Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00811/17.8BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/12/2019
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:FUNDO DE GARANTIA SALARIAL; NOVO REGIME DO FUNDO DE GARANTIA SALARIAL, APROVADO PELO DECRETO-LEI N.º 59/2015, DE 21 DE ABRIL; PERÍODO DE REFERÊNCIA; ART.º 2.º, N.º 4 DO CITADO D.L. Nº. 59/2015.
Sumário:
I – Os requerimentos para pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho apresentados após 04.05.2015 ficam sujeitos ao novo regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril.
II- Nos termos do art.º 2.º, n.º 4 do citado D.L. nº. 59/2015, o Fundo de Garantia Salarial só assegura o pagamento dos créditos o Fundo assegura o “(…) pagamento dos créditos (…) que se tenham vencido nos seis meses anteriores à propositura da ação de insolvência (…)”.
III- Na situação recursiva, tendo o Processo Especial de Revitalização sido apresentado em 07.07.2016, o período de referência aludido no artigo no art.º 2.º, n.º 4 do NRFGS situa-se entre 07.07.2016 e 07.01.2016, de modo que, verificado que está que os créditos salariais em discussão venceram-se em 15.12.2014, forçoso é concluir que não se encontra verificado o requisito previsto no art.º 2.º, n.º 4 do NRFGS, visto que a data de vencimento dos créditos sucedeu já fora do prazo de seis meses anterior à apresentação do PER. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:FUNDO DE GARANTIA SALARIAL
Recorrido 1:CGR
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I – RELATÓRIO
CGR, devidamente identificado nos autos, intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [doravante T.A.F. do Porto] a presente Ação Administrativa contra o FUNDO DE GARANTIA SALARIAL, peticionando o provimento do presente meio processual por forma a ser o ato administrativo de indeferimento do requerimento para pagamento de créditos laborais declarado nulo ou anulado, e, em consequência, ser o Réu condenado a pagar à Autora a quantia peticionada.
O T.A.F. do Porto julgou esta ação totalmente improcedente, absolvendo o Réu dos pedidos.
É desta sentença que o CGR vem interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL, para o que alegou, apresentando para o efeito as seguintes conclusões, que delimitam o objeto do recurso:
“(…)
I. No processo aqui em causa importa saber, no essencial, se o requerimento apresentado pelo recorrente junto do Fundo de Garantia Salarial respeitou o prazo legal para a sua apresentação.
II. Para o efeito sustentou o A. a ilegalidade dos despachos proferidos pela Ré que tiveram como alegado fundamento para o indeferimento o facto dos requerimentos de pagamento dos créditos laborais apresentados o terem sido decorrido mais de um ano após a data da cessação dos respetivos contratos de trabalho, porquanto em violação do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, mais concretamente do disposto no artigo 2° , n.° 8 do Decreto-Lei n.° 59/2015 de 21/04.
III. Com efeito, o M.mo Juiz que proferiu a Sentença recorrida entendeu que todos créditos laborais do Autor se encontram, fora do período de referência, ou seja, venceram-se há mais de seis meses da data da instauração da ação de insolvência, pelo que não são devidos.
IV. Resultando daí que, a presente ação não pode ser julgada procedente, uma vez que não preenche os pressupostos legais para o efeito; no caso, o vencimento dos créditos laborais dentro do período de referência.
V. De facto, conforme resulta dos despachos em crise nos presentes autos, a razão que levou a Ré a indeferir o peticionado não é o facto dos créditos terem vencido há mais de 6 meses, mas sim o facto de ter decorrido mais de um ano após a data da cessação dos respetivos contratos de trabalho, porquanto em violação do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, mais concretamente do disposto no artigo 2° , n.° 8 do Decreto-Lei n.° 59/2015 de 21/04.
VI. Facto relativamente ao qual oferecemos igualmente a nossa total discordância, pelos fundamentos de facto e de Direito que serão expendidos infra.
VII. Ora, sobre o referido prazo de um ano que os créditos laborais sejam reclamados junto do Fundo de Garantia Salarial, dúvidas não subsistirão que tal prazo somente se aplica aos contratos de trabalho que cessem após o dia 4 de maio de 2015.
VIII. Sendo esse o prazo que levou ao indeferimento do peticionado pelo A. à Ré.
IX. Sendo certo que, salvo o devido respeito por opinião diversa, entendemos não ser de aplicar ao caso concreto o prazo de 6 meses, prazo esse que não foi sequer motivo alegado pela Ré para o indeferimento.
X. No mais, nos termos do artigo 325.° CC, a interrupção da prescrição ocorre com o reconhecimento do direito, efetuando perante o respetivo titular, por aquele contra quem o direito pode ser exercido.
XI. Começando a correr novo prazo de um ano a partir daqueles reconhecimentos, nos termos do artigo 326.° n.° 1 CC.
XII. Isto posto, a proteção dos créditos dos trabalhadores em caso de insolvência ou processo de revitalização do empregador é uma obrigação do Estado resultante, desde logo, da transposição da Diretiva 2008/94/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, relativa à proteção dos trabalhadores assalariados.
XIII. Refere-se no artigo 3.° da Diretiva que os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para que, em caso de insolvência do empregador (ou PER) as instituições de garantia assegurem o pagamento dos créditos em divida dos trabalhadores assalariados emergentes de contrato de trabalho ou de relações de trabalho, incluindo, sempre que o direito nacional o estabeleça, as indemnizações pela cessação do contrato de trabalho.
XIV. Mais refere a aludida Diretiva que os créditos a cargo da instituição de garantia consistem em remunerações em divida correspondentes a um período anterior e/ou, posterior a uma data fixada pelos Estados/Membros.
XV. Correspondentemente, refere o artigo 336.° CT que “o pagamento de crédito de trabalhador emergente de contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação, que não possam ser pagos pelo empregador por motivo de insolvência ou de situação económica difícil, é assegurado pelo Fundo de Garantia Salarial, nos termos previstos em legislação especifica.”
XVI. Atentos os fundamentos expostos, não se vislumbra pois que a interpretação adotada pela recorrida de indeferimento do peticionado se mostre sequer em harmonia com o regime jurídico com o qual necessariamente tem de se compatibilizar, sendo certo que a referida Diretiva, uma vez transposta, constitui Direito Interno Português.
XVII. Por tudo o exposto, salvo o devido respeito por opinião diversa, o Despacho de Indeferimento que recaiu sobre o pedido de pagamento do recorrente partiu de pressupostos errados e assentou numa incorreta interpretação da Lei no seu conjunto no que tange à matéria em questão.
XVIII. Pelo que outra decisão no caso não poderia deixar de ter existido, que não fosse a procedência da ação, devendo o ato administrativo de indeferimento de pagamento dos créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho outorgado com a BAM ser declarado nulo ou, sem prescindir, anulado, com todas as consequências legais que daí advêm.
XIX. Devendo, em consequência, ser a recorrida condenada a pagar ao recorrente a quantia peticionada.
Termos em que com a procedência do presente recurso se fará JUSTIÇA
(…)”.
*
Notificado que foi para o efeito, o Recorrido apresentou contra-alegações que concluiu da seguinte forma:
“(…)
1. O regime jurídico do Fundo de Garantia Salarial regulado pelo Decreto-Lei nº. 59/2015, de 21.04, impõe determinado requisitos, de cumprimento cumulativo, para que o Fundo de Garantia Salarial possa assegurar a um trabalhador o pagamento dos créditos requeridos.
2. Desde logo, um desses requisitos, impostos pela citada legislação no art. 1º, é que o Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho nos casos em que o empregador seja judicialmente declarado insolvente.
3. No presente caso, o Processo Especial de Revitalização da entidade BAM LDA foi intentada no dia 07.07.2015.
4. Mas não são todos e quaisquer créditos que o Fundo de Garantia Salarial assegura, na medida em que o n.° 4, do art. 2 o da citada legislação, impõe que apenas é assegurado o pagamento de créditos vencidos nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação ou da entrada do requerimento do procedimento de conciliação, se for o caso.
5. Na presente situação, e de acordo com a legislação, o Fundo de Garantia Salarial assegura os créditos vencidos entre 07.07.2016 e 07.02.2016.
6. O contrato de trabalho do Autor cessou em 14.06.2012.
7. Portanto, não existem créditos vencidos dentro do período de referência.
8. Pelo que, não foram assegurados os créditos requeridos porque se encontravam vencidos fora do período de referência.
9. Nesse sentido bem decidiu o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto na sentença aqui posta em crise.
Termos em que, deverá o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, uma vez que o ato praticado pelo Exmo. Senhor Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial não padece de qualquer vício que o inquine com anulabilidade ou nulidade. (…)”
*
O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida, que, todavia, não vincula este Tribunal Superior [cfr. artigo 641º, nº. 5 do CPC].
*
O Ministério Público neste Tribunal não emitiu o parecer a que alude o nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A.
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Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
*
II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Examinando as conclusões espraiadas no presente recurso, logo se constata que as mesmas assentam, no mais essencial, no reiterar da argumentação que havia já sido esgrimida em sede declarativa, quando é certo que aquilo que aqui está em causa em sede de Recurso Jurisdicional é a sentença proferida pelo tribunal a quo.
O que, não fora a circunstância de se detetar nos pontos I) a IV) das conclusões de recurso uma incompatibilidade parcial com o agora decidido pelo Tribunal a quo [exclusivamente] em matéria de vencimento dos créditos laborais reclamados fora do prazo de referência previsto no artigo 319º nº.1 da Lei nº. 35/2004, de 29 de 29.07, imporia, na pior das hipóteses, o não conhecimento do recurso.
Assim, decide-se extrair a seguinte questão que cumpre conhecer: erro de julgamento de direito da sentença recorrida, por não se mostrarem os créditos laborais reclamados nos autos vencidos fora do período de referência de seis meses da data de instauração da ação de insolvência/processo especial de revitalização.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
Na decisão recorrida deram-se como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:
“(…)
1. O Autor foi trabalhador da empresa «BAM, Lda.», desde outubro de 2007, até ao dia 14 de junho de 2012, data em que foi cessado o contrato por aquela empresa;
2. O Autor intentou ação no Tribunal de Trabalho (Processo n.° 422/12.4TTGDM), peticionando o reconhecimento da existência de contrato de trabalho, a ilicitude do despedimento, o pagamento de retribuições que deixou de auferir, danos patrimoniais e uma indemnização por danos não patrimoniais, tudo acrescido de juros de mora;
3. Mediante Sentença proferida em 3 de março de 2014, foi a ação julgada parcialmente procedente, nos seguintes termos: (fls. 17 a 27 dos autos)
“(…)
A) - Declarar a existência de um contrato de trabalho entre o Autor e Ré, com início em outubro de 2007.
B)- Declarar a ilicitude da cessação deste contrato, ocorrida em 18/06/2012, por iniciativa da Ré.
C)- Condenar a Ré a pagar ao Autor:
- € 3.395,00, a título de indemnização legal de antiguidade.
- € 485,00, da retribuição de maio e € 64,67 de junho de 2012.
- € 355,67, a título de férias vencidas em 1 de janeiro de 2012 e não gozadas.
- € 355,67, do correspetivo subsídio de férias.
- € 456,00, de proporcionais de férias e de subsídios de férias e de Natal vencidos com a cessação do contrato.
D) - Condenar a Ré a pagar ao Autor as retribuições que deixou de auferir desde os 30 dias anteriores à propositura da ação até ao trânsito em julgado da sentença, descontando-se 48 dias desse período, que ora se liquidam em € 8,682,50.
E) - Condenar a Ré a pagar ao Autor as retribuições que deixou de auferir desde os 30 dias anteriores à propositura da ação até ao trânsito em julgado da sentença, descontando-se 48 dias desse período, correspondendo a € 150,00 por cada loja de rua e € 200,00 por cada loja de centro comercial, a liquidar em execução de sentença, não podendo exceder € 1.261,00 por cada mês.
F) - Condenar a Ré a pagar ao Autor a retribuição de férias e subsidio de férias vencidas em janeiro de 2012 correspondentes a 22/30 sobre a media mensal de € 150,00 por cada loja de rua e € 200,00 por cada loja de centro comercial nos doze meses de 2011, a liquidar em execução de sentença, não podendo exceder € 1.261,00.
G)- Condenar a Ré a pagar ao Autor férias e subsídio de férias proporcionais ao tempo de duração do contrato de trabalho em 2012, correspondentes a € 150,00 por cada loja de rua e € 200,00 por cada loja de centro comercial em junho de 2011, a liquidar em execução de sentença.
H)- Condenar a Ré a restituir ao Autor € 9.671,00 que este pagou a título de antecipação do preço da compra de veículo.
I) - Condenar a Ré a restituir ao Autor uma fotocopiadora de marca Konika Minolta, modelo B.C20.
Perfaz a quantia líquida desta condenação o total de € 23.465,51.
Sobre € 1.717,01 desde 18/8/2012.acrescida de juros de mora à taxa legal.
Do demais pedido vai a Ré absolvida.
Custas por Autor e Ré na proporção de 1/3 e 2/3, respetivamente.
(…)”;
4. A «BAM, Lda.», recorreu da Sentença proferida pelo Tribunal do Trabalho para o Tribunal da Relação do Porto, o qual julgou o recurso improcedente e manteve a Sentença recorrida, mediante Acórdão transitado em julgado em 15 de dezembro de 2014. (fls. 28 a 53 autos e fls. 54 do processo administrativo - PA);
5. O Autor deduziu o Incidente de Liquidação de Sentença, para liquidar as quantias ilíquidas em que o Réu fora condenado, tendo sido alcançado acordo no dia 15 de outubro de 2015, sendo liquidado o valor objeto do incidente em € 42.996,70, quantia a pagar em 39 prestações. (fls. 54 e 55 dos autos);
6. Em 7 de julho de 2016, a «BAM, Lda.», apresentou um Processo Especial de Revitalização, que correu os seus termos na Comarca do Porto -Santo Tirso - Inst. Central – 1ª Sec. Comércio - J3, proc. n.° 2141/16.3T8STS; o qual foi aprovado e reconhecido o crédito do Autor em € 36.246,00. (fls. 56 a 87 autos e fls. 8 do PA)
7. Em 12 de agosto de 2016, o Autor requereu ao Fundo de Garantia Salarial o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, mencionando auferir a retribuição (base) mensal ilíquida de € 1.746,00 e requerendo o pagamento dos créditos relativos a indemnização/compensação por cessação do contrato de trabalho no montante de € 36.996,70. (fls. 51 e 52 do PA);
8. O Fundo de Garantia Salarial indeferiu o pedido do Autor, com o seguinte fundamento: «O(s) fundamentos(s) para o indeferimento é (são) o(s) seguinte(s): - O requerimento não foi apresentado no prazo de 1 ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, nos termos do n.° 8 do art.° 2.° do Dec.-Lei n.° 59/2015, de 21 de abril (…)”
(…)”.
*
III.2 - DO DIREITO
Cumpre decidir, sendo que, como se referiu supra, a única questão que se mostra controversa e objeto do presente recurso jurisdicional consiste em saber se a sentença recorrida, ao improcedência da presente ação, incorreu em erro de julgamento de direito, por não se mostrarem os créditos laborais reclamados nos autos vencidos fora do período de referência de seis meses da data de instauração da ação de insolvência/processo especial de revitalização.
Vejamos, convocando, desde já, a fundamentação que, neste particular conspecto, ficou vertida na sentença recorrida:
“(…)
O Fundo de Garantia Salarial efetua o pagamento dos créditos salariais, nos termos do Decreto-Lei n.° 59/2015, de 21 de abril, que aprovou o Regime Material do Fundo de Garantia Salarial (RMFGS), o qual estabelece um limite temporal e um limite das importâncias a pagar nos seguintes termos:
Artigo 2.° (Créditos abrangidos)
1- Os créditos referidos no n.° 1 do artigo anterior abrangem os créditos do trabalhador emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação.
(...)
4 - O Fundo assegura o pagamento dos créditos previstos no n.° 1 que se tenham vencido nos seis meses anteriores à propositura da ação de insolvência ou à apresentação do requerimento no processo especial de revitalização ou do requerimento de utilização do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas.
5- Caso não existam créditos vencidos no período de referência mencionado no número anterior ou o seu montante seja inferior ao limite máximo definido no n.° 1 do artigo seguinte, o Fundo assegura o pagamento, até este limite, de créditos vencidos após o referido período de referência.
(.)
8 - O Fundo só assegura o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
(.)
Artigo 3.° (Limites das importâncias pagas)
1 - O Fundo assegura o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, referidos no n.° 1 do artigo anterior, com o limite máximo global equivalente a seis meses de retribuição, e com o limite máximo mensal correspondente ao triplo da retribuição mínima mensal garantida.
Conforme se pode ver pelo que fica transcrito, verifica-se que o Fundo de Garantia Salarial apenas assegura o pagamento os créditos salariais que:
1) Se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação de insolvência, falência, recuperação de empresa ou do início do procedimento extrajudicial de conciliação;
2) Se tenham vencido após o respetivo período de referência, caso não haja créditos vencidos nesse período ou o seu montante seja inferior ao limite máximo legalmente estabelecido.
3) O valor máximo assegurado é o equivalente a seis meses de retribuição que o trabalhador auferia, não podendo o montante da retribuição (mensal, que o trabalhador auferisse) exceder o triplo do salário mínimo nacional.
4) Só são assegurados os créditos que tenham sido requeridos no prazo de um ano após a cessação do contrato de trabalho.
No seguimento do que se acaba de referir, verifica-se que cada trabalhador apenas tem direito a uma compensação corresponde a seis meses de retribuição que aufira. Assim, quando o legislador refere que há um limite máximo global equivalente a seis meses de remuneração, quer estabelecer um limite concreto exatamente igual a seis meses de remuneração. Para o caso de a remuneração do trabalhador ser de valor superior a três vezes a retribuição mínima mensal garantida, o legislador estabelece um limite de pagamento mensal, que é o triplo da retribuição mínima mensal garantida. Diga-se, aliás, que caso não se interpretasse a norma no sentido de haver um limite mensal da remuneração do trabalhador, isso significava que, afinal não havia limite mensal da remuneração, pois que então a remuneração podia ser excedida até ao limite global total.
Em face do exposto, conclui-se que o Fundo de Garantia Salarial apenas assegura o pagamento de seis salários, sendo que caso o salário seja superior ao triplo do salário mínimo nacional, reduz o valor mensal a este triplo, pagando apenas e sempre seis salários.
Importa agora saber qual o valor de referência que se deve ter em conta, ou seja, qual a remuneração mensal garantida que deve ser atendida. Ora, sendo o Fundo de Garantia Salarial um regime social de auxílio a quem fique desempregado, com remunerações do trabalho em dívida, deve aplicar-se o valor da remuneração mínima mensal garantida que esteja em vigor no ano da cessação do contrato de trabalho. Desta forma, deve ser tido em consideração o ano de 2012.
O salário mínimo no ano de 2012, correspondia a € 485,00, conforme decorria do disposto no artigo 1.°, n.° 1 do Decreto-Lei n.° 143/2010, de 31 de dezembro.
No seguimento do que acima se referiu, o trabalhador apenas tem direito a um máximo mensal que corresponda ao somatório de três salários mínimos nacionais (legalmente dita por retribuição mínima mensal garantida). Assim, € 485x3=1455.
Desta forma, este valor máximo mensal de € 1455,00, é o que vai ser levado em consideração para o apuramento do valor máximo total a que o trabalhador tem direito, enquanto compensação a atribuir pelo Fundo de Garantia Salarial. Isto, não obstante o salário do Autor ser superior (era de € 1746,00), o legislador —reduz” ou reconduz, o valor mensal ao triplo da remuneração mínima mensal garantida por lei. Desta forma, o Autor não tem direito a ver calculada o pagamento pelo Fundo de Garantia Salarial, pelo seu salário efetivo, mas antes pela explicitada fórmula legal. Desta forma, o valor máximo total a que o Autor tem direito, corresponde a seis vezes a estes € 1455,00. Assim, 1455x6=8730.
Significa isto que o Autor apenas terá direito ao valor máximo total de € 8730,00, mesmo que possa ter ainda mais créditos laborais, o Fundo de Garantia Salarial apenas é legalmente obrigado a pagar até este valor.
Este regime atualmente vigente, é exatamente te igual ao anterior, conforme decorria do n.° 1 do artigo 320.° da Lei n.° 35/2004, de 29/07 (Regulamentação do Código do Trabalho), que estabelecia o mesmo limite ao valor do pagamento dos créditos laborais; qual dispunha: ARTIGO 320.° (LIMITES DAS IMPORTÂNCIAS PAGAS)
1- Os créditos são pagos até ao montante equivalente a seis meses de retribuição, não podendo o montante desta exceder o triplo da retribuição mínima mensal garantida.
2- Se o trabalhador for titular de créditos correspondentes a prestações diversas, o pagamento é prioritariamente imputado à retribuição.
3- Às importâncias pagas são deduzidos os valores correspondentes às contribuições para a segurança social e à retenção na fonte de imposto sobre o rendimento que forem devidos.
4- A satisfação de créditos do trabalhador efetuada pelo Fundo de Garantia Salarial não libera o empregador da obrigação de pagamento do valor correspondente à taxa contributiva por ele devida.
Efetuado este enquadramento prévio, cumpre então saber se o ato impugnado podia ter decidido pelo não conhecimento da pretensão do Autor, com fundamento no decurso do prazo de um ano após a cessação do contrato de trabalho.
Conforme acima foi dado como provado na alínea 1) da matéria de facto, o contrato de trabalho do autor cessou em junho de 2012.
Por sua vez, o Decreto-Lei 59/2015, de 21 de abril, que aprova o novo regime material do Fundo de Garantia Salarial, entrou em vigor no dia 4 de maio de 2015 (por ser o 1.° dia útil do mês seguinte após a publicação, conforme determinava a norma de entrada em vigor do diploma em referência - artigo 5.° do Decreto-Lei).
Em face do exposto, conclui-se que era de todo impossível em junho de 2012, prever que a partir de maio de 2015, o prazo disponível para requerer os créditos laborais ao Fundo de Garantia Salarial iria ser alterado.
Assim, a situação deve ser analisada em função da aplicação das leis no tempo.
Ora, nos termos do artigo 2.°, n.° 8 do Regime material do Fundo de Garantia Salarial: «O Fundo só assegura o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho».
Com esta disposição, o legislador veio estabelecer um novo facto a ser tido em consideração para o decurso do prazo disponível para acionar um direito. Daí que tal prazo se deve considerar de caducidade, ao invés do que anteriormente sucedia, pois que se tratava de um prazo de prescrição. O legislador passou a prever um novo facto, sujeito a um novo prazo para impulsionar o exercício de um direito, ou seja, estabeleceu pela primeira vez um prazo por correspondência à data da cessação do contrato de trabalho; já não à data da prescrição dos créditos laborais.
Ou seja, o anterior regime não previa um prazo de caducidade, mas fazia depender o pagamento dos créditos do facto de serem requeridos ao Fundo de Garantia Salarial até três meses antes da respetiva prescrição, conforme resultava do artigo 319.°, n.° 3 Lei n.° 35/2004, de 29/07 (Regulamentação do Código do Trabalho), que estabelecia: ARTIGO 319.° (CRÉDITOS ABRANGIDOS)
1- O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos previstos no artigo 317.° que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação ou apresentação do requerimento referido no artigo anterior.
2 - Caso não haja créditos vencidos no período de referência mencionado no número anterior, ou o seu montante seja inferior ao limite máximo definido no n.° 1 do artigo seguinte, o Fundo de Garantia Salarial assegura até este limite o pagamento de créditos vencidos após o referido período de referência.
3 - O Fundo de Garantia Salarial só assegura o pagamento dos créditos que lhe sejam reclamados até três meses antes da respetiva prescrição.
Desta forma, o anterior regime não continha situação idêntica, sendo que nem sequer a existência da referência ao prazo de prescrição dos créditos laborais é equiparável, uma vez que se tratam de situações distintas, pois que agora se trata de um prazo de caducidade estabelecido para o exercício de um direito (artigos 298.°, n.° 2 e 40.° do Código Civil).
Daí que somos do entendimento, não estar em causa uma mera alteração de prazos, mas uma alteração do regime jurídico de acesso a um direito, baseado em factos diferentes.
Assim, atualmente o facto é a cessação do contrato de trabalho; enquanto anteriormente, o facto era a prescrição do crédito laboral. Isto porque, se trata efetivamente de um facto novo, conforme, aliás, ressalta do preâmbulo do Dec.-Lei 59/2015, de 21 de abril, que a dado passo refere: «passando-se agora, no entanto, a prever que o pagamento dos créditos requeridos é assegurado até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.»
E o início da contagem do prazo para cada um destes factos é diferente ou pode ser diferente. Por isso, não se afigura muito curial que possa ser aplicado o regime do artigo 297.° do Código Civil, uma vez que este implica que o início do prazo que esteja em causa, decorre do mesmo facto ou se inicie exatamente no mesmo momento. Sucede que, nos créditos laborais, o prazo disponível para acionar o direito de crédito pode ser alterado em função de diversos fatores, como por exemplo a instauração de uma ação no Tribunal do Trabalho ou o reconhecimento do crédito laboral na ação de insolvência. Significa isto, que o dia de início de contagem do prazo para acionar o direito muda ou pode mudar em face das circunstâncias do caso concreto. Desta forma, havendo sentença transitada em julgado a reconhecer créditos laborais, é a partir da data do trânsito em julgado da sentença que se inicia a contagem do prazo de prescrição desse crédito. Enquanto, no novo regime, o prazo inicia-se sempre com a cessação do contrato de trabalho.
Desta forma, a questão deve ser resolvida segundo o regime de aplicação das leis no tempo, estabelecido no artigo 12.° do Código Civil, preceito que dispõe o seguinte: ARTIGO 12.° (Aplicação das leis no tempo. Princípio geral)
1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroativa, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.
2. Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.
Considerando que o n.° 8 do artigo 2.°, vem inovadoramente dispor sobre as condições de validade formal do pedido de pagamento de créditos laborais, deve entender-se que só visa os factos novos. Ou seja, só pode aplicar-se às situações que ocorram após a sua entrada em vigor. Por outras palavras, o prazo de um ano apenas se aplica aos contratos de trabalho que cessem após o dia 4 de maio de 2015.
Para explicitar melhor o nosso raciocínio recorre-se às palavras do Prof. Baptista Machado, escritas na obra, Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil, em 1968 (Baptista Machado in «Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador», 13.a reimpressão, Almedina, Coimbra, 2001, págs. 219 e seguintes; e Parecer do Conselho Consultivo n.° 11/2003, de 27.02.2003, in DR, II série, de 05/06/2003). Aí se pode ler que há duas categorias de normas: as que regulam factos e as que regulam direitos. As primeiras são fixadas por leis que simplesmente determinam os efeitos, isto é, as consequências jurídicas, incluindo o efeito constitutivo de um facto, normas estas que, em caso de dúvida, só valem para o futuro (1.a parte do n.° 2 do artigo 12.° do Código Civil). As segundas, são estabelecidas por leis que regulam direitos, independentemente dos respetivos factos constitutivos e, no que a estas diz respeito, deve presumir-se que abrangem as próprias situações já existentes, podendo modificar-lhes o conteúdo ou até suprimi-lo (2ª. parte do n.° 2 do artigo 12.° do Código Civil).
Ora, o n.° 8 do artigo 2.°, do Regime material do Fundo de Garantia Salarial, não cria, nem extingue direitos, limitando-se a estabelecer o facto impeditivo do acionamento do direito: um ano após a cessação do contrato de trabalho. Facto este que é novo no regime jurídico em apreço. Desta forma, a introdução de um facto novo impeditivo do pagamento de créditos salariais, corresponde a uma retroatividade da lei nova, uma vez que trata inovadoramente de facto não anteriormente previsto como fundamento para o não pagamento dos referidos créditos. Daí que, o período de tempo que tivesse decorrido antes da entrada em vigor da nova lei, não continha qualquer efeito jurídico, por isso nunca pode ser levado em consideração para efeitos de aplicação do novo prazo estabelecido, no n.° 8 do artigo 2.° do Regime material do Fundo de Garantia Salarial. Até porque, o prazo de um ano já se encontrava esgotado à data da entrada em vigor da nova lei.
Significa isto, que somente para os contratos de trabalho cessados após o dia 4 de maio de 2015, é que pode funcionar o regime do n.° 8 do artigo 2.° do dito Regime. Daqui resulta, que se deve então aplicar o anterior regime relativo ao pagamento de créditos laborais.
Ora, o anterior regime não previa um prazo de caducidade, mas fazia depender o pagamento dos créditos ao facto de serem requeridos ao Fundo de Garantia Salarial até três meses antes da respetiva prescrição, conforme resultava do artigo 319.°, n.° 3 Lei n.° 35/2004, de 29/07 (Regulamentação do Código do Trabalho), já acima transcrito.
Conforme acima dado por assente, o Autor intentou uma ação no Tribunal do Trabalho, que lhe reconheceu o direito a diversos créditos laborais (e outros), conforme elencado nas diversas subalíneas da alínea 3) da matéria de facto supra. Aquela decisão judicial transitou em julgado no dia 15 de dezembro de 2014 - vide alínea 4) da matéria de facto supra.
Segundo a aplicação das disposições conjugadas dos artigos 311.°, n.° 1 e 309.° do Código Civil, uma vez reconhecido o crédito por sentença transitada em julgado, o prazo de prescrição passa a ser o ordinário, ou seja, de 20 anos.
Desta forma, no momento do pedido ao Fundo de créditos laborais ainda não havia decorrido qualquer prazo de prescrição, pelo que o pedido do Autor devia ter sido apreciado.
Resulta, então que, em face do regime anterior, o pedido do Autor tinha de ser apreciado, nos termos do disposto no n.° 3 do artigo 319.° da Lei n.° 35/2004, uma vez que o crédito laboral ainda não se encontrava prescrito.
Significa isto que a decisão enferma de vício de violação de lei, pelo que deve ser anulada. Como o Fundo de Garantia Salarial não se pronunciou sobre o mérito da pretensão do Autor, deveria ser agora ordenada essa pronúncia.
No entanto, estabelece o artigo 71.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), que o Tribunal deve pronunciar-se sobre a pretensão material do interessado, impondo a prática do ato devido, se for caso disso.
Desta forma, compete analisar a pretensão do Autor.
Para apreciar o mérito da pretensão do Autor, compete analisar o regime jurídico do Fundo de Garantia Salarial. Ora, aplicando-se o anterior regime ou o atual, as normas materiais sobre o assunto são idênticas, pelo que o raciocínio a efetuar vale para qualquer um dos regimes.
Assim, começando por analisar o disposto no artigo 319.° (acima transcrito) da Lei n.° 35/2004, de 29/07 (Regulamentação do Código do Trabalho), verifica-se que apresenta conteúdo material igual ao atual Regime Material do Fundo de Garantia Salarial (RMFGS); o qual estabelece um limite temporal e um limite das importâncias a pagar nos seguintes termos: Artigo 2.° (Créditos abrangidos)
1 - Os créditos referidos no n.° 1 do artigo anterior abrangem os créditos do trabalhador emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação.
(...)
4 - O Fundo assegura o pagamento dos créditos previstos no n.° 1 que se tenham vencido nos seis meses anteriores à propositura da ação de insolvência ou à apresentação do requerimento no processo especial de revitalização ou do requerimento de utilização do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas.
5 - Caso não existam créditos vencidos no período de referência mencionado no número anterior ou o seu montante seja inferior ao limite máximo definido no n.° 1 do artigo seguinte, o Fundo assegura o pagamento, até este limite, de créditos vencidos após o referido período de referência.
Em primeiro lugar compete verificar se existem créditos vencidos nos seis meses anteriores à data da propositura da ação de insolvência, conforme decorre do n.° 4 do preceito em apreço, que é idêntico ao n.° 1 do 319.°, Lei n.° 35/2004, de 29 de julho, já acima citada.
No seguimento do que acima se deu por assente na alínea 3) da matéria de facto, verifica-se que existem dois tipos de créditos laborais que se venceram em momentos diferentes. Assim, os créditos relativos a remunerações, subsídios de Natal e de férias, venceram-se no momento em que eram devidos, ou seja, ainda antes da cessação do contrato de trabalho. A indemnização por antiguidade e os proporcionais de férias e de subsídios de férias e de Natal vencidos com a cessação do contrato, férias vencidas e não gozadas, venceram-se na data da cessação do contrato de trabalho. Significa isto que os créditos mencionados nas subalíneas C), F) e G) da alínea 3) da matéria de facto, se encontra fora do período de referência. Ou seja, uns venceram-se ainda durante a vigência do contrato de trabalho, e outros, na data da cessação deste, que ocorreu em junho de 2012; portanto há mais de seis meses da data da propositura da ação de insolvência (intentada em 7 de julho de 2016), pelo que não são devidos.
Os créditos mencionados nas subalíneas D) e E) da alínea 3) da matéria de facto, venceram-se com a prolação da sentença, ou melhor, com o trânsito em julgado do Acórdão da Relação. Isto porque, se tratam de créditos vencidos após a cessão do contrato de trabalho, e apenas com a Sentença, uma vez que, não fora aquela ação do foro laboral, tais créditos não seriam reconhecidos ao trabalhador. Assim, os créditos relativos a retribuições que o Autor deixou de auferir desde os 30 dias anteriores à propositura da ação laboral até ao trânsito em julgado da sentença do tribunal do Trabalho, venceram-se na data do trânsito em julgado do Acórdão da Relação, ou seja, no dia 15 de dezembro de 2014. Sucede que estes créditos também distam mais de seis meses da data da propositura da ação de insolvência (7 de julho de 2016), pelo que também, não são devidos.
Os demais créditos julgados procedente pelo Tribunal do Trabalho, não são créditos laborais (como a restituição ao Autor € 9.671,00 que este pagou a título de antecipação do preço da compra de veículo), pelo não podem ser tidos em consideração (E, ainda que o fossem, também se encontravam fora do período de referência).
Ainda que, eventualmente, se pudesse considerar ter ocorrido o vencimento dos créditos laborais na data do acordo alcançado na transação efetuada no Incidente de Liquidação de Sentença, tal momento também se encontra fora do período de referência. Assim, tendo sido alcançado acordo no dia 15 de outubro de 2015 - vide alínea 5) da matéria de facto - o mesmo dista mais de seis meses da instauração da ação de insolvência, que foi proposta no dia 7 de julho de 2016.
Em face do exposto, conclui-se que todos créditos laborais do Autor se encontram, fora do período de referência, ou seja, venceram-se há mais de seis meses da data da instauração da ação de insolvência, pelo que não são devidos.
Daqui resulta, que a presente ação não pode ser julgada procedente, uma vez que não preenche os pressupostos legais para o efeito; no caso, o vencimento dos créditos laborais dentro do período de referência.
(…)”
E o assim decidido, adiantamos já, embora por motivação não coincidente, é de manter.
Vejamos porquê, começando por se sublinhar que, atendendo à data do requerimento apresentado pelo Autor, a matéria visada nos autos é predominantemente regulada pelo Decreto-Lei nº. 59/2015, de 21 de abril, que aprova o novo regime do Fundo de Garantia Salarial.
Com efeito, nos termos do prescrito no art.º 3.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, ficam sujeitos ao novo regime do Fundo de Garantia Salarial, os requerimentos apresentados após a sua entrada em vigor.
Todavia, a decisão judicial recorrida labora em aparente equívoco ao aplicar ao caso versado o regime previsto no artigo 319º da Lei nº. 35/2004, de 29.07, com base no entendimento a redação desta norma material é idêntica ao normativo previsto no regime atual, uma vez que o nº.1 do artigo 319º não faz previsão ao Processo Especial de Revitalização, que assume um papel preponderante na determinação da solução a dar ao presente recurso.
Acontece, porém, que essa imprecisão não se repercute decisivamente no sentido da decisão deste recurso, considerando a jurisprudência já emanada por este Tribunal Central Administrativo Norte no sentido da integração no âmbito da Lei nº. 35/2004, de 29.07, do PER também como ponto de partida para a contagem do prazo de referência, sendo certo que, ainda que assim não fosse, sendo idêntico o prazo de 6 meses de referência previsto no nº.1 do artigo 319º da Lei nº. 35/2004, de 29.07 [entretanto revogada] e no nº.2 do artigo 4º da atual Lei nº. 59/2015, de 21.04, o mesmo conta-se da propositura da ação de insolvência [no regime anterior e atual] ou da apresentação do requerimento no processo especial de revitalização ou do requerimento de utilização do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas [exclusivamente no regime atual].
O que serve para concluir que o raciocínio a operar nesta matéria vale para qualquer um dos regimes.
Dissolvida a questão da lei temporalmente aplicável ao caso agora em apreciação e da irrelevância decisória do regime anterior aplicado na sentença recorrida, vejamos, agora, se a pretensão do A. respeita a condição atinente ao período de referência estipulado na lei atual.
Dispõe o art.º 2.º, n.º 4 da Lei nº. 59/2015, de 21.04, que o Fundo assegura o “(…) pagamento dos créditos (…) que se tenham vencido nos seis meses anteriores à propositura da ação de insolvência ou à apresentação do requerimento no processo especial de revitalização ou do requerimento de utilização do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas (…)”.
Do cotejo da matéria de facto apurada resulta, para o que ora nos interessa, que o Autor foi trabalhador da empresa «BAM, Lda.», desde outubro de 2007, até ao dia 14 de junho de 2012, data em que foi cessado o contrato por aquela empresa.
Nessa sequência, o A. propôs contra a entidade empregadora, ação emergente de contrato de trabalho, que correu termos no Tribunal de Trabalho sob o n.º de processo 422/15.12.4TTGDM, com a finalidade de impugnar o seu despedimento e obter o pagamento dos seus créditos laborais.
Nesta ação, foi proferida sentença em 03.03.2014, e transitada em 15.12.2014, que declarou a ilicitude do seu despedimento e condenou a entidade empregadora do A. a pagar-lhe os seguintes montantes: (i) € 3.395,00, a título de indemnização legal de antiguidade; (ii) € 485,00, da retribuição de maio e € 64,67 de junho de 2012.; (iii) € 355,67, a título de férias vencidas em 1 de janeiro de 2012 e não gozadas; (iv) € 355,67, do correspetivo subsídio de férias; 5° - € 456,00, de proporcionais de férias e de subsídios de férias e de Natal vencidos com a cessação do contrato; (v) as retribuições que deixou de auferir desde os 30 dias anteriores à propositura da ação até ao trânsito em julgado da sentença, descontando-se 48 dias desse período, que ora se liquidam em € 8,682,50; (vi) as retribuições que deixou de auferir desde os 30 dias anteriores à propositura da ação até ao trânsito em julgado da sentença, descontando-se 48 dias desse período, correspondendo a € 150,00 por cada loja de rua e € 200,00 por cada loja de centro comercial, a liquidar em execução de sentença, não podendo exceder € 1.261,00 por cada mês; (vii) a retribuição de férias e subsidio de férias vencidas em janeiro de 2012 correspondentes a 22/30 sobre a media mensal de € 150,00 por cada loja de rua e € 200,00 por cada loja de centro comercial nos doze meses de 2011, a liquidar em execução de sentença, não podendo exceder € 1.261,00; (viii) e as férias e subsídio de férias proporcionais ao tempo de duração do contrato de trabalho em 2012, correspondentes a € 150,00 por cada loja de rua e € 200,00 por cada loja de centro comercial em junho de 2011, a liquidar em execução de sentença.
Sequentemente, o Autor, aqui Recorrente, deduziu o incidente de liquidação de sentença para liquidar as quantias ilíquidas em que o Réu fora condenado, tendo sido alcançado acordo no dia 15 de outubro de 2015, sendo liquidado o valor objeto do incidente em € 42.996,70, quantia a pagar em 39 prestações, sendo que, em 07 de julho de 2016, a «BAM, Lda.», apresentou um Processo Especial de Revitalização, que correu os seus termos na Comarca do Porto -Santo Tirso - Inst. Central – 1ª Sec. Comércio - J3, proc. n.° 2141/16.3T8STS; o qual foi aprovado e reconhecido o crédito do Autor em € 36.246,00.
Ora, da factualidade enunciada emerge, sem qualquer dúvida, que a data que releva para efeitos de determinação do momento do vencimento dos créditos salariais reclamados pela A. é, no máximo, a data em que foi declarada judicialmente a ilicitude do seu despedimento, correspondente à data em que transitou em julgado a sentença promanada pelo Tribunal de Trabalho, ou seja, 15.12.2014.
Com efeito, sopesando o disposto nos art.º 127.º, al. b), 263.º, 264.º, n.ºs 1, 2 e 3, 273º, n.º 1, 278º, 337.º e 398.º do Código do Trabalho [na versão aplicável à data dos factos], impera concluir que a data de vencimento dos créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho nunca vai para além de 15.12.2014.
E tal assim é pois que, nos termos das disposições citadas, a entidade empregadora fica constituída na obrigação de proceder ao pagamento dos salários e das retribuições inerentes a férias não gozadas, subsídios de férias e de Natal e respetivos proporcionais, bem como indemnização se for o caso, a partir da data da cessação do contrato de trabalho.
O que significa que, para todos os efeitos, o trabalhador adquire o direito de crédito respetivo precisamente na mesma data.
Do que vem de se dizer decorre, com evidência, que a data do vencimento das obrigações da entidade empregadora perante a A. é, no máximo, a da declaração judicial da ilicitude do seu despedimento, ou seja, 15.12.2014.
Ora, tendo o Processo Especial de Revitalização [PER] sido apresentado em 07.07.2016, o período de referência aludido no artigo no art.º 2.º, n.º 4 do NRFGS situa-se entre 07.07.2016 e 07.01.2016.
Deste modo, verificado que está que os créditos salariais em discussão venceram-se nunca para além de 15.12.2014, forçoso é concluir que não se encontra verificado o requisito previsto no art.º 2.º, n.º 4 do NRFGS, visto que a data de vencimento dos créditos sucedeu já fora do prazo de seis meses anterior à apresentação do PER.
E não se invoque que houve necessidade de se deduzir o competente incidente de liquidação de sentença para liquidar as quantias ilíquidas em que o Réu fora condenado, no qual foi alcançado acordo no dia 15 de outubro de 2015.
De igual modo, não se argumente que a entidade empregadora do Autor foi sujeita a um Processo Especial de Revitalização, o qual foi aprovado e reconhecido o crédito do Autor em € 36.246,00.
É que tais circunstâncias e argumentos não resulta qualquer efeito ou alteração aos termos do que já se expôs.
Efetivamente, o incidente de liquidação de sentença e o processo especial de revitalização nada tem que a ver com a data de vencimento dos créditos em causa, nem alterando o citado momento de vencimento.
Ademais, e como escreveu este Tribunal no Acórdão proferido em 14.03.2013 no processo n.º 99/13.0BEPRT, importa não confundir a exigibilidade do crédito com a executoriedade do mesmo.
“Uma coisa é o direito que o credor tem, verificados determinados pressupostos, de exigir a prestação; outra coisa bem diversa, é a possibilidade de através da máquina judicial, procurar forçar o devedor a prestar-lha.
A exigibilidade decorre do vencimento da obrigação (do "momento em que a obrigação deve ser cumprida”, Galvão Teles, "Direito das Obrigações”, 5ª edição, 217) a executoriedade (entre outras possibilidades) da sentença judicial transitada em julgado.
Ao prever que o Fundo de Garantia Salarial possa pagar nos termos previstos nos artigos 317º e seguintes Lei nº. 35/2004, o legislador bastou-se com a exigibilidade do crédito, considerando suficiente que se tenha vencido.
Não impôs, portanto, que sobre ele se haja constituído um título executivo.
E bem se compreende que assim seja.
Com efeito, (…) a criação deste Fundo teve como objetivo fundamental garantir, essencialmente em tempo útil, o pagamento das prestações referidas na lei, bem sabendo o legislador que a habitual morosidade dos tribunais é incompatível com a liquidação célere dessas prestações.
E não faria qualquer sentido que, por um lado, previsse o pagamento pelo Fundo, com o objetivo de garantir um rápido acesso às prestações devidas, e depois sujeitasse o interessado à prévia obrigação de obter uma sentença judicial transitada em julgado como sua condição, decisão que amiudadas vezes demora alguns pares de anos.
Por outro lado, ao prever a sub-rogação do Fundo nos direitos do trabalhador [cfr. artigo 322º] o legislador contemplou, justamente, que pagando o Fundo num primeiro momento, na sequência do vencimento de algumas obrigações laborais, era possível que a entidade patronal viesse a conseguir pagar mais tarde, num segundo momento, voluntariamente, ou por via de ação no tribunal do trabalho, ou, ainda, por via do processo de falência (ou similar).
Desta forma, o Autor deveria ter acionado o Fundo de Garantia Salarial dentro dos seis meses após o vencimento dos seus créditos e não esperado para ver se obtinha o pagamento através de liquidação a efetuar em sede de processo executivo.
Não o tendo feito, haverá, pois, de se entender que os créditos do Autor se venceram antes do período de seis meses que antecedeu a data da propositura da ação de insolvência [04.08.2012].”
Em concomitância, saliente-se que, considerando a data de vencimento dos créditos reclamados pelo A., decorre, igualmente, não se estar perante a situação prevista no n.º 5 do art.º 2 do Decreto-Lei nº. 59/2015, ou seja, os créditos reclamados pela A. não se venceram em período posterior ao sobredito período de referência.
Em derradeiro lugar, releva convocar a recente Jurisprudência emitida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, em que se pretendia fixar uma interpretação para os art.ºs 4º e 10º da Diretiva 80/987/CEE do Conselho, concretamente, apurar se os termos em que Portugal, enquanto Estado-Membro da União Europeia, fixou as garantias de pagamento dos créditos em dívida aos trabalhadores assalariados emergentes de contratos de trabalho, especificamente no que se refere ao período situado antes de determinada data, seriam compatíveis com a citada legislação da União Europeia.
No Acórdão produzido em 28.11.2013 por aquela Alta Instância - Tribunal de Justiça da União Europeia -, declarou-se que a Diretiva 80/987/CEE “deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional que não garante os créditos salariais vencidos mais de seis meses antes da propositura da ação de insolvência do empregador, mesmo quando os trabalhadores tenham proposto, antes do início desse período, uma ação judicial contra o seu empregador, com vista à fixação do valor desses créditos e à sua cobrança coerciva”.
O que serve para concluir que o regime garantia fixado por Portugal nesta matéria resulta perfeitamente compatível com a Diretiva 80/987/CEE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Outubro, relativa à proteção dos trabalhadores assalariados.
Destarte, atento o que antecede e perante o estabelecido no art.º 2.º, n.ºs 4 e 5 do NRFGS, é de manifesta evidência que os créditos salariais reclamados pelo A./R. não se enquadram no período de referência previsto nessa disposição legal.
Concludentemente, improcedem as conclusões de recurso em análise.
Mercê de tudo o quanto ficou exposto, deverá ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional e mantida a sentença recorrida, com a atual fundamentação.
Assim se decidirá.
* * *
IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em negar provimento ao recurso jurisdicional “sub judice”, ainda que com fundamentação diferente, e manter a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Registe e Notifique-se.
Porto, 12 de julho de 2019,
Ass. Ricardo de Oliveira e Sousa
Ass. Luís Migueis Garcia
Ass. Frederico de Frias Macedo Branco