Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00015/21.5BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/16/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:ACRÉSCIMOS PATRIMONIAIS NÃO JUSTIFICADOS, PRESSUPOSTOS, ÓNUS DE ALEGAÇÃO E DE PROVA, DESPACHO INTERLOCUTÓRIO,
NÃO ABERTURA DE INSTRUÇÃO
Sumário:I - Para determinar, em primeira linha, se, casuisticamente, pode (ou não) efectuar-se avaliação indirecta, por acção do disposto no artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária, só é relevante, para o respectivo afastamento, a comprovação/justificação, exigida ao sujeito passivo, nos termos e para os efeitos do seu n.º 3, se for total, isto é, de que o montante apontado como manifestação de fortuna e/ou incremento patrimonial, corresponde, na íntegra, à realidade e de que é outra (não sujeita a declaração) a respectiva fonte geradora.

II - Não produz nesse quadrante qualquer efeito excludente, quer a justificação parcial, quer, entre outros, com a mesma matriz, um, eventual, ocorrido achamento e enquadramento, pela Autoridade Tributária e Aduaneira, de rendimentos não declarados e susceptíveis de avaliação por métodos directos (desde logo, mediante correcções aritméticas/técnicas).*
* Sumário elaborado pela relatora.
Recorrente:P. E OUTROS
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento aos recursos.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

P., NIF (…) e M., NIF (…), casados entre si, com domicílio na Rua (…), interpuseram recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 31/05/2021, que julgou improcedente o recurso da decisão de avaliação da matéria tributável por métodos indirectos, nos termos do artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária, que lhes fixou o rendimento líquido para efeitos de IRS, referente aos anos de 2011 [€499.042,16], 2012 [€232.326,77], 2013 [€229.635,80], 2014 [€115.799,27], 2015 [€150.023,27] e 2016 [€99.333,76]; sendo que, igualmente, interpuseram recurso do despacho interlocutório, proferido em 27/02/2021, que considerou que a prova que compete à factualidade invocada é a prova documental, não tendo, por isso, sido produzida a prova testemunhal solicitada.

Os Recorrentes terminaram as suas alegações de recurso com as conclusões que se reproduzem de seguida:

01. O inconformismo do julgamento a quo abrange questões de direito e de facto que sinteticamente se enunciam:
a) A primeira questão (de direito) que ora se pretende ver reapreciada é a decidia a p. 42 a 44 (nesta última página, a sua primeira linha) da Sentença a quo, tem reflexos directos nas correcções relativas ao ano de 2016, e reside em saber se se os valores que a AT considerou, enquadrou e tributou, por métodos directos, como rendimentos tributáveis em sede IRS através a categorias A podem ser tidas em conta para efeitos de aplicação do regime da al. f) do n.° 1 do artigo 87° da LGT; isto é, se os mesmos, apesar de rendimentos com fonte conhecida (e tributada), devem, como se propugna ser “desqualificados” (expressão da Sentença);
b) A segunda questão (que é de direito) conduz-se a saber qual o rendimento de referência para se aferir da divergência justificada relativamente aos acréscimos patrimoniais, pugnando-se que os rendimentos tributados por método directo devem acrescer aos rendimentos declarados pelo contribuinte – e, também, aos movimentos nas contas bancárias “do paralelo” das sociedades “M., Lda” (n.° (...) e (...)) e “M. Lda” (n.° (...)) a que se reporta, também, a questão de facto;
c) A terceira questão (que é de facto e de direito) prende-se com a circunstância de a Mma. Juíza a quo não ter proferido julgamento expresso (nem ter admitido prova sobre a matéria alegada na petição inicial) sobre a matéria de facto atinente à “titularidade dos rendimentos respeitantes aos movimentos a crédito identificados nos autos”, tanto no que contende com as contas bancárias “particulares” como nas contas bancárias “do paralelo” das sociedades “M., Lda” (n.° (...) e (...)) e “M. Lda” (n.° (...)).
d) Conexamente com o referido na alínea precedente, pretende-se que seja revogada a decisão inserta no despacho de 27/02/2021 através do qual o Tribunal recorrido indeferiu – manifestamente mal – a prova testemunhal oportunamente requerida.
VEJAMOS
a) Primeira Questão de Direito
02. A Sentença de que se recorre aderiu à tese da Oposição na interpretação do substrato fáctico e jurídico em que assenta o Relatório de Inspecção, segundo a qual o que releva para avaliar a legalidade do recurso à disciplina da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT é a globalidade dos movimentos a crédito em contas bancárias co-tituladas pelos recorrentes – incluindo os movimentos que foram considerandos para efeitos de correcções aritméticas (que foram erradamente tidas como justificações parciais).
03. E dessa sorte, considerou, erradamente que apesar de o valor dos putativos acréscimos patrimoniais tidos como injustificados ser inferior a 100.000€ em 2016 considerou estarem reunidos os pressupostos para a aplicação do regime.
04. Ora, quando a AT enquadra e tributa por métodos directos e à luz de diversas categorias de rendimentos, os valores assim considerados não são, na lógica dos artigos 87º 89.º-A da LGT, passíveis de ser “justificados” na medida em que não podem ser considerados como acréscimos patrimoniais.
05. Na verdade, se a AT conhece a fonte do rendimento e o submete ao tratamento tributário que tem por adequado (no caso enquadrando-o e liquidando imposto, por métodos directos) tais valores não podem ser tidos como acréscimos carecidos de justificação.
06. A justificação dos acréscimos implica, pela teleologia do instituto das “manifestações de fortuna”, que os mesmos não tenham sido objecto de enquadramento tributário.
07. A questão decidenda reside assim em saber se os movimentos a crédito nas contas bancárias tituladas pelos Recorrentes que a AT qualificou e tributou por métodos directos devem entrar no cômputo dos acréscimos patrimoniais para efeitos de aferir da legalidade da aplicação do regime previsto na alínea f) do artigo 87.º e no artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária.
08. Ao contrário do entendimento que subjaz à Sentença, pugnamos que a resposta só pode ser negativa, pois que a qualificação e tributação de rendimentos por métodos directos excluí os mesmos da tipificação de “acréscimos patrimoniais não justificados”, não se confundido tais actos tributários de liquidação com a justificação a que se refere o regime presuntivo em foco nos presentes autos.
09. Ou seja, a AT não se substituiu ao contribuinte para justificar a licitude de incrementos não patrimoniais potencialmente subsumíveis à categoria G, antes enquadrou e tributou por métodos directos movimentos bancários no pressuposto de que os contribuintes não declararam os rendimentos respeitantes a essas categorias.
10. A AT, ao entender que os Recorrentes não declararam rendimentos cuja fonte determinou, enquadrando-os e tributando-os por métodos directos, diferencia clara e decisivamente o “restante” que imputou à categoria G como acréscimo patrimonial não justificado.
11. Em suma, os rendimentos que a AT subsumiu e tributou nas diferentes categorias de IRS não são acréscimos patrimoniais – pelo que os valores que careceriam de justificação nos termos e para os efeitos da disciplina das manifestações de fortuna e outros acréscimos patrimoniais são apenas aqueles que não foram adstritos, pela própria AT, a outra categoria de rendimentos.
12. O artigo 89.º-A e a alínea f) do artigo 87.º da LGT cuidam da tributação de rendimentos omitidos e cuja proveniência seja desconhecida (rendimentos ocultos), pelo que quando a própria AT afirma que determinados rendimentos não declarados têm como fonte o trabalho dependente, juros, rendimentos prediais, etc., os montantes em causa estão, logicamente, fora desta figura legal.
13. A tributação das manifestações de fortuna, visa e permite a reintegração tributária de rendimentos que, face ao património ostentado pelo contribuinte, presumivelmente terão sido subtraídos à tributação em IRS e não devam ser enquadrados nas específicas categorias de rendimento através de métodos directos por se desconhecer a respectiva fonte.
14. Ora, foi a própria AT quem afirmou conhecer, e assim determinou a fonte, da maior parte dos supostos “acréscimos patrimoniais” que detectou (a totalidade dos créditos nas contas bancárias do “paralelo” e parte dos créditos das contas “particulares”), subsumindo-os – de forma coerente como itinerário que percorreu – a diversas categorias e tributando-os por métodos directos.
15. Ou seja, o enquadramento nas diversas categorias de rendimentos e inerentes correcções aritméticas em sede de IRS nos anos em causa nos autos não correspondem a “justificação parcial” de montantes susceptíveis de ser imputados aos recorrentes como acréscimos patrimoniais não justificados, antes verdadeira e própria correcção tributária de rendimentos que a AT entendeu terem sido auferidos em cada um dos anos em mérito.
16. Acresce que incumbe à Administração Tributária o dever de demonstração da ocorrência dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável), sendo que no caso dos autos a AT não logrou sustentar os pressupostos inscritos na alínea f) do n.º 1 do artigo 87° da LGT.
17. Com efeito, e ao contrário do afirmado na Sentença recorrida não existe coincidência entre o conceito de acréscimo patrimonial não justificado e os valores depositados nas contas bancárias quando, destes valores, parte substancial não tem, nos termos do RIT, fonte desconhecida (tanto assim que foi enquadrado em diferentes categoriais e tributado por métodos directos).
18. E daqui se extrai – de forma directa – que no ano 2016 não existe uma divergência não justificada entre os rendimentos declarados superior a 100.000€ – pelo que o regime da alínea f) do artigo 87.º e do artigo 89.º-A da LGT não cobra aplicação, pelo menos quanto a esse período.
b) Segunda Questão de Direito
19. Os princípios tributários que subjazem à questão vinda de analisar suportam também a conclusão de que também nos demais anos em apreço (eventualmente com excepção para 2011) não se verifica a divergência imposta pela lei.
20. Isto porque se entende e propugna, em oposição ao decidido pelo Tribunal a quo, que para apurar (se existe) tal divergência não deverão ser unicamente considerados os rendimentos declarados, mas também aqueles rendimentos que, para cada um dos anos em apreço, foram corrigidos e tributados pela AT por métodos directos.
21. A Sentença a quo privilegiou o elemento literal na interpretação da alínea f) do n.º 1 do artigo 89.º da LGT (“declarado”) olvidando que a solução preconizada na Lei, ao estabelecer os 100.000€ de divergência, tem um objectivo material de detecção e penalização da existência de uma desproporção entre o rendimento submetido a tributação e o património ostentado.
22. Por outras palavras, sendo o objectivo da norma a detecção de discrepâncias entre o rendimento sujeito a tributação e o património evidenciado, afigura-se irrelevante que o respectivo imposto tenha sido auto ou hétero-liquidado.
23. A partir do momento em que os rendimentos do Contribuinte, seja por via declaração, seja por via de uma correcção oficiosa, se mostram coerentes com determinada capacidade patrimonial deixa de ser legítimo recorrer a este regime legal.
24. Assim, e constatando-se que a letra da lei (“rendimentos declarados”) fica aquém da ratio legis (rendimentos tributados), impetra-se que seja utilizado este critério material (do rendimento tributado) e não o meramente formal que a Sentença, a nosso ver, mal, sufragou.
25. Com efeito, não pode ser indiferente para o aplicador do direito a circunstância de os Recorrentes terem, para todos os efeitos, e após a correcção perpetrada por métodos directos, a sua situação contributiva alterada no sentido de em que os seus rendimentos corrigidos demonstram uma maior capacidade aquisitiva ou de detenção patrimonial.
26. E nessa conformidade, a mera análise do RIT leva à conclusão de que, perante a antedita tributação oficiosa dos rendimentos em sede de categoria A, se deve ter por proporcionalmente “aumentado” o rendimento de referência a comparar com os supostos acréscimos, a redundar que pelo menos nos anos de 2012, 2013 e 2016 se verifica não existir a discrepância de 100.000€ exigida pela lei.
27. Por outras palavras, advoga-se que, para aferir da discrepância deveria o Tribunal recorrido ter tido em conta os valores tributados em cada ano (quer por via declarativa quer oficiosa) na comparação com os supostos acréscimos.
28. Ademais, e este tema associa-se também à questão de facto, a imputação aos recorrentes de movimentos a crédito em diferentes contas bancárias que foram tidas como “particulares” – quando na verdade nada as diferencia das denominadas do “paralelo” deveria também ser tida em conta para o apuramento da existência, ou não, da exigência de divergência de 100.000€.
29. Com efeito, e ainda que em raciocínio subsidiário, os recorrentes invocaram que determinados movimentos bancários deveriam, na lógica do RIT, ter sido considerado como rendimentos a enquadrar em termos idênticos aos que foram corrigidos por via aritmética em sede de categoria A (em concreto, os valores depositados nas contas “do paralelo” das sociedades “M., Lda” (contas n.° (...) e (...)) e “M. Lda” (n.° (...)).
30. No RIT assume-se que estas contas eram de natureza idêntica às demais contas bancárias cujas entradas foram corrigidas por métodos aritméticos, porém, foram tidas como contas “particulares” (e considerados acréscimos patrimoniais não justificados) apesar de o Recorrente marido ser gerente de facto de ambas as sociedades (como o é de todas as sociedades do grupo M. objecto de inspecção que está dos actos tributários sob recurso), de o próprio RIT atribuir ao Recorrente marido a qualidade de gerente da sociedade M. Lda (cf. Quadro 2, p. 9 do RIT e p. 92) e de ambos os Recorrentes serem administradores nominais (ainda que só o Recorrente marido o seja de facto) da sociedade “M. SGPS, SA” (cf. mesmo Quadro 2 para o Recorrente marido e Quadro 3 para Recorrente mulher) – sendo esta SGPS detentora do capital social das sociedades aqui em causa: a M. Lda (vide p. 18 do RIT) e a M. Lda (p. 20) desde 21/12/2012 (momento em que que adquiriu as quotas dessas sociedades que se encontravam registadas em nome da Recorrente mulher (cf. Quadro 2 e p. 18 e 20 do RIT).
31. Ora, apesar de se constatar que as ligações dos Recorrentes às sociedades M., Lda” e à “M. Lda” em nada diferem, materialmente, das demais e que as 3 contas bancárias aqui em causa são qualificadas pela própria AT como contas do “paralelo” dessas sociedades (e atendendo-se até que no que contende com os valores depositados na conta (...), o RIT afirma, em contradição com as correcções, que se trata de valores que não deverão ser considerados como acréscimos patrimoniais não justificados - quadro 53 e p. 80) conclui-se que, mesmo seguindo a lógica intrínseca do RIT, a AT andou mal ao diferenciar estas três contas relativamente às demais contas do “paralelo”.
E ASSIM
32. É preclaro que os valores depositados nestas contas bancárias correspondem a proveitos das sociedades em causa – facto aliás reconhecido pela AT, quando as considera ser contas dos respectivos paralelos – devendo, inerentemente, ser excluídas dos “acréscimos patrimoniais a justificar” os depósitos detectados nas mesmas (dividindo os “movimentos não justificados” pelo número de titulares, porquanto duas dessas contas são, como antedito, co-tituladas pela recorrente mulher e seu pai) – os quais, em última análise, e de acordo com a lógica do RIT, seriam de corrigir por métodos directos como rendimentos de categoria E ou A.
33. Nesta esteira, entende-se que andou mal a Sentença recorrida ao não deduzir à matéria colectável fixada no acto em recurso os seguintes montantes (cf. quadros 59 a 64, p. 87 a 89 do RIT):
· 2011: 143.333,88€
· 2012: 99.366,12€
· 2013: 87.945,45€
· 2014: 35.579,88€
· 2015: 85.207,40€
· 2016: 31.068,29€.
34. E, procedendo-se a tal subtracção, e no raciocínio subsidiário que ora se expõe restariam “sob suspeita”, no limite, os movimentos a crédito que foram detectados nas contas denominadas como particulares.
35. Como resultado, ter-se-á de concluir que – se não proceder, no que se não concede, a alegação de que todas as quantias depositadas nas contas bancárias tituladas pelos recorrentes não são mais do que os fluxos financeiros da actividade subfacturada dos estabelecimentos do grupo M. (e não rendimentos dos Recorrentes) – matéria de facto a que adiante se fará referência – as quantias que, em termos lógico-sistemáticos do próprio do RIT se poderiam subsumir a “acréscimos patrimoniais não justificados” cingir-se-iam aos movimentos detectados nas contas denominadas particulares (cf. quadros 59 a 64, p. 87 a 89 do RIT), com a seguinte expressão:
· 2011: 355.706,04€
· 2012: 132.960,65€
· 2013: 141.690,35€
· 2014: 80.219,39€
· 2015: 64.815,87€
· 2016: 68.265,47€.
36. E, por via disto, constatam-se dois efeitos:
· a redução dos valores da matéria colectável relativamente aos anos 2011, 2012 e 2013, por erro de quantificação;
· a revogação do acto quanto aos anos de 2014, 2015 e 2016, por erro quanto aos pressupostos, porquanto os supostos acréscimos patrimoniais não atingem a cifra dos 100.000 € que é pressuposto da convocada al. f) do n.º 1 do art.º 87.º da LGT.
37. Todavia, a Sentença em recurso ateve-se às conclusões do RIT, não permitindo (terceira questão que se destacará) que os Recorrentes fizessem prova do alegado, e “bastou-se” com a constatação de que havia contas que, nas agendas, mapas e ficheiros excel e/ou pdf, “onde a expressão “paralelo” aparecia referenciada” – p.46, e, no que às contas “do paralelo” das sociedades “M., Lda” (n.º (...) e (...)) e “M. Lda” (n.º (...)) professando que a AT andou bem na medida em que formalmente não eram gerentes dessas sociedades.
38. Com tal decisão, saiu violado o princípio da verdade material, sendo ademais certo que, ainda que se essa situação fosse impeditiva de qualificar os respectivos rendimentos como trabalho dependente, sempre seria mais coerente com a “realidade” do RIT imputar esses proveitos que a AT tem como “do paralelo” a rendimentos empresariais, por via de distribuição de lucros.
39. Andou, pois, mal, a AT e a Sentença recorrida ao desdizer-se quanto à conhecida fonte desses valores: os valores da facturação do paralelo de que os Recorrentes foram beneficiários.
40. E nesse sentido – e em coerência com o RIT –os montantes depositados nas contas das sociedades “M., Lda” (n.° (...) e (...)) e “M. Lda” (n.° (...)) deveriam, na proporção da titularidade das mesmas:
i) ser subtraídos à matéria colectável fixada no acto em recurso;
ii) ser considerados como rendimento tributado para efeitos de análise da existência da discrepância superior a 100.000€ em cada ano.
41. Ora, e mesmo aceitando meramente em benefício de raciocínio que os valores tidos como acréscimos patrimoniais correspondem a rendimentos dos Recorrentes, pretende-se que seja revogada a Sentença recorrida e proferida Decisão que, decidindo que em cada ano analisado a AT deveria ter adicionado ao valor declarado quer as correcções aritméticas perpetradas (os dados encontram-se nas linhas 4 e 5 do quadro 1 do RIT) quer os valores imputáveis aos Recorrentes inerentes às contas das sociedades “M., Lda” (n.° (...) e (...)) e “M. Lda” (n.° (...)) - quadros 17, 18 e 19 do RIT - para efeitos de aferir a susceptibilidade de aplicação do regime previsto na alínea f) do n.° 1 do artigo 87° da LGT.
42. E que decida que, o não tendo feito, a AT incorreu em erro de qualificação e quantificação, com evidentes reflexos na validade intrínseca dos actos sob recurso que a Sentença, s.m.o., não detectou.
43. Nesse quadro, impõe-se comparar o valor do acréscimo com o valor corrigido por métodos aritméticos, a fim de aferir se existe a divergência – superior a 100.000€ – face ao valor de referência, assim:
· 2011: 355.706,04€ (acréscimo) vs 181.130,03€ (rendimento tributável);
· 2012: 132.960,65€ (acréscimo) vs 146.633,83€ (rendimento tributável);
· 2013: 141.690,35€ (acréscimo) vs 190.065,62€ (rendimento tributável);
· 2014: 80.219,39€ (acréscimo) vs 379.779,61€ (rendimento tributável);
· 2015: 64.815,87€ (acréscimo) vs 606.564,42€ (rendimento tributável);
· 2016: 68.265,47€ (acréscimo) vs 238.644,44€ (rendimento tributável).
44. Tanto mais que se demonstra que, para além de 2016, também para os anos de 2012, 2013, 2014 e 2015 inexistirá o acréscimo superior a 100.000€ de que depende a aplicação da alínea f) do nº 1 do artigo 87.º da LGT,
45. a implicar, neste cenário subsidiário à cautela gizado, que apenas se quedaram por justificar os supostos “acréscimos” relativamente a 2011, no valor de 355.706,04€ (e não de 499.042,16€ como vem fixado), pelo que deverá o acto em recurso, se não integralmente revogado, como a título principal se pretende, parcialmente revogado nos termos vindos de expor.
SEM PRESCINDIR
c) Questões de Facto (e despacho de 27/02/2021)
46. O Tribunal a quo – sem que tenha especificamente indicado no probatório tal matéria – decidiu as seguintes questões de facto (que os recorrentes entendem mal julgadas e que deveriam ser dadas como provadas) que foram suscitadas na petição inicial e que a própria Sentença sintetiza.
47. Logo na página 44 da Sentença é resumida, de forma suficientemente clara, o argumentário factual dos Recorrentes sob o título “da titularidade dos rendimentos a crédito identificados nos autos”:
a) “os movimentos a crédito identificados nos autos (relativamente aos anos de 2011 a 2016) não correspondem a rendimentos seus;”
b) –tais inputs “mais não são do que o “apuro” da atividade dos estabelecimentos de restauração referidos no RIT, ou seja, tais depósitos correspondem aos montantes que foram objeto de subfaturação das sociedades de restauração em causa, correspondendo às vendas omissas das sociedades do “Grupo M.” e que os proveitos dos estabelecimentos comerciais de restauração não faturados foram depositados em diversas contas bancárias, incluindo naquelas que a AT afirma serem “particulares””
c) “as contas bancárias em causa não só serviram para “receber” os montantes resultantes dos valores subfacturados na atividade da restauração das empresas de que o recorrente marido é sócio e / ou gerente de direito e / ou de facto, assim em nada se diferenciando das contas que a AT classificou como “do paralelo” e cujas entradas não considerou acréscimo patrimoniais não justificados – como ainda se constata que essas mesmas contas eram utilizadas em proveito das sociedades”
48. E, a p. 50, identifica-se outra questão que cujo substrato factual não foi levado ao probatório:
d) “as contas do “paralelo” das sociedades “M., Lda” (n.º (...)) e “M. Lda” (n.º (...)), que foram tidas como contas particulares e assim consideradas no cômputo dos supostos acréscimos patrimoniais injustificados, dado o SP M., cotitular das duas contas in questio, não ser gerente destas empresas, omitindo a AT que atribui ao recorrente marido a qualidade de gerente de facto da sociedade “M. Lda.”, teriam de ter sido enquadrados pela AT de forma idêntica ao que foi perpetrado para as demais “contas do paralelo” (correções aritméticas).”
e) “não se percebe por que razão é o RIT totalmente omisso à circunstância de não considerar a conta do paralelo da sociedade “M., Lda” n.º (...) (exclusivamente titulada pelo recorrente marido) de forma idêntica ao que fez para as demais contas que afirmou ser do apuro paralelo do grupo M..
Concluem dizendo que os montantes em causa deverão ser subtraídos à matéria tributável fixada no ato em recurso, reduzindo-se a matéria coletável fixada para os anos de 2011, 2012 e 2013, por erro de quantificação e revogando-se o ato quanto aos anos de 2014, 2015 e 2016, por erro quanto aos pressupostos, na medida em que os supostos acréscimos patrimoniais não atingem os €100.000,00 previstos na al. f) do n.º 1 do art. 87.º da LGT.
ORA
49. Os pontos acima indicados a) a e) resumem matéria de facto alegada pelos Recorrentes na sua petição inicial, através da qual pretendiam demonstrar que os movimentos a crédito sinalizados nas contas bancárias identificadas como “particulares” no RIT não correspondiam a rendimentos por si auferidos e omitidos à tributação, antes recursos financeiros próprios das sociedades (talqualmente com o que ocorria nas “contas do paralelo”).
50. Mutatis mutandi quanto à questão de saber contida na alínea d) acima indicada relativa à natureza das entradas nas contas bancárias das sociedades “V., Lda” e “C., Lda”, sobre as quais se alega que o Recorrente marido exerce domínio societário e gestão de facto.
51. Sobre tais questões, o Tribunal recorrido, julgou os argumentos dos Recorrentes e, à falta de qualquer prova produzida, a Sentença desmereceu-os por entender que o RIT dava resposta negativa à tese vertida na petição inicial – porém, e inexplicavelmente, nada foi dado como (não) provado, justificando apenas a Sentença recorrida que a prova documental junta “não atingia o limiar de uma prova relevante” e, de forma conclusiva, invoca que “se os recorrentes pretendiam que os fundos em causa estivessem apenas na titularidade jurídica das sociedades, deviam ter aberto as contas em nome destas, o que não fizeram”.
ORA
52. Se tudo quanto subjaz aos presentes autos é uma situação, admitida e reconhecida, de subfacturação dos proveitos das sociedades do Grupo de restauração de que os Recorrentes eram sócios e gerentes, não seria, certamente, de esperar que esse dinheiro “paralelo” tivesse sido depositado nas contas “oficiais” das sociedades...
53. De todo o modo, e ainda que procedesse o juízo conclusivo da Sentença, os Recorrentes afirmaram – e propuseram-se provar – que as contas bancárias tidas como “particulares” serviram como contas veículos das sociedades, isto é, que nelas se “parqueavam” as ditas receitas paralelas e que as mesmas serviam para pagar despesas de funcionamento das sociedades, não ingressando, dessa sorte, na esfera patrimonial dos sócios.
54. Os Recorrentes não podem, assim, conformar-se com tal “julgamento” tanto mais quando o Tribunal a quo impediu a produção de prova testemunhal arrolada na p.i. e concretizada pelo requerimento dado aos autos 12/02/2021.
55. Pretendeu-se demonstrar que, para além daquelas que foram consideradas como “do paralelo”, também as demais contas bancárias em causa nos autos – que a AT apelidou de “particulares” – eram receptoras do mesmíssimo dinheiro proveniente dos proveitos paralelos do Grupo de restauração sinalizado nos autos.
56. Isto é: que apesar de não existirem os indícios referidos na Sentença “agendas, mapas e ficheiros excel e/ou pdf” que evidenciassem que as contas tidas como “particulares”, a fonte dos respectivos movimentos financeiros era exactamente o mesmo, pelo que, a não proceder a prova da utilização como “conta veículo” sempre os respectivos montantes deveriam ter merecido por parte da AT tratamento idêntico ao das contas particulares.
57. Note-se que, da petição de recurso – e também do exposto no requerimento com entrada a 12/02/2021 (acompanhado de 712 documentos) – resulta que o volume de negócios assumidamente subfacturado pelas sociedades do Grupo de restauração “do” recorrente é muito superior aos valores depositados nas contas do “paralelo”.
58. E tal ocorre precisamente porque, como se reitera, tais apuros não foram depositados apenas nessas contas seleccionadas pela AT, mas também nas ditas “particulares”
59. Pelo que – e esse o ponto que a Sentença a quo se escusou de levar ao probatório – não há razão material que determine um tratamento diferenciado entre ambos os “tipos” de contas já que a fonte dos movimentos financeiros era exactamente o mesmo.
60. Tudo factos que os recorrentes se propuseram provar, também através de prova testemunhal, o que, respondendo a convite do Tribunal a quo especificaram no ponto 100.º e 101º do aludido requerimento de 12/02/2021 mas que veio a ser indeferido pelo predito despacho de 27/02/2021 (do qual se recorreu autonomamente, por se entender tratar de despacho interlocutório, mas cujo recurso não foi admitido por o Tribunal a quo professar entendimento contrário – questão sobre a qual está ainda pendente Reclamação).
61. Em face do exposto – e ademais perante o erro da questão de facto que neste capítulo se imputa à Sentença a quo – não podem deixar de recorrer (“novamente”) da decisão de 27/02/2021.
62. Assim, e ainda que confiantes de que o julgamento das questões de direito atrás indicadas deverão determinar a revogação da Sentença (e do acto tributário) apodam tal despacho de ilegal, sendo que a evolução dos autos (mormente o pseudo julgamento da matéria de facto em questão) demonstra que se impunha a produção da prova testemunhal requerida, não colhendo o argumento do despacho de 27/02/2021 segundo qual “a]tendendo ao vertido na petição inicial e à conformação da matéria de facto com as soluções possíveis de direito, a prova que compete a tal factualidade é a prova documental. Nesta perspetiva, não se procederá à inquirição das testemunhas arroladas pelos Recorrentes”.
63. Com efeito, a apreciação “velada”, em sede de fundamentação da Sentença, dos factos alegados pelos Recorrentes, unicamente tendo como sustentação o RIT (que é o objecto da prova em contrário...) é manifestamente demonstrativa de que a matéria factual em questão carecia da produção de prova testemunhal que não foi admitida.
64. Está vedado ao Tribunal restringir o direito dos Recorrentes se socorrerem dos meios de prova que estão ao seu dispor, o que se afigura de maior relevância em face de regimes como o do artigo 89.º-A da LGT, que faz impender sobre o contribuinte um ónus probatório especialmente severo a implicar uma ampla liberdade de meios probatórios para demonstrar e fazer prova dos factos alegados.
d) Normas Jurídicas Violadas
65. O Tribunal a quo, violou, eventualmente entre outras normas e princípios jurídicos, a alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT e, bem, assim, ao indeferir a produção de prova, o disposto nos artigos 9.º e 74.º da LGT e 413.º do CPC, o n.º 1 do artigo 20.º da CRP a par do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva previsto no artigo 268.º CRP.
Nestes termos, e nos melhores de direito que V. Exas. suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente, por fundado, e consequentemente ser revogada a Sentença recorrida e:
i) anulado o acto de fixação adicional da matéria colectável em sede de IRS por métodos indirectos em causa nos autos
ii) subsidiariamente, anulado o despacho de 27/02/2021 e permitida a produção da prova testemunhal requerida e demais trâmites
com o que V. Exas. farão a habitual e sã JUSTIÇA!
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A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:

a) Os Recorrentes invocam erro de julgamento do Tribunal “a quo” quanto aos factos e quanto ao direito, alegando, em síntese, que o exercício de 2016 não é subsumível à al. f) do nº 1 do art. 87º da LGT por não existir um acréscimo patrimonial apurado pela AT em montante superior a € 100.000,00,
b) Mais alegando que os exercícios de 2012 a 2016 não são subsumíveis àquele normativo legal por não existir uma discrepância no montante de € 100.000,00 relativamente aos restantes rendimentos apurados.
c) Mais invocam, quanto aos factos, que a sentença recorrida não proferiu um julgamento expresso sobre a matéria de facto atinente à titularidade dos rendimentos respeitantes aos movimentos a crédito identificados nos autos.
d) Subsidiariamente, os Recorrentes invocam também a ilegalidade do despacho interlocutório de 27/02/2021 que rejeitou a produção de prova testemunhal.
e) Quanto ao recurso interposto contra a sentença, entendem os Recorrentes que não estão preenchidos os pressupostos da al. f) do nº 1 do art. 87º da LGT relativamente ao exercício de 2016 uma vez que parte dos fluxos financeiros considerados para efeitos da correcção controvertida respeitam ao enquadramento por métodos directos de parte daqueles movimentos a crédito, os quais não estariam abrangidos por aquela previsão legal.
f) Quanto a esta questão, entendeu a sentença recorrida o seguinte que se transcreve:
Na verdade, a argumentação apresentada pelos recorrentes conduziria à situação absurda de que, partindo de um valor de entradas nas contas bancárias de €282.893,74 não justificado com rendimentos declarados, apenas o montante de €118.231,57 seria tributado (no caso, na categoria A) e o remanescente montante, apesar de injustificado (€99.333,76), já não seria passível de tributação por não alcançar o valor de €100.000,00.
g) A Recorrida acompanha na íntegra este entendimento.
h) Sobre idêntica matéria de facto e de direito pronunciou-se recentemente a secção do contencioso tributário do STA, no âmbito do processo nº 2415/20.9BEPRT, tendo concluído o seguinte, que se transcreve:
Concluindo, para determinar, em primeira linha, se, casuisticamente, pode (ou não) efetuar-se avaliação indireta, por ação do disposto no art. 89.º-A da LGT, só é relevante, para o respetivo afastamento, a comprovação/justificação, exigida ao sujeito passivo, nos termos e para os efeitos do seu n.º 3, se for total, isto é, de que o montante apontado como manifestação de fortuna e/ou incremento patrimonial, corresponde, na íntegra, à realidade e de que é outra (não sujeita a declaração) a respetiva fonte geradora. Não produz nesse quadrante qualquer efeito excludente, quer a justificação parcial, quer, entre outras, com a mesma matriz, um, eventual, ocorrido achamento e enquadramento, pela AT, de rendimentos não declarados e suscetíveis de avaliação por métodos diretos (desde logo, mediante correções aritméticas/técnicas).
i) Mais entendem os Recorrentes que o pressuposto da discrepância com os rendimentos declarados, contido naquela alínea f) do nº 1 do art. 87º da LGT, não se verifica relativamente aos exercícios de 2012 a 2016.
j) Nesta parte a sentença sob recurso veio dizer o seguinte:
Ou seja, resulta expressamente da norma transcrita que a divergência não justificada é aferida em relação aos rendimentos declarados (pelos sujeitos passivos) e não em relação aos rendimentos corrigidos pela AT, pelo que a tese dos recorrentes não tem qualquer acolhimento na letra da lei.
Razão pela qual, também por aqui, o presente recurso não pode proceder.
k) A Recorrida acompanha na íntegra este entendimento.
l) Quanto ao julgamento da matéria de facto, que também é objecto do presente recurso, entendeu a sentença recorrida o seguinte que se transcreve:
O Tribunal formou a sua convicção quanto à matéria de facto, através da ponderação crítica dos documentos juntos aos autos e dos constantes do processo administrativo apenso, designadamente, o relatório de inspeção levada a cabo aos recorrentes, cuja força probatória se reporta aos factos que nele são referidos, sejam os afirmados como tendo sido praticados pelos serviços de inspeção tributária (v.g. as diligências realizadas), sejam os factos materiais apurados por esses serviços, sempre que devidamente fundamentados através de elementos externos e assentes em critérios objetivos (cfr. o disposto no artigo 76.º, n.º 1 da LGT), e que, estando sujeitos ao principio do contraditório, não foram impugnados, uma vez que, se bem vemos, os recorrentes apenas refutam as conclusões a que chegou a AT, mas não os factos em que esta assentou as suas conclusões e do posicionamento das partes assumido nos respetivos articulados, tudo conforme indicado em cada um dos itens do probatório.
(…)
No mais, dir-se-á que as restantes asserções constantes da petição inicial constituem meras considerações pessoais, juízos de valor, generalidades e/ou conclusões a extrair de factos não alegados, que, por total ausência de consubstanciação, tão pouco estariam sujeitos a prova ou haveria que elencar nos factos não provados.
Tal é o caso da alegação dos recorrentes de que as entradas nas contas particulares têm origem nos apuros não declarados nas sociedades ou de que os proveitos dos estabelecimentos comerciais de restauração não faturados foram depositados em diversas contas bancárias, incluindo naquelas que a AT afirma serem “particulares”, pois desconhece-se a que montantes e a que sociedades em concreto se referem os recorrentes (note-se que mesmo no que respeita às contas do “paralelo”, não só tais contas foram detetadas nas inspeções às sociedades – o que não sucedeu com as contas particulares, que apenas foram detetadas no procedimento de derrogação do sigilo bancário dos recorrentes - como não foram consideradas pela AT todas as entradas, mas só aquelas que resultaram do cruzamento com as agendas e documentos internos recolhidos nas buscas às sociedades).
De resto, tal ausência de consubstanciação foi acompanhada da total ausência de qualquer prova documental, por mínima que fosse, que pudesse constituir um mero principio de prova, visto que os recorrentes só ofereceram prova testemunhal, quando o meio adequado de prova era a prova documental (para além de que, como se verá adiante, a prova testemunhal apresentada sempre seria irrelevante para a solução jurídica a dar à causa).
Por fim, da instrução da causa não resultaram demonstrados quaisquer outros factos com interesse para a decisão a proferir.
m) Prossegue a sentença, mais adiante:
No entanto, desde já se diga que mesmo que quedasse provado que os montantes depositados nas contas particulares tiveram origem nos apuros não declarados das sociedades (note-se que as entradas nas contas do “paralelo”, qualificadas como rendimentos da categoria A, não estão em causa nestes autos), sempre se diria que a partir do momento em que os montantes em questão foram colocados à disposição nas contas bancárias dos recorrentes e, portanto, passaram para a sua esfera jurídica, sendo que tais sociedades não assumem natureza financeira (logo não podiam conceder financiamentos a particulares), não se poderia deixar de concluir que são rendimentos seus e, como tal, não poderiam deixar de ser tributados na sua esfera jurídico-tributária, visto que os recorrentes são pessoas (físicas) jurídicas distintas das pessoas (coletivas) jurídicas que são as sociedades. Por essa razão, aliás, é que dois impostos sobre o rendimento distintos incidem sobre os lucros das sociedades – o IRC na esfera da própria sociedade e o IRS na esfera do sócio que aufere os lucros distribuídos - e, também por isso, prevê o Código do IRS, no seu artigo 40.º-A, a eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos aos sócios (o que não é o caso).
n) Daqui resulta claro que não tem acolhimento a tese dos Recorrentes de que a sentença recorrida não proferiu julgamento expresso sobre matéria de facto relevante, no caso a factualidade atinente à titularidade dos rendimentos respeitantes aos movimentos a crédito nos autos e que os Recorrentes dizem ser rendimentos das sociedades.
o) Subsidiariamente, os Recorrentes recorrem ainda do despacho interlocutório de 27/02/2021 por entenderem que esse despacho viola algumas normas e princípios jurídicos.
p) A Recorrida não acompanha este entendimento dos Recorrentes.
q) Porém, nada é concretamente alegado pelos Recorrentes para justificar a prova testemunhal requerida quando estão em causa movimentos financeiros que têm como suporte contas bancárias.
r) De todo o modo, o Tribunal “a quo” apreciou esta factualidade considerando-se devidamente esclarecido em face da prova documental reunida pela Inspecção Tributária e que não foi impugnada pelos Recorrentes, conforme supra transcrito.
s) Nos termos supra expostos, deve o recurso ser julgado totalmente improcedente.
Nos termos supra expostos, e nos demais de direito que V. Exas doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado improcedente.”
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O Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Dada a natureza urgente do processo, há dispensa de vistos prévios (artigo 36.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ex vi artigo 2.º, n.º 2, alínea c) do Código de Procedimento e de Processo Tributário); submetendo-se o processo à Conferência para julgamento.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito, por ter considerado legal o recurso à disciplina da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT e, subsidiariamente, se o tribunal recorrido errou ao dispensar a produção da prova testemunhal ao abrigo da decisão interlocutória proferida em 27/02/2021.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:

III.1 – De facto
Da prova produzida nos autos, resultou apurada a seguinte factualidade:
1. Ao abrigo das ordens de serviço n.ºs OI201504020, OI201504021, OI201504022, OI201504023, OI201801592 e OI201801593, foram levadas a cabo ações inspetivas externas aos Recorrentes, de âmbito parcial, em sede de IRS, abrangendo os anos de 2011 a 2016 - cfr. o RIT apenso.
2. Em 09/12/2020, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto elaboraram o relatório da inspeção tributária referida em 1), de onde resulta, além do mais, o seguinte:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)
- cfr. o RIT constante do P.A. junto.
3. Em 17/12/2020, foram emitidas pela Sra. Diretora de Finanças do Porto as notas de fixação do conjunto dos rendimentos líquidos dos Recorrentes para os anos de 2011 a 2016, nos montantes de €537.838,31, €279.594,48, €324.413,47, €460.106,50, €659.668,85 e €306.910,11, que incluíram os rendimentos fixados com recurso a métodos indiretos, a enquadrar na categoria G de IRS, nos montantes de €499.042,16, €232.326,77, €229.635,80, €115.906,77, €150.023,27, €99.333,76, respetivamente – Cfr. notas de fixação constantes do processo administrativo junto.
4. Através do ofício n.º 20205000202603, de 21/12/2020, da Divisão de Inspecção Tributária IV, da Direcção de Finanças do Porto, remetido sob correio registado com aviso de receção assinado em 23/12/2020, foram os recorrentes notificados do relatório de inspeção tributária referido em 2) e das notas de fixação referidas em 3) – Cfr. o processo administrativo junto.
5. Em 04/01/2021, foi interposto o presente recurso judicial – Cfr. fls. 1 dos autos.
*
Mais se provou, o seguinte:
6. Foram emitidos os seguintes cheques da conta do Montepio n.º (...), assinados por J.:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

– Cfr. os documentos 7-19 juntos com a petição inicial.
7. Foram emitidos os seguintes cheques da conta da Caixa Geral de Depósitos n.º (...), assinados por J.:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

– Cfr. o documento 20 junto com a petição inicial.
8. Foram emitidos os seguintes cheques da conta da Caixa Geral de Depósitos n.º (...), assinados pelo Recorrente P.:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

– Cfr. o documento 21 junto com a petição inicial.
9. Os montantes objeto dos presentes autos (imputados aos recorrentes) não foram transferidos para as contas bancárias das sociedades – Cfr. facto confessado no artigo 77.º do requerimento sob o n.º 2360 (SITAF).
10. No ano de 2019, as sociedades registaram na conta “567-Outras” a regularização das demonstrações financeiras de períodos anteriores, tendo como contrapartida: (i) a conta de depósitos à ordem, conforme pagamentos de processos executivos efetuados no decurso do ano; (ii) a conta “248 – outras tributações”, para posicionar, em 2019, o valor remanescente dos processos executivos, ou seja, o montante que ficou em dívida – cfr. o relatório de assessoria fiscal junto.
*
Com interesse para a decisão a proferir, não existem factos não provados ou outros factos provados para além dos acima elencados.
*
O Tribunal formou a sua convicção quanto à matéria de facto, através da ponderação crítica dos documentos juntos aos autos e dos constantes do processo administrativo apenso, designadamente, o relatório de inspeção levada a cabo aos recorrentes, cuja força probatória se reporta aos factos que nele são referidos, sejam os afirmados como tendo sido praticados pelos serviços de inspeção tributária (v.g. as diligências realizadas), sejam os factos materiais apurados por esses serviços, sempre que devidamente fundamentados através de elementos externos e assentes em critérios objetivos (cfr. o disposto no artigo 76.º, n.º 1 da LGT), e que, estando sujeitos ao princípio do contraditório, não foram impugnados, uma vez que, se bem vemos, os recorrentes apenas refutam as conclusões a que chegou a AT, mas não os factos em que esta assentou as suas conclusões e do posicionamento das partes assumido nos respetivos articulados, tudo conforme indicado em cada um dos itens do probatório.
Importa salientar que os documentos n.ºs 1 a 712 juntos com o requerimento de fls. 2360 (SITAF) - declarações mensais de IVA, IRC e declarações de substituição das sociedades do grupo M. - não assumiram qualquer relevância e apenas serviram para avolumar os autos, dado apenas refletirem factos verificados na esfera dessas sociedades, não tendo qualquer relevância para o esclarecimento da questão colocada no despacho de 29/01/2021 a que visavam dar resposta (saber se os montantes depositados nas contas bancárias tituladas pelos Recorrentes, em causa nos autos, “retornaram” à esfera patrimonial das sociedades, designadamente, se foram transferidos para as contas bancárias destas e registados nas respetivas contabilidades, pois no próprio requerimento apresentado os recorrentes assumem que tal transferência não ocorreu).
De igual modo, também não foram particularmente relevados os relatórios das ações de inspeção realizadas às sociedades do grupo “M.” juntos aos autos, porquanto os mesmos apenas demonstram que a ATA realizou ações de inspeção a estas sociedades, facto que não era controvertido e como tal, não se mostrava carecido de prova.
No mais, dir-se-á que as restantes asserções constantes da petição inicial constituem meras considerações pessoais, juízos de valor, generalidades e/ou conclusões a extrair de factos não alegados, que, por total ausência de consubstanciação, tão pouco estariam sujeitos a prova ou haveria que elencar nos factos não provados.
Tal é o caso da alegação dos recorrentes de que as entradas nas contas particulares têm origem nos apuros não declarados nas sociedades ou de que os proveitos dos estabelecimentos comerciais de restauração não faturados foram depositados em diversas contas bancárias, incluindo naquelas que a AT afirma serem “particulares”, pois desconhece-se a que montantes e a que sociedades em concreto se referem os recorrentes (note-se que mesmo no que respeita às contas do “paralelo”, não só tais contas foram detetadas nas inspeções às sociedades – o que não sucedeu com as contas particulares, que apenas foram detetadas no procedimento de derrogação do sigilo bancário dos recorrentes - como não foram consideradas pela AT todas as entradas, mas só aquelas que resultaram do cruzamento com as agendas e documentos internos recolhidos nas buscas às sociedades).
De resto, tal ausência de consubstanciação foi acompanhada da total ausência de qualquer prova documental, por mínima que fosse, que pudesse constituir um mero princípio de prova, visto que os recorrentes só ofereceram prova testemunhal, quando o meio adequado de prova era a prova documental (para além de que, como se verá adiante, a prova testemunhal apresentada sempre seria irrelevante para a solução jurídica a dar à causa).
Por fim, da instrução da causa não resultaram demonstrados quaisquer outros factos com interesse para a decisão a proferir.”

2. O Direito

O conhecimento do recurso dirigido à decisão interlocutória Também foi objecto de recurso autónomo, mas não foi definitivamente admitido, conforme decisão da reclamação que se mostra apensa aos presentes autos – cfr. processo n.º 15/21.5BEPRT-R1., proferida em 27/02/2021, é colocado pelos Recorrentes de forma subsidiária, ou seja, a sua apreciação somente terá lugar se as questões de direito formuladas não obtiverem procedência.
A primeira questão de direito reside em saber se os valores que a AT considerou, enquadrou e tributou, por métodos directos, como rendimentos tributáveis em sede de categoria A de IRS podem ser tidas em conta para efeitos de aplicação do regime da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT; isto é, se os mesmos, apesar de rendimentos com fonte conhecida (e tributada), devem ser considerados como acréscimos patrimoniais justificados. Entendem, portanto, os Recorrentes que não estão preenchidos os pressupostos da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT, relativamente ao exercício de 2016, uma vez que parte dos fluxos financeiros considerados para efeitos da correcção controvertida respeitam ao enquadramento por métodos directos de parte daqueles movimentos a crédito, os quais não estariam abrangidos por aquela previsão legal.
A segunda questão de direito conduz-se a saber qual o rendimento de referência para se aferir da divergência justificada relativamente aos acréscimos patrimoniais, pugnando os Recorrentes que os rendimentos tributados por método directo devem acrescer aos rendimentos declarados pelo contribuinte, alegando que os exercícios de 2012 a 2016 não são subsumíveis àquele normativo legal, por não existir uma discrepância no montante de €100.000,00 relativamente aos restantes rendimentos apurados.
Defendem, portanto, os Recorrentes que se a AT conhece a fonte do rendimento e o submete ao tratamento tributário que tem por adequado, enquadrando-o e liquidando, por métodos directos, em diversas categorias de imputação de rendimento, com especial significado na categoria A, tais valores não podem ser tidos como acréscimos carecidos de justificação.
O erro que os Recorrentes imputam à sentença recorrida reside na alegada confusão entre enquadramento de rendimentos tributados por métodos directos e justificação parcial de acréscimos patrimoniais.
Nesta conformidade, as questões de direito formuladas resumem-se em saber se os movimentos a crédito nas contas bancárias tituladas pelos Recorrentes, que a AT qualificou e tributou por métodos directos, devem entrar no cômputo dos acréscimos patrimoniais para efeitos de aferir da legalidade da aplicação do regime previsto na alínea f) do artigo 87.º e no artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária.
Os Recorrentes não se conformam com uma resposta positiva, pois a qualificação e tributação por métodos directos de tais rendimentos exclui-os da tipificação de “acréscimos patrimoniais não justificados”, não se confundindo, tais actos tributários, com a justificação a que se refere o regime presuntivo em foco nos presentes autos.
Pugnam os Recorrentes que os rendimentos, que a AT subsumiu e tributou nas diferentes categorias de IRS, não são acréscimos patrimoniais, sendo que os valores que careceriam de justificação nos termos e para os efeitos da disciplina das manifestações de fortuna e outros acréscimos patrimoniais são apenas aqueles que não foram adstritos, pela própria AT, a outra categoria de rendimentos. Acentuando ter sido a própria AT quem afirmou conhecer, determinando a fonte, da maior parte dos supostos “acréscimos patrimoniais” detectando a totalidade dos créditos nas contas bancárias do “paralelo” e parte dos créditos das contas “particulares”, subsumindo-os a diversas categorias e tributando-os por métodos directos.
Após o enquadramento e correcções aritméticas levadas a cabo pela AT, detectam os Recorrentes que, nos anos de 2012 a 2016, não existe uma divergência não justificada entre os rendimentos tributados e o acréscimo de património a atender, dado que em nenhum dos anos em causa existe um acréscimo superior a €100.000,00, não tendo, por essa razão, o regime da alínea f) do artigo 87.º e do artigo 89.º-A da LGT aplicação.
No seu julgamento, o tribunal recorrido demonstrou a falta de razão dos contribuintes impugnantes da seguinte forma:
“(…) Da verificação do limite de €100.000,00 para os acréscimos patrimoniais no ano de 2016
Alegam os recorrentes, a este respeito, que a AT não demonstra o preenchimento dos pressupostos para a aplicação da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT para o ano de 2016, porquanto, após as correções aritméticas efetuadas em termos de rendimentos da categoria A, o valor dos putativos acréscimos patrimoniais que, na ótica da AT, se prefiguram como injustificados são inferiores a €100.000,00 nesse ano de 2016.
Todavia, como resulta do supra exposto, não têm razão os recorrentes, pois o normativo legal em causa - a alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT – refere que a avaliação indireta pode efetuar-se em caso de acréscimo de património de valor superior a €100.000,00 verificado simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados, não se exigindo que a divergência seja superior a €100.000,00, antes sendo relevante, para o efeito, qualquer divergência, para menos, entre o valor dos rendimentos declarados e o valor do acréscimo patrimonial nesse período.
Em todo o caso, não só se verifica um acréscimo de património de valor superior a €100.000,00 no ano em causa, como existe uma divergência não justificada com os rendimentos declarados (€42.000,00) e essa divergência é superior a €100.000,00, pois não resulta que tal acréscimo de património foi realizado com recurso a rendimentos que não tinham que ser declarados.
Com efeito, estão em causa entradas nas contas bancárias de €282.893,74, que correspondem a rendimentos sujeitos a tributação e que não foram declarados ou, dito de outro modo, tais entradas não foram justificadas pelos recorrentes com base em rendimentos declarados em qualquer das categorias de IRS.
O facto de a AT imputar parte dessas entradas a rendimentos da categoria A - trabalho dependente (€118.231,57) não torna esse montante justificado, uma vez que ele não foi declarado e a alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT é clara ao referir “rendimentos declarados”, i.e., não abrange rendimentos corrigidos. Por conseguinte, tal correção efetuada pela AT em sede de categoria A não poderá desqualificar o valor remanescente (€99.333,76) como acréscimos patrimoniais não justificados, enquadráveis na categoria G de IRS, mas apenas será tida em conta para efeitos da quantificação do montante dos acréscimos patrimoniais não justificados sujeitos a imposto, devendo o respetivo montante ser deduzido ao valor dos acréscimos patrimoniais sujeitos a tributação, tal como, aliás, a AT fez.
Na verdade, a argumentação apresentada pelos recorrentes conduziria à situação absurda de que, partindo de um valor de entradas nas contas bancárias de €282.893,74 não justificado com rendimentos declarados, apenas o montante de €118.231,57 seria tributado (no caso, na categoria A) e o remanescente montante, apesar de injustificado (€99.333,76), já não seria passível de tributação por não alcançar o valor de €100.000,00.
Impõe-se ainda realçar que, apesar de ser enquadrável na categoria G do IRS (art. 9.º, n.º 1, al. d) do Código do IRS), com referência ao ano de 2016, o montante de €99.333,76 não foi todavia sujeito à taxa especial de 60% previsto no artigo 72.º, n.º 15 (atual n.º 16) do Código do IRS, tendo sido englobado de acordo com as regras gerais (art. 22.º do Código do IRS) e tributado às taxas gerais progressivas de IRS (cfr. o cap. V.2 do relatório de inspeção tributária), o que está em plena consonância com o teor da Proposta de Lei que deu origem à Lei n.º 94/2009, de 1 de setembro, que aprovou medidas de derrogação do sigilo bancário, bem como a tributação a uma taxa especial dos acréscimos patrimoniais injustificados superiores a € 100.000,00, em cuja «Exposição de Motivos» se pode ler que «(…) são introduzidas medidas de combate ao enriquecimento não justificado, a ser tributados a uma taxa de 60%, ficando os de valor inferior sujeitos à regra geral de tributação. (…)».
(…)
Do rendimento de referência para se aferir da divergência justificada relativamente aos acréscimos patrimoniais
Também a título subsidiário, alegam por fim os recorrentes, que o rendimento de referência para se aferir da divergência justificada relativamente aos acréscimos patrimoniais deverá corresponder aos rendimentos declarados, adicionados dos montantes que a AT considerou como rendimentos da categoria A e dos montantes das entradas nas contas do paralelo erradamente consideradas como particulares que também deviam ter sido considerados rendimentos da categoria A, pelo que não existe, também para os anos de 2012 e 2013, uma divergência superior a € 100.000,00.
Concluem, assim, que neste cenário, apenas quedariam por justificar os supostos “acréscimos” relativamente a 2011, no valor de €355.706,04 e não €499.042,16 como vem fixado.
Ora, desde já se diga que também por aqui não assiste razão aos recorrentes.
Com efeito, dispõe a alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT que a avaliação indireta pode efetuar-se em caso de «Acréscimo de património …, de valor superior a (euro) 100 000, verificados simultaneamente … com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados.». (sublinhado nosso).
Ou seja, resulta expressamente da norma transcrita que a divergência não justificada é aferida em relação aos rendimentos declarados (pelos sujeitos passivos) e não em relação aos rendimentos corrigidos pela AT, pelo que a tese dos recorrentes não tem qualquer acolhimento na letra da lei.
Razão pela qual, também por aqui, o presente recurso não pode proceder. (…)”
A Secção de Contencioso Tributário do STA, por Acórdão prolatado em 26/05/2021, no âmbito do processo n.º 2415/20.9BEPRT, em situação em tudo semelhante aos presentes autos, veio reiterar o entendimento aqui em análise. Por não vislumbrarmos razões para divergir de julgamento tão coevo, adoptamos, sem reservas, com as devidas adaptações, a posição aí vertida, ficando, desta forma, resolvidas as questões de direito colocadas a título principal no presente recurso O mesmo julgamento foi acolhido no Acórdão deste TCAN, de 08/07/2021, proferido no âmbito do processo n.º 19/21.8BEPRT.:
“(…) Na ausência de controvérsia quanto ao enquadramento normativo pertinente, da situação julganda, nos termos do art. 87.º n.º 1 al. f) da LGT (Na redação, aqui, aplicável, da Lei n.º 94/2009 de 1 de setembro.), pode ter lugar (é legal) a avaliação indireta da matéria tributável/coletável, desde logo, em cédula de IRS, nos casos de deteção de um acréscimo de património ou despesa efectuada, pelos sujeitos passivos, incluindo liberalidades, “de valor superior a (euro) 100 000, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados”. Complementarmente, por força do estatuído no art. 89.º-A, do mesmo compêndio (Redações das Lei n.º 94/2009 de 1 de setembro e Lei n.º 55-A/2012 de 29 de outubro.), impõe-se ter presente que:
- verificada a situação prevista no art. 87.º n.º 1 al. f), mediante notificação para o efeito, “cabe ao sujeito passivo a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo de património ou da despesa efectuada” - n.º 3;
- quando o sujeito passivo não faça a prova dessa correspondência, regra geral, considera-se “rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, …, a diferença entre o acréscimo de património ou a despesa efectuada, e os rendimentos declarados (os rendimentos líquidos das diferentes categorias de rendimentos) pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação” . n.º 5 als. a) e d).
Operando o seu múnus de compreensão e operação das leis, o STA, em matéria de avaliação indireta da matéria tributável, nas hipóteses, específicas, das manifestações de fortuna e outros acréscimos patrimoniais não justificados, tem, ao longo dos tempos, emitido pronúncias, circunstanciais, sobre vários aspetos do respetivo regime legal, por isso, com um espectro, muitas vezes, limitado, mas, em todo caso, com a assunção de algumas ideias-força, transversais a diversas situações concretas.
Entre estas últimas, merece destaque a defesa, pretérita (Ver, entre outros, acórdãos, do STA, de 19 de maio de 2010 (0734/09) e de 15 de maio de 2013 (0664/13).), e, para nós, a manter, contemporaneamente, do princípio, disciplinador e orientador, de que a comprovação/justificação exigida ao sujeito passivo, nos termos e para os efeitos do art. 89.º-A n.º 3 da LGT, só é relevante, no que tange à capacidade/virtualidade de afastar a operação de avaliação indireta da (sua) matéria tributável, se for total, isto é, se o montante apontado como manifestação de fortuna e/ou incremento patrimonial, corresponder, na íntegra, à realidade e de que é outra (não sujeita a declaração) a respetiva fonte geradora. Reflexa e obviamente, a comprovação/justificação parcial, no primeiro momento, não afasta, em qualquer caso, a aplicação do método de avaliação indireta, positivado no art. 89.º-A da LGT (sem prejuízo de, num segundo ato, a mesma ter de ser traduzida na quantificação da disputada matéria tributável).
Evitando o fastio de coligir uma variedade de razões abonatórias desta assunção jurisprudencial, diremos, apenas, que ela se coaduna e compatibiliza, com os propósitos, confessados, do legislador, aquando da instituição (e aperfeiçoamentos) do regime em apreço, de combate à evasão fiscal (Na Lei n.º 30-G/2000 de 29 de dezembro, é apontado, explicitamente, tratar-se da implementação de “Medidas de administração tributária e de combate à evasão e fraude fiscais”), bem como, respeita e dá profundidade à repartição do ónus da prova, entre a AT e o sujeito passivo, envolvido, no pressuposto de que à primeira, apenas, cumpre provar, objetiva e diretamente (no sentido, de aritmeticamente), que o rendimento líquido, declarado pelo segundo, entre outras, apresenta uma desproporção superior a …%, para menos, em relação ao rendimento padrão fixado na tabela do n.º 4 do art. 89.º-A da LGT ou patenteia uma divergência, não justificada, quanto a acréscimos de património ou despesa efetuada, de valor superior a € 100.000.
Assim, com estes ditames, na situação julganda, assumido que os rtes de um, problemático, questionável, montante global de € 3.083.579,32, somente, justificaram, por sua iniciativa, atuação direta, a importância de € 256.778,78, à partida, sem mais delongas, estaria, enormemente, justificada a ocorrida operação de avaliação indireta da matéria tributável, dos anos de 2011 a 2016, para efeitos de IRS.
Sendo esta a consequência normal, inevitável, remanesce a possibilidade de tal desfecho (poder) ser afastado, pela defesa de que, quando “a AT conhece a fonte do rendimento e o submete ao tratamento tributário que tem por adequado (no caso enquadrando-o e liquidando, por métodos directos, em diversas categorias de imputação de rendimento, com especial significado na categoria A) tais valores não podem ser tidos como acréscimos carecidos de justificação”, porquanto esta “implica, pela teleologia do instituto das “manifestações de fortuna”, que os mesmos não tenham sido objecto de enquadramento tributário” - conclusões 03. e 04. Em suma, para os rtes, é diferente (e, por isso, necessariamente, com consequências diversas) o “enquadramento de rendimentos tributados por métodos directos” e a “justificação parcial de acréscimos patrimoniais”.
Não obstante a, nítida, diferença decorrente da enunciação, nada mais, em termos objetivos e práticos, separa as duas situações e, implicantemente, o respetivo tratamento, para o efeito em discussão (legalidade da avaliação indireta da matéria tributável).
Assim:
- nos casos em que, por intervenção dos serviços da AT, é operada uma correção aritmética, tendente a tributar alguns rendimentos não declarados (em parte), pelo sujeito passivo, assiste-se a um procedimento equivalente à justificação parcial, levada a cabo por este, com o gravame, no primeiro caso, de o contribuinte não só não ter declarado os rendimentos, no momento oportuno, como, também, não o haver feito no exercício do ónus probatório, imposto pelo art. 89.º-A n.º 3 da LGT; ou seja, de um ponto de vista ético, em comparação, a justificação parcial, até, sempre, merecia (se possível) melhor tratamento (Ao invés, de beneficiar um sujeito passivo que ocultou rendimentos até não poder mais e, quando descoberto, obteria um tratamento como se nada se tivesse passado (não se olvide que estamos a laborar em terrenos de fraude e evasão fiscal));
- em ambas as hipóteses, similarmente, o sujeito passivo não comprova a correspondência com a realidade dos rendimentos declarados, sendo que, no caso da correção aritmética (pela AT), sempre esteve em condições de o fazer, dada a indiscutibilidade do seu enquadramento, por exemplo, em IRS, nas concretas categorias de rendimentos elencadas pela lei;
- na justificação parcial, o sujeito passivo comprova a fonte (de parte da manifestação de fortuna ou do acréscimo de património…), a qual, atesta e assegura, que os valores disputados (na parte justificada) não tinham (têm) de ser declarados (na declaração anual de rendimentos), enquanto, na correção aritmética, ao invés, o resultado, inevitável, é a declaração (periódica) dos rendimentos ocultados, descobertos e enquadrados pela AT;
- finalmente, nas duas situações colocadas a par, na origem, num momento inicial, genético, o que conta, releva, para legalizar a operação de uma avaliação indireta da matéria tributável, é a constatação de uma objetiva (quantificada) divergência entre valores declarados e manifestações de fortuna e/ou acréscimos de património ou despesa, independentemente, das justificações e/ou correções posteriores (Que, como vimos, nas hipóteses da justificação parcial, a jurisprudência salvaguarda através da imposição da respetiva operância no momento da quantificação da matéria tributável final e que, em situações como a dos autos, também, é relevada nesta última sede, permitindo a redução, significativa, dos montantes encontrados para determinação do rendimento tributável).
Concluindo, para determinar, em primeira linha, se, casuisticamente, pode (ou não) efetuar-se avaliação indireta, por ação do disposto no art. 89.º-A da LGT, só é relevante, para o respetivo afastamento, a comprovação/justificação, exigida ao sujeito passivo, nos termos e para os efeitos do seu n.º 3, se for total, isto é, de que o montante apontado como manifestação de fortuna e/ou incremento patrimonial, corresponde, na íntegra, à realidade e de que é outra (não sujeita a declaração) a respetiva fonte geradora. Não produz nesse quadrante qualquer efeito excludente, quer a justificação parcial, quer, entre outras, com a mesma matriz, um, eventual, ocorrido achamento e enquadramento, pela AT, de rendimentos não declarados e suscetíveis de avaliação por métodos diretos (desde logo, mediante correções aritméticas/técnicas). (…)”
Dos elementos constantes dos autos resulta que se verificavam, no caso, os requisitos previstos na alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT para que a AT pudesse intervir, como interveio, sendo que, como constatou a AT, os rendimentos considerados como acréscimos patrimoniais injustificados eram superiores a €100.000,00 em cada um dos anos em apreço (2011, 2012, 2013, 2014, 2015 e 2016).
Efectivamente, resultou do relatório inspectivo que a AT concluiu que, em cada um dos anos em causa, o valor dos acréscimos de património ascenderam a €1.742.371,52 em 2011, €1.488.989,60 em 2012, €1.373.389,41 em 2013, €1.275.700,05 em 2014, €1.546.703,01 em 2015 e €887.075,54 em 2016, conforme capítulo III, simultaneamente com a existência de divergências não justificadas com os rendimentos declarados (€1.705.569,09 em 2011, €1.443.943,04 em 2012, €1.035.589,37 em 2013, €952.878,19 em 2014, €1.426.966,31 em 2015 e €602.583,62 em 2016, sendo, portanto, superiores a €100.000,00.
Da Inspecção e das justificações apresentadas pelos Recorrentes resultou, também, que algumas das entradas em determinadas contas bancárias deviam ser tributadas como rendimentos de trabalho dependente (categoria A), razão por que a AT decidiu considerar os valores remanescentes - os valores das entradas nas contas bancárias que ficaram por justificar - como acréscimos patrimoniais não justificados, tributando-os como rendimentos da categoria G.
Dúvidas não restam, pois, que os valores em causa eram efectivamente superiores a €100 000,00.
Como correctamente se concluiu na sentença recorrida, estavam cumpridos os pressupostos legais, tendo a AT realizado essa demonstração.
Aqui chegados, brota evidente que teremos que apreciar a matéria de facto que, na óptica dos Recorrentes, não foi seleccionada nem valorada autonomamente pelo tribunal recorrido. Esta questão de facto foi invocada em termos subsidiários, pois os Recorrentes confiavam que o desfecho da acção ficaria resolvido através do mérito das questões de direito precedentes, o que, como vimos, não sucedeu; importando, por isso, começar por conhecer o recurso interposto que visa a decisão de 27/02/2021.
O objecto do recurso que os Recorrentes pretendem agora discutir contende com a circunstância de o Tribunal a quo se ter pronunciado (apenas em sede de fundamentação) sobre matéria factual alegada na petição inicial – no sentido em que os movimentos a crédito detectados nas contas epitetadas “particulares” também correspondem a rendimento das sociedades sobre as quais os Recorrentes tinha domínio –, limitando-se a rebatê-la com base no que vem inscrito no RIT, ao mesmo tempo que não permitiu que fosse produzida prova testemunhal que visava, precisamente, rebater a tese da AT.
É por isto que os Recorrentes pretendem que seja revogada a decisão inserta no despacho de 27/02/2021, através do qual o tribunal recorrido indeferiu a prova testemunhal, dado que se limitou, em sede de instrução dos autos, a formular um juízo de preferência/prevalência da prova documental; apontando, portanto, para a verificação de défice instrutório.
O despacho interlocutório recorrido, proferido em 27/02/2021, tem o seguinte teor: “Atendendo ao vertido na petição inicial e à conformação da matéria de facto com as soluções possíveis de direito, a prova que compete a tal factualidade é a prova documental. Nesta perspetiva, não se procederá à inquirição das testemunhas arroladas pelos Recorrentes. Notifique.”.
É importante referir que esta decisão surge na sequência de um outro despacho que visou auscultar as partes acerca da necessidade de produção de prova testemunhal e onde se solicitava a indicação concreta dos factos cuja prova versaria.
Na resposta a esta interpelação do tribunal, os Recorrentes, mais uma vez, revelam a sua convicção acerca da eventual desnecessidade da inquirição das testemunhas, por estarem confiantes que o litígio se resolveria somente pela solução a encontrar para as questões de direito colocadas. Vejamos, parcialmente, essa resposta dos aqui Recorrentes: “(…) Por dever de patrocínio, e à cautela ponderando a hipótese de ser diferente o entendimento do Tribunal, os AA alegaram um conjunto de factos cuja prova testemunhal sublinhará que os supostos acréscimos patrimoniais que a AT subsume à categoria G – para todos os anos em crise nos autos – mais não são do que rendimentos das sociedades de restauração que tinham sido omitidos à tributação.
(…) Nessa perspectiva subsidiária, prevendo a hipótese de poder vir a não proceder a causa de pedir que primeiramente se invocou, entendeu-se ser necessário arrolar prova testemunhal que abrangesse todos os períodos referidos no RIT.
Assim, e em consequência do antes exposto, indicam-se os artigos da p.i. onde se refere a matéria factual a ser objecto de prova testemunhal: 30º e 31º, 44º a 48º, 63º, 64º, 71º, 80º a 82º, 88º a 89º, 99º a 120º, 131º, 146º e 147º, 156º e 157º, 162º a 164º, 199º e 200º.
(…) A tais factos soma-se o que de factual vem referido neste requerimento (e que é decorrência do alegado na p.i.). (…)
Termos em que se dá cumprimento ao determinado no despacho acima identificado. (…)”
É nesta sequência que é prolatado o despacho recorrido, datado de 27/02/2021, que, num juízo sobre a necessidade de mais instrução, concluiu, atendendo às questões invocadas na petição inicial, pelo afastamento da prova testemunhal.
Na verdade, neste despacho interlocutório, entendeu-se indeferir a produção de prova testemunhal, invocando-se, para tanto, a desnecessidade de tal diligência para a decisão da causa.
Nesta conformidade, impõe-se sindicar a fundamentação do despacho recorrido, por forma a apurar se o indeferimento da produção de prova foi legal.
De harmonia com o disposto no artigo 13.º CPPT, aos juízes dos tribunais tributários incumbe a direcção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer.
Por sua parte, o artigo 114.º do mesmo diploma prevê que, não conhecendo logo do pedido, o juiz ordena as diligências de prova necessárias.
Porém, desses preceitos não decorre que o juiz esteja obrigado à realização de todas as provas que sejam requeridas pelas partes, antes o dever de realizar e ordenar as correspondentes diligências se deve limitar àquelas que o tribunal considere, no seu livre juízo de apreciação, como úteis ao apuramento da verdade.
Como entende Jorge Lopes de Sousa, no seu CPPT, anotado e comentado, 5.ª edição, na anotação 9 ao artigo 13.º, é o critério do juiz que prevalece no que concerne a determinar quais as diligências que são úteis para o apuramento da verdade, sendo inevitável em tal determinação uma componente subjectiva, ligada à convicção do juiz; o que não significa que a necessidade da realização das diligências não possa ser controlada objectivamente, em face da sua real necessidade para o apuramento da verdade, em sede de recurso (v. Jorge de Sousa, in CPPT anotado e comentado, páginas 168 e 169).
Mantém pertinência o decidido no Acórdão do STA, de 05/04/2000, no âmbito do processo n.º 024713:
“No processo judicial tributário vigora o princípio do inquisitório, o que significa que o Sr. Juiz não só pode, como também, deve realizar todas as diligências que considere úteis ao apuramento da verdade.
Deste modo, tendo sido sugerida a realização de uma diligência, o Sr. Juiz só não deve fazer se a considerar inútil ou dilatória em despacho devidamente fundamentado.”
Ora, analisando o pedido dos Recorrentes e o teor do despacho recorrido, ressalta que o tribunal recorrido dispensou a prova testemunhal por ser seu entendimento, se bem entendemos a motivação da decisão recorrida, que, considerando a factualidade alegada na petição inicial e tendo em conta as questões que importa apreciar, a produção de prova testemunhal não se mostra necessária, dado ser a prova documental a competente.
Nos termos do disposto no artigo 115.º e seguintes do CPPT, são admissíveis no processo tributário os meios gerais de prova, nomeadamente, a testemunhal, permitindo o artigo 113.º, n.º 1 do mesmo diploma que o juiz conheça de imediato o pedido se a questão for apenas de direito ou, sendo também de facto, o processo fornecer os elementos necessários.
In casu, no contexto normativo em que nos movemos (e abstraindo das questões de direito equacionadas), cabe à Administração Tributária (artigo 74.º, n.º 1, da LGT e artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil) provar o facto que, segundo a lei, constitui uma manifestação de fortuna e ao sujeito passivo cabe o ónus de provar que os rendimentos declarados correspondem à realidade e que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo do património ou da despesa efectuada (ou seja, ocorre uma inversão do ónus da prova).
Diga-se, ainda, que o facto manifestado pode derivar, como no caso, dos elementos registados e que vieram ao conhecimento da AT na sequência do acesso a contas bancárias.

Como mote introdutório, assume lapidar pertinência o decidido por Acórdão deste TCA Norte, em 24/01/2017, no âmbito do processo n.º 02949/15.7BEPRT:
I. No âmbito das manifestações de fortuna, o legislador confere à AT a faculdade de decidir directamente pela tributação por métodos indirectos, demonstrados que estejam os indícios que descredibilizem (no caso) a declaração apresentada pelo contribuinte. A AT não terá assim que demonstrar a falta de veracidade da declaração do contribuinte, bastando-lhe demonstrar o facto que o legislador considera constituir uma manifestação de fortuna ou o acréscimo de património relevante.
II. Ao invés, ao sujeito passivo é instituído um ónus bastante proeminente, pois tem de comprovar a realidade dos rendimentos declarados, demonstrar que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo do património ou da despesa efectuada. (…)”

Portanto, sendo afastada a pertinência das questões de direito colocadas prima facie, assume preponderante importância a demonstração da fonte das manifestações de fortuna, não sendo, em tese, de limitar os meios probatórios. Reconhecemos que estando em causa elementos registados, devidamente elencados, e que vieram ao conhecimento da AT na sequência do acesso a contas bancárias, a prova documental permitirá formar uma convicção mais firme no julgador, mas que nada impede, uma vez requerida/oferecida, que seja complementada ou concatenada com prova testemunhal, muitas vezes para mais cabal esclarecimento de factos simples concretamente invocados.
Como vimos, previamente à decisão interlocutória recorrida, provavelmente tendo por base as dificuldades encontradas pelo tribunal recorrido na sua identificação, os Recorrentes não deixaram de esclarecer qual a matéria sobre a qual pretendiam fosse produzida prova testemunhal.
Compete ao juiz examinar, em cada processo judicial, se é legalmente permitida a produção dos meios de prova oferecidos pelas partes e, no caso afirmativo, aferir da necessidade da sua produção em face das questões colocadas, sabido que a instrução tem por objecto os factos invocados controvertidos ou de que oficiosamente o tribunal pode conhecer e relevantes para o exame e decisão, tendo em conta as várias soluções plausíveis da questão de direito – cfr. artigo 99.º, n.º 1 da LGT.
Resulta claríssimo do acto praticado pela AT, como vimos, a verificação dos pressupostos legais para a sua actuação in casu.
Não esqueçamos decorrer do relatório inspectivo que a designação e diferenciação das contas bancárias em dois grupos, contas do paralelo e contas de carácter particular/privado, tinha uma razão de ser que resultou, sem margem para dúvidas, das diligências realizadas no processo de inquérito n.º 2577/15.7T9PRT (que correu termos na Procuradoria da República da Comarca do Porto, DIAP – 2.ª Secção de Gondomar); de tais diligências resultou, efectivamente, a identificação de contas bancárias com a designação “paralelo” e que eram receptoras dos excedentes dos apuros não declarados pelas sociedades, sendo que os excedentes correspondiam ao valor do apuro não facturado abatido dos gastos não documentados e não declarados.
Por isso, foi derrogado o sigilo bancário, tendo a AT identificado, para além das contas do paralelo, várias outras contas bancárias tituladas pelos Recorrentes, com carácter privado, tendo sido identificadas as entradas na conta do paralelo e nas contas de carácter particular e tendo a AT expurgado os movimentos inter-contas.
Após analisar as justificações apresentadas pelos Recorrentes para o referido, a AT decidiu tributar como rendimentos de trabalho dependente (categoria A), as entradas nas contas co-tituladas pelo Recorrente, identificadas como sendo contas do paralelo das sociedades de que o Recorrente era gerente, tributar como rendimentos de trabalho dependente (categoria A), as entradas nas contas identificadas como particulares que tinham origem nas sociedades do grupo e ainda as entradas que os Recorrentes admitiram, no decurso da inspecção, tratar-se de recebimento de vencimentos pelo Recorrente - e tributar como acréscimos patrimoniais não justificados (categoria G), as entradas não justificadas nas contas identificadas como sendo contas de carácter particular.
Como resulta do relatório de inspecção tributária, a conta bancária do “paralelo” servia para ocultar valores recebidos de clientes por vendas e serviços prestados não facturados e para distribuir pelos gerentes os rendimentos ocultados através da emissão de cheques a favor dos mesmos.
Assim, do total de entradas nas contas do paralelo e nas contas de carácter particular/privado (€22.243.427,89), a AT teve o cuidado de expurgar os movimentos inter-contas (incluindo cheques e transferências com origem em contas tituladas pelos Recorrentes ou por particulares que são sócios e/ou gerentes das empresas do grupo “M.”), movimentos estornados, outros movimentos relacionados com os rendimentos declarados, depósitos e transferências de valor inferior a €200,00, reembolsos de impostos e suprimentos e financiamentos efectuados a empresas do grupo, reduzindo o montante susceptível de justificação pelos Recorrentes para o valor de €7.155.449,24.
E, em resultado dos movimentos expurgados após notificação dos Recorrentes para justificarem aquele montante e das justificações e provas por estes apresentadas, os movimentos de entrada por justificar foram reduzidos para €3.131.325,18, montante que foi enquadrado da seguinte forma:
- quanto às contas 479-10.600035-5, 481-10.600250-6, 481-10.600248-0 e 481-10.600249-8, do “paralelo” das sociedades “O., Lda.”, “M., Lda.”, “J., Lda.” e “M., Lda.”, tituladas ou co-tituladas pelo recorrente marido, a AT considerou como rendimentos da categoria A deste, o valor resultante da divisão do montante total de entradas, em cada ano, pelo número de titulares das contas, dado o recorrente marido ter exercido funções de gerência nessas sociedades;
- quanto às contas 479-10.414820-6 e 479-10.414817-2, do paralelo das sociedades “M., Lda.” e “M., Lda.”, tituladas pela recorrente mulher e pelo seu pai, J. (mas já não pelo recorrente marido), a AT enquadrou metade do valor das entradas nessas contas (depois de dividido pelos 2 titulares) como acréscimos patrimoniais não justificados, dado a recorrente mulher, co-titular das contas, não ser gerente destas empresas;
- quanto à conta 481-10.600247-2 do paralelo da “M., Lda.”, apenas titulada pelo recorrente marido, a AT enquadrou a totalidade do valor das entradas nessa conta como acréscimos patrimoniais não justificados, dado não se ter apurado que o recorrente marido fosse gerente, de direito ou de facto, da referida sociedade (cfr. o quadro 2 e o cap. VIII do relatório de inspecção tributária);
- quanto às demais contas que, ao contrário das anteriores, não foram identificadas com nenhuma concreta sociedade, e portanto mereceram a designação de “particulares”, com os n.ºs 4300010400103697152, 019600(...)/1020, 19600048861000, 479-10.364422-1, 479-10.412580-8, 479-10.443744-3, 479-10.600034-8, tituladas ou co-tituladas pelos Recorrentes, a AT enquadrou o valor das entradas nessas contas (depois de dividido pelo número de titulares) como acréscimos patrimoniais não justificados.
Os Recorrentes contrapõem na sua petição inicial dizendo que existe erro de classificação dos rendimentos, pois, conforme alegam, todos os inputs nas contas bancárias ditas de paralelo, assim como nas contas bancárias ditas particulares, têm a sua origem na actividade dos estabelecimentos das várias sociedades do Grupo M., correspondendo a subfacturação ou a vendas omissas, e, por conseguinte, as importâncias ora controvertidas são verbas das referidas sociedades, que utilizavam todas as aludidas contas bancárias, as de paralelo e as particulares, como contas veículo para fins evasivos; mas acentuando que essas sociedades terão regularizado a sua situação tributária em sede de IRC e de IVA.
Nesta conformidade, os Recorrentes afirmaram, antes da prolação do despacho recorrido, que a prova testemunhal (que foi dispensada) abrangeria os factos decorrentes da necessidade de justificar a origem dos acréscimos patrimoniais, reportando-se à matéria vertida nos artigos 30º e 31º, 44º a 48º, 63º, 64º, 71º, 80º a 82º, 88º a 89º, 99º a 120º, 131º, 146º e 147º, 156º e 157º, 162º a 164º, 199º e 200º da petição inicial:
“30º
A segunda consequência decorre da própria teleologia do RIT, a qual impele à conclusão de que, os movimentos a crédito identificados nos autos (i.e., também para os anos de 2011 a 2015) não correspondem a rendimentos dos Recorrentes,
31º
na medida em que é preclaro que todos os inputs em causa nos autos – e independentemente de se tratar de contas bancárias que a AT “adjectivou” como “do paralelo” ou “particulares” – mais não são do que o “apuro” da actividade dos estabelecimentos de restauração referidos no RIT.
44º
incluindo naquelas que a AT afirma serem “particulares”.
45º
Vale isto por dizer – e essa a base do argumentário que se traz aos autos – que todos os depósitos tidos como “acréscimos patrimoniais não justificados” no RIT, independentemente da alcunha que a AT atribuiu a cada conta bancária, não são mais do que os valores provenientes da actividade subfacturada por esses estabelecimentos,
46º
e que foram já objecto das devidas correcções enquanto volume de negócios das respectivas sociedades.
47º
Assim, tratando-se de receitas das sociedades, e como tal objecto de tributação, não podem, simultaneamente, ser tidos como rendimentos a tributar em sede de IRS à luz da figura dos “acréscimos patrimoniais não justificados”,
48º
desde logo por não se tratar de rendimentos dos sujeitos passivos, como o Recorrente marido, que geriam as identificadas sociedades que perpetraram, como já assumido e regularizado, essa conduta elisiva.
63º
Demonstrar-se-á que todos os movimentos a crédito mais não são do que o resultado da actividade omissa das sociedades do grupo M. que, como já se afirmou, no período 2011 a 2016 ascendeu a 21.219.917,29€,
64º
tendo os depósitos em causa natureza essa natureza instrumental de acomodar os proveitos da sociedade, de forma que não são rendimentos a imputar à esfera pessoal dos recorrentes.
71º
sendo convicção dos Recorrentes que resulta preclaro da própria actividade investigatória que os movimentos sinalizados nos autos mais não são, na sua globalidade, do que o resultado da utilização instrumental das contas bancárias para acomodar o proveito dos montantes subfacturados pelas entidades empresariais do grupo de restauração M. de que o Recorrente marido é material e / ou formalmente gerente.
80º
Tanto os valores depositados nas contas do paralelo como nas contas particulares têm uma fonte evidente: o produto dos valores da actividade dos estabelecimentos de restauração que foi subfacturada e que, como acima já se deixou expresso, ascendeu, nos anos de 2011 a 2016 a 21.219.917,29€ (17.498.477,87€ + 3.721.439,42€ de IVA).
81º
Os montantes que ora são imputados aos Recorrentes não são seus rendimentos, antes proveitos das sociedades,
82º
tendo as contas bancárias investigadas servido meramente para depositar o produto da venda de produtos e dos serviços prestados aos clientes das respectivas sociedades.
88º
As contas bancárias in questio, foram, assim, de forma meramente utilitária ou instrumental, utilizadas para parquear os valores subfacturados,
89º
e que, entretanto, foi já objecto de relevação jurídico-tributária.
99º
A AT sabia, desde sempre, que os movimentos a créditos independentemente de a chancela da conta ser particular ou paralelo eram rendimentos das sociedades e não dos seus sócios,
100º
porquanto a fonte da suposta “manifestação de fortuna” não é imputável aos Recorrentes, pessoas singulares,
101º
mas sim às sociedades – que, como antedito, e aliás plasmado no RIT, procederam, no âmbito dos procedimentos inspectivos de que foram alvo, às correspondentes regularizações tributárias.
102º
As contas bancárias em causa não só serviram para “receber” os montantes resultantes dos valores subfacturados na actividade da restauração das empresas de que o Recorrente marido é sócio e / ou gerente de direito e / ou de facto,
103º
– assim em nada se diferenciando das contas que a AT classificou como “do paralelo” e cujas entradas não considerou acréscimo patrimoniais não justificados –
104º
como ainda se constata que essas mesmas contas eram utilizadas em proveito das sociedades, como, a título meramente exemplificativo, se demonstra nos próximos artigos desta peça.
105º
Em 27/06/2011 foi sacado sobre a conta (...) do Montepio (co-titulada pelo Recorrente marido e apelidada pela AT como “particular”) um cheque visado emitido à ordem da “Massa insolvente de J., Lda” para pagamento do trespasse do estabelecimento de restauração no Campo Alegre, Porto, em benefício da sociedade do Grupo M. denominada “M., Lda” (NIPC (...)) – cf. doc. n.º 7 que se junta.
106º
Em 28/02/2012 foi sacado sobre a conta (...) do Montepio (co-titulada pelo Recorrente marido e apelidada pela AT como “particular”) um cheque emitido para pagamento da factura 120027 emitida pela fornecedora “N.” à sociedade do Grupo M. denominada “O., Lda” (NIPC (...)) – cf. doc. n.º 8 que se junta.
107º
Em 15/04/2012, também da conta (...) do Montepio (co-titulada pelo Recorrente marido e apelidada pela AT como “particular”) foram emitidos 4 cheques à sociedade do Grupo M. denominada “O., Lda” (NIPC (...)) – cf. doc. n.º 9 que se junta.
108º
Em 14/06/2012, dessa mesma conta (...) do Montepio (co-titulada pelo Recorrente marido e apelidada pela AT como “particular”) foram emitidos 3 cheques (dois de 7.500€ e um de 10.000€) que foram depositados na conta da sociedade do Grupo M. denominada “O., Lda” (NIPC (...)) – cf. doc. n.º 10 que se junta.
109º
Em 13/03/2012 foi sacado sobre a conta (...) do Montepio (co-titulada pelo Recorrente marido e apelidada pela AT como “particular”) um cheque emitido para pagamento da factura 120029 emitida pela fornecedora “N.” à sociedade do Grupo M. denominada “O., Lda” (NIPC (...)) – cf. doc. n.º 11 que se junta.
110º
Em 05/04/2013 foi sacado sobre a conta (...) do Montepio (co-titulada pelo Recorrente marido e apelidada pela AT como “particular”) um cheque emitido para pagamento da factura 130039 emitida pela fornecedora “N.” à sociedade do Grupo M. denominada “M., Lda” (NIPC (...)) – cf. doc. n.º 12 que se junta.
111º
Em 21/05/2013 foi sacado sobre a conta (...) do Montepio (co-titulada pelo Recorrente marido e apelidada pela AT como “particular”) um cheque emitido para pagamento da factura 130065 emitida pela fornecedora “N.” à sociedade do Grupo M. denominada “M., Lda” (NIPC (...)) – cf. doc. n.º 13 que se junta.
112º
Em 27/05/2013 foi sacado, igualmente sobre a conta (...) do Montepio (cotitulada pelo Recorrente marido e apelidada pela AT como “particular”) um cheque emitido para pagamento da factura 2013/003 emitida pela fornecedora “A., Lda” à sociedade do Grupo M. denominada “M., Lda ” (NIPC (...)) – cf. doc. n.º 14 que se junta.
113º
Em 06/06/2013 foi sacado sobre a conta (...) do Montepio (co-titulada pelo Recorrente marido e apelidada pela AT como “particular”) um cheque emitido à ordem de A., para pagamento da renda da sociedade do Grupo M. que constitui encargo da “M., Lda” (NIPC (...)) – cf. doc. n.º 15 que se junta.
114º
Em 22/11/2013 foi sacado, igualmente sobre a conta (...) do Montepio (cotitulada pelo Recorrente marido e apelidada pela AT como “particular”) um cheque emitido para pagamento da factura 5/52 emitida pela fornecedora “J., Lda” à sociedade do Grupo M. denominada “M., Lda ” (NIPC (...)) – cf. doc. n.º 16 que se junta.
115º
Em 29/01/2014 foi sacado sobre a conta (...) do Montepio (co-titulada pelo Recorrente marido e apelidada pela AT como “particular”) um cheque emitido para pagamento das facturas 140014 e 140015 emitidas pela fornecedora “N.” à sociedade do Grupo M. denominada “M., Lda ” (NIPC (...)) – cf. doc. n.º 17 que se junta.
116º
Em 13/02/2014 foi sacado sobre a conta (...) do Montepio (co-titulada pelo Recorrente marido e apelidada pela AT como “particular”) um cheque emitido para pagamento das facturas 187/A e 195/A emitidas pela fornecedora “V., Lda” à sociedade do Grupo M. denominada “M., Lda ” (NIPC (...)) – cf. doc. n.º 18 que se junta.
117º
Em 27/02/2014 foi sacado sobre a mesma conta (...) do Montepio (co-titulada pelo Recorrente marido e apelidada pela AT como “particular”) um cheque emitido para pagamento da factura 196/A emitidas pela fornecedora “V., Lda” à sociedade do Grupo M. denominada “M., Lda” (NIPC (...)) – cf. doc. n.º 19 que se junta.
118º
Em 13/05/2015 foram sacados sobre a conta (...) da Caixa Geral de Depósitos Montepio (co-titulada pelo Recorrente marido e apelidada pela AT como “particular”) dois cheques que foram depositados na conta bancária da sociedade do Grupo M. denominada “A., Lda” (NIPC (...)), a fim de dotar a mesma com fundo de maneio – cf. doc. n.º 20 que se junta.
119º
Em 24/07/2015 foram sacados sobre a mesma a conta (...) da Caixa Geral de Depósitos Montepio (co-titulada pelo Recorrente marido e apelidada pela AT como “particular”) dois cheques que foram depositados na conta bancária da sociedade do Grupo M. denominada “M., Lda” (NIPC (…)), com objectivo de abertura de capital social – cf. doc. n.º 21 que se junta.
120º
Em face da retórica argumentativa antecedente, dos exemplos invocados e dos documentos juntos, as contas bancárias que a AT “considerou” serem particulares (e, dessa sorte, cujos movimentos a crédito imputou aos Recorrentes como acréscimos patrimoniais não justificados), são, no critério da AT, contas do paralelo,
131º
quando na verdade – cuja materialidade a AT nunca deveria obnubilar – é pressuposto de todo o contexto inspectivo que todas as sociedades de onde provieram os respectivos fluxos financeiros são, directa ou indirectamente, detidas e geridas pelos sócios e gerentes de facto que acima se identificaram.
146º
Tratam-se, portanto, das entradas que a AT anunciou que, apesar de bem saber tratar-se de depósitos em contas do “paralelo” das duas referidas sociedades, não iria, como fez com as demais desse “tipo”, enquadrar em correcções aritméticas,
147º
convocando para tanto o pretexto formal de que a Recorrente mulher, co-titular das duas contas in questio, não era gerente das sociedades.
156º
O Recorrente marido é gerente de facto de ambas as sociedades,
157º
como o é de todas as sociedades do grupo M. objecto de inspecção que está na génese do RIT em contraditório.
162º
mantendo assim o Recorrente o poder de exercer, directa ou indirectamente, uma influência significativa nas decisões de gestão destas duas empresas (como nas demais empresas do Grupo M.) conforme previsto no n.º 4 do artigo 63º do Código do IRC.
163º
A circunstância de duas das contas bancárias ora em análise estarem no nome da Recorrente mulher deve-se ao facto de se tratar de uma conta “paralela” que foi aberta ao tempo em que esta era formalmente detentora das quotas (que em 2012 foram cedidas à referida SGPS),
164º
sendo a continuação da manutenção da mesma conta bancária para proceder ao depósito dos montantes não facturados pelas sociedades um factor bem elucidativo da permanência da relação de domínio e de gestão dos Recorrentes (rectius do Recorrente marido) sobre as sociedades em causa.
199º
Isto tudo, claro, sem prescindir quanto à tese principal que aqui se sustenta: a de que os valores creditados nas contas bancárias não são rendimentos dos Impugnantes, mas sim verbas pertencentes às sociedades que exploram os estabelecimentos de restauração do grupo,
200º
tendo as contas bancárias em causa sido instrumentais, ou veículos, utilizados para o fim elisivo e que já foi objecto de reintegração tributária na esfera dos titulares dos rendimentos (as sociedades exploradoras dos restaurantes).”
É absolutamente notório que a técnica, socorrendo-se de uma formulação vaga e genérica, utilizada nestes artigos da petição inicial não permite que se produza qualquer tipo de prova sobre esta matéria, uma vez que encerra essencialmente ilações e conclusões de facto, como é manifesto, designadamente, a invocação de que o Recorrente marido é gerente de facto de ambas as sociedades. É de total clareza que tais juízos conclusivos jamais poderão integrar o probatório.
Ora, compulsando o teor do relatório inspectivo, verificamos que foi realizado pela AT um trabalho de pormenor, onde se elencam, ponto por ponto, cada uma das entradas nas contas bancárias, ou seja, dos fluxos financeiros que não se mostram justificados. Não podem os Recorrentes pretender realizar, através de prova testemunhal, a demonstração, de forma genérica, das fontes ou origens do acréscimo patrimonial que a AT considerou não estar justificado. Importaria um especial labor na invocação de factos concretos, simples, que permitissem seguir o percurso financeiro de cada entrada em causa, por forma a alcançar uma explicação e um nexo de causalidade para cada situação específica, desde a sua origem até ao suposto retorno às várias sociedades do grupo, dada a alegação de que se trata de proveitos dessas sociedades.
A verdade é que a invocação, qua tale a transcrevemos supra, é inapta para a demonstração desejada pelos Recorrentes, sendo, por isso, irrelevante, dado que jamais se poderia vir a entender que lograram cumprir com o ónus da prova que se lhes impunha. Como referimos, não é viável provar factos que não se mostram alegados, salvo se forem de conhecimento oficioso, o que não é o caso.
Por outro lado, ainda que a alegação da factualidade tivesse sido irrepreensível, os Recorrentes, nestes autos, não chegaram a ensaiar prova documental para comprovar a fonte dos rendimentos em crise, pelo que a prova testemunhal tão-pouco se destinava a completar ou reforçar documentos.
Note-se que os documentos n.º 7 a 21 juntos com a petição inicial se destinaram a demonstrar um movimento inverso àquele que é o ónus dos Recorrentes, pois alegaram que as mesmas contas eram utilizadas em proveito das sociedades.
Reiterando a ponderação realizada no tribunal recorrido, também os documentos n.ºs 1 a 712 juntos com o requerimento de fls. 2360 (SITAF) - declarações mensais de IVA, IRC e declarações de substituição das sociedades do grupo M. - não assumem qualquer relevância e apenas serviram para avolumar os autos, dado apenas reflectirem factos verificados na esfera dessas sociedades, não tendo qualquer pertinência para o esclarecimento da questão colocada no despacho judicial de 29/01/2021 a que visavam dar resposta (saber se os montantes depositados nas contas bancárias tituladas pelos Recorrentes, em causa nos autos, “retornaram” à esfera patrimonial das sociedades, designadamente, se foram transferidos para as contas bancárias destas e registados nas respectivas contabilidades, pois, no próprio requerimento apresentado, os Recorrentes assumem que tal transferência não ocorreu).
Salientamos que a AT fundou as suas conclusões em documentos, em registos financeiros, na sequência do acesso às contas bancárias, e em agendas, mapas, ficheiros, apreendidos nas buscas que foram efectivadas às sociedades. Pelo que o desembaraço do ónus da prova dos Recorrente deveria passar, idealmente, por prova do mesmo cariz ou natureza, ainda que qualquer falha pudesse ser colmatada através, nomeadamente, de prova testemunhal. Mais, se a prova documental não se mostrava eventualmente possível, cabia aos Recorrentes o ónus de demonstrar essa impossibilidade ou especial dificuldade. Porém, a esse respeito nada é concretamente alegado pelos Recorrentes para justificar a prova testemunhal requerida, quando estão em causa movimentos financeiros que têm como suporte contas bancárias.
Nestes termos, apesar de a fundamentação do despacho interlocutório recorrido não se afigurar concretizada e direccionada a qualquer específica alegação, tendo antes optado por uma formulação genérica remissiva, menos convincente, - atendendo ao vertido na petição inicial e à conformação da matéria de facto com as soluções possíveis de direito - os elementos ínsitos nos autos são suficientes para decidir a causa, apresentando-se a produção da prova testemunhal um acto inútil (proibido legalmente).
Pelo exposto, será de negar provimento ao recurso da decisão interlocutória, que considerou implicitamente que os autos estavam instruídos com os elementos necessários à decisão, e mantê-la na ordem jurídica.

Estabilizada a decisão da matéria de facto e tudo o que vimos de dizer, facilmente se antevê o reflexo nefasto na apreciação do que resta do objecto do recurso da sentença final.

Com efeito, os Recorrentes insistem que as entradas nas contas bancárias, sejam do paralelo, sejam de carácter privado/particular, correspondem aos montantes subfacturados pelas sociedades do grupo de restauração “M.”, pelo que esses são rendimentos das sociedades, carecendo de sentido a distinção entre contas bancárias efectuada pela AT; e que esses montantes já foram regularizados ao nível tributário na esfera das sociedades, no âmbito dos procedimentos inspectivos de que as mesmas foram alvo.
É nossa convicção que a sentença recorrida analisou correctamente os factos, interpretou e aplicou o direito, não merecendo qualquer censura.
Desde logo, e conforme resultou das diligências encetadas pela AT e da análise aos elementos e justificações que lhe foram apresentados, não foi possível quanto às disponibilidades financeiras ora controvertidas estabelecer o necessário nexo de causalidade com a actividade dos estabelecimentos das referidas sociedades do Grupo M..
Note-se que, ao contrário do efectuado nos presentes autos, em sede administrativa, os Recorrentes procuraram justificar, entrada a entrada, salvo algumas excepções, em que remeteram para demonstração posterior, a fonte dos acréscimos patrimoniais (cfr. ponto III.6 do RIT). Alguns fluxos financeiros, segundo invocaram em sede graciosa, não tinham propriamente origem na actividade de restauração do grupo de sociedades, mal se compreendendo que, em sede contenciosa, através de uma alegação genérica, todos os montantes se expliquem como sendo proveitos dessas sociedades, bastando-se com a afirmação global de que os movimentos a crédito identificados não correspondem a rendimentos dos Recorrentes.
A título de exemplo, indicamos alguns movimentos com justificações dos Recorrentes, notoriamente diferentes da aventada em sede contenciosa, não aceites total ou parcialmente pela AT (cfr. ponto III.7 do RIT):
«Desde já se consigne que o contribuinte auferiu rendimentos de capitais no período em apreço (Categoria E) sujeitos a retenção na fonte a taxa liberatória, os quais não foram considerados pela AT no cômputo da presumida divergência e acréscimo patrimonial não justificado.»
«As entradas com o n.ºs de ordem “...” 25, “...” 193, “...”, encontram-se justificadas como recebimentos de rendas. (...)»
«A entrada com o n.º de ordem 840, respeita a depósito referente a alienação de terreno conforme Contrato de Compra e Venda celebrado em dezembro de 2010 no montante de €425.000,00, cujo proprietário é a herança de J., pai de H., herdeira de 1/5 (um quinto), tendo-lhe cabido a quota-parte de €85.000, 00 (...)»
A verdade é que, como realça a sentença recorrida, se os montantes controvertidos eram das sociedades do grupo, não se compreende por que motivo é que esses valores, depois de detectada a evasão pela AT, não foram mobilizados para a esfera patrimonial das sociedades a que correspondiam os proveitos, tendo, pelo contrário, permanecido nas contas particulares tituladas pelos Recorrentes.
Por outro lado, o facto de as referidas sociedades terem regularizado a sua situação tributária em sede de IRC e de IVA não contende com o facto de os respectivos sócios e/ou gerentes, enquanto destinatários das disponibilidades financeiras obtidas por via da actividade daqueles estabelecimentos, poderem ter de regularizar a sua situação tributária em sede de IRS.
Com efeito, haveria que identificar concretamente a origem e o percurso do valor controvertido e-que provar que tal valor não havia de ser declarado fiscalmente.
Alegando-se que a origem dos acréscimos patrimoniais são as sociedades em que o Recorrente é sócio ou gerente, ou outras do grupo, não poderiam os Recorrentes ficar-se pelo oferecimento de prova testemunhal, como vimos. Em nenhum momento, os Recorrentes alegam factualidade concreta do modo como esse capital entrou no seu património, com a agravante de, em sede graciosa, se ter apontado, entre muitas outras, para as explicações que transcrevemos supra a título de exemplo.
Reitera-se, a alegação dos factos foi efectuada de forma vaga e genérica, impossibilitando, por exemplo, sequer a identificação de qual a sociedade que estaria relacionada com determinado proveito/montante entrado nas contas bancárias dos Recorrentes.
Ora, se, por um lado, existe uma aparência de os Recorrentes estarem dispostos a comprovar concretamente a origem dos meios financeiros; por outro lado, o apelo ao princípio do inquisitório e à produção de prova não pode funcionar cabalmente, precisamente por desconhecimento por parte do tribunal dos factos concretos indispensáveis para os aplicar. Além do mais, não podemos deixar de dizer que se os Recorrentes estavam dispostos a comprovar concretamente a origem dos meios financeiros e efectuar prova objectiva de cada entrada nas suas contas bancárias, deviam ter continuado a trilhar o caminho que iniciaram junto da própria AT, em sede inspectiva, por forma a demonstrar, em concreto, o percurso de todos os valores monetários em apreço, individualizando a origem e a forma como os mesmos entraram no seu património (em concatenação com os restantes elementos probatórios que foram carreando).
Mais, na verdade, o que os Recorrentes informam é que recepcionavam dinheiro de sociedades, desconhecendo-se especificamente de quais, em que momento e a que título, em concreto, lhes chegavam essas quantias (apenas apontando para evasão), mas que esses montantes eram dessas sociedades não identificadas, pois correspondiam a proveitos seus, não tendo nenhuma factualidade a este respeito sido invocada com detalhe susceptível de prova.
Com efeito, tudo foi alegado genericamente, como referimos, impedindo accionar-se o princípio do inquisitório, pois na sua base estarão sempre factos invocados pelas partes.
Além do mais, não basta escolher uma qualquer explicação genérica, não sendo esta a prova exigida pela lei. Há que indicar e provar a fonte concreta, o nexo entre a fonte da disponibilidade financeira e a manifestação de fortuna/acréscimo patrimonial e, ainda, provar que, tal disponibilidade financeira, não estava sujeita a tributação. Nada disso foi sequer invocado, logo, não provado.
Assim, não se verifica o invocado défice instrutório, mas antes uma omissão de invocação de factualidade concreta (simples) e consequente falha de produção de prova por parte de quem tinha esse ónus, os Recorrentes – cfr. o mencionado artigo 89.º-A, n.º 3 da LGT.
Logo, logrou provar-se o acréscimo patrimonial nos anos de 2011, 2012, 2013, 2014, 2015 e 2016, enquadrando-se, por tudo o exposto, na previsão da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT, como correctamente o efectuou a AT.
Sendo assim, considerando-se todas as razões que deixámos expostas, deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se também a sentença recorrida na ordem jurídica.

Importa, por último, realçar que o valor em que a parte decaiu e será condenada nas respectivas custas assenta na base tributável de €1.326.161,03, valor esse que se apresenta algo superior a €275.000,00, montante a partir do qual passa a acrescer 1,5 UC, a final, por cada €25.000,00 ou fracção e que importa ponderar à luz do princípio da proporcionalidade aferido ao concreto serviço prestado.
Nesta instância, tudo ponderado e perante a possibilidade de graduação casuística e prudencial do montante da taxa de justiça devida a final, não perdendo de vista que deve existir correspectividade entre os serviços prestados e a taxa de justiça cobrada aos cidadãos que recorrem aos tribunais, de acordo com o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 2.º da CRP, atendendo ainda ao direito de acesso à justiça acolhido no artigo 20.º igualmente da CRP e a questão de direito ter vindo a ser resolvida de forma uniforme pelos tribunais superiores; alcançamos razões válidas e ponderosas para dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida a final, nos termos do n.º 7 do artigo 6.º do RCP.
Na sequência do exposto, deverá a conta de custas a elaborar desconsiderar o remanescente da taxa de justiça.

Conclusões/Sumário

I - Para determinar, em primeira linha, se, casuisticamente, pode (ou não) efectuar-se avaliação indirecta, por acção do disposto no artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária, só é relevante, para o respectivo afastamento, a comprovação/justificação, exigida ao sujeito passivo, nos termos e para os efeitos do seu n.º 3, se for total, isto é, de que o montante apontado como manifestação de fortuna e/ou incremento patrimonial, corresponde, na íntegra, à realidade e de que é outra (não sujeita a declaração) a respectiva fonte geradora.

II - Não produz nesse quadrante qualquer efeito excludente, quer a justificação parcial, quer, entre outros, com a mesma matriz, um, eventual, ocorrido achamento e enquadramento, pela Autoridade Tributária e Aduaneira, de rendimentos não declarados e susceptíveis de avaliação por métodos directos (desde logo, mediante correcções aritméticas/técnicas).

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento a ambos os recursos.
*
Custas a cargo dos Recorrentes, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais; devendo a conta de custas a elaborar desconsiderar o remanescente da taxa de justiça.
*
Porto, 16 de Setembro de 2021
*

Ana Patrocínio
Paula Moura Teixeira
Conceição Soares

__________________________________________
i) Também foi objecto de recurso autónomo, mas não foi definitivamente admitido, conforme decisão da reclamação que se mostra apensa aos presentes autos – cfr. processo n.º 15/21.5BEPRT-R1.

ii) O mesmo julgamento foi acolhido no Acórdão deste TCAN, de 08/07/2021, proferido no âmbito do processo n.º 19/21.8BEPRT.