Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00137/13.6BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/16/2017
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:OPOSIÇÃO
GERÊNCIA DE FACTO VS GERÊNCIA DE DIREITO
Sumário:I - O Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida, sendo que não cumprindo os ónus fixados pelo artigo 685.º-B do Código de Processo Civil, o recurso quanto à matéria de facto terá de ser rejeitado.
II - A responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente.
III - O n.º 1 do artigo 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária a gerência efectiva ou de facto, ou seja, o efectivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito.
IV - Não há uma presunção legal que imponha a conclusão de que quem tem a qualidade de gerente de direito exerceu a gerência de facto.
V – No entanto, o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.
VI - Na previsão da alínea a), do artigo 24.º, n.º 1, da LGT, pretendem-se isolar as situações em que o gerente culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente. Já na alínea b) do preceito, o gerente é responsável pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, recaindo sobre o mesmo o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento não se efectuou.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:A...
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A…, residente na Rua…, Felgueiras, contribuinte fiscal n.º 1…, interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, em 16/06/2015, que julgou improcedente a Oposição deduzida contra a execução contra si revertida, e originariamente instaurada contra “Sociedade Construções I… Lda.”, para cobrança de dívidas relativas IRC do ano de 2006, no montante de €11.516,52.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
“A. Contrariamente ao decidido pelo tribunal a quo, não resultou da prova carreada para os presentes autos indícios suficientes de que o Recorrente era gerente de facto da sociedade devedora.
B. Na verdade, como aliás resultou da prova testemunhal ouvida nos presentes autos e do teor da ata de fls. junta pelo Recorrente com a Oposição, o mesmo apenas figurava no pacto social da devedora originária como gerente, contudo nunca foi intenção dos sócios fundadores que o mesmo fosse gerente da empresa.
C. Nunca exerceu factualmente qualquer competência efetiva do cargo de gerente, nem praticou livremente e de forma por si determinada qualquer ato de gerência na empresa.
D. Não basta a gerência nominal ou de direito para responsabilizar o “gerente”, exigindo-se a gerência efetiva ou de facto.
E. Resultou provado nestes autos, quer através dos documentos juntos, quer através da inquirição das testemunhas, que o Recorrente não era o gerente de facto da empresa revertida,
F. Quem sempre geriu a devedora originária foi o Sr. António… (cfr. a acta supra mencionada e junta com a Oposição).
G. Não obstante o facto de no pacto societário constar como gerente o Recorrente, foi sempre o Sr. António… quem geriu a empresa.
H. E não basta a mera intervenção do Recorrente, nas aludidas escrituras, para se presumir que o mesmo era gerente de facto da empresa devedora originária.
I. A responsabilidade é atribuída em função efetiva do cargo de administração/gerência e reportada ao período em que é exercida, posto que a responsabilização, a título subsidiário, dos administradores e gerentes não se basta com mera nomeação jurídica, impondo antes um exercício efetivo, e de facto, do cargo social, no período a que se reporta o pressuposto da responsabilização.
J. Ainda que se mostre provada a gerência/administração de direito, continua a caber à Administração Tributária provar que à designação correspondeu um efetivo exercício da função, posto que a lei se não basta com a mera designação, desacompanhada de qualquer verificação do concreto exercício dos poderes de administração.
K. O enquadramento normativo surge no despacho de reversão de forma insuficiente, porquanto o órgão de execução fiscal não especificou em qual das alíneas do art.° 24°, n.° 1, da LGT fundamentou a reversão contra o Recorrente.
L. No despacho de reversão, o exequente tem que alegar o exercício da gerência de facto, por parte do revertido, o que não se verifica no caso em apreço em que se limitou a concordar com uma proposta de decisão, na qual apenas é referido que o Recorrente foi interveniente em duas escrituras.
M. O Tribunal a quo não pode substituir-se à Administração na fundamentação do despacho que determinou que a execução fiscal revertesse contra o aqui Recorrente, procurando e escolhendo agora, de entre as várias possibilidades que podem em abstrato justificar tal decisão, aquela que se lhe afigure mais ajustada à situação.
N. Ora face aos factos constantes dos autos e supra enumerados, não restaria ao tribunal a quo outra decisão, que não fosse concluir pela ilegitimidade do Recorrente, por não se ter demonstrado um dos pressupostos de que depende a efetivação da responsabilidade subsidiária prevista no art° 24°, n.°1, da L.G.T..
O. Deste modo, a reversão em causa nestes autos deveria ter sido efetuada apenas contra o referido ANTÓNIO…, nos termos do artigo 24°, n° 1 da Lei Geral Tributária, pois que efetivamente era este que detinha a gerência de facto e de Direito da devedora originária e não o aqui Recorrente.
P. Acresce que, o Recorrente não contribuiu por forma alguma, nem podia contribuir, para a diminuição do património da executada originária, nem sequer por omissão.
Q. A responsabilidade imputada ao Recorrente é uma responsabilidade subjetiva, depende da ilicitude e culpa do agente, depende de um facto de natureza causal.
R. O ónus de prova da culpa dos gestores na insuficiência do património cabe à Administração Tributária, pois que se aplicam as regras gerais sobre o ónus da prova do artigo 342° do Código Civil.
S. A Administração Tributária não se coibiu de imputar ao Recorrente aquela responsabilidade que tem subjacente a presença de culpa do visado.
T. Constituindo o património das sociedades de responsabilidade limitada a garantia comum dos credores (artigos 197° e 271°, ambos do Código das Sociedades Comerciais) a responsabilidade dos seus gestores pelos débitos tributários assentará necessariamente num facto ilícito: a violação das normas de proteção e garantia do credor tributário - o Estado.
U. E assim, para que a responsabilidade dos gestores possa efetivar-se, é necessário que estes tenham exercido funções no âmbito das quais se originou uma diminuição ilícita do património da sociedade, sendo necessária a imputação de tal facto a título de dolo ou de negligência grave.
V. Nem se pode contrapor dizendo que, se não for por mais, é o Recorrente culpado pela sua inércia ou desinteresse na condução dos negócios societários, pelo facto de não ter exercido a efetiva gerência.
W. Não existiu qualquer relação causal entre a sua atuação e a insuficiência patrimonial da empresa que nunca geriu, pois que a culpa que releva é a que decorre do incumprimento das disposições legais ou contratuais destinadas à proteção dos credores, e só quando de tal incumprimento resulte, em nexo de causalidade adequada, a insuficiência do património social para a satisfação dos créditos.
X. Pelo que, não resultou que de algum comportamento do Recorrente se tenha derivado a diminuição do património da empresa, executada originária.
Y. De acordo com a diligência que lhe era exigível, facilmente se conclui que não teve o Recorrente culpa alguma na situação de insuficiência patrimonial da empresa, nem lhe cabia a ele pedir a recuperação da empresa.
Z. Para que a atuação do Recorrente se pudesse dizer que foi a causa do prejuízo, era mister que, em abstrato aquela fosse adequada a produzi-lo, que o prejuízo fosse uma consequência normal típica daquela, e já se viu que não foi, pois nunca exerceu funções adequadas a provocar o prejuízo.
AA. O Recorrente jamais exerceu qualquer atividade idónea a pôr aquela empresa em risco de Insuficiência patrimonial, pois que as suas funções eram restritas.
BB. Os destinos da empresa não passavam pelas suas mãos, sempre foi o Sr. António…, quem tudo determinava e determinou naquela empresa.
CC. Por outro lado, e como já sobredito, é à Fazenda Pública que cabe fazer a prova da culpa cio responsável subsidiário.
DD. No despacho de Reversão não vem provada a culpa da Recorrente pelo facto de o património da sociedade se ter tornado insuficiente para satisfação das dívidas tributárias.
EE. Qualquer diminuição do património social da executada não poderá, pois, ser imputada a conduta dolosa ou negligente do Recorrente.
FF. Mostram-se assim violados os artigos 24° da LGT, 342° do C. Civil e 197º e 271º do Código das Sociedades Comerciais.
Termos em que apreciando o presente recurso, revogando a decisão proferida e proferindo outra que consagre a tese do recorrente, farão V/Ex.as a costumada JUSTIÇA!”

Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa analisar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quanto à valoração da prova e à apreciação da matéria de facto e, consequentemente, em erro de julgamento de direito.

III. Fundamentação

1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância, com relevância para a decisão da causa, foram considerados provados os seguintes factos:
Com base nos documentos juntos aos autos apurou-se a seguinte matéria de facto relevante para a decisão a proferir:
A) Foi instaurado processo de execução fiscal nº 1813200701029460, pelo Serviço de Finanças de Marco de Canaveses, em que é executada originária a sociedade “SOCIEDADE CONSTRUÇÕES I…, LDA. NIPC 5…, relativo a IRC de 2006 no valor de € 11.516,52 - fls 28;
B) Em 01-08-2012 foi elaborado projecto de reversão e notificado o oponente para, querendo exercer o seu direito de audição prévia – fls 81 e 86/87.
C) Em 14-08-2012 veio o oponente exercer o seu direito de audição prévia – fls 88 e seguintes;
D) Em 31-10-2012 foi proferida informação, que se transcreve:
- imagem omissa -
– fls 96 dos autos;
E) Na mesma data, 31-10-2012 foi proferido despacho de reversão:
- imagem omissa -
- fls 96 dos autos;

F) Foi remetido o ofício com a designação: “citação- reversão” ao ora Oponente em 05.12.2012 – fls 99 dos autos;

G) Tal expediente postal foi rececionado em 19.12.2012, encontrando-se o aviso de receção assinado por V…– fls 99 verso dos autos;

H) Em 21-12-2012 foi remetida notificação em cumprimento do disposto no art. 241º do CPC – fls 104 dos autos;

I) Da conservatória do Registo Comercial de Felgueiras constam como gerentes da sociedade A… e António…, sendo que a forma de obrigar a sociedade é com as assinaturas de dois gerentes – fls 94/95 dos autos;

J) Em 27-04-2010 foi elaborada acta número vinte e nove com o seguinte teor:
- imagem omissa -
K) A assinatura do oponente consta na qualidade de gerente na escritura de compra e venda efectuada no dia 22 de julho de 2008 – documentos de fls 45/46 dos autos;

L) A assinatura do oponente consta na qualidade de gerente na Escritura de compra e venda celebrada em 18.01.2007, no Cartório Notarial Ant…, através da qual foi transacionado o artigo urbano 1…, frações A, G e Q da freguesia de Fornos, Concelho de Marco de Canaveses. – documentos de fls 48/50 dos autos;

M) A assinatura do oponente consta na qualidade de gerente na Escritura de compra e venda celebrada em 30.01.2006, no Cartório Notarial Ant…, através da qual foi transacionado o artigo urbano 1…, fração B da freguesia de Fornos, Concelho de Marco de Canaveses. – documento de fls 51/53 dos autos;
N) A assinatura do oponente consta na qualidade de gerente em vários cheques que se encontram a fls 62 a 63 dos autos;
O) A assinatura do oponente consta na qualidade de gerente na escritura de compra e venda efectuada no dia 28 de março de 2008 - Escritura de compra e venda celebrada em 28.03.2008, no Cartório Notarial Ant…, através da qual foi transacionado o artigo urbano 2…, frações H e E da freguesia de Margaride, concelho de Felgueiras. documentos de fls 76/78 dos autos;
P) A oposição foi remetida em 31.01.2013, via correio registado, para o Serviço de Finanças de Marco de Canaveses – fls 4 dos autos;
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O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e que não foram impugnados, e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados – art. 74º da LGT - também são corroborados pelos documentos juntos aos autos – art. 76º nº 1 da LGT e arts. 362º e ss do Código Civil (CC) – identificados em cada um dos factos provados.
Factos não provados:
Inexistem factos não provados, que revelem interesse para a boa decisão da causa.
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Fundamentação da matéria de facto:
A decisão da matéria de facto provada, consonante ao que acima ficou exposto, efetuou-se com base nos documentos e informações constantes dos autos e referidos em cada uma das alíneas do elenco dos factos provados, os quais não foram impugnados e que, dada a sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade do tribunal.
Da Prova testemunhal:
Nos presentes autos, prestou depoimento a testemunha L…, trabalhador da empresa V… Lda.
Referiu que conhecia o oponente como sócio da I… Lda (que não tinha funcionários ou escritório) e que as ordens eram dadas pela empresa V… Lda, para a qual trabalhava e que era gerente o Srº António…. Acrescentou que quem tratava de falar com os fornecedores e clientes era o Srº António….
Referiu nada saber relativamente às escrituras.
Em geral e como trabalhador da V… Lda este recebia ordens no âmbito da relação laboral que detinha com esta sociedade, referindo que a I… Lda não tinha funcionários próprios pois eram trabalhadores da V… Lda. Com este depoimento demonstrou não ter conhecimento direto do funcionamento da sociedade aqui em questão, mas conhecimento tão só para a empresa para a qual trabalhou durante 16 anos e sob a direção do Srº António….
Prestou ainda depoimento, Maria…, esposa do oponente que revelou não ter conhecimento direto dos negócios do seu marido.
Desta feita, atento os depoimentos de conteúdo vago, genérico e pouco preciso sobre os factos dos quais o oponente pretendia fazer prova, não foi suficiente para convencer o Tribunal a julgar provados os factos que o Oponente se propôs fazer e contrariar a prova documental existente nos autos.

2. O Direito

Antes de mais, importa salientar que, almejando o Recorrente colocar em causa a decisão sobre a matéria de facto, impunha-se que se dela discordava e pretendia impugná-la, além dos concretos pontos de facto que considerava incorrectamente julgados, tivesse indicado os meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham uma decisão diversa daquela que consta da sentença, em observância do disposto no artigo 685º-B do CPC (actual 640º), na redacção aplicável in casu.
Com efeito, de acordo com o regime ínsito no artigo 685º-B do CPC, aqui aplicável por força do disposto no artigo 281º do CPPT, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o Recorrente deve especificar, sob pena de rejeição: (i) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; (ii) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
Sobre a razão desta exigência já se pronunciou este TCAN no Acórdão de 06/01/2011, lavrado in rec. nº 813/09.8BECBR, que parcialmente se transcreve: “ (….) bem se compreendem estas exigências da lei pois ao tribunal ad quem que tenha competência em matéria de facto não compete reapreciar toda a prova de forma a efectuar um novo julgamento da matéria de facto, como se este não tivesse alguma vez sido efectuado. Quanto ao âmbito do segundo grau de jurisdição em matéria de facto é elucidativo o teor do relatório do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro, diploma que introduziu a redacção ao art. 690.º-A que acima deixámos referida. Aí se diz: «A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso. Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1.ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido. A consagração desta nova garantia das partes no processo civil implica, naturalmente, a criação de um específico ónus de alegação do recorrente, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação”.
Como resulta da análise das alegações e conclusões de recurso, no caso vertente, tal ónus não foi minimamente cumprido pelo Recorrente, uma vez que este não concretiza minimamente quais os factos alegados na petição inicial que deveriam ter sido dado como provados (e não foram), ou seja, não indica os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, nem indica os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou de gravação da prova que impunham decisão diversa, limitando-se a remeter de uma forma genérica para os documentos juntos (nomeadamente para a acta n.º 29, de 07/04/2010) e para os depoimentos prestados, concluindo não resultar da prova carreada para os autos indícios suficientes de que o Recorrente era gerente de facto da sociedade devedora.
Assim, não tendo o Recorrente dado integral cumprimento ao ónus que sobre si recaía, decorrente do regime ínsito no artigo 685º- B, do CPC, na redacção vigente à data, impõe-se rejeitar o recurso nesta parte.

Alerta o Recorrente que o enquadramento normativo surge no despacho de reversão de forma insuficiente, porquanto o órgão de execução fiscal não especificou em qual das alíneas do artigo 24.º, n.º 1, da LGT fundamentou a reversão contra o Recorrente.
Acrescenta que, no despacho de reversão, o exequente tem que alegar o exercício da gerência de facto, por parte do revertido, o que não se verifica no caso em apreço em que se limitou a concordar com uma proposta de decisão, na qual apenas é referido que o Recorrente foi interveniente em duas escrituras.
Insurge-se, por fim, dizendo que o Tribunal a quo não pode substituir-se à Administração na fundamentação do despacho que determinou que a execução fiscal revertesse contra o aqui Recorrente, procurando e escolhendo agora, de entre as várias possibilidades que podem em abstracto justificar tal decisão, aquela que se lhe afigure mais ajustada à situação.
O despacho de reversão, embora proferido num processo de natureza judicial, tem a natureza de acto administrativo (cfr. artigo 120.º do Código de Procedimento Administrativo), pelo que são de considerar em relação a ele as exigências legais próprias deste tipo de actos, designadamente, no que concerne à fundamentação (cfr. artigos 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, e 77.º da Lei Geral Tributária). Isto é, o revertido deve, através da fundamentação do acto de reversão, ficar em condições de se aperceber das razões de facto e de direito que levaram o órgão de execução fiscal a decidir como decidiu e de poder impugnar a decisão por erro nos pressupostos ou qualquer outro vício.
Resumindo, não sofre dúvida que a responsabilidade subsidiária se efectiva por reversão do processo de execução fiscal (n.º 1 do artigo 23.º da LGT) e que este despacho de reversão, sendo um acto administrativo tributário, está sujeito a fundamentação (artigo 268.º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, artigos 23.º n.º 4 e 77.º nº 1 da Lei Geral Tributária - LGT).
E sendo pressupostos da responsabilidade subsidiária (artigos 23.º, n.º 4 e 24.º, n.º 1, da LGT) a inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, dos responsáveis solidários e seus sucessores (artigo 23.º, n.º 2 da LGT; artigo 153.º, n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário - CPPT), bem como o exercício efectivo do cargo nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou da respectiva entrega (artigo 24.º, n.º 1 da LGT), então, o despacho de reversão, enquanto acto administrativo tributário, deve, em termos de fundamentação formal, incluir a indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, por forma a permitir-lhe o eventual exercício esclarecido do direito de defesa (n.º 1 do artigo 77.º da LGT), e deve incluir, igualmente, a declaração daqueles pressupostos e referir a extensão temporal da responsabilidade subsidiária (artigo 23.º, n.º 4 da LGT).
Daí que, em consonância com este normativo, se tenha afirmado, no Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, proferido em 16/10/2013, no âmbito do processo n.º 0458/13, que a fundamentação formal do despacho de reversão se basta com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada, «não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido.» (cfr., igualmente, os Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 31/10/2012, proc. n.º 580/12 e de 23/1/2013, proc. n.º 953/12).
Sendo que, em caso de discordância, o revertido exercerá o direito de defesa mediante dedução de oposição, como efectuou nos presentes autos, onde depois funcionam as regras de repartição do ónus da prova aplicáveis às distintas situações previstas legalmente.
Retornando ao caso concreto dos autos, temos que admitir que a actuação da AT, em função do uso de diversos formulários, pode deixar margem para alguma discussão sobre a matéria em apreço.
Contudo, importa ponderar a informação do Serviço de Finanças que serve de base ao projecto de reversão e depois ao próprio despacho de reversão, sendo esta informação o elemento que permite contextualizar a decisão da AT – cfr. Acórdão do TCAN, de 30/04/2014, proferido no âmbito do processo n.º 03694/10.5BEPRT.
Ora, aquilo que constitui o fundamento da decisão, nada obstando à fundamentação por remissão – cfr. artigo 125.º do Código de Procedimento Administrativo - é a tal informação do Serviço de Finanças de 31/10/2012, referida no ponto D) da factualidade apurada, limitando-se os elementos apontados nos formulários a reproduzir a matéria vertida em alguns dispositivos legais, o que obriga o destinatário a um esforço maior de análise no sentido de enquadrar a matéria em causa.
Esta informação surge na sequência da informação que preparou o projecto de reversão, onde se mencionam as diligências efectuadas no sentido de apurar o património da executada originária, referindo-se que em nome desta se encontra registado o artigo urbano 1… – fracção N da freguesia de Margaride (Santa Eulália), não sendo conhecidos quaisquer outros activos penhoráveis, tais como veículos, créditos, contas bancárias, valores, rendimentos, fornecimentos e aquisições. Nessa informação, prestada em 01/08/2012, consta ainda a consulta da base de dados, e a verificação na certidão permanente que os responsáveis pela executada à data dos factos eram António… e A…, na qualidade de sócios gerentes. Menciona-se, também, que A…, ora Recorrente, renunciou à gerência da executada à data de 07/04/2010, tendo o respectivo registo da renúncia sido efectuado em 16/03/2011. Encontram-se diversos documentos juntos e, dos mesmos, nomeadamente cópias de cheques e escrituras de compra e venda, conclui-se na informação que a gerência era exercida por António… e por A….
O aqui Recorrente, tendo sido notificado para exercer o direito de audição no âmbito do projecto de reversão referido em B) do probatório, exerceu esse direito – cfr. C) da factualidade apurada – dando origem à informação prestada em 31/10/2012 e que sustentou a decisão final de reversão. Nesta informação refere-se que o bem existente em nome do devedor originário foi já adjudicado pelo montante de €3500,00, com a conclusão: “montante manifestamente insuficiente para pagar a dívida”. Logo, o pressuposto da responsabilidade subsidiária relativo à fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, que nem sequer está em discussão nos presentes autos, mostra-se preenchido.
De seguida, a informação, que fundamenta o despacho de reversão, pronuncia-se acerca da alegação de A…: “o requerente, desde o mês de Janeiro do ano de 2002 não é gerente, nem de facto nem de direito, da sociedade originária”. A este propósito, diz-se que o Serviço de Finanças dispõe de documentos (escrituras de compra e venda), de datas posteriores a Janeiro de 2002 (constantes do processo), nos quais A… outorga na qualidade de sócio e gerente da sociedade devedora originária, elencando nos pontos 4 a 7 da informação as várias escrituras públicas formalizadas. Realça-se, ainda, nesta informação que estes documentos contrariam o termo de defesa do aqui Recorrente, pois aí é alegado que o requerente “nunca efectuou vendas na sociedade". Acrescenta-se, por último, ser de entender que a outorga como sócio e gerente da devedora originária ultrapassa os limites da mera representação da sociedade, podendo ser enquadrada, dado o objecto social da devedora originária (construção civil e venda de apartamentos), no exercício efectivo da gerência, tal como a este exercício se referem os artigos 252.º, 259.º, 260.º e 261.º do Código das Sociedades Comerciais.
Conclui-se, portanto, nesta informação, que, sendo as dívidas referentes a períodos de 2006 e 2009, que as datas das escrituras correspondem ao mesmo período, pelo que será entendível que A… outorgou como sócio e gerente de facto da devedora originária no período a que as dívidas dizem respeito.
É com base nestes fundamentos que se prolatou o despacho de reversão, determinando o prosseguimento da reversão contra o aqui Recorrente – cfr. alíneas D) e E) da decisão da matéria de facto.
Nesta conformidade, o despacho de reversão proferido em 31/10/2012, ainda que por remissão, indica estarem reunidos os restantes pressupostos da efectivação da responsabilidade subsidiária: o exercício efectivo do cargo nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou da respectiva entrega.
Não obstante, em 05/12/2011, foi confirmado o despacho final de reversão contra o aqui Recorrente, utilizando formulário, remetendo, mais uma vez, para as diligências prosseguidas no processo de execução fiscal, e, no espaço destinado no formulário aos fundamentos da reversão é indicada expressamente a norma do artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT – cfr. fls. 101 do processo físico.
Nestes termos, em consonância com o artigo 23.º, n.º 4 da LGT e com o afirmado no Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, proferido em 16/10/2013, no âmbito do processo n.º 0458/13, mostra-se respeitada a fundamentação formal do presente despacho de reversão, que integra a alegação dos pressupostos e a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada, incluindo a indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido [artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT].
Pelo exposto, o Tribunal recorrido não se substituiu à AT na fundamentação do despacho que determinou que a execução fiscal revertesse contra o aqui Recorrente, improcedendo também as conclusões K), L) e M) das alegações do recurso.

A meritíssima Juíza “a quo” debruçou-se sobre a questão da falta de gerência efectiva e da culpa na diminuição do património da devedora originária. Contudo, o Recorrente insiste neste recurso que a reversão em causa nestes autos deveria ter sido efectuada apenas contra o referido António…, pois que efectivamente era este que detinha a gerência de facto e de direito da devedora originária e não o aqui Recorrente. Acrescentando que não contribuiu por forma alguma, nem podia contribuir, para a diminuição do património da executada originária, nem sequer por omissão.
Atentemos, então, agora, à alegada ilegalidade da reversão consubstanciada na ausência do exercício da gerência por parte do Recorrente e inexistência de culpa no não pagamento da dívida tributária e na insuficiência do património societário.
O Recorrente alegou que apenas figurava no pacto social da devedora originária como gerente, contudo, nunca foi intenção dos sócios fundadores que o mesmo fosse gerente da empresa, nunca exerceu factualmente qualquer competência efectiva do cargo de gerente, nem praticou livremente e de forma por si determinada qualquer acto de gerência na empresa, não era o Recorrente que dava ordens, não contactava com clientes, nem com fornecedores, não pagava salários, nem contratava funcionários, pois a gerência estava confiada a António…, dado ser este que tomava todas as decisões relativas à empresa. Acentuou, ainda, não bastar a mera intervenção do Recorrente nas aludidas escrituras de compra e venda para se presumir que o mesmo era gerente de facto da empresa devedora originária.
In casu, as dívidas exequendas reportam-se ao IRC, do ano de 2006, e tiveram como data limite de pagamento voluntário a data de 03/09/2007.
Vejamos o quadro legal aplicável à situação.
O artigo 24.º da LGT dispõe que:
“Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação.
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento”.
Ou seja, para que se verifique a responsabilidade a que alude aquele preceito legal tem a doutrina e a jurisprudência defendido que se torna necessário, como pressuposto da responsabilidade, a existência de uma nomeação para qualquer um dos órgãos representativos da sociedade e o exercício efectivo desse cargo societário de representação da sociedade.
Como se conclui da inclusão naquela disposição das expressões «exerçam, ainda que somente de facto, funções» e «período de exercício do seu cargo», não basta para responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções, ponto este que é pacífico, a nível da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo – cfr., neste sentido, entre muitos outros, o Acórdão do STA, de 11/03/2009, proferido no âmbito do processo n.º 0709/08.
O Recorrente viu a execução contra si revertida com fundamento no disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT, como vimos a respeito da fundamentação do acto de reversão.
Ora, da Certidão do Registo Comercial constata-se que estão identificados como gerentes da primitiva devedora além de António… o, aqui, Recorrente, sendo a forma de obrigar com as assinaturas de dois gerentes. Está, também, aí registado, com data de 16/03/2011, a cessação de funções do cargo de gerente de A…, por renúncia em 07/04/2010.
Concretamente, e em relação ao exercício efectivo da gerência, resulta da factualidade apurada que o Recorrente, por várias ocasiões e em distintos actos, subscreveu em nome e em representação da primitiva devedora documentação vária.
Efectivamente, o Recorrente na qualidade de gerente assinou cheques daquela sociedade no ano de 2001, vinculando-a perante terceiros – cfr. alínea N) da decisão da matéria de facto.
Provou a AT que o Recorrente, contrariamente ao que alegou na petição inicial, onde invocou nunca ter efectuado vendas na sociedade, nem nunca ter celebrado quaisquer contratos comerciais em nome da mesma, efectivamente praticou actos de representação da primitiva devedora, formalizando e assinando escrituras públicas de compra e venda de imóveis, na qualidade de gerente da devedora originária, que tem como objecto social a construção civil e venda de apartamentos, em 30/01/2006, em 18/01/2007, em 28/03/2008 e em 22/07/2008 – cfr. alíneas k), L), M) e O) da decisão da matéria de facto.
Assim, sem mais, é possível concluir, acompanhando a sentença recorrida, que o Recorrente exerceu de facto a gerência da primitiva devedora ao longo dos anos: “sendo certo que a referida sociedade esteve em atividade e que a assinatura do Oponente vinculava a sociedade no seu giro comercial e ainda atentas as regras da experiência conclui-se que o Oponente exerceu, de facto, a gerência que lhe foi atribuída e que o mesmo aceitou.”
Para se afirmar a responsabilidade subsidiária dos gerentes por dívidas tributárias exige-se a demonstração de que os mesmos exerceram a gerência de modo efectivo ou de facto.
A lei não define precisamente em que é que se consubstanciam os poderes de gerência, mas, em face do preceituado nos artigos 259.º e 260.º, do Código das Sociedades Comerciais, parece dever entender-se que serão típicos actos de gerência aqueles que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros e aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objecto social.
O gerente/administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos.
Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação.
Na alínea b), do n.º 1, do artigo 24.º, da LGT, consagra-se uma presunção de culpa, pelo que a Administração Fiscal está dispensada de a provar. Concluindo, se a gestão real ou de facto cessa antes de verificado o momento em que se esgota o prazo para pagamento do imposto, o ónus da prova recai sobre a Fazenda Pública, se a gestão coincide com ele, o ónus volta-se contra o gestor.
Pese embora o Recorrente invoque que não exerceu a gerência da primitiva devedora, o certo é que não se mostram provados factos simples que permitam essa ilação, com a agravante que o Recorrente não cumpriu o seu ónus, como vimos, quanto à impugnação da decisão da matéria de facto (tendo o recurso sido rejeitado nessa parte).
O Recorrente pretendeu efectuar essa prova nos autos, designadamente, que desde Janeiro de 2002 renunciou às funções de gerência e que a mesma foi aceite pela sociedade devedora originária, mas que não procederam à alteração do pacto social nessa data. Contudo, desde então, nunca atendeu clientes da sociedade, nunca negociou com fornecedores ou clientes da mesma, nunca efectuou compras para a sociedade ou vendas na mesma, nunca celebrou quaisquer contratos comerciais em nome da sociedade, nem deu ordens aos seus trabalhadores. Salientou, ainda, na sua petição inicial que nunca esteve por dentro dos negócios da firma devedora originária, desde a sua constituição, e que apenas sabia que não tinha funcionários ao seu serviço.
Perante estas alegações, o Recorrente pretendia transmitir a ideia de que as escrituras públicas que assinou, e que constam elencadas na factualidade apurada, constituiriam actos isolados que, por si só, não permitiriam concluir que o Recorrente exerceu, de facto, a gerência da executada principal. No entanto, o Tribunal “a quo” julgou os depoimentos prestados pelas testemunhas de conteúdo vago, genérico e pouco preciso sobre os factos dos quais o oponente pretendia fazer prova, não tendo sido suficientes para convencer o Tribunal a julgar provados os factos que o Oponente se propôs fazer e contrariar a prova documental existente nos autos. Considerando, por isso, que, no processo, tal como consta do probatório, existem documentos que revelam que o Oponente praticou actos típicos de gerência, pelo que a prova testemunhal ouvida e a acta de renúncia à gerência elaborada em data posterior às dívidas em causa no processo executivo, não são sequer suficientes para beliscar o despacho de reversão aqui posto em causa.
Concretizemos.
De facto, como o recurso foi rejeitado na parte respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto, somente é possível atermo-nos à factualidade apurada e que consta da sentença recorrida.
É verdade que a acta n.º 29, de 07/04/2010, espelha uma assembleia geral extraordinária da sociedade originária, onde se deliberou a renúncia à gerência por parte de A… e foi aceite pelo outro sócio, António…, a solicitação de a renúncia ser reconhecida com efeitos reportados à data de 01/01/2002. No entanto, esta deliberação, recorde-se, somente ocorreu em 07/04/2010, tendo sido registada esta renúncia na Conservatória do Registo Comercial de Marco de Canaveses em 16/03/2011, mas constando como data da renúncia 07/04/2010. Isto é, todas estas datas são posteriores ao prazo legal de pagamento das dívidas tributárias em apreço – 03/09/2007. Realmente, não se compreende bem que o revertido tenha renunciado formalmente à gerência em 07/04/2010, com efeitos a partir de 01/01/2002, e o registo da mesma apenas tenha sido efectuado em 16/03/2011.
A responsabilização subsidiária pressupõe o poder de controlar e determinar a vontade social, definindo o seu rumo e estratégia e tudo o que se relaciona com a sua estabilidade, progresso ou sobrevivência, exteriorizando as suas opções, incluindo as de pagar, ou não pagar, as dívidas tributárias.
A distinção entre o mero gerente nominal do gerente efectivo reside no poder subjacente à realização dos actos. O gerente nominal, ou «meramente de direito», pode praticar actos aparentes de gerência, mas fá-lo desacompanhado dos inerentes poderes, normalmente a «mando» de alguém que na organização societária se resguarda de «assinar» e comprometer-se, mas que ainda assim detém o poder efectivo de controlar os destinos da sociedade incluindo os de «mandar assinar» documentos da sociedade, como gerente, alguém que, de facto, o não é.
Ora, compulsada a decisão da matéria de facto, não resulta provado que o Recorrente tivesse assinado as referidas escrituras públicas de compra e venda, no âmbito do objecto social da executada originária, em sua representação, somente a “mando” de alguém. Não tendo o Recorrente logrado provar o seu alheamento da gestão e do giro comercial da sociedade originária, não podemos entender a assinatura dos documentos que constam elencados na decisão da matéria de facto como actos isolados de alguém que somente «assina» ou «dá o nome» e que não o faz no uso de qualquer critério de oportunidade ou prossecução de interesse estatutário que não domina, dado que faltou a prova de que estava subordinado por razões «não estatutárias» e de que as suas funções se esgotavam nas meras assinaturas.
Resuma do que vem dito, cai por terra a alegada, mas não provada, falta de exercício da gerência de facto por parte do Recorrente, pois o que se provou permite retirar a ilação de que o Recorrente foi gerente de facto e de direito, vinculando a primitiva devedora perante terceiros. Com base nas regras de experiência comum, no caso concreto, os factos provados, típicos de gerência, sem concatenação de quaisquer outros assentes, permite presumir a gerência efectiva por parte do Recorrente. O facto de não existir uma presunção legal de que quem tem a qualidade de gerente de direito exerceu a gerência de facto, não tem como corolário que o Tribunal não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.
Não olvidemos que a dívida foi revertida contra o Recorrente com fundamento no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT, ou seja, mostra-se responsabilizado pelas “dívidas cujo prazo de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo”, e que o período de pagamento voluntário das mesmas ocorreu em 03/09/2007, ou seja, no período em que o Recorrente era, seguramente, gerente de facto e de direito, dado que a renúncia ao cargo de gerente ocorreu em 07/04/2010.
Assim, afigura-se-nos que os factos provados constituem sérios indícios no sentido do exercício efectivo da gerência por parte do Recorrente, indícios que nesta sede não contrariou.
Neste pressuposto, resulta claramente da factualidade dada como assente que o Recorrente exerceu funções de gestão da primitiva devedora, representando e vinculando-a perante terceiros.
A alínea b) do artigo 24.º, n.º 1 da LGT é aplicável quando o prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo, o que significa que está aqui abrangida a situação em que nesse período concorrem o facto constitutivo e a cobrança.
Destarte, o que resulta dos autos é que o Recorrente não conseguiu ilidir a presunção de gerência da primitiva executada que presidiu ao despacho de reversão.
Aqui chegados, impunha-se ao Recorrente provar que não teve culpa na falta de pagamento das dívidas tributárias. Ora, quanto a este aspecto, o Recorrente nada provou, como resulta da decisão da matéria de facto; sendo certo que este era um ónus que sobre si impendia.
Tal como não provou que não teve culpa na insuficiência do património da devedora originária, pois, analisando a sentença recorrida, nenhuma prova logrou o Recorrente efectuar.
Impunha-se alegar (e provar) factos dos quais se pudesse concluir que a sua conduta, como gerente, não merecia censura. É que a culpa, centrada na actuação do bonus pater familiae, resulta das opções assumidas enquanto gerente e da repercussão destas no pagamento ou não das dívidas tributárias. Estava o Recorrente obrigado a diligenciar pelo bom cumprimento das obrigações societárias, mormente no que tange ao pagamento dos impostos.
Ora, compulsando a decisão da matéria de facto, não se vislumbra qualquer facto nesse sentido, não logrando, portanto, o Recorrente ilidir a presunção de culpa que sobre si recaía resultante do artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT.
Nas conclusões Z) e AA) das suas alegações, o Recorrente refere que nunca exerceu funções adequadas a provocar o prejuízo e que jamais exerceu qualquer actividade idónea a pôr aquela empresa em risco de insuficiência patrimonial, pois que as suas funções eram restritas. Parece inculcar a ideia de que, afinal, sempre exerceu funções efectivas, apesar de restritas.
Improcedem, assim, todos os fundamentos de ilegitimidade invocados pelo Recorrente, bem como todas as restantes conclusões das alegações de recurso.
Nesta conformidade, a apreciação empreendida pelo Tribunal “a quo” está correcta, pelo que a confirmamos, negando provimento ao recurso.

Conclusões/Sumário

I - O Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida, sendo que não cumprindo os ónus fixados pelo artigo 685.º-B do Código de Processo Civil, o recurso quanto à matéria de facto terá de ser rejeitado.
II - A responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente.
III - O n.º 1 do artigo 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária a gerência efectiva ou de facto, ou seja, o efectivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito.
IV - Não há uma presunção legal que imponha a conclusão de que quem tem a qualidade de gerente de direito exerceu a gerência de facto.
V – No entanto, o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.
VI - Na previsão da alínea a), do artigo 24.º, n.º 1, da LGT, pretendem-se isolar as situações em que o gerente culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente. Já na alínea b) do preceito, o gerente é responsável pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, recaindo sobre o mesmo o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento não se efectuou.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo do Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.
Porto, 16 de Março de 2017
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Fernanda Esteves