Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00921/04-Viseu
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/30/2011
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Álvaro Dantas
Descritores:IMPOSTO ESPECIAL DE JOGO
IRC
DESPESAS CONFIDENCIAIS
Sumário:Pelo exercício da actividade de jogo ou de quaisquer outras a que estejam obrigadas nos termos dos contratos de concessão, as entidades concessionárias de jogos de fortuna ou azar ficam obrigadas ao pagamento de um imposto especial, não lhes sendo exigível qualquer outra tributação, nomeadamente em sede de IRC.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:S..., S.A.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte
1. Relatório
S…, SA, sociedade comercial melhor identificada nos autos, dizendo-se inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou improcedente a impugnação judicial que deduziu e respeitante à liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) relativo ao ano de 2000, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.
A culminar as alegações daquele recurso formulou as seguintes conclusões:
a. A sentença recorrida parte de um pressuposto jurídico absolutamente inaceitável que inquina todas a sua lógica argumentativa e cuja alusão é, desde já, fundamental – justamente porque, todos os vícios da sentença, directa ou indirectamente assentam naquele vício congénito – desconsiderando o carácter unitário da realidade tributada em sede de IRC, o Tribunal a quo assume diferentes valorações quanto às componentes que constituem o lucro tributável ali objecto de tributação: se por um lado reconhece a não sujeição dos lucros decorrentes da actividade exercida pela impugnante, remetendo a sua tributação para o âmbito do imposto especial de jogo, por outro, paradoxalmente, pretende delimitar determinadas despesas incorridas naquele âmbito enquanto alegada realidade autonomamente tributável.
b. No nosso caso, duas componentes indissociáveis da mesma realidade tributável – o lucro tributável – acabam por ser destacadas, sendo sujeitas a diferentes tratamentos jurídico-tributários.
c. Obviamente, ao partir deste pressuposto, o Tribunal incorre num grave erro que corrompe inapelavelmente todas as demais conclusões da sentença.
d. Tendo em conta a matéria dada como provada, não pode o Tribunal pretender admitir a tributação por defeito das despesas em causa, apenas com base na dúvida – remota – de saber se elas respeitam ou não àquela actividade sujeita a tributação no cômputo dos seus lucros, apurada, nos termos da lei, através da operação algébrica entre os proveitos registados e os correspectivos custos incorridos para a sua prossecução.
e. Isto porque, desde logo, por força da natureza dos institutos em causa, não é concebível a autonomização de diferentes critérios de tributação das componentes do lucro tributável quando, na verdade, a realidade objecto de imposto não é a das partes mas sim, como bem se compreende, a do cômputo geral do resultado apurado entres os proveitos e os custos incorridos.
f. Da análise conjugada do estatuído na alínea a) do n.º 1 do art. 3.º do CIRC e no art. 17.º do CIRC, resulta que, contrariamente ao que pretende o Tribunal, os proveitos e os custos não são realidades dissociáveis, susceptíveis de serem autonomamente valoradas para efeitos de tributação, muito menos, da forma dispare patente na sentença.
g. Acresce que, estando o Tribunal a referir-se a elementos constitutivos da base de IRC, para o caso, tais componentes só poderiam relevar na medida em que respeitassem à prossecução de actividades geradoras de rendimentos sujeitos àquele imposto, ou seja, a consideração pela sentença de proveitos ou custos, à luz dos normativos que regulam o IRC, só faria sentido na medida em que aqueles se referissem a actividades sujeitas.
h. Daí que faleça qualquer razão à sentença, porquanto esta, por um lado, assume que os rendimentos não hão-de estar sujeitos a IRC mas, por outro, contrariamente, admite que as despesas, correspectivas daquele proveito e incorridas a seu propósito, podem efectivamente merecer tratamento diverso.
i. Daqui resulta que a decisão é merecedora de censura, uma vez que: padece de NULIDADE, por se encontrar em oposição com a fundamentação, nos termos da al. c) do nº 1 do artigo 668º do CPC e do nº 1 do artigo 125º do CPPT; padece de NULIDADE, por não especificar os fundamentos de facto da decisão, nos termos da al. b) do nº 1 do artigo 668º do CPC e do nº 1 do artigo 125º do CPPT; e faz uma errada aplicação do direito, designadamente dos artigos 6º do CIRC (com a numeração e redacção vigentes à data dos factos), do artigo 84º do DL nº 422/89, de 2 de Dezembro, com a redacção que lhe foi dada pelo DL nº 10/95, de 19 de Janeiro, do artigo 4º do DL nº 192/90, de 9 de Junho, com a redacção que lhe foi dada pelo art. 38º da Lei nº 87-B/98, de 31 de Dezembro.
j. Em primeiro lugar, padece de NULIDADE por se encontrar em oposição com a fundamentação, já que, para decidir como decide, o Tribunal a quo apoia-se numa determinada fundamentação de facto, que acaba por ignorar na construção da sua decisão: a fundamentação de facto taxativamente invocada na sentença recorrida – e, bem assim, a fundamentação que, por respeitar a factos notórios ou não controvertidos, não carecem de prova nem de alegação – não é convenientemente transposta para o direito e não é tida em conta para a definição do resultado, o qual se vem a verificar injusto, descontextualizado e inequivocamente oposto àquele exigido pela realidade de facto reconhecida e provada nos presentes autos.
k. O Tribunal ignora a base factual pressuposta na sua total plenitude, na qual, obviamente, se incluem não só os factos provados, mas também, os factos notórios e os factos não controvertidos, assentes entre as partes.
l. O Tribunal considera que é um facto provado o de a impugnante, ora recorrente, ter como actividade principal a exploração de jogos de fortuna ou azar e como actividade incluída no âmbito da concessão dos jogos de fortuna ou azar e estritamente conexa com esta, a indústria hoteleira, correspondendo ainda a um facto assente, por não controvertido e admitido expressamente por ambas as partes – corroborado, de resto, por documentos que se encontram na posse da parte contrária e pela inquivocabilidade da ausência de qualquer correcção ao nível da matéria colectável apurada pela S… (nula), por parte das mesmas Autoridades tributárias que propuseram a liquidação adicional de IRC impugnada nos presentes autos –, o de a impugnante, ora recorrente, não desenvolver outras actividades de natureza comercial para além daquelas a que está obrigada por força dos contratos de concessão que celebrou, em 29.12.1988 e em 29.01.1996, com o Estado português.
m. Ora, ao identificar aquele como um facto provado com relevância para a decisão da causa, e ao não ordenar oficiosamente a realização das diligências de verificação da veracidade deste último facto, o Tribunal apenas poderia ter concluído no sentido inverso daquele que decidiu.
n. De acordo com o Tribunal a quo, se à questão “os rendimentos auferidos pela impugnante estão a coberto de uma norma que os exclui da tributação em IRC?” fosse dada uma resposta afirmativa e à questão “para além destes, a impugnante aufere quaisquer outros a que a referida norma não se aplique? fosse dada uma resposta negativa, o Tribunal a quo não poderia senão concluir pela não tributação autónoma (em sede de IRC) das despesas confidenciais apresentadas pela impugnante; se, pelo contrário, ainda que à questão “os rendimentos auferidos pela impugnante estão a coberto de uma norma que os exclui da tributação em IRC?” fosse dada uma resposta afirmativa, à questão “para além destes, a impugnante aufere quaisquer outros a que a referida norma não se aplique? fosse dada uma resposta também positiva, o Tribunal a quo não poderia senão concluir pela tributação autónoma (em sede de IRC) das despesas confidenciais apresentadas pela impugnante – muito embora aqui devesse considerar uma tributação rateada das despesas confidenciais em função dos volumes de negócios correspondentes às actividades excluídas da tributação em IRC e às actividades não excluídas da tributação nesta sede.
o. Ora, como se percebe, esta formulação – da qual depende o resultado da decisão a proferir pelo Tribunal – impõe que a resposta às duas questões seja dada com base na fundamentação de facto especificada, o que, no caso concreto, sempre haveria de determinar uma resposta afirmativa à primeira das duas questões indicadas e uma resposta negativa à segunda, e, concomitantemente, uma decisão contrária àquela proferida no presente caso.
p. Este mesmo percurso foi acolhido pela 2ª Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo num Acórdão proferido, em 02.12.1998, no âmbito do recurso nº 17440 (junto às presentes alegações de recurso como Anexo I).
q. A sentença padece ainda de NULIDADE, por falta de especificação dos fundamentos de facto em que assenta – com efeito, se é verdade que o Tribunal a quo não se apoiou nos factos que especificamente indicou na sentença de que se recorre – já vimos que o resultado a que chega está com eles em clara oposição –, então outra deve ter sido a base factual de que se serviu para a fundamentar.
r. Ora, se assim foi, não há dúvida de que o Tribunal a quo a deveria ter identificado e dela retirado as necessárias ilações de direito.
s. Ainda que as alegadas NULIDADES invocadas não procedam, o que apenas por mera cautela de patrocínio se admite, sempre será de reconhecer que a sentença a quo padece de um outro vício – ilegalidade – na medida em que faz uma errada aplicação do direito, designadamente dos artigos 6º do CIRC (com a numeração e redacção vigentes à data dos factos), do artigo 84º do DL nº 422/89, de 2 de Dezembro, com a redacção que lhe foi dada pelo DL nº 10/95, de 19 de Janeiro, e do artigo 4º do DL nº 192/90, de 9 de Junho, com a redacção que lhe foi dada pelo art. 38º da Lei nº 87-B/98, de 31 de Dezembro.
t. Ora, como refere o Acórdão proferido pela 2ª Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em 02.12.1998, no âmbito do recurso nº 17440 (cfr. Anexo I), a leitura articulada das referidas disposições legais conduz inequivocamente à exclusão da tributação (autónoma) em IRC das despesas confidenciais quando incorridas por uma sociedade concessionária da exploração de zonas de jogo, excluída da tributação em IRC.
u. É que o campo de incidência da norma do artigo 4º do DL nº 192/90, de 9 de Junho – com a redacção que lhe foi dada pelo artigo 31º da Lei n.º 87-B/98, de 31 de Dezembro –, circunscreve-se às despesas confidenciais ou não documentadas efectuadas por sujeitos passivos de IRC, no âmbito do exercício da sua actividade comercial, industrial ou agrícola.
v. E, se assim é, estão excluídas da tributação em causa as actividades e as entidades que a lei exclui da sujeição a IRS ou a IRC.
w. Com efeito, o IRC é um imposto que se caracteriza por tributar os rendimentos obtidos por determinadas pessoas colectivas durante um certo período de tempo. Entre essas pessoas encontram-se as sociedades comerciais cujo rendimento é composto pelos lucros gerados durante o período abrangido pela tributação.
x. No caso dos presentes autos, a impugnante, ora recorrente, preenche, é certo, os pressupostos necessários à sua qualificação como sujeito passivo de IRC e, consequentemente, à tributação dos seus rendimentos em sede deste imposto. Tal apenas não se verifica, contudo, porque, por um lado, a impugnante, ora requerente, está abrangida por uma norma que exclui de tributação naquela sede os rendimentos da sua actividade e porque, por outro lado, a totalidade dos seus rendimentos provêm – como vimos – exclusivamente dessa actividade.
y. A tributação da totalidade dos seus rendimentos é, com efeito, prosseguida, não através do IRC, mas através de um imposto especial cuja matéria colectável é determinada por uma forma diferente e mais gravosa relativamente à prevista para o IRC: enquanto o IRC incide sobre os lucros, consistindo estes na diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, o imposto sobre o jogo é liquidado em função de uma percentagem sobre o capital em giro inicial e de uma percentagem sobre os lucros brutos das bancas.
z. Tudo quanto se expõe – e, bem assim, o teor e sentido das normas legais aplicáveis – conduz à conclusão inequívoca de que a actividade do jogo, bem como as demais actividades a que a impugnante, ora recorrente, está obrigada nos termos do contrato de concessão, estão excluídas da tributação autónoma em sede de IRC das despesas confidenciais.
aa. Apenas assim se não entenderia se, paralelamente às referidas actividades, a S… desenvolvesse outras actividades de natureza comercial a que não estivesse obrigada no âmbito das referidas concessões, às quais se aplicaria o regime tributário geral – o que, como vimos, não ocorre no presente caso. E ainda que fosse esta a situação dos presentes autos, sempre nela se imporia a opção de ratear as despesas confidenciais em função dos volumes de negócios correspondentes às actividades não sujeitas a IRC (as derivadas dos contratos de concessão) e as restantes actividades sujeitas a IRC. Sem prescindir,
bb. Além da flagrante ilegalidade que consubstancia a interpretação conferida pela decisão recorrida aos artigos 6º do CIRC, 84º do DL nº 422/89, de 2 de Dezembro, e 4º do DL nº 192/90, de 9 de Junho, não é aqui despicienda a não menos evidente violação do princípio da proibição da dupla tributação.
cc. De facto, seguindo a tese do Tribunal a quo, a aplicação da lei nos termos propalados na sentença, redundaria numa verdadeira dupla tributação, porquanto, através de impostos diferentes, estaríamos a tributar o mesmo conjunto de factos tributários.
dd. Entre as despesas confidenciais tributadas implicitamente de antemão pelo imposto especial de jogo – em concreto, pelo agravamento de taxa pressuposto pelo legislador e pelo método de determinação da matéria colectável –,
ee. E as despesas confidenciais que ora se pretende tributar em sede de IRC, há uma plena identidade de objectiva, que se revela em todas as suas dimensões: material, porque as despesas consideradas num e noutro caso são exactamente as mesmas, declaradas aliás uma única vez – e apenas à cautela, como decorre dos autos –; quantitativo, porque os valores eram os mesmos, pelos exactos motivos acabados de expor; e, por fim, temporal, porque as despesas confidenciais reportam-se em qualquer dos casos às despesas confidenciais incorridas no exercício de 2000,
ff. Tal identidade objectiva revela uma intolerável dupla tributação que onera ilegalmente a recorrente, sem que opere qualquer mecanismo de eliminação ou sequer atenuação de tal ocorrência, com clara violação do preceito constitucional ínsito no n.º 3 do art. 103.º da CRP (princípio da legalidade fiscal), bem como, nos termos gerais, o princípio da igualdade, nas suas dimensões de proporcionalidade e proibição do excesso, e o direito de propriedade privadas, contidos, respectivamente nos artigos 13.º e 62.º da Lei Fundamental.
gg. Termos em que, deve a sentença recorrida ser declarada NULA por se encontrar em oposição com a fundamentação, nos termos da al. c) do nº 1 do artigo 668º do CPC e do nº 1 do artigo 125º do CPPT, por não especificar os fundamentos de facto da decisão, nos termos da al. b) do nº 1 do artigo 668º do CPC e do nº 1 do artigo 125º do CPPT e por fazer uma errada aplicação do direito, designadamente dos artigos 6º do CIRC (com a numeração e redacção vigentes à data dos factos), do artigo 84º do DL nº 422/89, de 2 de Dezembro, com a redacção que lhe foi dada pelo DL nº 10/95, de 19 de Janeiro, do artigo 4º do DL nº 192/90, de 9 de Junho, com a redacção que lhe foi dada pelo art. 38º da Lei nº 87-B/98, de 31 de Dezembro.
A Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.
Neste Tribunal Central Administrativo, a Digna Magistrada do Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.
As questões a decidir:
As questões sob recurso e que importa decidir, suscitadas e delimitadas pelas alegações e respectivas conclusões, são as seguintes:
- Da nulidade da sentença derivada da alegada oposição dos fundamentos com a decisão;
- Da nulidade da sentença por falta de fundamentação de direito;
- Do erro de julgamento da sentença em matéria de direito na medida, concretamente por errado enquadramento fiscal dado às despesas confidenciais ou não documentadas efectuadas pela Recorrente.
2 . Fundamentação
2.1. De facto
2.1.1. Matéria de facto dada como provada na 1ª instância
É a seguinte a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida e que agora damos por reproduzida, ipsis verbis:
a) A impugnante, “S…, SA”, é uma sociedade anónima com sede em Espinho e tem como actividade a exploração de jogos de fortuna ou azar e, como actividade incluída na respectiva concessão, a indústria hoteleira.
b) A impugnante celebrou com o Estado português dois contratos de concessão de exploração de jogos de fortuna ou azar, um relativo à zona de jogo permanente de Espinho, o outro relativo aos casinos de V…, Barlavento e Sotavento Algarvios – cf. fls. 17 e 19.
c) A cláusula 7ª de tais contratos estipula que a impugnante está obrigada ao pagamento de um imposto especial pelo exercício da actividade do jogo, não lhe sendo exigível qualquer outra tributação geral ou local relativa ao exercício dessa actividade ou quaisquer outras a que está obrigada nos termos daqueles contratos – cf. fls. 18 e 20.
d) A impugnante apresentou na declaração de rendimentos referente ao exercício de 2000 modelo 22 (IRC) despesas confidenciais ou não documentadas, no montante de 337.997.820$00 – cfr. fls. 81.
e) A impugnante foi notificada em 16/05/02 da liquidação adicional de imposto sobre IRC relativa ao exercício de 2000, no valor de €129.036,66, referente à tributação autónoma de despesas confidenciais e juros compensatórios, com 24/06/02 como data limite de pagamento – cfr. fls. 15.
f) A presente impugnação deu entrada em 21/06/02, no Serviço de Finanças de Espinho – cfr. fls. 2.
2.1.2. Alteração oficiosa, por ampliação, da decisão sobre a matéria de facto
Ao abrigo do disposto na norma do artigo 712º, nº 1, alínea a) do CPC aplicável ex vi artigos 749º do CPC (na redacção aqui aplicável) e 281º do CPPT, afigura-se-nos que importa aditar ao probatório matéria de facto que, com base na análise dos documentos juntos aos autos a fls. 17 a 20, resulta provada nos termos que passamos a explicitar:
g) Os contratos referidos na alínea b) da matéria de facto provada foram celebrados a 29 de Dezembro de 1988 (zona de jogo permanente de Espinho) e a 13 de Fevereiro de 1996 (casinos de Vilamoura, Barlavento e do Sotavento Algarvios) – cf. fls. 17 a 20 dos autos.
2.2. De direito
2.2.1. Das invocadas nulidades da sentença recorrida
2.2.1.1. A Recorrente imputa à sentença recorrida a nulidade derivada da alegada oposição dos fundamentos com a decisão. Salvo o devido respeito, não tem razão.
Nos termos do artigo 125º, nº 1 do CPPT, “constituem causa de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”.
Por sua vez, estabelece o artigo 668º, nº 1 do Código de Processo Civil (CPC) aplicável ex vi artigo 2º, alínea e) do CPPT:
“1. É nula a sentença:
(…)
c) Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão;
(…)”.
Esta nulidade apenas ocorre quando os fundamentos invocados na decisão deveriam conduzir, num processo lógico, à solução oposta à que foi adoptada na decisão – assim, Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, volume I, 2006, pág. 910.
Ora, salvo o devido respeito, não se vislumbra que a sentença recorrida padeça da apontada nulidade.
Com efeito, por um lado, os fundamentos jurídicos invocados na sentença pressupõem os factos que ficaram provados e que constituem a respectiva fundamentação fáctica e, por outro lado, tais fundamentos suportam a decisão que, considerando ter sido a liquidação correctamente efectuada julgou improcedente a impugnação judicial.
Improcede, pois, a referida nulidade da sentença.
2.2.1.2. Por outro lado, a Recorrente também imputa à sentença a nulidade derivada da falta de especificação dos factos que fundamentam a decisão é também manifesta a falta de razão da Recorrente.
Com efeito, consta da sentença a fundamentação fáctica que serviu para a decisão da causa em termos suficientes para que se considere satisfeita a exigência legal de especificação dos fundamentos de facto da decisão a que aludem os artigos 125º, nº 1 do CPPT e 668º, nº 1, alínea b) do CPC.
Improcede, portanto, esta nulidade da sentença arguida pela Recorrente.
2.2.2. Do erro da sentença no julgamento de direito
A questão que aqui importa apreciar é a de saber e a sentença recorrida enferma de erro de julgamento na medida em que considerou que a liquidação de IRC impugnada pela Recorrente não padecia de ilegalidade e que, por isso, a impugnação judicial deveria improceder.
Está em causa, o enquadramento fiscal dado às despesas confidenciais ou não documentadas efectuadas por sociedade concessionária da exploração de zonas de jogo.
Ora, sobre questão idêntica pronunciou-se muito recentemente este Tribunal Central Administrativo Norte no acórdão de 23 de Novembro de 2011 (processo 229.09.6BEVIS), nos seguintes termos aos quais aderimos:
“As empresas concessionárias de zonas de jogo estão sujeitas a um regime fiscal de excepção, disciplinado pelos artigos 84.º a 94.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro (na redacção, ao tempo, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 10/95, 19 de Janeiro). Dele resulta que pelo exercício da actividade de jogo ou de quaisquer outras a que as empresas concessionárias estejam obrigadas nos termos dos contratos de concessão e pelo período em que estes se mantenham em vigor, ficam aquelas obrigadas ao pagamento de um imposto especial, não sendo exigível qualquer outra tributação, nomeadamente em sede de I.R.C.
A regra de exclusão tributária que integra o artigo 7.º do C.I.R.C. (segundo a qual não estão sujeitos a I.R.C. os rendimentos directamente resultantes do exercício de actividade sujeita ao imposto especial do jogo) deve, por isso, ser conjugada com a do artigo 84.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 422/89 citado (do qual decorre que também não estão sujeitos a I.R.C. os rendimentos resultantes da outras actividades a que as empresas concessionárias estejam obrigadas nos termos dos respectivos contratos de concessão). Ou seja, o âmbito deste artigo 84.º, n.º 2, é mais vasto do que o daquele artigo 7.º, constituindo uma norma de exclusão imposta por lei especial.
(…)
A razão aparente para tamanho regime de excepção poderá ter sido o facto de a tributação do jogo ser já de si uma tributação agravada (tributando capitais de giro, lucros e receitas brutas com taxas elevadas, que poderiam compensar a quebra de receita noutras actividades) e/ou a necessidade de promover a dinamização turística das regiões onde estão instalados os casinos. De qualquer modo, a questão da bondade ou do acerto da atribuição de regimes de excepção que possam redundar em regimes fiscais mais favoráveis exorbita largamente do âmbito da intervenção do aplicador do direito”.
Pode, pois, dizer-se que “as despesas confidenciais (derivem elas da exploração de jogos ou da actividade hoteleira), não estão sujeitas a IRC, já que, nos termos dos preceitos legais citados, ambas as actividades desenvolvidas pela Impugnante não estão sujeitas a este imposto mas sim ao imposto especial de jogo” – citamos o acórdão TCAN de 17 Nov. 2011, recurso 735/09.2BEVIS, ainda inédito.
Do que vimos de dizer se conclui que o presente recurso terá de proceder, uma vez que, ao contrário do que se decidiu na sentença recorrida, a liquidação impugnada, por isso que implicou a tributação em sede de IRC de despesas confidenciais, enferma de ilegalidade que conduz à respectiva anulação – no mesmo sentido, para além dos acórdãos já referidos, veja-se, ainda, o acórdão TCAN 19 Nov. 2009, recurso 967/04-Viseu.
3. Decisão
Assim, pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em:
a) Conceder provimento ao recurso;
b) Revogar a sentença recorrida;
c) Em substituição, julgar a impugnação procedente e, em consequência, anular a liquidação de IRC impugnada.
Sem custas.
Porto, 30 de Novembro de 2011
Álvaro Dantas
Anabela Russo
Catarina Almeida e Sousa