Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01450/08.0BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/31/2018
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Pedro Vergueiro
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO. IRS. EXCLUSÃO DA TRIBUTAÇÃO. HABITAÇÃO PRÓPRIA. HABITAÇÃO PERMANENTE.
Sumário:
I) Ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 662º do C. Proc. Civil, incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
II) Da letra do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS – que dispõe que “são excluídos de tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar” –, resulta a necessária simultaneidade da propriedade e da permanência da habitação na titularidade do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, não se referindo a lei a qualquer limite temporal mínimo para a observância de tais requisitos, mas exigindo a destinação do imóvel a esse fim.
III) O local da residência habitual do sujeito passivo, no exercício de 2004 (data da venda do imóvel que originou as mais valias impugnadas, sendo essa a data que releva para efeitos de reinvestimento - apenas poderá ser reinvestido se o imóvel de partida tiver como destino a habitação própria e permanente do sujeito passivo) é a casa de função atribuída pela Autoridade Florestal Nacional e utilizada pelo impugnante e respectivo agregado familiar, sendo que o mais apurado nos autos não contende com o facto de os Recorridos residirem na tal casa de função nos termos já apontados, pelo que, do ponto de vista do imóvel de «partida» - não sendo o imóvel do qual resultaram as mais-valias impugnadas a habitação própria e permanente do sujeito passivo não poderia beneficiar da exclusão de tributação prevista no art.º 10º n.º 5 do CIRS. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:MMC
Votação:Unanimidade
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Revogar a sentença recorrida
Julgar improcedente a impugnação
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
O Excelentíssimo Representante da Fazenda Pública, devidamente identificada nos autos, inconformado veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de V..., datada de 03-12-2014, que julgou procedente a pretensão deduzida na presente instância de IMPUGNAÇÃO por MMC e MFFMC relacionada com a liquidação de IRS n.º 200800000724606, do ano de 2004, no montante de € 22.540,05, sendo de IRS € 19.319,88 e de Juros Compensatórios € 1.571,03, após o indeferimento da reclamação graciosa apresentada nos termos do artigo 68.º e ss. do CPPT.
*
Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 130-146), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…)
a) Incide o presente recurso sobre a douta sentença que julgou procedente a impugnação apresentada nos autos, com a consequente anulação do ato de liquidação de IRS impugnado;
b) Levando em consideração que a decisão da matéria de facto em 1ª Instância se baseou, além do mais, em prova documental e testemunhal constante dos autos entende a Fazenda Pública que deverá ser julgada provada a seguinte matéria de facto que se reputa igualmente relevante para a decisão e que deve ser aditada ao probatório nos termos do art° 662, n°1, do C.P.C. (“ex vi” do art. 281º do C.P.P.T.):
I. Pelo menos até 2005 o agregado familiar do impugnante (impugnante, esposa e filhos) morava e dormia na casa de função em V… - cfr. depoimento transcrito da testemunha AM;
II. Os fins de semana eram passados na sua casa em São..... - cfr. depoimento transcrito das testemunhas AM e AQ;
III. Quando eram organizadas festas de aniversário ou de convívio mais familiar o local utilizado era a casa em São..... - cfr. depoimento transcrito da testemunha AM;
IV. Até 18-09-2008 o impugnante tinha como domicílio fiscal a seguinte morada Quinta S... Est de M..., 3500-000 V... - cfr. documentos de fls. 34, 35 e 67 a 72 do procedimento de reclamação graciosa anexa aos autos;
V. O domicílio fiscal aludido no ponto anterior corresponde à casa de função atribuída pela Autoridade Florestal Nacional ao impugnante MMC, desde 1994 - cfr. declaração constante de fls. 64 do procedimento de reclamação graciosa anexa aos autos;
VI. Em diversos documentos públicos o impugnante identificou o seu domicílio / residência como “Quinta S..., Estrada de M..., V...” - cfr. fls. 11, 14, 24 e 29 do procedimento de reclamação graciosa anexa aos autos;
VII. Os impugnantes são sócios da sociedade “CPBOE, Lda.”, cujo CAE consiste na “organização de feiras, congressos e outros eventos similares” - cfr. fls. 73 do procedimento de reclamação graciosa anexa aos autos;
VIII. A referida sociedade iniciou a atividade em 05-08-2005 e tem a sua sede na Rua D…, na localidade do P…, freguesia de B..., Concelho de São....., local onde exerce a atividade - cfr. fls. 74 e 75 do procedimento de reclamação graciosa anexa aos autos.
c) Com efeito, quer face à prova testemunhal quer face á prova documental que é confirmada pela análise dos elementos presentes nos autos, devia o Tribunal recorrido ter dado a predita factualidade como provada, pelo que, tendo o Tribunal recorrido omitido a pronúncia decisória que era devida quanto a esta factualidade, há que ampliar tal matéria, uma vez que os autos contêm os elementos probatórios necessários para o efeito - uma vez que tal matéria se afigura como fulcral para a decisão da causa de acordo com as diversas soluções plausíveis de direito;
d) O artigo 10.º, n.º 5, alínea a) do CIRS, consagra uma exclusão de incidência tributária relativa às mais-valias realizadas com a alienação onerosa de bens imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, assim favorecendo a propriedade do imóvel destinado a habitação permanente do sujeito passivo (ou do respetivo agregado familiar) sempre que, dentro de determinados prazos e condições, o valor de realização for reinvestido em imóvel destinado exclusivamente ao mesmo fim e situado no território nacional;
e) Desta forma, é inequívoco que para gozar desse benefício de exclusão de tributação, quer o imóvel “de partida” quer o imóvel de “de chegada” têm de ser destinados exclusivamente à habitação própria e permanente do sujeito passivo;
f) Nos presentes autos mostrou-se provado que o sujeito passivo, pelo menos até ao exercício de 2005, habitava, dormia, morava no imóvel do domicílio fiscal durante a semana com o respetivo agregado familiar;
g) Aliás, o próprio impugnante o assumiu, em diversos documentos públicos, ser tal morada o local da sua residência habitual, conforme se retira de fls. 11, 14, 24 e 29 do procedimento de reclamação graciosa anexa aos autos;
h) Resultou também provado que o sujeito passivo passava os fins de semana na sua casa em São....., que as festas de aniversário/convívios eram realizadas nessa casa de São....., que o impugnante era eleitor em São....., que foi membro da Assembleia Municipal desse concelho e que durante a semana e aos fins de semana o impugnante marido era visto em São...e em B..., participando na Direção de Clube de Caça sita na freguesia de C..., São.....;
i) Entende a Fazenda Pública que o local da residência habitual do sujeito passivo, no exercício de 2004 (data da venda do imóvel que originou as mais valias impugnadas, sendo essa a data que releva para efeitos de reinvestimento - apenas poderá ser reinvestido se o imóvel de partida tiver como destino a habitação própria e permanente do sujeito passivo) é a casa de função atribuída pela Autoridade Florestal Nacional e utilizada pelo impugnante e respetivo agregado familiar, sendo esse o escopo de qualquer casa de função - proporcionar habitação a determinados Funcionários do Estado;
j) O argumento de que o impugnante se deslocava durante a semana e aos fins de semanas a São....., de que era eleitor e eleito nesse município, de que dirigia determinado Clube de Caça sito nesse município, em nada contende com a residência na casa de função e que, entre outros, se podem justificar com razões familiares, com razões de afetividade, com razões relacionadas com a moradia que aí possuía, enfim, por motivos da mais diversa índole que para o caso irrelevam;
k) Não questiona a Fazenda Pública que o impugnante detinha determinada moradia em São....., que possivelmente a utilizaria com o respetivo agregado familiar, mormente aos fins de semana ou aquando de festividades, todavia sempre tal moradia seria utilizada a título secundário - a residência principal e habitual do sujeito passivo e respetivo agregado familiar era, em tal data e conforme resulta dos autos, a casa de função atribuída pelo Ministério da Agricultura;
l) Na moradia cuja venda está na origem das mais-valias impugnadas falha, quanto a nós, o requisito da permanência - admite-se que o sujeito passivo morava no imóvel objeto de venda, ainda que nos fins de semanas ou em eventos ocasionais - todavia, não se poderá considerar como habitação própria e permanente, tratando-se de uma habitação secundária;
m) Nenhuma das alíneas do probatório sustenta a utilização do referido imóvel como habitação própria com permanência - a alínea E) refere-se a documentos de pagamento de energia elétrica e de água da moradia de São..... quando é intrínseco que qualquer casa com o mínimo de condições de habitabilidade, ainda que habitada aos fins de semana ou em eventos ocasionais, tenha acesso aos recursos em que se traduzem tais documentos; a alínea M) considera, sem qualquer justificação plausível, a casa de função como habitada a título precário pelo sujeito passivo; a alínea N), em termos de concretização, apenas faz referência ao facto do impugnante marido ser eleitor e eleito em São.....; a alínea O) afirma que pelo menos desde 2005 a casa de função apenas era utilizada pelo impugnante e pela esposa, quando o que nos interessa é saber se em 2004 o sujeito passivo habitava no imóvel objeto de venda (pois só nesse caso poderia reinvestir a mais valia resultante da respetiva venda) e a alínea P) afirma que durante a semana e aos fins de semana o impugnante marido era visto em São...e em B..., participando na Direção do Clube de Caça, sendo que o que realmente interessa para os autos é onde o impugnante residia/habitava e não onde andava e o que fazia o impugnante nos tempos livres e fins de semana;
n) No que concerne à alínea C) dos factos provados - certificado de residência emitido pela Junta de Freguesia de B... - entende a Fazenda Pública que tal entidade não pode certificar a residência dos impugnantes nessa freguesia quando como resulta dos autos e o próprio sujeito passivo o admitiu e indicou em diversos documentos como seu local de residência a Quinta S..., Estrada de M..., V...;
o) Em suma - do ponto de vista do imóvel de «partida» - não sendo o imóvel do qual resultaram as mais-valias impugnadas a habitação própria e permanente do sujeito passivo não poderia beneficiar da exclusão de tributação prevista no art.º 10º n.º 5 do CIRS;
p) Importa todavia realçar, que também o imóvel de «chegada» terá que ter como destino exclusivamente a habitação própria e permanente do sujeito passivo - “Qualquer outro destino de ambos, ou só de um deles, destrói as condições de aplicação da exclusão da incidência e a mais-valia realizada no imóvel “de partida” será tributável” vide, entre outros, o Acórdão do TCA-Sul de 12-12-2013, recurso 07073/13;
q) Conforme referido aquando do procedimento de reclamação graciosa, cuja factualidade deveria ter sido levada ao probatório nos termos acima propostos, o impugnante e respetivo agregado familiar constituiu e sediou a sociedade “CPBOE, Lda.” no imóvel cuja aquisição o impugnante pretendia reinvestir os ganhos provenientes da transmissão onerosa do primitivo imóvel;
r) No mesmo local os impugnantes exercem a atividade da sociedade em causa (cujo início de atividade data de 05-08-2005) - Organização de feiras, congressos e outros eventos similares;
s) Motivo porque, e bem, a entidade decisora da reclamação graciosa indeferiu o pedido dos impugnantes, quer por não ter sido feita prova que o imóvel de partida constituía a habitação própria e permanente dos sujeitos passivos nem tão pouco o imóvel de chegada se destinou exclusivamente a tal propósito - requisitos de que o art.º 10º n.º 5 do CIRS faz depender a exclusão de tributação que o impugnante pretende fazer valer;
t) Nem para o efeito se invoque que tal argumentação padece de vício de forma por não ter sido dada possibilidade aos impugnantes de sobre ela se pronunciar - o que aliás, nem sequer tentaram nos presentes autos, limitando-se a apontar tão-somente o pretenso vício de forma - pois constituindo embora o ato administrativo de indeferimento da reclamação graciosa o objeto imediato da impugnação judicial, é, contudo, o ato de liquidação - seu objeto mediato - que verdadeiramente se controverte nos presentes autos;
u) Assim, tendo a impugnação por objeto mediato o ato tributário de liquidação, ainda que o Tribunal anule o ato de indeferimento da reclamação graciosa por procedência do vício de preterição de formalidade legal, tal decisão não projeta qualquer efeito sobre o ato tributário de liquidação, pois, a impugnação judicial deduzida na sequência do indeferimento das decisões das reclamações graciosas visam única e exclusivamente o ato tributário de liquidação e não o despacho de indeferimento, cfr. refere o acórdão do STA de 16.11.2011, processo 0723/11;
v) Em suma, inexiste qualquer vício de forma ou de substância que possa inquinar o ato de liquidação impugnado;
w) Por conseguinte, a douta sentença recorrida enferma de erro de julgamento, quer de facto, quer de direito, fundamento do presente recurso.
Nestes termos e nos mais de direito deve o presente recurso ser julgado procedente com a consequente revogação da douta sentença recorrida, como será de, JUSTIÇA!”
*
Os recorridos MMC e MFFMC não apresentaram contra-alegações.
*
O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 156-157 dos autos, no sentido da improcedência do recurso.
*
Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO –QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, em apreciar o invocado erro de julgamento de facto bem como indagar da bondade da tributação dos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis por parte dos Recorridos em função de estar ou não em causa a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar.
3. FUNDAMENTOS
3.1 DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
A) Por escritura de compra e venda datada de 4 de Maio de 2004, os impugnantes venderam pelo preço de € 161.000,00 o usufruto e pelo preço de mil euros a nua propriedade do prédio urbano composto por casa de habitação de rés-do-chão e primeiro andar, sito no P..., freguesia de B..., concelho de São..., inscrito na matriz sob o artigo 506 e descrito na Conservatória do Registo Predial de São...sob o n.º 150 - cfr. fls. 50 a 52 dos autos que se dão por integralmente reproduzidas, o mesmo se dizendo em relação às demais que seguem.
B) Por escritura de compra e venda datada de 18 de Fevereiro de 2005, os impugnantes adquiriram um prédio misto composto de casa de habitação, de lojas e primeiro andar, com quintal terreiro e jardim, sito nos limites do lugar do P..., freguesia de B..., concelho de São..., inscrito na matriz urbana sob o artigo 131 e na matriz rústica sob o artigo 677, encontrando-se a parte urbana na Conservatória sob o n.º 10130 – cfr. fls. 4 do Relatório constante do PA;
C) Em 23 de Setembro de 2008, a Junta de Freguesia de B..., concelho de São..., declarou que MMC e seu agregado familiar constituído pela sua esposa e filha, residem naquela freguesia desde 1994 - cfr. fls. 49 dos autos.
D) Em 23 de Setembro de 2008, a Autoridade Florestal Nacional declarou que o impugnante tem atribuída uma A… Barreiros, em V...) desde 1994, pagando a respetiva renda a qual é descontada no vencimento e exerce as suas funções em V... – cfr. fls. 47 dos autos.
E) Pelo menos no período compreendido entre os anos de 2001 e 2004, em nome do impugnante, foram emitidas faturas correspondentes a consumos de energia elétrica e água da rede pública no local de consumo sito em lugar de P..., freguesia de B..., concelho de São...– cfr. fls. 36 a 44 dos autos.
F) Na declaração de rendimentos do ano de 2004, anexo G, o impugnante declarou no quadro 4, a alienação onerosa do prédio descrito em A), pelo valor de € 161.000$00, com um valor de aquisição de € 29.879,99, como também declarou, quadro 5, que o valor de realização que pretende reinvestir é de 161.000$00 – cfr. fls. 21 dos autos.
G) Com data de 14/07/2008, o impugnante dirigiu ao Diretor de Finanças de V... reclamação graciosa contra a liquidação de IRS n.º 200800000724606 - cfr. fls. 25 dos autos
H) Com data de 16/09/2008, a Direção de Finanças de V... notificou o impugnante do sentido da decisão de indeferimento da sua reclamação, com vista ao exercício do direito de audição prévia – cfr. fls. 26 a 29 dos autos.
I) O impugnante exerceu o direito de audição sobre o sentido da decisão de indeferimento referida no ponto anterior – cfr. fls. 30 e 31 dos autos.
J) Em 02/10/2008, o impugnante foi notificado da decisão de indeferimento da sua reclamação graciosa – cfr. fls. 13 a 17 dos autos.
K) Com data limite de pagamento de 30/07/2008, foi emitida a demonstração de acerto de contas com o n.º 200800000724606 e pela compensação n.º 2008 00000920108, foi apurado o valor de IRS a pagar pelo impugnante de € 22.540,05 - cfr. fls. 11 e 12 dos autos.
L) A impugnação dos presentes autos foi apresentada em 16/10/2008 – cfr. fls. 3 dos autos.
M) Os impugnantes (marido e mulher) utilizavam a casa de função referida no ponto D) durante dias da semana, a título precário – cfr. depoimento das testemunhas AHAM e AALQ.
N) Os impugnantes tinham a sua vida social, cívica e política (do impugnante marido) em São..., sendo este eleitor em São..., que integrou a Assembleia Municipal deste concelho, como membro eleito – cfr. depoimento das testemunhas AHAM e AALQ.
O) Pelo menos desde 2005 que a casa de função atribuída ao impugnante apenas era utilizada pelo impugnante e pela esposa – cfr. depoimento das testemunhas AHAM e AALQ.
P) Durante a semana e aos fins de semana o impugnante marido era visto em São… e mais concretamente em B..., participando na Direção de Clube de Caça que se situava na freguesia de C..., do mesmo concelho de São...– cfr. depoimento da testemunha ACGP.
II - II Factos não provados
Com relevância para a decisão dos presentes autos não existem facto a considerar como não provados.
*
A convicção do Tribunal quanto aos factos provados resultou da análise crítica e conjugada do teor dos documentos não impugnados juntos aos autos e do PA, conforme referido em cada ponto do probatório e também da posição assumida pelas partes, na parte dos factos alegados não impugnados e corroborados pelos documentos juntos, aplicando-se o princípio cominatório semi-pleno, pelo qual se deram como provados, assim como as regras gerais de distribuição do ónus da prova, conjugados com a prova testemunhal.
A matéria de facto não provada redundou na ausência de prova produzida para o efeito. A prova testemunhal serviu, no essencial, para prova dos factos constantes do probatório, pontos M) a P), bem assim permitiu clarificar a que título a utilização da casa de função referida na alínea D) do probatório, sendo que os respetivos depoimentos se mostraram credíveis, evidenciando conhecimento direto da atividade profissional e da vida social, cívica e politica dos impugnantes, mormente do impugnante marido, porquanto a testemunha AHAM disse que conhece o impugnante marido desse 1989 a vida pessoal e familiar deste sempre se passou em São..., B..., onde sempre desenvolveu a sua vida cívica e politica em São...e que fora da hora de serviço, de um modo geral a vida do impugnante se realizava em B..., São..., onde tinha uma quinta, na Devesa daquela freguesia de B.... Que a casa de função que o impugnante utilizava em V... ocorria a título precário e no interesse do Estado. Que a partir de 2005, presume que o filho dos impugnantes não residisse naquela casa de função até porque a casa não tinha grande esP... para convívio familiar e para receber demais família e amigos. Referiu ainda que os convívios que teve com o impugnante ocorreram na casa desde, em B....
A testemunha AALQ, para além de confirmar o referido pela anterior testemunha acrescentou que o impugnante marido foi membro da Assembleia Municipal de São..., que o via com frequência em São...quer durante a semana quer ao fim de semana.
Por sua vez a testemunha ACGP, referiu que conhece o impugnante da atividade da caça que com ele desenvolve, pertencendo ambos à direção de um clube de caça em C..., sempre se encontrando com o impugnante em B..., na sua habitação quer na anterior, quer na que adquiriu no P....”
3.2 DE DIREITO
Nas suas primeiras conclusões de recurso, a Recorrente questiona a sentença recorrida quanto à decisão sobre a matéria de facto, sendo que constituindo tal erro de julgamento não só o primeiro aduzido mas, em especial, aquele de cuja decisão estaria dependente o que este Tribunal de recurso viesse a decidir quanto ao erro de julgamento de direito, impõe-se, naturalmente, que à sua apreciação venha a ser dada primazia.
Vejamos.
Para a Recorrente, levando em consideração que a decisão da matéria de facto em 1ª Instância se baseou, além do mais, em prova documental e testemunhal constante dos autos entende a Fazenda Pública que deverá ser julgada provada a seguinte matéria de facto que se reputa igualmente relevante para a decisão e que deve ser aditada ao probatório nos termos do art. 662º, nº 1, do C.P.C. (“ex vi” do art. 281º do C.P.P.T.):
I. Pelo menos até 2005 o agregado familiar do impugnante (impugnante, esposa e filhos) morava e dormia na casa de função em V... - cfr. depoimento transcrito da testemunha AM;
II. Os fins de semana eram passados na sua casa em São..... - cfr. depoimento transcrito das testemunhas AM e AQ;
III. Quando eram organizadas festas de aniversário ou de convívio mais familiar o local utilizado era a casa em São..... - cfr. depoimento transcrito da testemunha AM;
IV. Até 18-09-2008 o impugnante tinha como domicílio fiscal a seguinte morada Quinta S... Est de M..., 3500-000 V... - cfr. documentos de fls. 34, 35 e 67 a 72 do procedimento de reclamação graciosa anexa aos autos;
V. O domicílio fiscal aludido no ponto anterior corresponde à casa de função atribuída pela Autoridade Florestal Nacional ao impugnante MMC, desde 1994 - cfr. declaração constante de fls. 64 do procedimento de reclamação graciosa anexa aos autos;
VI. Em diversos documentos públicos o impugnante identificou o seu domicílio / residência como “Quinta S..., Estrada de M..., V...” - cfr. fls. 11, 14, 24 e 29 do procedimento de reclamação graciosa anexa aos autos;
VII. Os impugnantes são sócios da sociedade “CPBOE, Lda.”, cujo CAE consiste na “organização de feiras, congressos e outros eventos similares” - cfr. fls. 73 do procedimento de reclamação graciosa anexa aos autos;
VIII. A referida sociedade iniciou a atividade em 05-08-2005 e tem a sua sede na Rua D…, na localidade do P..., freguesia de B..., Concelho de São....., local onde exerce a atividade - cfr. fls. 74 e 75 do procedimento de reclamação graciosa anexa aos autos.
Com efeito, quer face à prova testemunhal quer face á prova documental que é confirmada pela análise dos elementos presentes nos autos, devia o Tribunal recorrido ter dado a predita factualidade como provada, pelo que, tendo o Tribunal recorrido omitido a pronúncia decisória que era devida quanto a esta factualidade, há que ampliar tal matéria, uma vez que os autos contêm os elementos probatórios necessários para o efeito - uma vez que tal matéria se afigura como fulcral para a decisão da causa de acordo com as diversas soluções plausíveis de direito.
Com referência à matéria em apreço, cabe notar que a prova documental presente nos autos a que alude a Recorrente suporta de forma inequívoca o exposto relativamente aos pontos IV. a VIII., de modo que, tratando-se de matéria com interesse para a decisão da causa, nos termos do art. 712º nº 1 al. a) do C. Proc. Civil (actual art. 662º), adita-se ao probatório o seguinte:
Q) Até 18-09-2008 o impugnante tinha como domicílio fiscal a seguinte morada Quinta S... Est de M..., 3500-000 V... - cfr. documentos de fls. 34, 35 e 67 a 72 do procedimento de reclamação graciosa anexa aos autos;
R) O domicílio fiscal aludido no ponto anterior corresponde à casa de função atribuída pela Autoridade Florestal Nacional ao impugnante MMC, desde 1994 - cfr. declaração constante de fls. 64 do procedimento de reclamação graciosa anexa aos autos;
S) Nas escrituras id. em A) e B) e bem assim na requisição de duas certidões junto da Conservatória do Registo Predial de São...com datas de 15-02-1991 e 21-05-1991, respectivamente, o impugnante identificou o seu domicílio / residência como “Quinta S..., Estrada de M..., V...” - cfr. fls. 11, 14, 24 e 29 do procedimento de reclamação graciosa anexa aos autos;
T) Os impugnantes são sócios da sociedade “CPBOE, Lda.”, cujo CAE consiste na “organização de feiras, congressos e outros eventos similares” - cfr. fls. 73 do procedimento de reclamação graciosa anexa aos autos;
U) A referida sociedade iniciou a atividade em 05-08-2005 e tem a sua sede na Rua Duques de Bragança, na localidade do P..., freguesia de B..., Concelho de São....., local onde exerce a atividade - cfr. fls. 74 e 75 do procedimento de reclamação graciosa anexa aos autos.
Quanto aos demais elementos, a audição integral dos depoimentos em apreço confere total virtualidade ao exposto pela Recorrente, dado que, a testemunha A... referiu que o impugnante morava e dormia na casa de função, referindo que aí também vivia a sua esposa e que o impugnante tinha a sua família aqui em V... e que apenas fora do contexto profissional desenvolvia a sua vida em São..., sendo convincente no que concerne ao facto de o impugnante passar os fins de semana em São…, do mesmo modo que seria nesta localidade que o impugnante faria as festas de família, descrevendo a casa de função como despida das melhores condições para este tipo de eventos.
Os demais depoimentos, de forma menos exuberante, fazem referência a alguns elementos que corroboram os elementos essenciais em apreciação, sendo ainda de notar que o impugnante utiliza a tal casa de função desde 1994 até, pelo menos, Setembro de 2008, o que confere à situação uma ideia de continuidade, sendo que, como se colhe do depoimento da testemunha A..., apesar do entusiasmo com as actividades desenvolvidas em São..., ao outro dia era preciso trabalhar, de modo que, nos termos do art. 712º nº 1 al. a) do C. Proc. Civil (actual art. 662º), adita-se ao probatório o seguinte:
V) Pelo menos até 2005 o agregado familiar do impugnante (impugnante, esposa e filhos) morava e dormia na casa de função em V... - cfr. depoimento transcrito da testemunha AM;
W) Os fins de semana eram passados na sua casa em São..... - cfr. depoimento transcrito das testemunhas AM e AQ;
X) Quando eram organizadas festas de aniversário ou de convívio mais familiar o local utilizado era a casa em São..... - cfr. depoimento transcrito da testemunha AM.
Avançando, diga-se que a decisão recorrida deu abrigo à pretensão dos impugnantes, ponderando que:
“…
Do probatório resulta que os impugnantes venderam o imóvel referido em A), em 04/05/2004, por € 161.000,00 e que adquiriram o imóvel referido em B) do probatório em 18/02/2005, pelo valor de € 200.000,00.
Também do probatório resulta que ao impugnante marido foi atribuída, a título precário, uma casa de função, no interesse do serviço a que estava adstrito no Ministério da Agricultura, podendo utilizá-la como habitação, ponto D).
Do mesmo probatório, alíneas C), M) a P) e E), resulta que os impugnantes sempre mantiveram a sua vida cívica, social e política (o impugnante marido) em B..., São..., aí permanecendo no imóvel sua propriedade, ai recebendo familiares e amigos e aí desenvolvendo as suas atividades de labor particular, ou seja, utilizando o seu imóvel como habitação própria com permanência.
Dos autos não resulta, como também não resulta do depoimento das testemunhas que os demais elementos do seu agregado familiar, com exceção dos impugnantes, habitassem a tal casa de função, pelo que, necessariamente, pelo menos o ou os filhos dos impugnantes habitassem no imóvel que foi adquirido pelos impugnantes, ou mesmo no que venderam e que constam das alíneas A) e B) do probatório.
Resultam ainda dos autos, alínea F), que os impugnantes declararam pretender reinvestir o produto da venda do imóvel referido em A), sendo que, como resulta da alínea B), procederam à aquisição em 2005, de um imóvel que passou a utilizar como sua habitação, como resulta, pelo menos do depoimento das testemunhas inquiridas, cfr. probatório, alíneas M) a P).
Sendo que a casa de função que foi atribuída ao impugnante marido por efeito das suas funções públicas, não constitui habitação própria, nem tal atribuição determinava que nela residisse com caráter permanente. No fundo a atribuição de tal casa tinha caráter facilitador do exercício da função e no interesse do próprio estado.
Entende-se, por outro lado, que o facto de, como alega a Fazenda Pública, o impugnante ter o seu domicílio fiscal em V..., à luz do que dispõe o dispositivo legal supra citado, não é impedimento para que os impugnantes possam ter habitação própria e permanente noutro local, como aconteceu no caso.
Assim, encontrando-se reunidos os pressupostos a que se refere o artigo 10.º do CIRS supra, impõe-se considerar que aos impugnantes assiste o direito ao benefício de exclusão de incidência tributária relativa às mais-valias realizadas com a alienação onerosa do bem imóvel a que alude a alínea A), o que conduz à procedência da impugnação, com a consequente anulação da liquidação de IRS objeto dos presentes autos. …”.
Nas suas alegações, a Recorrente refere que o artigo 10.º, n.º 5, alínea a) do CIRS, consagra uma exclusão de incidência tributária relativa às mais-valias realizadas com a alienação onerosa de bens imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, assim favorecendo a propriedade do imóvel destinado a habitação permanente do sujeito passivo (ou do respectivo agregado familiar) sempre que, dentro de determinados prazos e condições, o valor de realização for reinvestido em imóvel destinado exclusivamente ao mesmo fim e situado no território nacional, sendo que para gozar desse benefício de exclusão de tributação, quer o imóvel “de partida” quer o imóvel de “de chegada” têm de ser destinados exclusivamente à habitação própria e permanente do sujeito passivo e nos presentes autos mostrou-se provado que o sujeito passivo, pelo menos até ao exercício de 2005, habitava, dormia, morava no imóvel do domicílio fiscal durante a semana com o respectivo agregado familiar, pois o próprio impugnante o assumiu, em diversos documentos públicos, ser tal morada o local da sua residência habitual, conforme se retira de fls. 11, 14, 24 e 29 do procedimento de reclamação graciosa anexa aos autos, além de que resultou também provado que o sujeito passivo passava os fins de semana na sua casa em São....., que as festas de aniversário/convívios eram realizadas nessa casa de São....., que o impugnante era eleitor em São....., que foi membro da Assembleia Municipal desse concelho e que durante a semana e aos fins de semana o impugnante marido era visto em São...e em B..., participando na Direcção de Clube de Caça sita na freguesia de C..., São......
Assim, entende a Fazenda Pública que o local da residência habitual do sujeito passivo, no exercício de 2004 (data da venda do imóvel que originou as mais valias impugnadas, sendo essa a data que releva para efeitos de reinvestimento - apenas poderá ser reinvestido se o imóvel de partida tiver como destino a habitação própria e permanente do sujeito passivo) é a casa de função atribuída pela Autoridade Florestal Nacional e utilizada pelo impugnante e respectivo agregado familiar, sendo esse o escopo de qualquer casa de função - proporcionar habitação a determinados Funcionários do Estado, verificando-se que o argumento de que o impugnante se deslocava durante a semana e aos fins de semanas a São....., de que era eleitor e eleito nesse município, de que dirigia determinado Clube de Caça sito nesse município, em nada contende com a residência na casa de função e que, entre outros, se podem justificar com razões familiares, com razões de afectividade, com razões relacionadas com a moradia que aí possuía, enfim, por motivos da mais diversa índole que para o caso irrelevam, até porque a Fazenda Pública não questiona que o impugnante detinha determinada moradia em São....., que possivelmente a utilizaria com o respectivo agregado familiar, mormente aos fins de semana ou aquando de festividades, todavia sempre tal moradia seria utilizada a título secundário - a residência principal e habitual do sujeito passivo e respectivo agregado familiar era, em tal data e conforme resulta dos autos, a casa de função atribuída pelo Ministério da Agricultura, ou seja, na moradia cuja venda está na origem das mais-valias impugnadas falha, quanto a nós, o requisito da permanência - admite-se que o sujeito passivo morava no imóvel objecto de venda, ainda que nos fins de semanas ou em eventos ocasionais - todavia, não se poderá considerar como habitação própria e permanente, tratando-se de uma habitação secundária e nenhuma das alíneas do probatório sustenta a utilização do referido imóvel como habitação própria com permanência - a alínea E) refere-se a documentos de pagamento de energia eléctrica e de água da moradia de São..... quando é intrínseco que qualquer casa com o mínimo de condições de habitabilidade, ainda que habitada aos fins de semana ou em eventos ocasionais, tenha acesso aos recursos em que se traduzem tais documentos; a alínea M) considera, sem qualquer justificação plausível, a casa de função como habitada a título precário pelo sujeito passivo; a alínea N), em termos de concretização, apenas faz referência ao facto do impugnante marido ser eleitor e eleito em São.....; a alínea O) afirma que pelo menos desde 2005 a casa de função apenas era utilizada pelo impugnante e pela esposa, quando o que nos interessa é saber se em 2004 o sujeito passivo habitava no imóvel objecto de venda (pois só nesse caso poderia reinvestir a mais valia resultante da respectiva venda) e a alínea P) afirma que durante a semana e aos fins de semana o impugnante marido era visto em São...e em B..., participando na Direcção do Clube de Caça, sendo que o que realmente interessa para os autos é onde o impugnante residia/habitava e não onde andava e o que fazia o impugnante nos tempos livres e fins de semana e no que concerne à alínea C) dos factos provados - certificado de residência emitido pela Junta de Freguesia de B... - entende a Fazenda Pública que tal entidade não pode certificar a residência dos impugnantes nessa freguesia quando como resulta dos autos e o próprio sujeito passivo o admitiu e indicou em diversos documentos como seu local de residência a Quinta S..., Estrada de M..., V...;
Em suma - do ponto de vista do imóvel de «partida» - não sendo o imóvel do qual resultaram as mais-valias impugnadas a habitação própria e permanente do sujeito passivo não poderia beneficiar da exclusão de tributação prevista no art.º 10º n.º 5 do CIRS.
Do mesmo modo, o imóvel de «chegada» terá que ter como destino exclusivamente a habitação própria e permanente do sujeito passivo - “Qualquer outro destino de ambos, ou só de um deles, destrói as condições de aplicação da exclusão da incidência e a mais-valia realizada no imóvel “de partida” será tributável” e conforme referido aquando do procedimento de reclamação graciosa, cuja factualidade deveria ter sido levada ao probatório nos termos acima propostos, o impugnante e respectivo agregado familiar constituiu e sediou a sociedade “CPBOE, Lda.” no imóvel cuja aquisição o impugnante pretendia reinvestir os ganhos provenientes da transmissão onerosa do primitivo imóvel e no mesmo local os impugnantes exercem a actividade da sociedade em causa (cujo início de actividade data de 05-08-2005) - Organização de feiras, congressos e outros eventos similares, motivo porque, e bem, a entidade decisora da reclamação graciosa indeferiu o pedido dos impugnantes, quer por não ter sido feita prova que o imóvel de partida constituía a habitação própria e permanente dos sujeitos passivos nem tão pouco o imóvel de chegada se destinou exclusivamente a tal propósito - requisitos de que o art.º 10º n.º 5 do CIRS faz depender a exclusão de tributação que o impugnante pretende fazer valer.
E nem para o efeito se invoque que tal argumentação padece de vício de forma por não ter sido dada possibilidade aos impugnantes de sobre ela se pronunciar - o que aliás, nem sequer tentaram nos presentes autos, limitando-se a apontar tão-somente o pretenso vício de forma - pois constituindo embora o acto administrativo de indeferimento da reclamação graciosa o objecto imediato da impugnação judicial, é, contudo, o acto de liquidação - seu objecto mediato - que verdadeiramente se controverte nos presentes autos, de modo que, tendo a impugnação por objecto mediato o ato tributário de liquidação, ainda que o Tribunal anule o acto de indeferimento da reclamação graciosa por procedência do vício de preterição de formalidade legal, tal decisão não projecta qualquer efeito sobre o ato tributário de liquidação, pois, a impugnação judicial deduzida na sequência do indeferimento das decisões das reclamações graciosas visam única e exclusivamente o acto tributário de liquidação e não o despacho de indeferimento.
Que dizer?
Nesta matéria, é sabido que o art. 10º nº do Código do IRS dispõe que “são excluídos de tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar”, sendo claro que a norma postula a necessária simultaneidade da propriedade e da permanência da habitação na titularidade do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, não se referindo a lei a qualquer limite temporal mínimo para a observância de tais requisitos, mas exigindo a destinação do imóvel a esse fim.
Além disso, o legislador não se bastou em referir que são excluídas de tributação as mais-valias resultantes da transmissão onerosa de imóveis que consistam na habitação própria e permanente do sujeito passivo, antes refere, expressamente, que são excluídas de tributação as mais-valias derivadas da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar.
Tal significa que se o legislador distingue, deve o intérprete também distinguir (uma vez que, de igual forma, onde a lei não distingue, não cabe ao intérprete distinguir - ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus), deve entender-se que essa habitação que é sua (porque apenas aquilo que se encontra na sua titularidade poderá ser sujeito a alienação), esse imóvel que é seu, tem também de consistir num imóvel dirigido / determinado a consistir não apenas na sua habitação permanente, mas igualmente na sua habitação própria. Ou, por outras palavras, da alusão feita pela lei ao “destino” do imóvel, resulta a exigência legal de que o imóvel alienado tenha sido destinado à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar em momento anterior ao da constituição do facto tributário.
Esta interpretação do preceito legal, para além de ser aquela que encontra reflexo na letra da lei, é também aquela que encontra eco na finalidade da norma, sendo que importa atentar que a norma em análise não é um mero benefício à aquisição de casa própria, nem sequer ao reinvestimento de qualquer mais-valia na aquisição de habitação própria, pois que não é indiferente a origem ou natureza do bem alienado. Ao legislador interessa também a “origem” da mais-valia, ou seja, interessa-lhe que a mesma tenha resultado da aquisição, e posterior alienação, de um imóvel destinado a habitação própria e permanente do sujeito passivo.
Tal como aponta o Prof. Rui Duarte Morais, “Sobre o IRS”, Almedina, Coimbra, 2006, pág. 114, “o objectivo da lei é claro: eliminar obstáculos fiscais à mudança de habitação, em casa própria, por parte das famílias”, referindo também José Guilherme Xavier de Basto, “IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos”, Coimbra Editora, 2007, que “o objectivo do regime de exclusão da incidência é pois, o de não embaraçar a aquisição, imediata ou mediata, de habitação própria e permanente financiada com o produto da alienação de um outro imóvel a que fora dado o mesmo destino. Usa-se uma técnica de roll-over, que torna não tributáveis essas mais-valias enquanto os valores de realização forem reinvestidos em imóveis também destinados à habitação (...). A exclusão referida só vale pois para as mais-valias de imóveis destinados à habitação própria e permanente quando o reinvestimento se opera em imóveis com o mesmo destino. O imóvel «de partida» e o «de chegada» têm de ser destinados à habitação própria e permanente»”. (cfr. Ac. do S.T.A. de 22-11-2017, Proc. nº 0384/16, www.dgsi.pt).
Como já ficou dito, a decisão recorrida valorizou o facto de os impugnantes terem sempre mantido a sua vida cívica, social e politica (o impugnante marido) em B..., São..., aí permanecendo no imóvel sua propriedade, ai recebendo familiares e amigos e aí desenvolvendo as suas actividades de labor particular, ou seja, utilizando o seu imóvel como habitação própria com permanência, desvalorizando a sua relacionada com a casa de função, apontando que a casa de função que foi atribuída ao impugnante marido por efeito das suas funções públicas, não constitui habitação própria, nem tal atribuição determinava que nela residisse com carácter permanente.
Pois bem, perante a matéria disponível nos autos, cremos que esta análise se revela algo simplista, sem a necessária consistência no sentido de convencer da bondade de tal apreciação.
Na verdade, quando se tem presente a matéria relacionada com a casa de função que, normalmente, contende com uma utilização transitória de uma habitação em função da deslocação do local de trabalho para uma determinada região e que exige que o interessado fixe residência nesse local, importa notar que, neste caso, o Recorrido apresentou em Agosto de 1994 o requerimento para passar a habitar a moradia do Estado Nº.C-93, sita na Quinta S..., Rua C…, 3500 V..., sendo que, nessa altura, o Recorrido marido e naturalmente o seu agregado já residiam numa outra moradia do Estado.
Isto para dizer que a utilização da tal casa de função estendeu-se, pelo menos, até Setembro de 2008, situação que envolve uma situação de continuidade no que concerne à utilização daquela casa que o Recorrente marido passou a habitar nos termos por si requeridos.
Assim sendo, após a audição dos depoimentos prestados nos autos, não temos dúvidas em afirmar que pelo menos até 2005 o agregado familiar do impugnante (impugnante, esposa e filhos) morava e dormia na casa de função em V... - cfr. depoimento transcrito da testemunha AM, sendo que os fins de semana eram passados na sua casa em São..... - cfr. depoimento transcrito das testemunhas AM e AQ.
Com efeito, a testemunha A... teve um depoimento mais abrangente do que foi ponderado pelo Tribunal a quo, referindo que o Recorrido vivia com a esposa, com a sua família em V..., aqui pernoitando sempre que no dia seguinte tinha de ir trabalhar.
E diga-se que apenas esta análise faz sentido em função dos elementos presentes nos autos.
Desde logo, o tal requerimento apresentado em Agosto de 1994 (é sabido que o Recorrido tinha adquirido o imóvel em São… em 1991) em que se assume como residente em moradia do Estado, impetrando depois a mudança de habitação para outra moradia da mesma entidade.
Depois, os autos mostram que até 18-09-2008 o impugnante tinha como domicílio fiscal a seguinte morada Quinta S... Est de M..., 3500-000 V..., sendo que o domicílio fiscal aludido no ponto anterior corresponde à casa de função atribuída pela Autoridade Florestal Nacional ao impugnante MMC, desde 1994 - cfr. declaração constante de fls. 64 do procedimento de reclamação graciosa anexa aos autos.
Ora, este elemento não pode ser descartado nos termos apontados na decisão recorrida, na medida em que, e de forma decisiva, nas escrituras id. em A) e B) e bem assim na requisição de duas certidões junto da Conservatória do Registo Predial de São...com datas de 15-02-1991 e 21-05-1991, respectivamente, o impugnante identificou o seu domicílio / residência como “Quinta S..., Estrada de M..., V...” - cfr. fls. 11, 14, 24 e 29 do procedimento de reclamação graciosa anexa aos autos.
Com este pano de fundo, é inequívoco que o Recorrente marido sempre se considerou residente na morada referida nos aludidos documentos e se no primeiro pedido de certidão ainda não tinha adquirido o imóvel em São....., tal já tinha sucedido na altura do segundo em que, de forma inexplicável, se afirma como residente em “Quinta S..., Estrada de M..., V...”.
Isto para dizer que o domicílio fiscal descrito não é algo isolado, tratando-se efectivamente da morada dos Impugnantes, pois que só assim se podem compreender as declarações vertidas nas duas escrituras referidas nos autos, do mesmo modo que o tal requerimento de Agosto de 1994 está perfeitamente enquadrado neste âmbito.
Não se olvida que a prova produzida evidenciou que o Recorrente marido tinha grande ligação a B..., São..., aí desenvolvendo a sua vida cívica, social e política, aí permanecendo no imóvel sua propriedade, aí recebendo familiares e amigos e aí desenvolvendo as suas actividades de labor particular.
No entanto, trata-se de uma realidade que, ao contrário do decidido, não tem o significado apontado, dado que, sem prejuízo de toda actividade desenvolvida em São..., tal não pode escamotear o que ficou exposto, do qual se retira que o Recorrido e o seu agregado familiar residiam na morada indicada em V....
Diga-se ainda que os Recorridos juntaram aos autos um atestado de residência com data de 23 de Setembro de 2008, no qual se aponta o Recorrido, esposa e filha residem na freguesia de B... desde 1994.
Neste domínio, em circunstâncias normais, se nada houver que faça duvidar do facto atestado, sendo que o atestado é, apenas, um meio de prova da residência, terá de ser ponderado tal elemento nos termos descritos, pois que o atestado de residência é, sem dúvida, um documento autêntico ( art.º 363º/2 do Cod. Civil). Como tal, a sua força probatória é a estabelecida no art.º 371º do Cod. Civil: faz prova plena dos factos que referem como praticados pelo oficial público, bem como dos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora; porém, os meros juízos pessoais do documentador só valem como elemento sujeito à livre apreciação do julgador.
O art. 34º do D.L. nº 135/99, de 22 de Abril dispõe que:
"Artigo 34.º
Atestados emitidos pelas juntas de freguesia
1 - Os atestados de residência, vida e situação económica dos cidadãos, bem como os termos de identidade e justificação administrativa, passados pelas juntas de freguesia, nos termos das alíneas f) e q) do n.º 1 do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março, devem ser emitidos desde que qualquer dos membros do respectivo executivo ou da assembleia de freguesia tenha conhecimento directo dos factos a atestar, ou quando a sua prova seja feita por testemunho oral ou escrito de dois cidadãos eleitores recenseados na freguesia ou, ainda, mediante declaração do próprio.
2 - Nos casos de urgência, o presidente da junta de freguesia pode passar os atestados a que se refere este diploma, independentemente de prévia deliberação da junta.
3 - Não está sujeita a forma especial a produção de qualquer das provas referidas, devendo, quando orais, ser reduzidas a escrito pelo funcionário que as receber e confirmadas mediante assinatura de quem as apresentar.
4 - As falsas declarações são punidas nos termos da lei penal.
5 - A certidão, relativa à situação económica do cidadão, que contenha referência à sua residência faz prova plena desse facto e dispensa a junção no mesmo processo de atestado de residência ou cartão de eleitor.
6 - As certidões referidas no número anterior podem ser substituídas por atestados passados pelo presidente da junta.".
No caso, em função da fonte de ciência da Junta, segundo o que no atestado se diz, não se alcança que a realidade em apreço (residência) tenha sido atestada com base na percepção da entidade documentadora, o que significa que o atestado em apreço não faz prova plena da residência, podendo tal matéria ser posta em crise através dos meios probatórios admissíveis no processo.
Ora, como se viu, a realidade documentada nos autos revela-se susceptível de colocar em crise o atestado apontado no que concerne à residência dos Recorridos.
Para além do exposto, cabe notar que uma pessoa, um agregado pode ter várias residências; no entanto, o que releva para efeitos de ponderação quanto à matéria em equação nos autos é a residência habitual, o lugar preparado para servir com estabilidade de base de vida, verificando-se que nesta sede a realidade aponta para outro local que não o exposto no atestado de residência e que é reclamado pelos Recorridos.
Assim sendo, como é, ganha acuidade o exposto pela Recorrente quando refere que o local da residência habitual do sujeito passivo, no exercício de 2004 (data da venda do imóvel que originou as mais valias impugnadas, sendo essa a data que releva para efeitos de reinvestimento - apenas poderá ser reinvestido se o imóvel de partida tiver como destino a habitação própria e permanente do sujeito passivo) é a casa de função atribuída pela Autoridade Florestal Nacional e utilizada pelo impugnante e respectivo agregado familiar, sendo que o mais apurado nos autos não contende com o facto de os Recorridos residirem na tal casa de função nos termos já apontados, pelo que, do ponto de vista do imóvel de «partida» - não sendo o imóvel do qual resultaram as mais-valias impugnadas a habitação própria e permanente do sujeito passivo não poderia beneficiar da exclusão de tributação prevista no art.º 10º n.º 5 do CIRS.
A partir daqui, o presente recurso tem de proceder, sendo que nada mais importa apreciar no âmbito do presente recurso, pois que, como se disse, o imóvel «de partida» e o «de chegada» têm de ser destinados à habitação própria e permanente»”, de modo que, falhando o primeiro elemento, torna-se ocioso continuar a análise desta matéria, dado que, independentemente da sorte da apreciação da questão relacionada com o imóvel «de chegada», o destino da pretensão dos impugnantes está irremediavelmente condenada ao insucesso.
Do mesmo modo, apesar de a impugnação abranger, quer a reclamação, quer o acto de liquidação, tendo o tribunal apreciado a bondade da liquidação, sendo que a matéria descrita é capaz, só por si, de sustentar a liquidação impugnada, nada mais se impõe apreciar, dado que, tudo o mais em equação está relacionado com o enquadramento a alcance do exposto sobre o imóvel de «chegada», o que retira qualquer virtualidade à alegação apresentada pelos impugnantes neste domínio, ou seja, fica prejudicada a apreciação do mais suscitado no âmbito do presente recurso
4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a presente impugnação judicial
Custas pelos Recorridos apenas em 1ª Instância.
Notifique-se. D.N..
Porto, 31 de Outubro de 2018
Ass. Pedro Vergueiro
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos