Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01520/05.6BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/30/2011
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Anabela Ferreira Alves Russo
Descritores:ERRO DE JULGAMENTO
IVA
LIQUIDAÇÃO
CADUCIDADE
FACTURAS FALSAS
ÓNUS DA PROVA
ARTS. 7º, 19 N.º 3, 82º, N.º 2 E 88º DO CIVA
ARTS. 45º E 77º DA LGT
ART. 125º DO CPA
ARTS. 297º E 342º DO C.C.
Sumário:I – A alteração da matéria de facto em que a Recorrente assenta a sua pretensão anulatória, a verificar-se, poderá conduzir a um julgamento distinto daquele que foi adoptado, mas não implica, como é sabido, a nulidade da sentença.
II – Estando em causa liquidações relativas ao ano de 2001, o prazo de caducidade - que se tinha iniciado no dia imediato àquele em que ocorrera os respectivos factos tributários -, ainda se não tinha esgotado quando entrou em vigor a nova redacção dada a este normativo pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro pelo que, por força do preceituado nos ars. 297º, n.º 2 do C.C., 7º do CIVA e 45º da LGT, e tendo em consideração a notificação realizada a 29-8-2005, é de concluir que a caducidade do direito àquelas liquidações, naquela última data, ainda não tinha ocorrido.
III – Se Administração Fiscal enuncia de forma coerente um conjunto de factos e argumentos jurídicos passíveis de suportar a decisão que toma mostra-se cumprido o seu dever de fundamentação formal.
IV - Se a Administração Fiscal desconsidera facturas que reputa de falsas, compete-lhe fazer a prova de verificação dos pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade.
V - Realizada tal prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção que alega ter realizado.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:C..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
I - Relatório
C… Lda. com sede no Lugar…, Feira, NIPC 502 082 968, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que julgou improcedente a impugnação deduzida contra a liquidação de IVA referente ao exercício de 2001, interpôs o presente recurso jurisdicional, formulando as seguintes conclusões:
«a) A Douta Sentença recorrida fez um incorrecto entendimento da matéria de facto e de direito quanto à caducidade do Direito às Liquidações adicionais de IVA, com referência aos períodos em causa, ou seja, 01.01; 01.03; 01,04; 01.05; 01.06 e 01.07.
b) Sendo o IVA um imposto que incide sobre cada transmissão ou prestação de serviços e que tem, assim por base um facto isolado e instantâneo, há que considerá-lo como um imposto de obrigação única
c) Pelo que, antes da alteração introduzida no artigo 45°, n° 4 da Lei Geral Tributária, por força da Lei n° 32-B/2002, de 30 de Dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para 2003, apenas vigora para o futuro, ou seja, a partir de 01-01-2003 (Vide, Acórdão do S.T.A/Pleno, de 07-05-2003 - Recurso 26-806-02B), a contagem do prazo de caducidade da liquidação do IVA tinha de ser feita a partir da ocorrência dos factos tributários.
d) Pelo que, as facturas que deram origem às liquidações adicionais de IVA respeitantes aos períodos 01.01, 01.03, 01.04, 01.05, 01.06 e 01.07, no valor de 23.525,80 euros, bem como as liquidações de Juros Compensatórios referentes aos mesmos períodos no valor de 5.124,80 euros, caducaram em 30-07-2005.
e) E só o procedimento externo releva para efeitos de suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação do IVA, artigo 46°, no 1 da Lei Geral Tributária, conjugado com o artigo 13°, alínea a) do Regime Complementar do Procedimento da Inspecção, pelo que no caso sub júdice a Ordem de Serviço n° 01200501049, datada de 31 de Maio de 2003, sendo interna, não releva para efeitos de suspensão do prazo de caducidade.
f) Por isso, em matéria de facto no exercício de 2001, apenas estão em causa as facturas n°s 300 e 309, referidas no quadro do Ponto III.4.2. da página 11 do Relatório da Inspecção emitidas por A… - Sociedade Unipessoal, Lda., em que a própria inspecção Tributária, na página 9 do Relatório considera como verdadeiras as facturas de valor igual ou inferior a 1.000.000$00 (4.987,98 €).
g) Ou seja, se o emitente A… - Sociedade Unipessoal, Lda. tivesse desdobrado as facturas em duas, designadamente a factura n° 300 em duas facturas e a factura n° 309 em outras duas facturas, estas facturas já teriam sido consideradas verdadeiras, pois seriam de valor inferior a 1.000.000$00 (4.987,98 €).
h) Assim, as correcções fiscalmente levadas a efeito, basearam-se na presunção irreal e não demonstrada de que a impugnante ora recorrente, havia utilizado facturação fictícia na sua contabilidade e, com base nela, deduziu IVA superior ao devido.
i) Ora, as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios não estão fundamentadas, e isto, porque meras e genéricas considerações tais como as que vêm na página 7 do Relatório Interno onde se diz que “as sociedades estão indiciadas no crime de fraude fiscal, sem referir ou indicar qualquer facto concreto, não consubstancia uma correcta fundamentação.
j) Ao contrário, portanto, do que foi considerado na Douta Sentença recorrida, as liquidações adicionais de IVA, bem como dos juros compensatórios, não estão fundamentadas, sendo portanto, ilegais, por violação ao artigo 82°, n° 1 do CIVA, na sua redacção vigente à data da ocorrência dos factos tributários no exercício de 2001.
k) É que a Administração Tributária não carreou para os autos indícios objectivos e concretos de que as facturas por ela postas em causa não titulam verdadeiras transacções, uma vez que, tal como resulta do Relatório, a própria Administração Tributária deu como assente que a contabilidade da impugnante, ora recorrente, está regularmente organizada de harmonia com a lei comercial e fiscal (artigo 75º, n° 1 da L.G.T.).
l) Ou seja, a Administração Tributária aceitou que a escrita da impugnante reflecte o resultado efectivamente obtido em relação aos proveitos, aceitando como correctos os valores contabilizados das vendas e dos custos efectivamente suportados, onde se incluem as facturas por ela postas em causa como indispensáveis para obtenção dos proveitos.
m) O absoluto desconhecimento a que a Sentença recorrida vota, substancialmente, os factos alegados pela impugnante, ora recorrente, menospreza os princípios do inquisitório e do contraditório.
n) Ora, no procedimento administrativo que conduziu às liquidações impugnadas, a administração tributária não podia alterar o montante das deduções declarado, a menos que a actividade instrutória desenvolvida lhe permitisse concluir com segurança (e não permitiu, no caso sub judice) que às facturas em causa não correspondem transacções efectivas.
o) Tendo, apesar disso, procedido às correcções consubstanciadas nas liquidações impugnadas, a administração tributária violou, para além do art. 19°/3 do CIVA, de que fez uma errada aplicação, os princípios constitucional e legalmente consagrados, da proporcionalidade, da legalidade, da justiça, do inquisitório, da busca da verdade material, do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos (cfr. art. 266° 1 e 2 da CRP, art°s 55° e 58° da L.G.T. e violou o n°2 do artigo 82° do CIVA).
p) Segundo as regras do ónus da prova, antes de se poder onerar a impugnante, aqui recorrente, com a prova de que as facturas em causa correspondem a transacções efectivas, é à Administração Tributária que cabe demonstrar que tais facturas dizem respeito a operações simuladas, necessidade essa de prova que decore do artigo 190 -3 do CIVA, e está de acordo, v.g., com a regra geral de repartição do ónus da prova (art. 342.° do Código Civil), e com a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes, bem como dos dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade (art. 75º nº 1 da L.G.T. e artigo 82° do CIVA).
q) Sendo o artigo 82°, n° 1 (actual artigo 87°) do CIVA expresso no sentido de referir “quando fundamentadamente” considere ter havido deduções superiores ás devidas.”
r) Por isso, não pode a Administração Tributária, nesta situação concreta, pôr em causa as facturas de compra com IVA suportado pela impugnante, indispensáveis para a obtenção das vendas, facturas essas totalmente documentadas e pagas em cheque, pelo simples facto da Inspecção Tributária considerar e alegar que os emitentes das facturas são conhecidos como emitentes habituais de facturação falsa (Nesse sentido, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 06 de Março de 2008, Processo n° 00104/01, Relator: Dr. Fonseca Carvalho).
s) Entre outras disposições legais, a mui douta Sentença violou os antigos s°, n° 2 alínea a), 45°, n° 1 e 4, na redacção vigente à época, art. 77°, nº 1 e 99° da L.G.T., artigo 13° do C.P.P’.T,, artigo 82°, n° 1 do CIVA, artigo 659° e 668°, n° 1, alínea e) do C.P.C. e artigo 266°, n°2 e 103°, n° 3 da C.R.P.
Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre douto suprimento de V.Exas., entende a recorrente que deverá o presente Recurso ser julgado procedente e provado e, em consequência, seja proferida DECISÃO, na qual se reveja a matéria dada por provada e, em consequência, se revogue a DOUTA SENTENÇA recorrida, anulando-se por ilegais todas as liquidações de IVA, bem como de Juros compensatórios, objecto dos autos, a bem da JUSTIÇA.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Neste Tribunal o Magistrado do Ministério Público emitiu Parecer pugnando pela improcedência total do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Questões a decidir:
As questões sob recurso e que importa decidir, suscitadas e delimitadas pelas alegações e respectivas conclusões, são as seguintes:
- Saber se a sentença recorrida enferma de nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão.
- Saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento em matéria de direito ao ter julgado improcedente o pedido de declaração de caducidade do direito de liquidar o IVA relativo a facturas respeitantes aos períodos 01.01, 01.03, 01.04, 01.05, 01.06 e 01.07, no valor de 23.525,80 euros, bem como das liquidações de Juros Compensatórios referentes aos mesmos períodos no valor de 5.124,80 euros;
- Saber se a sentença sob recurso padece de erro de julgamento da matéria de direito por ter entendido que as liquidações de IVA se encontram devidamente fundamentadas;
- Saber se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento em matéria de facto ao ter considerado como fictícias as operações subjacentes às facturas desconsideradas pela Administração Fiscal para proceder à liquidação impugnada;
- Saber se a sentença recorrida errou de direito por ter decidido pela validade substantiva do acto tributário na parte em que desconsiderou os custos titulados por essas mesmas facturas.
II – Fundamentação de Facto
2.1. A 1ª instância deu como apurado o seguinte probatório:
1. A impugnante é uma sociedade comercial, que tem como objecto a indústria de cortiça.
2. Com base na ordem de serviço n° OI200501049, de 31.5.2005, foi determinado o procedimento interno de inspecção à impugnante, de âmbito parcial (IVA), ao exercício de 2001.
3. Na sequência de tal procedimento, a Administração Fiscal liquidou IVA do ano de 2001, por não aceitar a dedução de imposto.
4. Durante o ano de 2001, a impugnante registou, na sua contabilidade, as seguintes facturas de mercadorias adquiridas a C… e à sociedade A… – Sociedade Unipessoal, Lda:
Factura n.º Data Emissor - NIFINIPC Valor Base Valor IVA

1.525 11-01-2001 C………………………… – 138160554 1.518.100$ 258.077$
1.526 22-01-2001 C………………………… – 138160554 1.917.600$ 325.992$
1.529 29-01-2001 C…………………………. - 138160554 1.598.000$ 271.660$

TOTAL de Janeiro de 2001 (2001/01) 855.729$

1.530 02-03-2001 C…………………………… - 138160554 1. 184.400$ 201.348$
211 14-03-2001 A……….. - Soc.Unip., Lda - 504910930 1.966.480$ 334.302$1.
534 21-03-2001 C…………………………….. – 138160554 869.500$ 147.815$

TOTAL de Março de 2001 (2001/03) 683.465$

1.536 02-04-2001 C………………………………- 138160554 1.217.300$ 206.941$
1.538 11-04-2001 C……………………………….– 138160554 1.494.600$ 254.082$
1.540 27-04-2001 C…………………………………– 138160554 1.701.400$ 289.238$

TOTAL de Abril de 2001 (2001/04) 750.261$

1.546 27-05-2001 C……………………………………..- 138160554 1.710.800$ 290.836$
236 28-05-2001 A………………… - Soc.Unip., Lda - 504910930 1.776.600$ 302.022$
239 31-05-2001 A…………………- Soe. Unip., Lda - 504910930 1.398.720$ 237.782$

TOTAL de Maio de 2001 (2001/05) 830.640$

262 28-06-2001 A………………..- Soc.Unip., Lda - 504910930 2.105.600$ 357.952$
1.548 28-06-2001 C……………………………………… - 138160554 2.820.000$ 479.400$

TOTAL de Junho de 2001 (2001/06) 837.352$

290 26-07-2001 A…………… Soe. Unip., Lda - 504910930 1.607.400$ 273.258$
292 30-07-2001 A……………- Soc.Unip., Lda - 504910930 2.857.600$ 485.792$

TOTAL de Julho de 2001 (2001/07) 759.050$

300 18-09-2001 A………….. - Soc.Unip., Lda - 504910930 1.268.060$ 215.570$
TOTAL de Setembro de 2001 (2001/09) 215.570$

309 09-10-2001 A……………. - Soc.Unip., Lda - 504910930 1.898.800$ 322.796$


TOTAL de Outubro de 200] (200]/]0) 322.796$

TOTAL DO IVA DEDUZIDO COM BASE EM FACTURAS FALSAS NO ANO DE 2001 5.254.863$
5. Para justificar a não aceitação de dedução de IVA das aludidas facturas, a administração fiscal fez constar do relatório o seguinte:
Junta-se informação elaborada na sequência dos procedimentos de inspecção e investigações levadas a efeito aos emitentes supra mencionados, onde se prova que estes pseudo empresários e, ou sociedades estão indiciadas no crime de fraude fiscal pela utilização e emissão de "facturas falsas" e se concluí pela inexistência de actividade susceptível de suportar as alegadas aquisições efectuadas pela CORTIÇAS…, LDA, antes mencionadas.
O sujeito passivo, na resposta ao oficio nº 8405704, de 2003/05126 (vd. Anexo 1), remete cinco cartas, endereçadas a outras tantas agências bancárias, solicitando a estas fotocopia autenticadas, frente e verso, dos cheques que alegadamente teriam servido para pagamento das facturas em apreço.
Todavia, até à presente data, não foi recepcionado por estes serviços as fotocópias de tais cheques.
Embora tais fotocópias não fossem suficientes, no nosso entender, para deixar de classificar tais facturas como falsas, poderiam servir para aferir do verdadeiro beneficiário dos cheques emitidos pela CORTIÇAS …,LDA. e assim, aferir do grau de participação desta no crime de emissão de facturas falsas.
Pelo exposto e de acordo com os elementos recolhidos junto do emitente C…, consideramos que todas as facturas antes mencionadas deste pseudo empresário, não correspondem a efectivas aquisições de matérias primas, produtos ou serviços, efectuadas pela CORTIÇAS…, LDA, ao C…, correspondendo a documentos falsos, aquilo a que se comummente se designa de facturas falsas.
Pelo exposto e de acordo com os elementos recolhidos junto do emitente A… Sociedade Unipessoal, Lda., consideramos que as facturas desta, números 119, 158, 170, 211, 236, 239, 262, 271, 290, 292, 300, 309, não correspondem a efectivas aquisições de matérias primas, produtos ou serviços, efectuadas pela CORTIÇAS …, LDA, à A… Sociedade Unipessoal, Lda, correspondendo a documentos falsos, aquilo a que se comummente se designa de facturas falsas.
Relativamente às restantes facturas do pseudo fornecedor A… - Sociedade Unipessoal, Lda, transcreve-se parte das conclusões incluída no Anexo 3 relativo à informação acerca deste que diz:
Assim, consideramos que as vendas efectivas da A… apenas se resumiram a pequenas quantidades de rolhas transformadas pelo único trabalhador existente e à respectiva apara de cortiça, pelo que consideramos como verdadeiras as facturas com valor base inferior ou igual a Esc. 1.000.000$00 (€ 4.987,98), sendo que as restantes correspondem a negócios simulados.
Anexamos a esta informação listagem das facturas timbradas em nome da A…, correspondente aos negócios considerados simulados (Facturas Falsas) (Anexo 3) (cfr, conclusões do relatório de inspecção levado a efeito à A… ao abrigo da Ordem de Serviço nº 33581 e que serviu de base à elaboração desta informação).
Ora, as restantes facturas, embora tenham sido excluídas da lista das facturas falsas, não implica determinantemente que não sejam falsas, apenas se excluiu de tal lista pelo facto de que, poder-se-á admitir, para determinado montante de facturação possamos estar perante uma transacção realmente efectuada pelo emitente, o que, em caso de dúvida, pró contribuinte”.
6. Em anexo ao relatório de inspecção tributária, a administração fiscal junta informações relativas às entidades emitentes das facturas, subscritas também pelo Inspector Tributário, Â…Fernandes cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
7. C… encontrava-se indiciado como emitente de facturas falsas em 16 inquéritos criminais, em investigação no núcleo de investigação criminal da Direcção de Finanças de Aveiro.
8. Carlos Augusto Silva encontrava-se sujeito a medida de coacção de apresentações periódicas, aplicada no âmbito dos processos criminais em que estava envolvido.
9. Em 2001, Carlos Augusto Silva não exercia qualquer actividade relacionada com a indústria da cortiça.
10. C… não detinha qualquer estrutura empresarial nem dispunha de capacidade financeira que lhe permitisse comprar e vender fardos de cortiça.
11. Na sequência da investigação levada a cabo pela Direcção de Finanças de Aveiro, durante os anos de 1999 a 2003, C… emitiu pelo menos 493 facturas, com o valor base total de € 35.990.150,51 e o valor de IVA liquidado de € 6.282.490,92.
12. C… emitia também facturas timbradas em nome da sociedade S… Unipessoal Lda, a qual exibia um número de identificação fiscal inexistente nos registos da DGCI.
13. Quando foi abordado por inspectores da Direcção de Finanças de Aveiro, tinha em seu poder, tendo-lhe sido apreendidos, diversos livros de facturas, recibos e guias de remessa em nome de C… e da sociedade S… Unipessoal, Lda.
14. A sociedade A…, Sociedade Unipessoal, Lda encontrava-se registada em IVA e IRC desde 29.2.2000, no Serviço de Finanças da Feira 2, pela actividade de fabricação de outras obras de madeira, tendo cessado tal actividade, para efeitos de IVA, em 31.12.2001.
15. O capital social da A… pertence na totalidade a António ….
16. António …. e E… são casados entre si, estão indiciados em, pelo menos, 14 processos criminais instaurados pelo núcleo de investigação criminal da Direcção de Finanças de Aveiro, por actos praticados, quer em nome próprio quer nas seguintes sociedades, das quais eram gerentes:
- A… – Produtos de Cortiça, Lda;
- R… – Rolhas de Cortiça, Lda;
- S…cork, Lda.
17. Em 18.6.2003 foi iniciado procedimento de inspecção externa à sociedade A…, a qual já se encontrava encerrada.
18. Segundo declarações de António … aos inspectores tributários, a empresa laborou em Fiães, na Rua... desde o início de actividade e por um período de cerca de um ano, passando posteriormente para Corga do Lobão, por um período de dois meses, passando depois para Paços de Brandão, a sua actual residência.
19. O endereço constante das facturas emitidas por A… é Rua ..., 4505 Fiães.
20. A sociedade apenas empregava um trabalhador que afirmou, aos inspectores tributários, desconhecer os clientes ou os fornecedores da empresa e informou que a actividade da empresa se resumia à transformação de alguma cortiça que era adquirida a produtores.
21. Não foi exibido qualquer elemento da contabilidade desta empresa, tendo o seu sócio gerente informado que a vendeu a dois espanhóis, de que apenas indica o nome, os quais terão ficado com toda a escrita da sociedade.
22. Na sequência da investigação levada a cabo pela Direcção de Finanças de Aveiro, foram, até 5.7.2004 (data de elaboração do relatório) recolhidas 240 facturas emitidas por A…, relativas aos períodos de 2000 e 2001, com o valor base total de € 5.047.688,28 e o valor de IVA liquidado de € 857.973,33.
23. O projecto de relatório de inspecção tributária foi notificado à impugnante, por ofício datado de 3.6.2005, concedendo-lhe 15 dias para sobre ele se pronunciar, nos termos previstos no art. 60º, da LGT.
24. A impugnante exerceu tal direito, aduzindo argumentos que foram apreciados no relatório final.
25. A impugnante foi notificada das liquidações em 29 de Agosto de 2005.
Factos não Provados:
Nada de mais se provou com relevância para a decisão a proferir.».
2.2. Na mesma sentença, foi aduzida a seguinte «Motivação»:
«A convicção do tribunal baseou-se nos documentos constantes do processo administrativo junto aos autos, bem como nos documentos apresentados pela impugnante e pela Fazenda Pública, conjugados com a prova testemunhal produzida e analisados criticamente à luz das regras da experiência.
A data de notificação das liquidações resulta dos documentos trazidos aos autos com a contestação, pelo Representante da Fazenda Pública.
A caracterização dos emitentes de facturas C… e A…. – Sociedade Unipessoal, Lda resulta da informação constante dos anexos 2 e 3, do relatório de inspecção, informação que foi elaborada pelos inspectores tributários da Direcção de Finanças de Aveiro, no âmbito da investigação da emissão de facturas falsas no sector da cortiça e que resulta das diligências que foram levadas a cabo junto das entidades emitentes, dos seus familiares, das tipografias, autoridades policiais, clientes e outros.
A informação relativa à sociedade A… foi ainda complementada com o depoimento coerente e desinteressado do inspector tributário Â…Fernandes que demonstrou conhecimento da matéria por ter participado nas diligências levadas a cabo no âmbito da mencionada investigação.
Com efeito, o inspector Â… referiu que, dada a fraca estrutura empresarial da sociedade A…, que apenas tinha ao serviço um trabalhador que produzia não mais de 15.000 rolhas por dia, aquela sociedade não tinha capacidade para produzir a quantidade de rolhas, a que correspondem os montantes constantes das facturas apreendidas. Acresce que não existem elementos de suporte às compras, pois a contabilidade não foi exibida, não permitindo alicerçar outra conclusão quanto à capacidade produtiva daquela sociedade.
Os depoimentos das testemunhas apresentadas pela impugnante não foram considerados na formação da convicção do tribunal.
Na verdade, Rui …, fornecedor de rolhas de cortiça da impugnante, nada disse de relevante, relativamente sociedade A…, pois apenas afirmou que esta sociedade vendia rolhas e tinha instalações em Paços de Brandão, porém não as conhece. Ora, a Administração Fiscal não negou a existência de actividade produtiva de tal empresa, apenas considerou que a capacidade de produção não permitia a satisfação de encomendas superiores a determinado montante, pelo que o depoimento da testemunha não contribuiu para caracterizar a sociedade A… nem para a prova da realidade das operações tituladas pelas facturas em crise neste processo. De salientar, ainda, que o endereço constante das facturas emitidas por A… situa-se em Fiães.
Roberto Mendes referiu ser comerciante de cortiça e ter intermediado transacções entre a impugnante e A…. Afirmou que esta empresa tinha um armazém de cerca de 300 m2, várias máquinas, 5 ou 6 trabalhadores ao seu serviço e uma produção diária de 70.000 a 80.000 rolhas.
Estes dados estão em contradição directa com o referido pelo Inspector Â… e com as declarações prestadas pelo único funcionário da A…, José … Silva ouvido no procedimento de inspecção, que afirmou que a A… apenas transformava alguma cortiça adquirida a produtores.
Na verdade, o depoimento prestado pelo inspector Â… é muito mais coerente e mais consentâneo com os restantes elementos probatórios carreados para os autos, que referiu a existência de apenas um trabalhador registado e de uma máquina (o que está de acordo com o resultado das investigações efectuadas pelos inspectores tributários), pelo que o tribunal não atribuiu credibilidade às declarações desta testemunha.
Finalmente, a testemunha, José …, empregado da impugnante, nada acrescentou de relevante, referindo apenas que a sociedade A… vendia rolhas à Cortiças …, com regularidade, o que não foi contestado pela Administração Fiscal, que considerou verdadeiras várias transacções.».
III – Fundamentação de Direito
Como resulta do ponto I e II supra, a Administração Tributária, após a realização de uma acção inspectiva, concluiu que as facturas identificadas no ponto 4. do probatório, emitidas por C… e A… – Soc. Unipesoal em nome da Recorrente, não correspondem a operações reais, não tendo esta direito a deduzir o IVA nelas mencionado nos termos do artigo 19º n.º 3 do CIVA.
Tal entendimento deu origem à liquidação de IVA do ano de 2001 impugnada junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que a julgou improcedente.
Inconformada, a Recorrente veio interpor o presente recurso, expressamente discordando do julgamento realizado e suscitando as questões que supra se enunciaram e que ora importa apreciar.
Vejamos, pois, de per si, cada uma das objecções suscitas nas alegações e respectivas conclusões a fim de concluirmos se lhe assiste razão.
3.1. Da nulidade da sentença
Conclui a Recorrente que a sentença padece da nulidade prevista no artigo 668º, n.º 1 alínea c) do CPC (conclusão s).
Nos termos do artigo 125º, n.º 1 do CPPT (também 668º, n.º 1 alínea c) do CPC) constitui causa de nulidade da sentença a oposição dos fundamentos com a decisão sendo que, tal nulidade ocorre quando os fundamentos invocados na decisão deveriam conduzir, num processo lógico, à solução oposta da que foi adoptada na decisão [Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado, 4ª edição, p. 564]
É, pois, pelo teor da sentença, dos seus fundamentos e decisão, que se avalia a referida nulidade.
Ora, não obstante em sede de conclusões de recurso tal invocação apenas vir referida de forma vaga e imprecisa, afigura-se-nos ainda ser possível extrair do aí plasmado (numa conjugação com o exposto nas suas alegações ainda que não levado às conclusões) que a Recorrente assenta essa invocação de alegada oposição entre os fundamentos e o pedido tendo por base, não o conteúdo da sentença, mas os factos que dela não constam como provados e que a Recorrente, sem sequer os chegar a identificar por referência à sua peça processual de impugnação judicial, pretende que nesta sede de recurso se dêem como provados.
Ora, mesmo olvidando a questão da falta de identificação desses concretos factos, o certo é que, a alteração da matéria de facto em que a Recorrente assenta esta sua pretensão anulatória, a verificar-se, apenas poderia conduzir a um julgamento distinto daquele que foi adoptado na sentença mas não implicaria, como é sabido, a nulidade desta.
É este o entendimento possível perante a lei constituída e é esta a interpretação dos normativos legais citados que tem vindo a ser assumida, diga-se, de forma pacifica, pela nossa jurisprudência mais Superior, citando-se, a título meramente exemplificativo, o Acórdão do STA de 27-10-2010 onde frontalmente se sumariou que: « Se a sentença nenhuma contradição encerra em si, nomeadamente entre a fundamentação e a decisão e se perante os factos dados como demonstrados se retira que o resultado final deveria ter sido outro ou diferente daquele a que se chegou na sentença recorrida, então a conclusão a que se chegou na sentença pode eventualmente redundar em erro de julgamento, o que não significa desconformidade entre os fundamentos e a sua parte dispositiva, passível de determinar a invocada nulidade.».
Termos em que, sem mais, se julga, nesta parte, improcedente o recurso.
3.2. - Do erro de julgamento em matéria de direito por ter sido julgado improcedente o pedido de declaração de caducidade do direito de liquidar o IVA relativo a facturas respeitantes aos períodos 01.01, 01.03, 01.04, 01.05, 01.06 e 01.07, no valor de 23.525,80 euros, bem como das liquidações de Juros Compensatórios referentes aos mesmos períodos no valor de 5.124,80 euros.
Relativamente a esta questão, alega a Recorrente, em síntese, que, sendo o IVA um imposto que incide sobre cada transmissão ou prestação de serviços e que tem, assim por base um facto isolado e instantâneo, há que considerá-lo como um imposto de obrigação única pelo que, antes da alteração introduzida no artigo 45°, n° 4 da Lei Geral Tributária [por força da Lei n° 32-B/2002, de 30 de Dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para 2003 e que apenas vigora para o futuro, ou seja, a partir de 01-01-2003], a contagem do prazo de caducidade da liquidação do IVA tinha de ser feita a partir da ocorrência dos factos tributários.
E, sendo assim, conclui, as facturas que deram origem às liquidações adicionais de IVA respeitantes aos períodos de 01.01, 01.03, 01.04, 01.05, 01.06 e 01.07, no valor de 23.525,80 euros, bem como as liquidações de Juros Compensatórios referentes aos mesmos períodos no valor de 5.124,80 euros, caducaram em 30-07-2005 [cfr. conclusões a) a e)].
Na sentença recorrida a apreciação desta questão jurídica foi realizada do seguinte modo:
«Vem a impugnante suscitar a questão da caducidade das liquidações de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) de Janeiro, Março, Abril, Maio, Junho e Julho de 2001, por as mesmas não terem sido notificadas no prazo de quatro anos, conforme previsto na lei.
A este propósito, o art. 88º, nº 1, do CIVA preceitua que a liquidação de IVA se efectua no prazo e nos termos previstos nos arts. 45º e 46º, da LGT.
Por seu turno, dispõe o art. 45º, nº 1, da Lei Geral Tributária (LGT) que o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos se a lei não fixar outro, sendo que, no caso do IVA, o prazo de caducidade conta-se a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto (art. 45º, nº 4, da LGT).
Este dispositivo legal, porém, deriva da alteração introduzida pela Lei nº 32-B/2002, de 30.12 que entrou em vigor em 1.1.2003 (entretanto o art. 40º, da Lei nº 55-B/2004, de 30.12 deu nova redacção ao preceito, todavia, não alterou a disposição relativa ao IVA).
Era a seguinte a redacção anterior do nº 4, do art. 45º:
“O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu.”
Impõe-se, pois, recorrer às regras de aplicação da lei no tempo, uma vez que as liquidações de IVA, cuja caducidade se invoca, se referem ao ano de 2001.
Esta questão foi já objecto de apreciação por parte do STA (cfr. os acórdãos de 20.5.2009, proc. nº 293/09, de 25.6.2009, proc. nº 1109/08, de 3.3.2010) que tem vindo a entender que a lei nova se aplica às situações em que o prazo de caducidade está ainda em curso na data da sua entrada em vigor, entendimento que, aliás, perfilhamos.
No seguimento da orientação plasmada nos citados acórdãos, chamemos à decisão os ensinamentos de Baptista Machado (“Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, Coimbra, Almedina, 2002, p. 235), «(…) nada impede que a lei nova se aplique a factos passados que ela assume como pressupostos impeditivos ou desimpeditivos (isto é, como pressupostos negativos ou positivos) relativamente à questão da validade ou admissibilidade da situação jurídica, questão essa que é da sua exclusiva competência».
Acrescentando que (pp. 242, 243), «tendo o decurso global do prazo o valor de um facto constitutivo (ou extintivo) de um direito ou situação jurídica, se tal prazo ainda se encontrava em curso no momento do início de vigência da lei nova, é porque tal situação jurídica ainda não se encontrava constituída (ou extinta) neste momento. Logo, cabe à lei nova a competência para determinar os requisitos da constituição da mesma situação jurídica. Achando-se uma situação jurídica em curso de constituição, passa o respectivo processo constitutivo a ficar imediatamente subordinado à lei nova».
Assim, aceite o pressuposto de que não é o início do prazo de caducidade, mas o seu integral decurso, o facto extintivo do direito à liquidação do tributo por parte da administração fiscal, pressuposto que nos parece inquestionável, impõe-se a conclusão, por aplicação da regra contida na parte final do nº 2 do artigo 12º do Código Civil e no artigo 12º nº 1 da Lei Geral Tributária, de que a nova redacção do preceito é aplicável à situação vertente.(…).
Aí se concluindo, entendendo-se que:
«Tratando-se, no caso em apreço, de IVA de 2001 e atentando no disposto no art. 7º, do CIVA, o direito à liquidação caducaria em 1 de Janeiro de 2006, se até essa data não fosse a impugnante notificada da sua liquidação.
Ora, conforme resulta dos factos provados, a referida liquidação foi notificada à impugnante no dia 29.8.2005, pelo que o prazo de caducidade não havia ainda decorrido.».
E, em nossa opinião, entendeu-se muito bem, apoiando-se, aliás, no sentido que vem sendo confirmado pelo nosso Supremo Tribunal.
Efectivamente, e como repetidas vezes vem sendo proclamado, o direito de liquidar o IVA, como imposto de obrigação única que é, face à redacção inicial do art.º 45.º, n.º 4 da LGT, tinha como início de contagem do prazo de caducidade o dia imediato àquele em que ocorreu o facto tributário.
Porém, a partir de 1 de Janeiro de 2003, isto é, com a entrada em vigor da redacção dada àquele preceito pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro (OE 2003), que o Recorrente, de resto, cita, o início de prazo passou a ocorrer não a partir daquela data (dia imediato a que ocorreu o facto tributário) mas sim no início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto.
No caso concreto, em que estão em causa liquidações relativas ao ano de 2001, o prazo de caducidade, que se tinha iniciado no dia imediato àquele em que ocorrera os respectivos factos tributários, ainda se não tinha esgotado [na redacção, portanto, inicial do art.º 45.º, n.º 4 da LGT] quando entrou em vigor a nova redacção dada a este normativo pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro.
E daí que, também neste caso, nos deparemos com uma situação em que se coloca a questão de sucessão de leis no tempo que deve ser decidida pela aplicação do preceituado n.º 2 do art.º 297.º do C. Civil, o qual determina que a lei nova se aplica imediatamente aos prazos em curso, computando-se no novo prazo todo o tempo decorrido desde o termo inicial segundo a lei nova [Neste sentido, vide, entre muitos outros, o Acórdão do TCA Sul, processo n.º 00332/04, de 19.04.2005 e os Acórdãos de 20.5.2009, proc. nº 293/09 e de 25.6.2009, proc. nº 1109/08, de 3.3.2010, todos, disponível em www.dgsi.pt.].
Assim, por força da aplicação do normativo em referência conjugado com o preceituado no art. 7º do CIVA e art. 45º da LGT, e tendo em consideração a factualidade apurada, em especial o facto de as liquidações dos autos e os respectivos juros compensatórios se reportarem a IVA relativo a facturas respeitantes aos períodos de 01.01, 01.03, 01.04, 01.05, 01.06 e 01.07 e de tais liquidações a Recorrente ter sido regularmente notificada a 29 de Agosto de 2005 [cfr. factos vertidos no probatório sob os n.ºs 3 e 25, ponto II], conclui-se, sem esforço, que a caducidade do direito à liquidação realizadas pela Administração Fiscal ainda não havia ocorrido quando tal direito por esta foi exercido pelo que, ao julgar improcedente o pedido de declaração de tal caducidade a Meritíssima Juiz a quo não incorreu em erro de direito, antes tendo decidido com absoluto acerto que aqui é confirmado.
Improcedem, assim, totalmente, as conclusões a) a e) vertidas nas alegações de recurso.
3.3. Do erro de julgamento da matéria de direito por se ter entendido na sentença sob recurso que as liquidações de IVA se encontram devidamente fundamentadas.
A Recorrente discorda frontalmente da posição assumida pelo Tribunal a quo no que concerne à alegada falta de fundamentação dos actos de liquidação de IVA que lhe foram notificados.
E, isto porque, alega, meras e genéricas considerações tais como as que vêm na página 7 do Relatório Interno onde se diz que “as sociedades estão indiciadas no crime de fraude fiscal», sem referir ou indicar qualquer facto concreto, não consubstancia uma correcta fundamentação [conclusões i) e j) das alegações de recurso].
Mas, também nesta parte carece de fundamento a objecção suscitada.
Na verdade, e como é sabido, «A decisão do procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.», podendo, todavia, «A fundamentação dos actos tributários (…) ser efectuada de forma sumária» sem prejuízo da inultrapassável indicação das disposições legais aplicáveis, da qualificação e quantificação dos factos tributários e das operações de apuramento da matéria tributável e do tributo [tudo, conforme art. 77° n.º 1 e 2 da Lei Geral Tributária, com sublinhado de nossa autoria].
Por sua vez o artigo 125° do Código de Procedimento Administrativo (CPA) [em conformidade com a constitucional exigência plasmada no art. 268º, n.º 3 da CRP] dispõe que a fundamentação deve ser expressa através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres ou informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto.
Num recente Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo [Acórdão de 3-11-2010, relatado pelo Conselheiro Casimiro Gonçalves e disponível em www.dgsi.pt], a questão da fundamentação do acto tributário foi profundamente analisada conclui-se que «A fundamentação do acto tributário ou de acto «praticado em matéria tributária» que afecte os direitos ou interesses legalmente protegidos do contribuinte, deve ser contextual e integrada no próprio acto (ainda que o possa ser de forma remissiva), expressa (através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão), clara (de modo a permitir que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide), suficiente (permitindo ao destinatário do acto um conhecimento concreto da motivação deste) e congruente (a decisão deverá constituir a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação).
Em suma, diz-se no mesmo acórdão, «Utilizando a linguagem da jurisprudência, o acto só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto acto administrativo (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional (não psicológico) cognoscitivo e valorativo do autor do acto, sendo, portanto, essencial que o discurso contextual lhe dê a conhecer todo o percurso da apreensão e valoração dos pressupostos de facto e de direito que suportam a decisão ou os motivos por que se decidiu num determinado sentido e não em qualquer outro. Ela visa «esclarecer concretamente as razões que determinaram a decisão tomada e não encontrar a base substancial que porventura a legitime, já que o dever formal de fundamentação se cumpre “pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis, enquanto a fundamentação substancial exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo”. O discurso fundamentador tem de ser capaz de esclarecer as razões determinantes do acto, para o que há-de ser um discurso claro e racional; mas, na medida em que a sua falta ou insuficiência acarreta um vício formal, não está em causa, para avaliar da correcção formal do acto, a valia substancial dos fundamentos aduzidos, mas só a sua existência, suficiência e coerência, em termos de dar a conhecer as razões da decisão.» (cfr. Vieira de Andrade - O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, pag. 239, na citação do ac. do STA, de 11/12/2002, rec. 01486/02)».
Ora, salvo o devido respeito, e tendo presentes as disposições legais e os ensinamentos doutrinários e jurisprudenciais expostos, não vemos como pode considerar-se não fundamentado o acto sob reclamação.
É que, a liquidação impugnada baseou-se nos factos que foram apurados no decurso de uma acção inspectiva levada a cabo pela Administração Tributária, os quais se mostram perfeitamente expressos no relatório que resultou da aludida inspecção, onde consta o percurso cognoscitivo e valorativo seguido pelo seu autor, bem como os elementos probatórios que lhe subjazem, com vista à desconsideração das facturas emitidas por determinado fornecedor.
Mais. Do mesmo documento constam expressamente os valores de IVA indevidamente deduzido, as provas que foram relevadas e conduziram à conclusão de que as facturas deviam ser desconsideradas e os preceitos legais que legitimam, no entender da Administração Fiscal, esta sua actuação.
Donde, em absoluto, se não pode afirmar que o acto tributário que dali decorreu não se encontra fundamentado antes, foi bem compreendido, em toda a sua extensão factico-juridica, pelo seu destinatário normal que, de resto, de forma exaustiva o impugnou.
Aliás, não podemos deixar de dizer - porque nos parece evidente do alegado em sede de petição inicial e, também, agora, em sede de recurso – que a Recorrente labora numa profunda confusão misturando os conceitos de fundamentação formal e validade substancial que são, como se sabe, totalmente distintos. A primeira [fundamentação formal] basta-se com a enunciação das concretas razões que determinaram a decisão impugnada; a segunda [validade ou fundamento substancial] exige a comprovação de uma base substancial que a legitime.
Como se diz no Ac. do STA 3 de Novembro de 2010, proferido no âmbito do recurso n.º 0784/10 «o dever formal de fundamentação cumpre [-se] “pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis, enquanto a fundamentação substancial exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo”. O discurso fundamentador tem de ser capaz de esclarecer as razões determinantes do acto, para o que há-de ser um discurso claro e racional; mas, na medida em que a sua falta ou insuficiência acarreta um vício formal, não está em causa, para avaliar da correcção formal do acto, a valia substancial dos fundamentos aduzidos, mas só a sua existência, suficiência e coerência, em termos de dar a conhecer as razões da decisão.» [cfr. ainda, Vieira de Andrade - O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, pag. 239, na citação do ac. do STA, de 11/12/2002, rec. 01486/02]
Ora, basta atentarmos em todo o conjunto de alegações produzidas pela Recorrente para se concluir que esta, apesar da invocação da falta de fundamentação formal dos actos de liquidação, nunca põe em causa a incompreensão da decisão de liquidação efectuada por desconhecimento dos factos que a determinaram mas, sim, sempre, a sua discordância quanto à validade da actuação da Administração Tributária, quer porque tal direito já teria, em seu entender, caducado, quer porque os preceitos aplicados não seriam aplicáveis na situação concreta, quer, por último, por entender que os factos apurados não correspondem à realidade e não se mostram verdadeiramente comprovados.
Em suma: não se nos afigura que seja a falta de fundamentação formal que verdadeiramente é questionada, mas a falta de fundamentação substancial que é imputada ao acto tributário, a validade da actuação da Administração tributária que é posta em crise e esta, naturalmente, apenas na sede própria, do mérito da pretensão, poderá e deverá ser apreciada.
Improcede, pois, também, pelas razões apontadas, o alegado erro de julgamento de direito de que padeceria a sentença sob recurso que decidiu pela fundamentação formal do acto que, nesta parte, também fica confirmada.
3.4. Do erro de julgamento em matéria de facto de que alegadamente enferma a sentença sob recurso por ter considerado serem fictícias as operações subjacentes às facturas desconsideradas pela Administração Fiscal para proceder à liquidação impugnada e, consequentemente, do erro de julgamento em matéria de direito por ter decidiu pela validade substantiva do acto tributário na parte em que desconsiderou os custos titulados por essas mesmas facturas.
Veio ainda a Recorrente opor-se ao decidido defendendo a verificação evidente de erro de julgamento em matéria de facto e direito no que concerne à apreciação realizada da questão das facturas falsas já que:
- A Administração Tributária não carreou para os autos indícios objectivos e concretos de que as facturas por ela postas em causa não titulam verdadeiras transacções, uma vez que, tal como resulta do Relatório, a própria Administração Tributária deu como assente que a contabilidade da impugnante, ora recorrente, está regularmente organizada de harmonia com a lei comercial e fiscal [conclusão k)]
- Na sentença recorrida os factos alegados pela impugnante são votados ao mais absoluto desconhecimento, menosprezando-se totalmente os princípios do inquisitório e do contraditório [conclusão m)]
- No procedimento administrativo que conduziu às liquidações impugnadas, a administração tributária não podia alterar o montante das deduções declarado, a menos que a actividade instrutória desenvolvida lhe permitisse concluir com segurança (e não permitiu, no caso sub judice) que às facturas em causa não correspondem transacções efectivas [conclusão n)]
- Tendo, apesar disso, procedido às correcções consubstanciadas nas liquidações impugnadas, a administração tributária violou, para além do art. 19°/3 do CIVA, de que fez uma errada aplicação, os princípios constitucional e legalmente consagrados, da proporcionalidade, da legalidade, da justiça, do inquisitório, da busca da verdade material, do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos [conclusão o)]
- Segundo as regras do ónus da prova, antes de se poder onerar a impugnante, aqui recorrente, com a prova de que as facturas em causa correspondem a transacções efectivas, é à Administração Tributária que cabe demonstrar que tais facturas dizem respeito a operações simuladas, necessidade essa de prova que decore do artigo 19º -3 do CIVA, e está de acordo, v.g., com a regra geral de repartição do ónus da prova (art. 342.° do Código Civil), e com a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes, bem como dos dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade [conclusão p)]
- Sendo o artigo 82°, n° 1 (actual artigo 87°) do CIVA expresso no sentido de referir “quando fundamentadamente” considere ter havido deduções superiores ás devidas.” [conclusão q)]
- Por isso, não pode a Administração Tributária, nesta situação concreta, pôr em causa as facturas de compra com IVA suportado pela impugnante, indispensáveis para a obtenção das vendas, facturas essas totalmente documentadas e pagas em cheque, pelo simples facto da Inspecção Tributária considerar e alegar que os emitentes das facturas são conhecidos como emitentes habituais de facturação falsa [conclusão r)].
Resulta, assim, do exposto, que a Recorrente defende que a sentença recorrida errou no julgamento realizado da matéria de facto por: a) no seu apuramento ter desconsiderado em absoluto os factos por si aduzidos em sede de impugnação quer o depoimento das testemunhas que o confirmaram, b) ter concluído, mal, que face ao apurado estavam verificados indícios objectivos e concretos de que as facturas por ela postas em causa não titulam verdadeiras transacções e, consequentemente, c) errou no julgamento em matéria de direito por ter concluído que era sobre a ora impugnante que recaia o ónus de provar que as facturas em causa correspondem a transacções efectivas.

3.4.1. Começando pelo conhecimento daquela primeira sub-questão (a), adiante-se desde já que não é correcto afirma-se que a sentença recorrida «ignorou em absoluto os factos alegados e os depoimentos testemunhais prestados» com a consequente violação dos princípios do inquisitório e do contraditório.
Desde logo, porque a Meritíssima Juiz considerou ou, mais rigorosamente, ponderou na sentença quer os factos invocados pelo Recorrido, quer os depoimentos prestados pelas testemunhas por esta apresentadas, sendo que, o que realmente aconteceu, e é absolutamente distinto, é que decidiu não os dar como apurados por ter julgado, face à apreciação critica que realizou de tais depoimentos e na sequência do seu confrontado com os factos que visavam sustentar, desconsiderar esses mesmos depoimentos.
Ou seja, não se trata aqui de olimpicamente ter ignorado os factos e os depoimentos mas, sim, de tais factos não puderem, assim se entendeu, serem declarados como provados por os depoimentos produzidos pelas testemunhas nesse sentido não reunirem ou assumirem a credibilidade exigida, isto é, não reunirem força bastante para que o Tribunal, com base nesses depoimentos, desse tais factos como demonstrados.
E, que assim foi, revela-o a motivação exposta na douta sentença, extensa e profundamente analítica de todos os elementos de prova juntos aos autos na qual se afirmou, de forma clara - depois de se salientar que «A convicção do tribunal baseou-se nos documentos constantes do processo administrativo junto aos autos, bem como nos documentos apresentados pela impugnante e pela Fazenda Pública, conjugados com a prova testemunhal produzida e analisados criticamente à luz das regras da experiência.» - a propósito do depoimento de cada uma das testemunhas apresentadas pela Recorrente que «Os depoimentos das testemunhas apresentadas pela impugnante não foram considerados na formação da convicção do tribunal.
Na verdade, Rui…, fornecedor de rolhas de cortiça da impugnante, nada disse de relevante, relativamente sociedade A…, pois apenas afirmou que esta sociedade vendia rolhas e tinha instalações em Paços de Brandão, porém não as conhece. Ora, a Administração Fiscal não negou a existência de actividade produtiva de tal empresa, apenas considerou que a capacidade de produção não permitia a satisfação de encomendas superiores a determinado montante, pelo que o depoimento da testemunha não contribuiu para caracterizar a sociedade A… nem para a prova da realidade das operações tituladas pelas facturas em crise neste processo. De salientar, ainda, que o endereço constante das facturas emitidas por A... situa-se em Fiães.
R… referiu ser comerciante de cortiça e ter intermediado transacções entre a impugnante e A…. Afirmou que esta empresa tinha um armazém de cerca de 300 m2, várias máquinas, 5 ou 6 trabalhadores ao seu serviço e uma produção diária de 70.000 a 80.000 rolhas.
Estes dados estão em contradição directa com o referido pelo Inspector Â… e com as declarações prestadas pelo único funcionário da A…, J… ouvido no procedimento de inspecção, que afirmou que a A… apenas transformava alguma cortiça adquirida a produtores.
Na verdade, o depoimento prestado pelo inspector Â… é muito mais coerente e mais consentâneo com os restantes elementos probatórios carreados para os autos, que referiu a existência de apenas um trabalhador registado e de uma máquina (o que está de acordo com o resultado das investigações efectuadas pelos inspectores tributários), pelo que o tribunal não atribuiu credibilidade às declarações desta testemunha.
Finalmente, a testemunha, J…, empregado da impugnante, nada acrescentou de relevante, referindo apenas que a sociedade A… vendia rolhas à Cortiças …, com regularidade, o que não foi contestado pela Administração Fiscal, que considerou verdadeiras várias transacções.».
Por outro lado, em momento algum, como já o dissemos a propósito da apreciação de questão supra, não só a Recorrente não alega que factos concretos invocados na petição inicial deveriam ser dados como provados como nada adianta quanto aos depoimentos concretos que suportariam.
Ora, tal é – até porque a Recorrente nada mais concretiza, isto é, nem sequer chega a adiantar quais os factos invocados que deveriam ter sido declarados apurados e com base em que depoimentos assim deveriam ser considerados – quanto baste para que julgue demonstrada a falência dos argumentos aduzidos pela Recorrente conducentes a que se «reveja a matéria dada por provada» que, assim, se julgam manifestamente improcedentes.

3.4.2. Mas, mesmo assim, subsistem os imputados erro de julgamento de facto por na sentença se ter concluído pela existência de indícios objectivos e concretos de que as facturas por ela postas em causa não titulam verdadeiras transacções e de erro de direito traduzido na imputação assumida na sentença de que era sobre a ora impugnante que recaia o ónus de provar que as facturas em causa correspondem a transacções efectivas.
Vejamos, pois, se nesta parte assiste razão à Recorrente sendo que, nesse sentido, importará, antes de mais, apurar se a Administração Fiscal reuniu, ou não, os elementos necessários que legitimassem a sua actuação, isto é, que as facturas em causa eram falsas (fundamentação substancial a que supra fizemos referência) e se tais factos se encontram acolhidos no probatório da sentença posta em crise.
A este propósito importa desde já salientar que, como tem sido jurisprudência uniforme deste Tribunal, aplicando as regras do ónus da prova do artigo 74º da LGT, compete à administração tributária, quando desconsidera as facturas que reputa de falsas, fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade.
E que, realizada tal prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção [cfr., entre muitos outros, Acórdãos do TCA Norte de 24-01-2008, processo n.º 01834/04 Viseu, de 24-01-2008, processo n.º 2887/04 Viseu, de 27-01-2011, processo n.º 455/05.7BEPNF e de 18-03-2011, processo n.º 456/05BEPNF].
Ora, tendo nós visto já o que diz a Recorrente relativamente à fundamentação da administração fiscal [A Administração Tributária não carreou para os autos indícios objectivos e concretos de que as facturas por ela postas em causa não titulam verdadeiras transacções, uma vez que, tal como resulta do Relatório, a própria Administração Tributária deu como assente que a contabilidade da impugnante, ora recorrente, está regularmente organizada de harmonia com a lei comercial e fiscal (artigo 75º, n° 1 da L.G.T.) - [conclusão k)]; No procedimento administrativo que conduziu às liquidações impugnadas, a administração tributária não podia alterar o montante das deduções declarado, a menos que a actividade instrutória desenvolvida lhe permitisse concluir com segurança (e não permitiu, no caso sub judice) que às facturas em causa não correspondem transacções efectivas [conclusão n)]; Tendo, apesar disso, procedido às correcções consubstanciadas nas liquidações impugnadas, a administração tributária violou, para além do art. 19°/3 do CIVA, de que fez uma errada aplicação, os princípios constitucional e legalmente consagrados, da proporcionalidade, da legalidade, da justiça, do inquisitório, da busca da verdade material, do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos [conclusão o)]; Segundo as regras do ónus da prova, antes de se poder onerar a impugnante, aqui recorrente, com a prova de que as facturas em causa correspondem a transacções efectivas, é à Administração Tributária que cabe demonstrar que tais facturas dizem respeito a operações simuladas, necessidade essa de prova que decore do artigo 190 -3 do CIVA, e está de acordo, v.g., com a regra geral de repartição do ónus da prova (art. 342.° do Código Civil), e com a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes, bem como dos dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade [conclusão p)]; Sendo o artigo 82°, n° 1 (actual artigo 87°) do CIVA expresso no sentido de referir “quando fundamentadamente” considere ter havido deduções superiores ás devidas.” [conclusão q)]; Por isso, não pode a Administração Tributária, nesta situação concreta, pôr em causa as facturas de compra com IVA suportado pela impugnante, indispensáveis para a obtenção das vendas, facturas essas totalmente documentadas e pagas em cheque, pelo simples facto da Inspecção Tributária considerar e alegar que os emitentes das facturas são conhecidos como emitentes habituais de facturação falsa [conclusão r)], vejamos, agora quais os factos invocados pela Administração Tributária para desconsiderar as facturas e que, no essencial, são os seguintes:
- O sujeito passivo C… não possuía estrutura empresarial nem capacidade financeira para fornecer as mercadorias facturadas, pois que não detinha estaleiro ou qualquer estrutura física para desenvolver actividade relacionada com a indústria da cortiça nem, tão pouco, meios financeiros que lhe permitissem adquirir os fardos de cortiça cuja revenda as facturas evidenciavam.
- Era arguido em diversos processos criminais, com medidas de coacção aplicadas, designadamente de apresentações periódicas, o que revela que os indícios existentes eram suficientemente fortes para justificar a aplicação de tais medidas.
- A Administração Fiscal detectou a emissão de, pelo menos, 493 facturas em nome de C…, no valor base de quase 36 milhões de euros, que considerou de valor manifestamente excessivo se tivermos em conta que este indivíduo não dispunha de estrutura empresarial nem se dedicava a actividades laborais relacionadas com a indústria corticeira, o que se provou.
- C… emitia, ainda, facturas também em nome de uma sociedade sem existência fiscal.
- Relativamente à sociedade A… apurou a Administração Fiscal que o detentor do capital social desta sociedade, que era também o seu gerente, criou sucessivas empresas, estando, por si e enquanto representante legal dessas sociedades, envolvido em processos criminais pela emissão de facturas falsas;
- Contactado relatou uma história completamente inverosímil acerca da venda da sociedade a dois espanhóis, dos quais nada se sabe, designadamente a morada, que desapareceram, levando consigo os elementos contabilísticos da sociedade;
- As instalações e capacidade produtiva desta sociedade não era de molde a permitir a produção e posterior venda das quantidades de rolhas que constam das facturas.
Foi pois, com base nestes indícios, confirmados pelo Tribunal [cfr. factualidade apurada em 4. a 8., 10. a 16. e 20. a 22 do ponto II supra] que a Administração Fiscal, entendeu existirem indícios sérios para concluir pela falsidade das facturas emitidas pelos referidos e indicados sujeitos passivos durante o ano de 2001, entendimento que o Tribunal a quo julgou legitimo e que este Tribunal Central julga não ser merecedor de qualquer reparo já que tais indícios não podem deixar de ser considerados indícios sérios e objectivos de que as facturas emitidas por C… são falsas, titulando operações simuladas e de que nem todas as transacções tituladas nas facturas emitidas pela sociedade A… correspondem à verdade, nos termos indicados pela Administração Fiscal no relatório de inspecção.
A este propósito e de forma a infirmar tal raciocínio alega a Recorrente, nas suas conclusões de recurso, que tendo a Administração Fiscal dado como assente que a contabilidade da impugnante está regularmente organizada de harmonia com a lei comercial e fiscal, isto é, tendo a Administração fiscal aceite que a escrita da Recorrente reflecte o resultado efectivamente obtido em relação aos proveitos, aceitando como correctos os valores contabilizados das vendas e dos custos efectivamente suportados, onde se incluem as facturas postas em causa, não podia depois servir-se dessas mesmas facturas para alegar que não titulam verdadeiras transacções comerciais [conclusões k) e l)]
Acontece porém que, e salvo o devido respeito, não só o alegado não corresponde à realidade, como tal objecção é absolutamente inócua na apreciação da questão em apreço.
Desde logo, não corresponde à realidade porque a Administração Fiscal não conclui que a escrita da Recorrente reflecte o resultado efectivamente (real) obtido em relação aos proveitos até porque conclui serem falsas as facturas naquela contabilidade acolhidas. E o que a Administração Fiscal adianta e assume em relação à contabilidade da Recorrente é que a mesma se encontra devidamente organizada nos termos formalmente exigíveis do ponto de vista comercial e fiscal o que lhe permite beneficiar de uma presunção de veracidade.
Porém, tal presunção de veracidade é afastada ou infirmada sempre que se verifiquem indícios fundados de que essa contabilidade não reflecte a real situação do sujeito passivo, como no caso aconteceu [cfr. art. 75º, n.º 2 al. a) da LGT].
Em conclusão: os factos invocados pela Administração Tributária, conjugados uns com os outros, e ao contrário do que defende a Recorrente, constituem indícios sérios e traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas.
E, assim sendo, isto é, tendo cumprido a Administração o ónus que sobre si impendia, competia à Recorrente ter apresentado prova capaz de destruir esses indícios, nomeadamente que as mercadorias descritas nas facturas lhe foram entregues, ou seja, que as facturas mencionam operações económicas reais, isto é, correspondiam a verdadeiras transacções.
Ónus que, manifestamente, não cumpriu já que não logrou, pela prova produzida, afastar os indícios ponderosos da simulação das facturas, recolhidos pela Administração Fiscal.
E, sendo assim, o Tribunal a quo ao julgar improcedente a impugnação não violou as normas dos artigos 19/3 e 82º d, 77º e 99º da LGT, nem as regras do ónus da prova, pelo que o recurso não merece provimento.
IV – DECISÃO
Assim, pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em:
Negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
Porto, 30-11-2011
Ass. Anabela Russo
Ass. Catarina Almeida e Sousa
Ass. Nuno Bastos