Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02697/15.8BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/14/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Isabel Costa
Descritores:APOSENTAÇÃO; ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA; RESTITUIÇÃO DE QUOTIZAÇÕES
Sumário:I - O artigo 21.º do EA deve ser interpretado à luz do instituto do enriquecimento sem causa.

II - No caso em que a interessada, já aposentada, continuou a efectuar, por via das funções públicas exercidas, descontos para a Caixa Geral de Aposentações, que em nada a beneficiaram ao nível de qualquer ulterior contagem de tempo de serviço, impõe-se a restituição desses descontos como corolário do instituto do enriquecimento sem causa, por terem sido feitos com vista a um efeito que não se verificou. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Caixa Geral de Aposentações
Recorrido 1:M.I.S.M.C.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Parecer no sentido de dever ser negado provimento do recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I - Relatório

A Caixa Geral de Aposentações vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo TAF do Porto que, julgando procedente a ação que contra si intentara M.I.S.M.C., a condenou a restituir à A. as quantias por esta suportadas a título de descontos de quotas após a sua aposentação, no valor global de €42.925,35, acrescido dos juros à taxa de 4 por cento ao ano, a contar desde a data do requerimento da interessada.

Na alegação apresentada, formulou as seguintes conclusões, que se transcrevem ipsis verbis:

A - O Tribunal “a quo”, entendeu não existir qualquer impedimento legal, à luz dos autos e dos fundamentos do indeferimento impugnado, para a Caixa indeferir o pedido de devolução das quantias suportadas pela A. a título de descontos para a CGA após a sua aposentação.
B - A questão material controvertida cinge-se apenas à verificação pelo Tribunal sobre se existe, ou não, violação do artigo 21.º, n.º 1, do Estatuto de Aposentação, que dispõe nos seguintes termos: “Só as quantias indevidamente cobradas serão restituídas pela Caixa, acrescendo-lhes juros (…).”
C - O artigo 5.º, n.º 1, do EA, é claro ao estabelecer que «O subscritor contribuirá para a Caixa, em cada mês, com a quota de 7,5% (à época) do total da remuneração que competir ao cargo exercido, em função do tempo de serviço prestado nesse mês», sendo irrelevante, para efeitos desta norma, que aquele tempo de serviço releve ou não para efeitos de aposentação.

D - É que os descontos para efeitos de aposentação derivam objetivamente do direito de inscrição como subscritor da CGA e não do tempo de serviço necessário para efeitos de aposentação.
E - Não existe uma “correspectividade estrita das prestações em causa, não tanto pela falta de equivalência da contribuição e do risco assumido pela entidade previdencial, mas antes pela razão fundamental de que ambas as obrigações são impostas imediata e unicamente para a satisfação de um interesse público”(cfr. Maria João Romão Carreiro Vaz Tomé, in O Direito à Pensão de Reforma Enquanto Bem Comum do Casal, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Colecção Studia Juridica, Coimbra Editora, 1997, pág. 28).
F - O financiamento do sistema de previdência da função pública não é sustentado apenas, ou sequer principalmente, com base nas contribuições ou quotizações dos seus subscritores, mas essencialmente noutras receitas, o que significa que a satisfação das prestações dos titulares não depende somente dos descontos por si realizados.
G - Donde, não existe uma relação direta causa-efeito quanto ao pagamento das quotas para efeitos de aposentação e a pensão paga ao respetivo titular.
H - Aliás, tal situação decorre mesmo do EA, que permite situações em que a fixação da pensão de aposentação não considera a totalidade das contribuições entregues – ou seja, não são considerados todos aqueles períodos contributivos que excedam o período temporal legalmente predeterminado como tempo de serviço ou carreira completa (Vide artigos 34.º, 43.º e 99.º do EA).
I - Ou seja, se as funções exercidas pelo aposentado conferirem direito de inscrição na CGA, haverá obrigatoriamente lugar ao pagamento de quotas para a Caixa incidindo os descontos sobre a totalidade da remuneração correspondente ao cargo exercido, por efeito do disposto nos artigos 1.º a 6.º do Estatuto da Aposentação – cfr. Pareceres do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República n.os 13/1990 e 448/2000, publicados respetivamente no DR, 2.ª Série, de 27 de Agosto de 1991 e de 22 de Abril de 2003.
J - Assim, no que respeita à devolução dos descontos efetuados no período em causa, por terem sido devidamente efetuados nos termos dos artigos 5.º, n.º 1, 21.º, n.º 1, e 24.º do EA, uma vez que ao exercício de funções públicas corresponde necessariamente o desconto mensal da respetiva quota, não podem ser restituídos, não obstante já não lhes aproveitar, em qualquer das vertentes – tempo e vencimento –, na base de cálculo da pensão, quer por só poder ser considerado o(s) período(s) de descontos efetuados até à data do ato determinante quer por já exceder o cômputo total de 40 anos necessários àquela data para o reconhecimento do direito à pensão por inteiro.
K - Se fosse entendido de modo diverso, tal como faz a autora, todos os descontos que tivessem sido efetuados, para além do tempo máximo necessário para atribuição de pensão completa, de um modo geral, deveriam ser restituídos, o que não tem qualquer acolhimento no Estatuto de Aposentação.
L - Quanto ao alegado enriquecimento sem causa, por os montantes descontados não influírem no cálculo da pensão nem serem passíveis de restituição, recorde-se apenas que, como é sabido, as quotizações dos subscritores não são suficientes para pagar as pensões – sendo esta uma das razões pelas quais as contribuições para o regime de segurança social têm uma natureza parafiscal e não sinalagmática –, pelo que, não faz qualquer sentido invocar-se, nestas situações, o instituto do enriquecimento sem causa.
M - O que vale por dizer que as contribuições para os regimes de segurança social (quer público quer privado) assentam em um sistema de repartição e não de capitalização, ou seja, os descontos que hoje vão sendo efetuados pelo pessoal do ativo contribuem para pagar as pensões dos que entretanto se vão aposentando, tal como sucederá com os primeiros quando chegar a sua vez.
N - A autora, ora, recorrida, tal como teve a expectativa de que todos os descontos viessem a ser considerados num aumento de valor a receber a título de pensão, também deveria ter feito idêntico raciocínio a propósito de procurar saber se os descontos que efetuou ao longo da sua carreira contributiva seriam suficientes para pagar a respetiva pensão até ao termo da mesma, tendo em conta a esperança média de vida e a idade que detém à data da aposentação – apenas 54 anos, já que terá nascido em 23 de Fevereiro de 1945 e aposentou-se em 13 de Outubro de 1999.
O - É patética a afirmação de que não tira benefício ou utilidade dos descontos que efetuou, uma vez que, tal como os que efetuaram os descontos e entretanto faleceram, por exemplo, e não tiraram benefício deles, contribuíram para a estabilidade do sistema, designadamente para que os sobreviventes dele possam ainda tirar algum proveito, pelo que não existe qualquer sinalagma subjacente que legalmente imponha tal entendimento.
P - É evidente que o sistema de previdência em causa não reveste o carácter sinalagmático, caso assim fosse a autora apenas teria direito a meia dúzia de anos de pensão. Não mais. Se ainda se encontra a auferir pensão, é graças ao contributo de todos nós – os que se encontram no ativo serviço. Note-se que já decorreram mais de 15 anos desde que a autora se aposentou. Portanto, a autora ainda tem 70 anos de idade. Atendendo à esperança média de vida, a autora ainda irá usufruir outros tantos ou mais anos de pensão. Que seja longa a sua aposentadoria! Porém, não digamos inverdades.
Q - Repita-se: O sistema de previdência em causa é de repartição, felizmente para a autora que, caso entretanto não venha a ocorrer a falência do sistema, terá direito a pensão muito para além dos valores de descontos acumulados ao longo de toda a sua vida contributiva (afirmação contida na idade média de aposentação e a longevidade oficialmente reconhecida).
R - Ora, ao contrário do raciocínio formulado pela autora, a retenção de tais descontos, não representa qualquer enriquecimento ilícito, por sem causa, da Caixa, precisamente porque o que lhe dá causa é a garantia do pagamento da pensão, inclusive, para além dos valores que descontou durante toda a sua vida contributiva.
S - Assim, seria mais correto e idóneo a autora congratular-se com esse facto e lamentar o empobrecimento que irá causar à Caixa, por os descontos que efetuou durante toda a sua vida contributiva serem manifestamente insuficientes ao pagamento da sua pensão.
T - Devendo ainda congratular-se por o sistema de segurança social que lhe paga a pensão não ser de capitalização mas de repartição, aliás, não obstante simpatizar com o primeiro, já que ao longo de todo o seu articulado tanto propugna quando invoca o sinalagma existente entre o pagamento de quotas e a sua contrapartida, teria efeitos adversos ao que defende.
U - O recebimento pela CGA de descontos devidamente efetuados nos termos legalmente previstos no Estatuto de Aposentação, que não tenham sido considerados, por desnecessários, para a atribuição de pensão, não constitui enriquecimento sem causa.
V – Note-se que a Caixa tem de pagar pensões, na maioria das situações, a quem não contribuiu sequer para metade do que irá usufruir.

WW - A interpretação do ilustre Conselheiro José Cândido de Pinho, in Estatuto da Aposentação, anotado, Comentado, Jurisprudência, Almedina 2003, ao artigo 21.º, n.º 1, do EA, tal como o preceituado no artigo 473.º, n.º 2, do CC, no que respeita a alegado enriquecimento sem causa, salvo fundada melhor opinião, não tem qualquer acolhimento num sistema de segurança social, em regime de repartição. Doutro modo, já se comunga da sua posição, caso se esteja a referir a sistemas de contribuição voluntária, tal como os conhecidos vulgo PPR´s.
X - Por último, haverá apenas a referir, tal como a autora faz, porém, ao invés do raciocínio que formula, que o disposto no artigo 21.º do EA, interpretado de acordo com o princípio basilar do direito contido no artigo 473.º do CC e com o princípio constitucional da igualdade deverá ser aplicado a sistemas em que as importâncias devidamente efetuadas pelos seus utentes não determinaram qualquer benefício ou utilidade.
Y - Não é o caso do regime de segurança social gerido pela CGA, em que os seus utentes são substancialmente beneficiados, por assaz insuficiente contribuição para o sistema, o que tem determinado o empobrecimento da Caixa, na medida do enriquecimento gradual de cada um a partir do momento em que os descontos que efetuaram ao longo da sua vida contributiva se esgotarem.
Z – A CGA poderá ficcionar os descontos efetuados por um docente-tipo da carreira da autora acrescidos dos respetivos juros legalmente previstos, por forma a poder-se demonstrar o virtual/real enriquecimento da autora face aos parcos descontos efetuados perante o avultado montante mensal que vem recebendo (note-se que 1 ano de pensão é, em média, absorvido por 8, 9 anos de descontos – recorde-se, ainda, que durante a maior parte da sua carreira contributiva a autora descontou 6% sobre a sua remuneração e não 10%, que descontava à data do ato determinante).
AA - O disposto no artigo 21.º do EA, interpretado de acordo com o princípio basilar do direito contido no artigo 473.º do CC e com o princípio constitucional da igualdade deverá ser aplicado a sistemas de contribuição voluntária e em que as importâncias devidamente efetuadas pelos seus utentes não determinaram qualquer benefício ou utilidade, tal como nos vulgo PPR´s.

Nestes termos, e com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser julgado procedente o presente recurso jurisdicional e revogada a douta decisão recorrida, com as legais consequências.

A Recorrida contra-alegou pugnando pela manutenção da sentença recorrida.

O Ministério Público junto deste TCA emitiu parecer no sentido de ser negado provimento do recurso.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II – Objeto do recurso

A questão suscitada pela Recorrente, nos limites das conclusões das alegações apresentadas a partir da respectiva motivação (cfr. artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, todos do CPC de 2013, ex vi artigo 140º do CPTA) consiste em saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento por violação do artigo 21º, n.º 1, do Estatuto da Aposentação e do instituto do enriquecimento sem causa.

III – Fundamentação de Facto

Na sentença foram dados como assentes os seguintes factos:

1.º -A A. é aposentada da carreira docente desde 01/10/1999 (facto admitido por acordo das partes);
2.º - Entre a data supra indicada e 15/09/2014, a A. continuou a trabalhar em funções de docência na Escola Superior de Educação de (...), efectuando descontos de quotas a favor da R., que ascenderam ao montante global de €42.925,35 (cf. fl. 13 do processo físico);

3.º -A A. requereu à CGA a restituição das quantias por si suportadas a título de descontos de quotas para a CGA após a sua aposentação, no valor acima referido (facto admitido por acordo das partes);
4.º -O requerimento atrás mencionado foi indeferido por decisão do Director Central da ora R., comunicada à A. pelo ofício de 17/07/2015 (cf. fls. 21 e 22 do processo físico).

IV – Fundamentação de Direito

A ora Recorrida intentou ação no TAF do Porto, na qual peticionava a condenação do Réu a restituir-lhe as quantias por aquela suportadas a título de descontos de quotas após a sua aposentação, no valor global de €42.925,35, acrescido dos juros à taxa de 4 por cento ao ano, a contar desde a data do seu requerimento.
Para tanto, alegou que é aposentada da carreira docente pela CGA desde 1999 e que, até ao dia 15.09.2014, continuou a trabalhar, tendo exercido funções de docência na Escola Superior de Educação de (...), tendo continuado a efectuar descontos obrigatórios de quotas para a CGA. E que fora recentemente informada pela CGA que desses descontos não lhe advém, nem lhe advirá, qualquer melhoria da sua pensão, que corresponde ao escalão máximo da carreira docente e à totalidade do tempo de serviço.

Na sentença recorrida, que julgou procedente a ação pode ler-se, designadamente, o seguinte:
“O artigo 21.º, n.º 1, do Estatuto da Aposentação, preceitua o seguinte:
“Só as quantias indevidamente cobradas serão restituídas pela Caixa, acrescendo-lhes juros à taxa de 4 por cento ao ano, desde a data do requerimento do interessado ou daquela em que a Caixa teve conhecimento da irregularidade da cobrança”.
A factualidade assente mostra-nos que a A., após a aposentação ocorrida em 1999, continuou a exercer funções na docência até 2014, permanecendo durante esse período a efectuar descontos de quotas a favor da CGA, que ascenderam ao montante global de €42.925,35.
Acontece que a A., com inteira razão, invoca dois motivos que sustentam a sua posição na presente demanda: i) os descontos atrás aludidos em nada a beneficiaram ao nível de qualquer ulterior contagem de tempo de serviço; ii) nem se repercutiram em qualquer benefício para o montante da pensão auferida.
Isto significa, no fundo, que a transferência dos valores monetários da Impetrante para a CGA, a título de descontos sobre o respectivo abono e já na situação de aposentada, nenhum efeito positivo fez surtir na esfera jurídica da A., quebrando-se, assim, o sinalagma que existe entre a quotização extraída ao administrado e a atribuição da correspectiva pensão ou da sua melhoria.
A ser assim, justifica-se convocar nesta situação o instituto do enriquecimento sem causa, preconizado no artigo 473.º do Código Civil, mormente, na perspectiva de que a R. deve restituir as quotas indevidamente recebidas da A., tendo em vista um efeito que não se verificou, ou seja, a melhoria da pensão, conforme o previsto no n.º 2 do citado preceito legal.
Ainda que a factualidade subjacente não seja propriamente idêntica, secundamos aqui o entendimento plasmado no douto acórdão do Venerando STA, de 07/05/2015, proferido no processo n.º 01117/14, “in” www.dgsi.pt, por se entender que o mesmo tem inteira aplicação no caso em apreço, destacando-se os seguintes excertos:
“…A obrigação de restituir fundada no injusto locupletamento, à custa alheia, pressupõe a verificação simultânea de três requisitos, conforme enumerado no artigo 473º, nº 1, do Código Civil, (i) o enriquecimento obtido por alguém, (ii) que este seja alcançado, à custa de quem requer a sua restituição, e (iii) que o mesmo seja desprovido de causa justificativa.
O enriquecimento consiste, pois, na obtenção de uma vantagem, de carácter patrimonial, susceptível de ser encarada sob dois pontos de vista, ou seja, o do enriquecimento real, que corresponde ao valor objectivo e autónomo da vantagem adquirida, e o do enriquecimento patrimonial, que reflete a diferença, para mais, produzida na esfera económica do enriquecido, e que resulta da comparação entre a sua situação efectiva e aquela em que se encontraria se a deslocação se não houvesse verificado.
Acresce que, a obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem, de modo especial, por objecto, o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido, por virtude de uma causa que deixou de existir ou, ainda, em vista de um efeito que não se verificou, de acordo com o preceituado pelo nº 2, do citado artº 473º, do CC, que enumera diversas hipóteses de ausência de causa e consagra, assim, outras tantas modalidades de enriquecimento à custa de outrem.
Com efeito, para que se constitua uma obrigação de restituir fundada no enriquecimento, não é suficiente que uma pessoa tenha obtido uma vantagem patrimonial à custa de outrem, sendo ainda necessário que não exista uma causa justificativa para essa deslocação patrimonial, quer porque esta nunca existiu, quer por não se ter verificado o propósito pretendido ou, porque, entretanto, deixou de existir, devido à supressão posterior desse fundamento, quer, finalmente, porque é inválido o negócio jurídico em que assenta.
E o enriquecimento carece de causa, quando o direito o não tolera ou consente, porque não existe uma relação ou um facto que, de acordo com os princípios jurídicos, justifique a deslocação patrimonial, hipótese em que a lei obriga a restabelecer o equilíbrio patrimonial por ele rompido, por não desejar que essa vantagem perdure, constituindo o «accipiens» no dever de restituir o recebido.
O fulcro da definição da ausência de causa justificativa da deslocação patrimonial tem a ver com a correcta ordenação jurídica dos bens aceite pelo sistema jurídico, de modo a que, de acordo com a mesma, se o enriquecimento deve pertencer a outra pessoa, carece de causa justificativa.
Feitos estes considerandos acerca do instituto jurídico do enriquecimento sem causa, importa agora atentar na factualidade que nos vem trazida.
Resulta provado que os montantes liquidados pelos associados [em causa] do A/ora recorrido decorreram de terem permanecido, indevidamente, no serviço, exercendo as respectivas funções, correspondendo tais montantes pagos aos descontos obrigatórios para a aposentação.
Porém, tais descontos, efectuados desta forma, não se refletiram, fosse de que forma fosse, para efeitos de aposentação, pelo que cumpre apurar da sua justificação.
Na verdade, estes descontos estavam a ser efectuados, com o objectivo de se reflectirem na aposentação, só que, em virtude do direito à pensão ter sido reconhecido judicialmente com efeitos retroactivos à data da impugnação dos actos administrativos, deparamo-nos com um período temporal de descontos que não foi considerado nem para efeitos de contagem de tempo de serviço, nem de montante da pensão auferida.
(…)
Seja, como for, a verdade é que estamos perante uma situação em que os associados do
A/recorrido foram obrigados a efectuar descontos que em nada os beneficiou.
E assim sendo, cremos estarem reunidos os pressupostos do enriquecimento sem causa, que visa na sua essência a restituição do que for indevidamente recebido, ou o que for recebido em virtude de uma causa que deixou de existir, ou ainda em virtude de um efeito que não se verificou.
Dispõe o art. 21º, nº 1 do Estatuto da Aposentação, que “só as quantias indevidamente cobradas serão restituídas pela Caixa, acrescendo-lhes juros à taxa de 4% ao ano desde a data do requerimento do interessado ou daquela em que a Caixa teve conhecimento da irregularidade da cobrança”.
E com base nesta norma, entende a recorrente CGA que as quantias não eram indevidas à data em que foram descontadas e, por outro lado, a quotização tem natureza parafiscal, com características de repartição e não de capitalização, pelo que não haveria lugar a qualquer devolução.
Por seu turno e em sentido contrário, reitera o A/recorrido e foi acolhido na decisão recorrida que a quotização para a CGA tem natureza sinalagmática pelo que necessariamente terá de haver lugar à devolução dos montantes desconsiderados, tanto mais que os mesmos não foram tidos em conta na contagem do tempo de serviço relevante para a aposentação.
E com razão, pois como se pode ler no Estatuto da Aposentação, anotado, pág. 69/70, de José Cândido de Pinho «O facto da cobrança de quotizações ter sido regular quando efetivada, não invalida que por facto posterior se venha a verificar a sua redundância e inutilidade, situação em que se imporá a sua devolução, pois que a não ser assim, tal consubstanciaria uma manifesta quebra de confiança e da boa-fé».
E ainda em anotação ao mesmo artigo 21º: «O nº 1 coloca na hipótese legal a cobrança indevida como factor de estatuição para a restituição. Só as quantias indevidamente cobradas dariam ao interessado o direito de exigir a sua restituição. Ora, uma tal literalidade parece inculcar a ideia de que se a cobrança tiver sido legal, devida e correcta, não mais haveria lugar a restituição. Por outro lado, também pode permitir a interpretação de que a posse anterior (fora da cobrança) de importâncias que não deveriam estar nos cofres da Caixa, seja por que motivo for, não teriam de ser restituídas.
Não pode ser assim.
Com efeito, pode muito bem suceder que a cobrança tenha sido regular dentro do quadro de normalidade da cadeia do mecanismo da aposentação que tradicionalmente se exprime cronologicamente pela série inscrição (art. 1.º), quotização (art. 5°), aposentação (art. 35°) e pensão (art. 46°), mas posteriormente afectado por uma circunstância relevante. Imagine-se que um interessado, tendo exercido funções na qualidade de aposentado ao abrigo do art. 79° do Estatuto, sem que tenha podido acumular a pensão que recebia com a que derivaria do exercício das novas funções, exercitou o direito de opção consagrado no art. 80° infra, preferindo manter a pensão anterior por lhe ser mais favorável. Ora, o recebimento dos descontos pelas novas funções não parece que tenha sido indevido, visto que haveria lugar a inscrição obrigatória face ao art. 1.º. Assim, admitindo que eventualmente tenha havido cobrança regular das quotizações, o certo é que delas não adveio nenhum concreto benefício para o inscrito e pelo contrário, à falta de concretização do objectivo a que os descontos tendiam, acabou por ficar sem a soma de dinheiro correspondente ao valor de todos os descontos efectuados.
Consideramos que neste exemplo, sendo regular a cobrança, a retenção dessas quotas pela Caixa toma-se assim indevida, injustificada, sem fundamento, porque significa posse "a mais" de algo que não tem nenhuma repercussão na esfera do interessado e representa a quebra de confiança e da boa-fé que ele tiver depositado na Caixa. Além disso a não devolução de tais quantias torna a quotização efectuada num processo quase real de financiamento a fundo perdido da Caixa, que assim "sem causa" se verá enriquecida (art. 473° do CC) à custa do empobrecimento do subscritor, o que se não nos afigura possível.
Portanto, é possível que, para além da cobrança, também superveniente a posse venha a ser indevida. E nesse caso a Caixa fica constituída no dever de restituir (art. 479° do C.C.) […]».
Ora, este Supremo Tribunal, chamado a pronunciar-se sobre a interpretação a dar ao artº 21º do EA, já manifestou posição no sentido do mesmo dever ser interpretado à luz do instituto do enriquecimento sem causa, designadamente que o conceito do indevidamente cobrado serve para cobrir as três hipóteses em que se desdobra o objecto da obrigação de restituir previsto no nº 2 do artº 473º do CC: «o «indevidamente recebido», que será uma cobrança originalmente indevida, e o «recebido por uma causa que deixou de existir» ou «em vista de um efeito que não se verificou», que correspondem a uma indevida cobrança por facto superveniente – cfr. o Ac. deste STA, proferido em 07/09/2010, in proc. nº 0367/10 (…)”.
Em suma, sufragando o entendimento jurisprudencial já firmado pelo STA, de igual modo é de reconhecer nesta acção à A. o direito à clamada restituição do valor correspondente às quotas que lhe foram descontadas e entregues à CGA durante o período em que laborou na situação de aposentada, indo-se condenar a R. a devolver tal maquia, acrescida dos “juros à taxa de 4 por cento ao ano, desde a data do requerimento do interessado”, conforme o pedido da Impetrante e o vertido no artigo 21.º, n.º 1, do EA.
V -Decisão final.
Ante o exposto, julgo a presente acção totalmente procedente, por totalmente provada, e, consequentemente, condeno a R. a restituir à A. as quantias por esta suportadas a título de descontos de quotas após a sua aposentação, no valor global de €42.925,35, acrescido dos juros à taxa de 4 por cento ao ano, a contar desde a data do requerimento da interessada.”

Fim da transcrição.

Acompanhamos o decidido, pois as conclusões de recurso (que vertem argumentos já usados na 1ª instância) não têm a virtude de abalar o julgado na 1ª instância.

Se é certo que não existe uma relação direta entre as quotizações a efetuar para a CGA e a pensão de aposentação a receber pelo subscritor e que nessa medida, nesse plano da correspectividade entre valor total de quotas ou do montante das contribuições e valor de pensão ou das prestações, não existirá uma relação sinalagmática em termos duma total e necessária correspondência entre tais valores, temos, porém, que o nosso sistema previdencial, em decorrência do princípio da contributividade, deve ser fundamentalmente autofinanciado, tendo por base uma relação sinalagmática direta entre a obrigação legal de contribuir e o direito às prestações (cfr. art. 54.º da Lei Bases da Segurança Social LBSS - Lei n.º 4/2007, de 16.01 na redação dada pela Lei n.º 83-A/2013, de 30.12) – cfr. acórdão do STA de 27.10.2016, proferido no processo 0211/15.

Por outro lado, toda a argumentação da Recorrente no tocante à defesa da falta de sinalagma entre as contribuições pagas e as prestações recebidas a título de pensão, gira em torno da relação que se estabelece entre o administrado e o sistema de segurança social antes de aquele passar à condição de aposentado, não sendo transponível para o caso concreto, em que, se por um lado, a Recorrida já estava aposentada quando iniciou os descontos que agora reclama, por outro, encontrava-se, à data deste início, numa situação em que não havia qualquer nova aposentação a formar. Pois a sua pensão, que corresponde ao escalão máximo da carreira docente e à totalidade do tempo de serviço, já não podia ser melhorada.

E tal como se entendeu no acórdão deste TCAN de 28.03.2014, proferido no processo n.º 01671/0 BEPRT, em situação análoga, embora não se ignorem argumentos ultimamente defendidos no sentido de que os descontos obrigatórios dos funcionários públicos para a CGA não se destinam a salvaguardar a sua "futura e hipotética" pensão de aposentação, mas antes a, de imediato, prover à liquidez do sistema, da segurança social, no seu todo (público e privado e daí a repetidamente abordada "convergência de sistemas", e assim, contribuir para um "bolo geral"), o certo é que a lei interpretanda é a mesma.

Como se refere nos arestos do STA de 7/9/2010, proferido no proc. nº 0367/10, de 07/05/2015, proferido no proc. n.º 01117/14 e de 27.10.2016, proferido no processo 0211/15", e no acórdão do TCAN, de 28.03.2014, proferido no processo n.º 01671/0BEPRT: “O artigo 21.º deve ser interpretado à luz do instituto do enriquecimento sem causa. Apenas que o conceito de quantia indevidamente cobrada do artigo 21.º serve para cobrir as três hipóteses em que se desdobra, de modo especial, o objecto da obrigação de restituir do artigo 473.º, n.º 2, do C. Civil: o «indevidamente recebido», que será uma cobrança originalmente indevida, e o «recebido por uma causa que deixou de existir» ou «em vista de um efeito que não se verificou», que correspondem a uma indevida cobrança por facto superveniente".

No caso dos autos, a Recorrida continuou a efectuar descontos para a CGA, enquanto aposentada.
Mas, como refere a sentença recorrida que, nesta parte não foi impugnada, esses descontos em nada a beneficiaram ao nível de qualquer ulterior contagem de tempo de serviço, nem se repercutiram em qualquer benefício para o montante da pensão auferida.
E, perante essa não melhoria da pensão, requereu a devolução dos descontos efectuados, dado o facto de, com eles, não ter obtido qualquer efeito positivo, mas essa pretensão foi-lhe negada.
Os descontos foram feitos, portanto, com vista a um efeito que não se verificou.
Ora essa restituição impõe-se, como corolário imanente ao instituto do enriquecimento sem causa, acrescendo que a CGA, desde o início da obtenção dessa receita, tinha perfeito conhecimento de que apenas lucraria com esse desconto, quer porque sabia que nem o mesmo contribuiria para recalcular essa pensão, quer ainda porque, além disso, não iria devolver essas quantias.

Estamos perante um dos exemplos a que se refere a anotação ao Estatuto da Aposentação, anotado, de José Cândido de Pinho (pág. 69/70), transcrita supra com a sentença recorrida.

Deve, portanto, manter-se a sentença recorrida.

V – Decisão
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Registe e D.N.

Porto, 14 de fevereiro de 2020

Isabel Costa
João Beato
Helena Ribeiro