Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00714/07.4BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/28/2021
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Rosário Pais
Descritores:IVA; FATURAS FALSAS; ÓNUS DA PROVA; INDÍCIOS FUNDADOS; CONTRAPROVA; QUESTÃO NOVA
Sumário:I – Estando em causa indícios de faturação falsa, a AT não tem que provar a falsidade das faturas, bastando-lhe demonstrar os indícios de falsidade e que estes são consistentes, sérios e reveladores de uma alta probabilidade de que as faturas são «falsas» para cumprir o seu encargo probatório.

II – Por força do disposto no artigo 346.º do Código Civil, à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório, pode a parte contrária (in casu o contribuinte) opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos e, se o conseguir, a questão é decidida contra a parte onerada com a prova.

III - Se o contribuinte demonstra factos que abalam os factos-indíce apontados pela AT, não pode considerar-se que esta satisfez o ónus probatório a seu cargo.

IV - Os recursos jurisdicionais destinam-se a apreciar a correção das decisões impugnadas e, com exceção de questões de conhecimento oficioso, não pode decidir questões novas, não apreciadas previamente pela 1.ª instância.

V – A falta de requisitos legais das faturas não constitui questão de conhecimento oficioso.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:C., Lda.
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. O Exmo. Representante da Fazenda Pública recorre da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, em 11.04.2011, pela qual foi julgada procedente a impugnação judicial deduzida por C., Ld.ª, contra as liquidações de IVA e juros compensatórios dos anos de 2002 a 2004.

1.2. O Recorrente Representante da Fazenda Pública terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões:
«A. Como questão prévia, requer-se que seja fixado o efeito suspensivo nos termos do artº 286º, nº2, do CPPT e conforme anotações do Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa ao artigo citado.
B. A sentença recorrida julgou procedente a impugnação deduzida contra as liquidações de IVA e Juros Compensatórios dos anos de 2002 a 2006, por haver concluído pelo não cumprimento do ónus da prova por parte da Administração Fiscal e pela efectiva contratação dos serviços por parte da impugnante e constantes das facturas postas em causa.
C. Não se conforma a Fazenda Pública com o assim decidido, pois a Administração Fiscal logrou provar os pressupostos que, afastando a presunção de veracidade da declaração, lhe permitiram concluir que a operações a que se referem as facturas são simuladas.
D. E a actuação da AF basta-se com a constatação de indícios, desde que sérios e credíveis, não lhe sendo imputável, como refere a sentença recorrida, em fase de procedimento administrativo, a prova cabal de todos os requisitos da simulação.
E. Com o assim decidido, incorreu o Tribunal a quo, em erro de julgamento, por errada aplicação do direito, violando-se o artº 74º da LGT.
F. Complementarmente, entende-se que a prova produzida foi erradamente valorada quando se decide pelo direito à dedução de IVA por parte da impugnante, alicerçando-se esta conclusão na prova da materialidade das operações tituladas nas facturas.
G. A prova produzida não é apta a concluir neste sentido, já que os elementos constantes dos autos são insusceptíveis de provar qualquer prestação de serviços.
H. O ónus da prova deste facto era da impugnante. A prova produzida para se alcançar a convicção de que as facturas não eram falsas foi essencialmente testemunhal.
I. As testemunhas ouvidas não foram capazes de alterar a convicção da Administração Fiscal da inveracidade das operações tituladas, porque serem os depoimentos genéricos e pouco credíveis (referem que a impugnante contratou trabalhos nas obras, mas não sabem dizer quem era o subempreiteiro que as realizou, não referem quais as obras concretamente efectuadas, os períodos concretos da sua execução e se estas têm alguma correspondência com as facturas não aceites pela Administração Fiscal).
J. E perante caso similar, já decidiram os Tribunais superiores pela legalidade da actuação da Administração Fiscal, cf. Acórdão do TCAN, de 29-11-2006, recurso nº 00168/02.
K. De qualquer das formas, o direito à dedução sempre estava vedado por nunca as facturas obedeceram aos requisitos legais.
L. Pelo que ao considerar como provado a materialidade das operações e ao desconsiderar as irregularidades formais verificadas nas facturas, incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento por errónea valoração da prova e erro na aplicação do direito, mostrando-se violados, os artigos 19º, nº2 e 3 e 35º do CIVA, art. 125º do CPPT e 668º do CPC.
M. Devendo a decisão recorrida ser anulada, nos termos e pelos fundamentos expostos.
Nestes termos,
Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, com as legais consequências.»

1.3. A Recorrida C., Ld.ª não apresentou contra-alegações.

1.5. Os autos foram com vista ao Ministério Público junto deste Tribunal.

Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 657.º, n.º 4, do CPC, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente, cumpre apreciar e decidir se é de corrigir o efeito atribuído ao recurso, bem como se a sentença enferma de erros de julgamento por ter considerado que a AT tinha o ónus de demonstrar todos os requisitos da simulação e que a Recorrida provou a materialidade das operações tituladas pelas faturas em crise e, ainda, se tal erro também ocorre por o Tribunal a quo não ter considerado que o IVA mencionado em tais faturas não era dedutível por aquelas não obedecerem aos requisitos legais.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
«Com relevância para a decisão da causa, o tribunal julga provado:
A) A impugnante foi sujeita a uma acção inspectiva parcial ao IVA e IRC dos exercícios de 2002, 2003 e 2004, tendo os serviços da inspecção tributária, fundamentados nas conclusões do relatório final de fls. 43 a 73 dos autos, que aqui se dá par integralmente reproduzido, concluído que as facturas emitidas pela firma J., Unipessoal, Ld.ª, e contabilizadas pela impugnante, não correspondem a serviços efectivos prestados pela emitente, constituindo um negócio jurídico simulado entre a impugnante e a emitente.
B) Em consequência os serviços da administração tributária procederam à correcção meramente aritmética de IVA em falta nos montantes de 5,756,82 €, 9.780,90 € e 23,547,42 €, para os exercícios de 2002, 2003 e 2004 (fls. 40 a 47).
C) As facturas desconsideradas pela administração tributária correspondem aos serviços prestados nas obras identificadas no artigo 20.º da petição inicial (fls. 72 a 169 e 211 a 254 e testemunhas).
D) Destas obras duas eram empreitadas da impugnante, obra de Mageiras, Paredes de Viadores, Marco de Canavezes, e Mesquinhata, Baião (fls. 219 e 220).
E) As restantes eram empreitadas das empresas R., SA, N., SA, A., Ld.ª, C., SA, subcontratadas à impugnante (fls. 211 a 264).
F) A impugnante subempreitou parte da mão-de-obra dessas obras à J. Unipessoal, Ld.ª (fls. 74 a 171 e 212 a 256 e testemunhas).
G) Além dos cheques emitidos pela impugnante à ordem da J. Unipessoal, Ld.ª, identificados no relatório da inspecção tributária existem mais quatro cheques emitidos pela impugnante, que estão identificados a fls. 402, 403, 405 a 407.
Com relevância para a decisão da causa, o tribunal julga não provado:
1) A impugnante subempreitou precisamente os trabalhos que vêm discriminados nas facturas.
2) Esse trabalhos foram, na sua totalidade, executados, tal como consta daquelas facturas, pelos trabalhadores da J. Unipessoal, Ld.ª, ou por trabalhadores de outras sociedades em quem esta subempreitou.
3) Sendo que, mensalmente a impugnante juntamente com a J. Unipessoal, Ld.ª, elaborava os respectivos autos de medição condição para que se procedesse à facturação.
3.1.1 – Motivação.
O tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados, e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados (art. 74.º da Lei Geral Tributária (LGT)), também são corroborados pelos documentos juntos aos autos (art. 76.º, n.º 1, da LGT e 362.º e seguintes do Código Civil (CC)) e dos depoimentos das testemunhas inquiridas.
Os depoimentos das testemunhas arroladas pela impugnante relevaram para prova dos factos provados em que estão identificados e dos não provados, quer por desmentiram alguns, quer porque não foram suficientes para provar os factos alegados pela impugnante.
Os depoimentos das testemunhas arroladas pela impugnante revelaram-se também de uma forma geral coerentes e credíveis, com conhecimento directo dos factos.
O tribunal ficou convencido que as obras identificadas em D) foram adjudicadas directamente à impugnante, porquanto das respectivas facturas foram emitidas em nome de duas pessoas individuais e consta que resultam de um orçamento, o que equivale a uma proposta de adjudicação, ao passo que as restantes facturas foram emitidas a empresas e faz-se referência à existência de autos de medição, diferenças que convenceram o tribunal que no caso das duas primeiras foram obras adjudicadas directamente à impugnante.
A matéria de facto não provada resulta da insuficiência da prova e têm de ser julgados contra a impugnante (arts. 74.º, n.º 1, da LGT e 516.º do CPC).
A matéria de facto não provada em 1) resulta da insuficiência da prova. Apesar de se ter julgado provado com base nos depoimentos das testemunhas e dos documentos juntos aos autos que a J. Unipessoal, Ld.ª, prestou serviços de mão-de-obra à impugnante, não se logrou apurar quais foram exactamente os serviços prestados. Com feito apesar das testemunhas terem referido a existência da prestação de serviços, temos de conjugar essa prova com a existência da prova resultante do relatório da administração tributária que demonstra que a J. Unipessoal, Ld.ª, não tinha pessoal bastante para prestar aqueles serviços e que os alegados subempreiteiros em quem essa empresa alegadamente também subempreiteira os seus serviços, também não tinham meios para os prestar.
Dai que o tribunal admita que a J. Unipessoal, Ld.ª, prestou alguns serviços, agora não se logrou apurar que serviços foram efectivamente prestados. Esta insuficiência de prova resulta ainda do depoimento das testemunhas que apesar de se afigurar credível quanto à existência da prestação de serviços, não foi suficientemente credível para especificar quais foram os serviços prestados e se foram todos os que constam das facturas em causa nestes autos.
Esta insuficiência de prova é ainda válida para julgar não provada a matéria de facto do número 2), no que respeita à parte em que se alega que os trabalhos foram, na sua totalidade executados pela J. Unipessoal, Ld.ª, tal como consta das facturas pelos seus trabalhadores.
A falta de prova dos serviços terem sido prestados por outras empresas subempreitadas pela J. Unipessoal, Ld.ª, resulta da insuficiência de prova testemunhal, porquanto referiram-se de forma genérica e vaga à existência de outros subempreiteiros, depoimentos que não se revelaram sufi­cientemente consistentes para convencer o tribunal da sua existência.
A existência dos autos de medição como condição para que se procedesse à facturação foi julgado não provado, porque existem inúmeros autos de medição com datas posteriores às das facturas a que respeitavam, não podendo dizer-se que se trata de manifesto lapso. São demasiados lapsos para poder considerar-se um simples erro de escrita. Com efeito do confronto entre as facturas e respectivos autos de medição juntos aos autos de fls. 80 a 83: 84 e 88, 90 a 93, 112 a 115, 118 e 119, 123 e 125, 132 a 135, 140 a 143, 145 e 147 e 168 a 171, a que correspondem os documentos 5 e 6-A (aqui a impugnante trocou a correspondência entre o número do documento da factura e do respectivo auto de medição; à factura do documento 5 corresponde o auto de medição do documento 6-A), 9 e 9-A, 10 e 10-A, 11 e 11-A, 20 e 20-A, 21 e 21-A, 24 e 24-A, 27 e 27-A, 31 e 31-A, 32 e 32-A, 35 e 35-A, 35 e 36-A, 38 e 38-A, 49 e 49-A e 50 e 50-A, resulta que a todas essas facturas correspondem autos de medição com datas posteriores à da emissão das facturas, o que abala a idoneidade desses documentos e descredibiliza o seu valor probatório.
Os restantes factos alegados não foram julgados provados ou não provados, por constituírem considerações pessoais ou conclusões de facto ou de direito ou por não terem relevância para a decisão da causa.».

3.2. DE DIREITO
3.2.1. Do efeito do recurso
No despacho que admitiu o recurso, o Meritíssimo Juiz a quo atribuiu-lhe efeito meramente devolutivo, mas o Recorrente entende que lhe deve ser fixado efeito suspensivo. Sucede que esta questão apenas é abordada na conclusão A) das alegações de recurso, nada se dizendo a este respeito no corpo das alegações.
Ora, é sabido que as conclusões são uma súmula das alegações, onde se identificam as questões que ao Tribunal incumbe responder, não podendo o Tribunal de recurso apreciar questões que não sejam consignadas nas conclusões nem as que, constando nestas, não sejam abordadas nas correspondentes alegações.
Tratando-se, pois, de questão não suscitada nas alegações de recurso, não pode este Tribunal ocupar-se dela, nem convidar o Recorrente a aperfeiçoar as alegações na medida em que a lei adjetiva (artigo 639.º, n.º 3, do CPC) apenas admite o convite à correção das conclusões.

3.2.2. Dos erros de julgamento
Atentemos, antes do mais, no teor da fundamentação jurídica da sentença aqui em crise:
«(…)
O direito à dedução do IVA depende da observância da forma legal prevista nos arts. 19.º, n.º 3, e 35.º do CIVA.
O imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente não pode deduzir-se (art. 35.º, n.º 3, do CIVA).
A administração tributária tem, o poder-dever de proceder à rectificação das declarações do sujeito passivo quando fundadamente considere que nelas figura uma dedução superior à devida, liquidando adicionalmente a diferença (art. 82.º, n.º 1, do CIVA).
Nestes casos compete à administração tributária provar os fundamentos dos pressupostos legais que determinaram as correcções às declarações do sujeito passivo. A administração tributária tem o ónus da prova da simulação das operações constantes das facturas ou da simulação do preço. A administração tributária tem de provar que o preço constante das facturas é simulado ou que as facturas registadas pelo contribuinte não têm subjacentes operações económicas reais (art. 74.º, n.º 1, da LGT).
Esta prova da administração tributária tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte (art. 75.º da LGT).
Só então cabe ao sujeito passivo provar que o preço constante das facturas não é simulado ou que as operações económicas constantes das facturas ou documento equivalente correspondem a transacções reais1.
1 Acórdão de 29/1/2009, da 2.ª secção do Tribunal Central Administrativo Norte, processo n.º 59/03-Braga, disponível em www.dgsi.pt.
«Constitui hoje jurisprudência pacífica e uniforme que quando a Administração Tributária recolher indícios sérios da inexistência de operações tituladas por facturas, cabe ao contribuinte o ónus de prova de que tais operações económicas se realizaram efectivamente – neste sentido, entre muitos, ver os Acórdãos do STA, de 24/4/2002, Recurso nº 102/02 de 23/10/2002, Recurso nº 1152702, de 9/10/2002, Recurso nº 871/02; de 20/11/2002, Recurso 1483/02, de 30/4/2003, Recurso nº 24 1/03, de 14/1/2004, Recurso nº 1480/03.
Assim, a Administração Tributaria tem o ónus de demonstrar na factualidade que a levou a desconsiderar determinado custo inscrito na contabilidade e tal factualidade tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, atento o princípio de declaração e da veracidade da veracidade da escrita do contribuinte. Demonstrados tais pressupostos pela AT, passa então a caber ao contribuinte o ónus de provar que as transacções tituladas pelos documentos não aceites pela AT se realizaram efectivamente sob pena de os mesmos não poderem ser aceites para efeitos de IVA»2.
2 Acórdão de 5/6/2008, da 2.ª secção do Tribunal Central Administrativo Norte, processo n.º 77/03-Porto, disponível em www.dgsi.pt.
No caso em apreço, a administração tributária carreou para os autos alguma prova bastante consistente, coerente e credível que as facturas emitidas pela J. Unipessoal, Ld.ª e registadas na contabilidade da impugnante, não titulavam operações reais, fazendo-o de forma fundada e convincente, designadamente pela prova da alegada incapacidade para prestar o volume de trabalhos facturados, atendendo à estrutura da empresa e ao registo na sua contabilidade de facturas falsas em subcontratos, à forma de pagamento, uma parte significativa em numerário e uma grande parte através de cheques emitidos à sua ordem, mas levantados ao balcão, comportamento frequente na conduta dos emitentes de factura falsa, para não poder seguir-se o rasto do dinheiro (o levantamento ao balcão é feito em conluio entre o emitente e o receptor das facturas, servindo a emissão do cheque nominativo para dar uma aparência da transacção), sendo depositado apenas uma pequena parte desse valor.
Além disso, deixou transparecer que a impugnante tinha capacidade produtiva própria não necessitando de recorrer a um tão elevado nível de subempreitada para realizar as prestações de serviços que contabilizou.
Porém, este fundamento, que se revelava de particular importância, para sustentar a desnecessidade de subcontratação não está objectiva e cabalmente fundamentado no relatório da inspecção tributária, designadamente com factos objectivos que demonstrem de forma concretizada que a subcontratação registada na contabilidade era de todo dispensável.
Ao invés, a impugnante logrou provar que através da prova testemunhal que a J., Unipessoal, Ld.ª, prestou-lhe serviços na maior parte das obras a que se referem as facturas desconsideradas pela administração tributária.
Pese embora, tenhamos de ponderar a credibilidade da testemunhal para sustentar factos relevantes que dependem sobretudo de prova documental, no caso em apreço os depoimentos prestados, apesar de uma parte ser de trabalhadores da própria impugnante ou de empresas a ela associadas, o que, só por si, não os descredibiliza, temos também de ponderar o depoimento duma testemunha que trabalhava para a N., a quem pertenciam inúmeras obras contratadas à impugnante e onde ela sub-contratou a mão-de-obra à J. Unipessoal, Ld.ª, convenceram o tribunal que a J., Unipessoal, Ld.ª, prestou de facto serviços para a impugnante, apesar de não se ter logrado apurar se na quantidade e volume constantes das facturas em causa.
Estes depoimentos foram ainda corroborados pelo depoimento do próprio J.. O tribunal não ignora que a testemunha também é parte interessada na causa. Todavia a credibilidade do seu depoimento resulta sobretudo de pormenores do depoimento que revelam conhecimento directo das obras realizadas, que conjugados com os restantes depoimentos, reforçam a convicção do tribunal que a J. Unipessoal, Ld.ª, prestou serviços para a impugnante nas obras constantes das facturas.
Do depoimento desta testemunha relevou sobretudo o confronto com algumas fotografias das obras em que foram identificadas as obras que não estavam identificadas nas fotografias e em que foram, com alguma espontaneidade, relatados os serviços prestados em cada uma delas. Apesar dos serviços prestados constantes das facturas nem sempre coincidirem exactamente com a descrição feita no depoimento, o que até revela alguma credibilidade – estranho seria que a testemunha dissesse exactamente a descrição que consta da factura – no essencial a testemunha identificou os serviços prestados. Atendendo que nem sempre era o mesmo tipo de serviço esta identificação credibilizou o depoimento da testemunha.
Com base nestes depoimentos, o tribunal ficado convencido que a J. Unipessoal, Ld.ª, prestou serviços para a impugnante, só não tendo ficado convencido do volume de serviço prestado. Com esta convicção, a valoração dos pagamentos feitos através de cheque emitidos à ordem da J. Unipessoal, Ld.ª, e o seu levantamento ao balcão já não é a mesma se não existissem outros elementos de prova que indiciassem a existência da prestação efectiva dos serviços constantes das facturas. Tendo o tribunal ficado convencido que a J. Unipessoal, Ld.ª, prestou serviços à impugnante o tribunal admite que o levantamento de cheques ao balcão não configure necessariamente um indício típico do emitente de facturas falsas. Esta conduta é típica do emitente de facturas falsas, se não há outras provas da prestação efectiva de serviços. Havendo algumas provas da prestação efectiva de serviços, o levantamento dos cheques ao balcão não configura uma conduta típica do emitente de factura falsa.
No caso em apreço, fazendo uma ponderação entre a prova produzida pela Fazenda Pública e a prova produzida pela impugnante, o tribunal ficou na fundada dúvida sobre e existência e quantificação do facto tributário (art. 100.º, n.º 1, do CPPT), porquanto se, por um lado, a prova da Fazenda Pública não se mostrou suficientemente consistente para provar a existência de fortes indícios que as facturas emitidas pela J. Unipessoal, Ld.ª, não correspondiam a serviços efectivamente prestados, por outro lado, a impugnante fez prova que e J. Unipessoal, Ld.ª, prestou-lhe serviços relativos àquelas facturas, só não logrou provar e volume exacto do serviço prestado.».

3.2.2.1. Do ónus da prova a cargo da AT
O Recorrente sustenta, nas suas conclusões B) a F), que a AT logrou provar os pressupostos que, afastando a presunção de veracidade da declaração, lhe permitiam concluir que as operações a que se refrerem as faturas são simuladas, bastando a constatação de indícios, desde que sérios e credíveis, sem necessidade de provar, na fase administrativa, todos os requisitos da simulação.
Decorre da sentença, cujo teor acabámos de transcrever, que o Tribunal a quo anulou as liquidações em crise porquanto, em face da prova produzida por ambas as partes, concluiu que se verificava fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário. Isto apesar de entender que a AT carreou para os autos “alguma prova bastante consistente, coerente e credível” de que as faturas em causa não titulam operações reais; no entanto, considerou que a AT deixou transparecer que a Recorrida teria capacidade produtiva bastante que não justificava a subcontratação dos seus trabalhos e que este fundamento, que reputou de particular importância, não ficou cabalmente demonstrado.
Relembramos que estão em causa nos presentes autos correções ao IVA deduzido pela Recorrida, nos termos do artigo 19.º, n.º 3 do CIVA, por desconsideração de faturas reputadas de falsas pela AT e, consequentemente, do IVA nelas mencionado. Trata-se de correções técnicas efetuadas na sequência de ação inspetiva, em que AT concluiu que as faturas emitidas por J., Unipessoal, Lda e contabilizadas pela Recorrida não correspondem a reais e efetivas operações económicas.
Do mencionado o artigo 19.º, n.º 3 do CIVA resulta que não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente.
Tem sido entendido, de modo reiterado e uniformemente, pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, nomeadamente por este Tribunal Central Administrativo Norte, que, quando a Administração Tributária desconsidera as faturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT, competindo à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da fatura não corresponde à realidade. Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transação – vide, entre muitos outros, os acórdãos do TCA Norte de 24-01-2008, processo n.º 01834/04 Viseu, de 24-01-2008, processo n.º 2887/04 Viseu, de 27-01-2011, processo n.º 455/05.7BEPNF e de 18-03-2011, processo n.º 456/05BEPNF e de 28-02-2013, processo 00383/08.4BEBRG.
Importa, porém, ter presente que, por força do disposto no artigo 346.º do Código Civil, à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório, pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos e, se o conseguir, a questão é decidida contra a parte onerada com a prova.
Assim, apenas pode considerar-se que a AT cumpriu o seu ónus probatório quando demonstra os factos seriamente indiciadores de que as operações são simuladas e estes não resultam duvidosos em face da contraprova realizada pelo contribuinte. Só vencida esta fase, comprovando-se, sem margem para dúvidas, que os factos-índice apontados pela AT têm aderência à realidade, é que passa a caber ao contribuinte a prova de que as operações económicas subjacentes às faturas ocorreram nos exatos termos nelas descritos.
Isto posto, importa analisar se, como o alega o Recorrente, a AT fez a prova que lhe competia da verificação de indícios que permitem concluir que às faturas contabilizadas pela Impugnante, ora Recorrida, não subjazem as operações que, alegadamente, teriam implicado a respetiva emissão.
Tenha-se em conta, como também é aceite, que não é imperioso que a AT efetue uma prova direta da simulação. Como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indireta, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” – cfr. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág. 154; também neste sentido o Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA de 16.03.2016, rec. 0587/15.
Ou seja, a AT não tem que demonstrar a falsidade das faturas, bastando-lhe evidenciar a consistência desse juízo (Acórdão do STA de 27/10/04, Processo 810/04), invocando factos que traduzam uma probabilidade elevada de as operações referidas nas faturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade – artigo 75º da LGT.
Os indícios são definidos por João de Castro Mendes como aqueles factos que “permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência” - citado por José Luís Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, 2 edição, pág. 311.
Do relatório da inspeção tributária retira-se que a AT apurou os seguintes factos-índice:
1) errada contabilização dos alegados pagamentos das faturas
(- «Não obstante se tratarem de valores elevados, encontram-se contabilizados como meios de pagamento (…) meras saídas de caixa em dinheiro, cujo documento de suporte são recibos com a mesma data da factura»;
- «No entanto, a empresa “C.” utilizou na contabilidade (…) contas bancárias, tendo alegado ter procedido à emissão de cheques para pagamento das faturas em causa, todos emitidos à ordem de J., Lda., identificando 35 cheques, relacionados com o mapa de trabalho que constitui o Documento 1 a este relatório e autorizou o pedido de fotocópias de frente e verso às entidades em causa (…)»
• Apesar de o sócio gerente da “J., Lda.” ter alegado que recebeu valores em cheque, não foram os mesmos objeto de registo na contabilidade, encontrando-se os recebimentos registados por contrapartida da conta “111 – Caixa”);
2) Não coincidência entre o valor global dos cheques exibidos à AT e o das faturas para cujo pagamento foram emitidos e levantamento dos cheques pelo sócio gerente da emitente, sua esposa e um terceiro
(- «Os cheques enviados pelas instituições bancárias totalizam o valor de 210.878,62€, inferior ao valor total das faturas em causa. Os elementos (…) dos cheques (…) permite concluir que:
• Os cheques foram todos emitidos à ordem de J., Lda.
• 178.019,30€ constam como tendo sido levantados ao balcão pelo sócio-gerente, J.;
• 19.920,76€ foram endossados e constam como tendo sido levantados ao balcão por:
- M. (…), esposa do sócio-gerente, (…)
- A. (…) que não foi possível identificar por existirem várias pessoas com este nome no nosso cadastro informático, (…);
• 12.847,56€ foram depositados em contas cujo titular é J..»;
3) Inexistência de capacidade humana da emitente das faturas para realizar os trabalhos faturados
(• Os elementos enviados pela Segurança Social confirmam a inexistência de capacidade humana para a realização dos trabalhos que foram facturados pelo que se procedeu à análise dos valores registados em “Prestações de Serviços”, tendo-se verificado que as facturas emitidas, nos exercícios em causa, têm como principal destinatário a sociedade “C.”, atingindo valores (…), o que representa, respectivamente, 54%, 38% e 49% do total dos valores dos serviços prestados facturados/declarados.)

4) Existência de indícios de faturação falsa nas operações realizadas pela a montante emitente das faturas
(- «Da acção de fiscalização realizada à “J., Lda”, foram apurados factos que constituem indícios sérios de que as facturas emitidas para a “C.”, não correspondem a transacções reais, dos quais se destacam:
• As facturas “J., Lda” registadas na sua contabilidade são as mesmas que se encontram contabilizadas na “C.”, no entanto, uma grande parte do valor dessas facturas foi suportado a montante, com facturas fictícias, tendo-se verificado que as margens obtidas são baixas ou mesmo negativas, conforme mapa de trabalho que se anexa como Documento 3;»).
Ora, consta da factualidade provada e não impugnada neste recurso que [alíneas C) e F) dos factos provados] a Recorrida subempreitou à “J., Lda” parte das obras a que respeitam as faturas colocadas em crise pela AT, donde podemos inferir que o Meritíssimo Juiz a quo ficou convencido de que foi estabelecida uma relação comercial entre a Recorrida e a sociedade “J., Lda” para prestação de serviços de construção civil. Ademais, consta da motivação da decisão de facto igualmente não impugnada neste recurso que o Tribunal a quo julgou provado que a mesma sociedade prestou à Recorrida serviços de mão-de-obra, ainda que não se apurassem exatamente quais, de entre os descritos nas faturas.
Se a emitente das faturas prestou à Recorrida serviços de mão-de-obra nas obras a que respeitam as faturas, necessariamente tinha capacidade produtiva/meios humanos ao seu dispor para esse efeito, donde que cai por terra o facto/a ilação retirada pela AT da informação que lhe foi prestada pela Segurança Social.
Acresce que, se a emitente das faturas prestou serviços de mão-de-obra à Recorrida e não tem trabalhadores inscritos na segurança social, as regras da experiência comum permitem induzir que os movimentos dos cheques evidenciado no RIT e a falsidade das faturas a montante (inscritas na contabilidade da fornecedora “J., Lda”) se justificam precisamente pelo facto de recorrer a serviços de prestadores independentes, eles próprios não declarantes de impostos e contribuições, que teriam de ser pagos “por fora” (o que não é coisa rara). Assim, persistindo embora os factos relatados quanto ao movimento dos cheques emitidos para alegado pagamento das faturas em causa e à existência de faturas falsas a montante, os mesmos permitem retirar outras ilações, diferentes das extraídas pela AT, não sendo só por si indícios seguros de que não foram prestados os serviços titulados pelas faturas em causa.
Do mesmo modo, as irregularidades contabilísticas assinaladas, por errada indicação de que os pagamentos eram feitos em dinheiro e não por cheque, não são fortemente indiciadoras da inexistência das operações económicas.
Resulta ainda provado [alínea G) dos factos provados] que, além dos cheques emitidos a esta fornecedora identificados no RIT, foram emitidos outros quatro, que constam dos autos em frente e verso, o que evidencia a inexistência da diferença assinalada pela AT entre o montante dos serviços faturados e o dos cheques alegadamente emitidos para o respetivo pagamento.
Temos, então, que os factos índice apontados pela AT resultam abalados pela prova produzida pela Impugnante/Recorrida, bem como as ilações deles retiradas, não sendo, por isso, fortemente indiciadores da inexistência das operações económicas tituladas pelas faturas aqui em causa ou de esta ser altamente provável.
Consequentemente, a AT não efetuou a prova que lhe incumbia, pelo que também não foi devolvido à Impugnante/Recorrida o ónus de provar a materialidade das operações em causa e, assim, improcedem as conclusões B) e J) das alegações de recurso.

3.2.2.2. Da impossibilidade da dedução do IVA por falta de requisitos das faturas
Sustenta o Recorrente, nas suas conclusões K) e L), que o direito à dedução do IVA mencionado nas faturas emitidas por “J., Lda” sempre estaria vedado em virtude de as mesmas não obedecerem aos requisitos legalmente exigidos.
Sucede que a Fazenda Pública não suscitou esta questão na contestação, nem a mesma foi apreciada na sentença em crise, tratando-se, por isso, de uma questão nova por apenas ter sido alegada no presente recurso.
Como é jurisprudência pacífica, os recursos jurisdicionais destinam-se a apreciar a correção das decisões impugnadas e, com exceção de questões de conhecimento oficioso, não pode o Tribunal de recurso decidir questões não apreciadas previamente pela 1.ª instância.
Ora, a falta de requisitos legais das faturas não constitui questão de conhecimento oficioso, daí que não seja possível apreciar este fundamento do recurso, pelo que dele não tomaremos conhecimento.

4. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida com a presente fundamentação.
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Custas a cargo do Recorrente, nos termos do artigo 527.º do CPC.
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Porto, 28 de janeiro de 2021


Maria do Rosário Pais - Relatora
Tiago Afonso Lopes de Miranda - 1.º Adjunto
Cristina da Nova - 2.ª Adjunta