentranhamento da contestação/reconvenção, e anular os termos subsequentes do processo, incluindo o despacho de 10.10.2006 e a sentença recorrida;
Determinar a baixa dos autos ao TAF de Penafiel para os ulteriores termos do processo, nos termos expostos.

Custas pelo Município Recorrido.

Registe e D.N.

Porto, 31 de janeiro de 2020.


Isabel Costa
João Beato
Helena Ribeiro