Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00337/15.4BEVIS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/29/2016
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:PRÉ-CONTRATUAL. PREÇO ANORMALMENTE BAIXO.
Sumário:I) – Se o Júri do concurso não excluiu proposta com preço anormalmente baixo por falta de apresentação de documento contendo os esclarecimentos justificativos, então terá de analisar tais esclarecimentos.
II) – Essa análise comporta um dever de fundamentação.
III) – Pode a proposta ser excluída caso não sejam acolhidos os esclarecimentos justificativos.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Município de Oliveira de Frades
Recorrido 1:T... II Building Solutions, Ldª
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte:
Município de Oliveira de Frades (), interpõe recurso jurisdicional de sentença proferida pelo TAF de Viseu, que, em processo de contencioso pré-contratual, intentado por T... II Building Solutions, Ldª (), julgou “a presente ação procedente e, em consequência, anulo o acto impugnado e condeno a EDP. A readmitir a proposta da A. para proceder à análise dos esclarecimentos justificativos do preço anormalmente baixo apresentados e, passando no crivo da sua análise, proceder à sua avaliação em função dos factores e subfactores constantes do programa de procedimento”.
Conclui o recorrente que:

A) Tendo presente o relatório preliminar e final do Júri do procedimento aqui em causa dúvidas não restam que o Júri analisou o documento em questão tendo no entanto entendido e deliberado que o mesmo não incluía os esclarecimentos a que alude a alínea d) do n.º1 do artigo 57.º do CCP.

B) É entendimento pacifico na jurisprudência que existe diferença entre justificar um preço e justificar um preço anormalmente baixo: a primeira justificação comunica uma realidade, basicamente contabilística; a segunda intenta exprimir um valor, pois visa persuadir que a proposta, mau grado o preço anormalmente baixo, não só é séria e credível, não pondo em risco a boa execução do contrato, mas também não fere minimamente as regras da sã concorrência.

C) Aceitar que a simples justificação dos preços, por mais exaustiva que seja – e não é - constitui justificação e explicação de um preço anormalmente baixo, sem que nunca designe sequer tal preço por esse nomine, constituiria uma forma de fraude às exigências de transparência que todas as propostas têm de ter;

D) Note-se: a Autora em momento algum do documento aqui em causa refere sequer que o seu preço é anormalmente baixo ou em momento algum refere um só factor que lhe permite apresentar um preço anormalmente baixo;

E) Mas mais e pior, analisando este documento de forma mais próxima temos que – com excepção da data de emissão que nele consta – este é exactamente igual em todo o seu teor a outro documento que esta mesma Autora apresentou noutro e distinto concurso público referente a uma outra e distinta empreitada em que apresentou uma proposta que não tinha um preço anormalmente baixo – tudo conforme documentos juntos aos autos a fls.___

F) O documento em causa junto pela Autora, o teor do mesmo, corresponde a um modelo que era anteriormente apresentado ao abrigo do disposto no artigo 73 n.º 1 alínea A) do DL 59/99 nos concursos públicos por empresas concorrentes para justificar o preço apresentado (preço que não fosse anormalmente baixo) – regime legal que até já nem está em vigor;

G) Donde, ao não ter a Autora apresentado os necessários e suficientes esclarecimentos justificativos do preço anormalmente baixo proposto, nos termos da alínea d) do n.° 1 do artigo 57.° do CCP e da alínea f) do n.º 1 do artigo 19 do PP viu a sua proposta excluída pelo Júri;

H) Uma proposta de valor anormalmente baixo é uma proposta que suscita sérias dúvidas sobre a sua seriedade ou congruência e, portanto é, à partida e em abstracto, uma proposta suspeita, que não oferece credibilidade de que venha a ser cumprida e, por isso, uma proposta a excluir, caso não seja justificada e aceite essa justificação pela entidade adjudicante.

I) É à entidade adjudicante, maxime ao júri do procedimento que cabe apreciar, no âmbito da discricionariedade técnica que lhe é própria, se os esclarecimentos apresentados pela concorrente para justificar o seu preço são ou não susceptíveis de justificar o preço anormalmente baixo apresentado, como bem nota a nossa jurisprudência, de forma unânime.

J) Ora, no caso dos autos a fundamentação usada pelo Júri tem clara aderência ao que consta das peças concursais e a decisão de exclusão da proposta da Autora, para lá de devidamente fundamentada, tem, como vimos, ampla justificação legal;

K) “Na análise dos esclarecimentos prestados pelos concorrentes quanto ao preço anormalmente baixo que propuseram, previstos no art.º 71.º, n.º 4, do Código dos Contratos Públicos, o júri do procedimento goza de discricionariedade técnica, que em princípio é insindicável pelo tribunal, a não ser em caso de erro grosseiro, crasso ou palmar.” – Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul datado de 21 de Janeiro de 2010, relator Benjamim Barbosa;

L) Face à essencialidade e relevância da justificação do preço anormalmente baixo, não são quaisquer esclarecimentos que permitem aferir se o preço é ou não idóneo ou que fundamentam uma decisão de aceitação do preço, mas apenas os esclarecimentos que se reportem a causas legais, idóneas e suficientes.

M) Nesta medida, concluiu e bem o júri que a autora não deu cumprimento ao disposto no artigo 57.º, n.º1, alínea d) do CCP pelo que a sua proposta foi excluída;

N) A exclusão da proposta da autora encontra-se devidamente ponderada e fundamentada e resulta do carácter vinculante das normas concursais, não representando a decisão do Júri tratamento negativamente diferenciado ou violador dos princípios da legalidade, da imparcialidade, da isenção e da proporcionalidade.

O) Face à essencialidade e relevância da justificação do preço anormalmente baixo, não são quaisquer esclarecimentos que permitem aferir se o preço é ou não idóneo ou que fundamentam uma decisão de aceitação do preço, mas apenas os esclarecimentos que se reportem a causas legais, idóneas e suficientes.

P) A douta sentença aqui sindicada violou assim, na sua aplicação e interpretação, o vertido nos artigos 57 n.º 1 alínea d), a alínea e) do n.° 2 do artigo 70.°, artigo 70 n.º 4 e artigo 146.º, n.º1, alínea d) todos do CCP bem como ainda o disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 19 do PP.

Q) Pelo que, não poderão V/ Exas. deixar de revogar a decisão aqui sindicada absolvendo o Recorrente do pedido, confirmando assim a validade do acto administrativo impugnado pela Autora;

R) Subsidiariamente sempre se dirá que, ao abrigo do disposto no artigo 615 n.º 1 alínea c) do CPC a sentença é nula - fundamentos estão em oposição entre si e com a decisão;

S) E isto porque deu-se como provada a junção de um documento denominado Nota Justificativa do Preço Proposto (e até se deu o mesmo por reproduzido) no entanto em momento algum se deu como provado que o documento constitui justificação do preço anormalmente baixo ou que tenha sido junto com tal propósito ou que ao se ter junto tal documento se tenha dado cumprimento à junção de documento obrigatório nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 19 do PP e artigo 57 n.º 1 alínea d) do CCP ou que o documento contenha esclarecimentos sobre preço anormalmente baixo;

T) Uma coisa é dar como provado que a Autora juntou um documento outra coisa é dar como provado que a Autora juntou um documento que contém esclarecimentos sobre o preço anormalmente baixo proposto;

U) Apenas se na sentença se tivesse dado como provado que o documento contém esclarecimentos sobre o preço anormalmente baixo proposto é que se poderia alegar o que se alegou na matéria de direito bem como decidir no sentido que se decidiu na douta sentença;

V) Caso assim não se entenda, sempre se dirá que a sentença é nula nos termos do artº 615º nº 1, al. d) do Código de Processo Civil dado que a mesma não resolve todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, ou seja, não se aprecia nem se dá como provado ou não provado na sentença se o documento junto pela Autora cumpre ou não os termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 19 do PP ou seja se o mesmo contém ou não esclarecimentos sobre o preço anormalmente baixo proposto, sendo que, por último, se assim não se entender, não poderão V/ Exas., pelo mesmo motivo, deixar de considerar a matéria de facto dado como provada insuficiente para a aplicação do direito e para a decisão que aqui se sindica;

W) Subsidiariamente, caso se venha a considerar que a Autora não tinha que identificar quais as circunstâncias que permitiram o preço anormalmente baixo proposto, ou caso se entenda que o documento em causa denominado Nota Justificativa do Preço é suficiente, não poderão V/ Exas nesse caso deixar de declarar e conhecer que as “justificações” e “esclarecimentos” constantes da “nota justificativa do preço” apresentadas pela Autora não cumprem as exigências exaradas no Art.º 71 n.º4 e artigo 57 n.º 1 alínea d) ambos do CCP e alínea f) do n.º 1 do artigo 19 do PP questão que expressamente se requer ao presente Tribunal que conheça, nos termos do disposto no art.º 662 do CPC.

Contra-alegou a recorrida, rematando a final:

- Deve o presente recurso ser julgado não provado e improcedente,
- Mantendo-se, como elaborada, a douta sentença recorrida
- Com as inerentes consequências legais.

*
O Exmº Procurador-Geral Adjunto foi notificado, nos termos do art.º 146º do CPTA, nada oferecendo em Parecer.
*
Com dispensa de vistos, cumpre decidir.
*
Os factos, que vêm dados como provados:
A) - Em 20/01/2015, foi publicado no Diário da República, II Série, nº 13, pelo Município de Oliveira de Frades, o Anúncio do procedimento de concurso público nº 278/2015, para a adjudicação da empreitada de obras públicas de “Remodelação e Ampliação do Posto Territorial da GNR de Oliveira de Frades”, com o valor do preço base do procedimento 477250.34 EUR, com o critério de adjudicação da proposta economicamente mais vantajosa, com os seguintes fatores e eventuais subfactores, acompanhados dos respetivos coeficientes de ponderação, de acordo com o preceituado no artigo 5º do Programa de Procedimento, nomeadamente:
- Preço: 60%
- Valia técnica da proposta: 40%
Para o apuramento da valia técnica da proposta serão considerados os seguintes subfactores e coeficientes de ponderação:
- Modo de execução da obra: 65%
- Sistemas de qualidade e segurança na execução da obra: 35%. (cf. consta do PA).
B) - A EPD elaborou o programa de procedimento relativo ao concurso público identificado na alínea anterior, que dou aqui por integralmente reproduzido (cf. consta do PA).
C) - A EPD elaborou o caderno de encargos do concurso público identificado na alínea A) supra, que dou aqui por integralmente reproduzido (cf. consta do PA).
D) - A A. apresentou proposta ao concurso público identificado na alínea A) supra, tendo apresentado, entre outros documentos, um documento intitulado “NOTA JUSTIFICATIVA DO PREÇO PROPOSTO”, que dou aqui integralmente reproduzido (cf. consta do PA e documento nº 6 junto pela A.).
[Aproveita-se esta sede fáctica para melhor esclarecer qual o seu conteúdo :
NOTA JUSTIFICATIVA
DO PREÇO PROPOSTO
Está a T... BUILDING SOLUTIONS, particularmente interessada na realização da empreitada em título, dado que uma eventual adjudicação desta obra poder representar uma parcela com algum significado no conjunto da sua faturação. Por este motivo estudou a sua proposta exaustivamente, atendendo que a mesma se irá apresentar minimamente competitiva.
Os principais fatores a ter em conta foram:
a) Sondagem significativa de subempreiteiros e fornecedores eventualmente interessados em colaborar na execução da obra;
b) Utilização sempre que possível, de processos industrializados de construção.
c) Utilização de materiais de grande qualidade e resistência, indo de encontro com as especificações técnicas exigidas.
d) Utilização de equipamentos altamente qualificados e certificados para salvaguardar a segurança física e o bem-estar dos seus utilizadores;
e) Ter-se-á um especial cuidado com a segurança, para isso, irá se realizar em obra, um estudo exaustivo por técnicos especializados sobre a melhor forma de realizar os trabalhos.
f) Dada a nossa grande experiência na área de construção, todos os trabalhos efetuados serão realizados por técnicos qualificados e segundo as características enunciadas no caderno de encargos.
Como resultado mais significativo desta análise, teremos reduções nos custos de produção, atendendo a que:
a) Poderão obter-se na região diversos materiais de grande qualidade com preços competitivos relativamente aos importados de outras zonas;
b) Obtiveram-se preços de várias empresas, empresas estas com ampla experiência no ramo em que exercem a sua atividade, tendo-se selecionado aqueles que melhor relação Qualidade/Preço ofereciam;
c) Previu-se a utilização de elementos de construção normalizados ou produzidos em séries do máximo número possível de elementos iguais;
d) Previu-se a estrutura de um estaleiro de dimensões adequada à obra, funcionando no menor período compatível com o volume e prazo de execução.
A partir de toda esta informação, colhida especialmente para este caso, pensa-se ter elaborado um orçamento contemplando o mínimo custo industrial possível para levar a bom termo a execução desta empreitada, a contendo do dono da obra.
Santa Cruz, 22 de Janeiro de 2015
(…)]
E) - Em 5/03/2015, foi elaborado o relatório preliminar de análise de propostas, que dou aqui por integralmente reproduzido, destacando o seguinte «…Apresentaram propostas na plataforma eletrónica de contratação pública da GATEWIT os seguintes concorrentes:
…Construções LA..., Lda…374.802,32 €…
…T... II BUILDING SOLUTIONS…334.157,89 €…
…4.2 – PROPOSTA Nº 2 – Construções LA..., Lda.
4.2.1 – Admissão ou exclusão da proposta:
Analisada a proposta, verificou-se que a mesma reúne as condições prévias, legais e regulamentares, para poder ser admitida.
4.2.2 – Fator preço
Valor da proposta: 374 802,32 €
O Júri, em observância ao prescrito na alínea f), do art. 19º do programa de procedimento, considerou a justificação apresentada para o preço anormalmente baixo. (…)
4.3 – PROPOSTA Nº 3 – T... II BUILDING SOLUTIONS
4.3.1 – Admissão ou exclusão da proposta:
O concorrente apresenta uma proposta no montante de 334 157,89 euros.
O Programa de procedimento prevê na alínea e) do nº 1 do artigo 19º o seguinte:
“i) Para efeitos do presente procedimento considera-se que o preço total resultante de uma proposta é anormalmente baixo quando seja 20% ou mais inferior ao preço base fixado no Caderno de Encargos” Portanto, o preço anormalmente baixo admitido para este procedimento ascende no montante de 381 800,27 euros, ou seja 20% do preço base fixado no caderno de encargos.
Assim, analisada a proposta deste concorrente, verificou-se que a mesma apresenta um preço anormalmente baixo, sem incluir para o efeito os esclarecimentos justificativos a que alude a alínea d) do nº 1 do artigo 57º do CCP bem como a alínea f) do nº 1 do artigo 19º do PP – Programa de Procedimento.
Face ao exposto, o júri com fundamento no disposto na alínea e) do nº 2 do artigo 70º, do CCP – Código dos Contratos Públicos e ulteriores alterações, propõe excluir a proposta deste concorrente, implicando o fim da sua participação neste procedimento pré-contratual. (…)» (cf. consta do PA e documento nº 3 junto pela A.).
F) - A A. pronunciou-se em sede de audiência prévia, pronúncia que dou aqui por integralmente reproduzida (cf. consta do PA e documento nº 4 junto pela A.).
G) - Em 16/03/2015, foi elaborado o relatório final de análise de propostas, que dou aqui por integralmente reproduzido, destacando o seguinte «…2.2. Observações apresentadas por T... II Building Solutions, Lda.:
A concorrente T... II Building Solutions, Lda, vem alegar que justificou “em concreto e com detalhe as razões e os motivos que a levaram a apresentar um preço abaixo (e anormalmente baixo) do fixado no Programa de Concurso.”
A referida concorrente, alega, em síntese, que o Júri ao excluir a sua proposta com base no preço anormalmente baixo, violou o princípio da concorrência “regulado no artigo 1º, nº 4, do CCP, ao lado dos princípios da igualdade e da transparência, como basilar da contratação pública.
Face, então, aos argumentos apresentados, o Júri entende o seguinte:
De realçar que a causa de exclusão da concorrente, não respeita à falta do documento ou da indicação meramente formal de preço anormalmente baixo, respeita, isso sim, à falta de elementos justificativos como aliás dispõe, inequivocamente, a alínea e) do nº 2 do artigo 70º do CCP.
Recorde-se que Júri, no seu relatório preliminar, mencionou expressamente que: “…analisada a proposta deste concorrente, verificou-se que a mesma apresenta um preço anormalmente baixo, sem incluir para o efeito os esclarecimentos justificativos a que alude a alínea d) do nº 1 do artigo 57º do CCP …”
Ora, o que interessa ao Júri do Procedimento, em sede de análise de propostas, é conhecer o teor da justificação, ou seja, interessa saber os motivos que justificam a apresentação do preço anormalmente baixo, sendo totalmente irrelevante se esses esclarecimentos são prestados em documento autónomo ou se estão ou não rotulados de “Nota justificativa do preço proposto”.
É ao júri do procedimento que cabe apreciar, no âmbito da sua discricionariedade técnica, se os esclarecimentos apresentados pelo concorrente para justificar o seu preço são ou não suscetíveis de justificar o preço anormalmente baixo apresentado, tal como vem sendo unânime pela nossa jurisprudência.
Tal juízo de ponderação dependerá, assim, de circunstâncias de ordem técnica, económica, financeira, social e de mercado que enformam a proposta e não do simples apelidar pelo próprio concorrente de determinados aspetos como justificativos do preço anormalmente baixo proposto.
Face ao exposto, entende este júri que não subsiste razão ao alegado pela referida concorrente, mantendo, por isso, a proposta de decisão expressa no Relatório Preliminar. (…)» (cf. consta do PA e documento nº 5 junto pela A.).
H) - Em 18/03/2015, foi deliberado pela EPD. adjudicar a empreitada identificada em A) supra à empresa Construções LA..., Lda, pelo valor de 374.802,32 €, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, que notificou a todos os concorrentes (cf. consta do PA).
I) - Em 2/04/2015, foi outorgado o contrato de empreitada “Remodelação e Ampliação do Posto Territorial da GNR de Oliveira de Frades” entre a EPD. e a contra-interessada Construções LA..., Lda, que dou aqui por integralmente reproduzido (cf. consta do PA).
*
O Direito:
Na decisão ora recorrida decidiu-se julgar “a presente ação procedente e, em consequência, anulo o ato impugnado e condeno a EPD. a readmitir a proposta da A. para proceder à análise dos esclarecimentos justificativos do preço anormalmente baixo apresentados e, passando no crivo da sua análise, proceder à sua avaliação em função dos fatores e subfactores constantes do programa de procedimento.”
O seguinte excerto permite perceber do que foi fundamento:
«(…)
Em concreto, resulta do probatório (alínea D)) que a A. apresentou um documento intitulado “NOTA JUSTIFICATIVA DO PREÇO PROPOSTO”.
Não sendo exigido autonomamente pelo PP um documento intitulado nota justificativa do preço proposto, para além do documento exigido pelo artigo 28º, nº 1, alínea j) do PP, e tendo a A. apresentado o referido documento para justificar o preço proposto sem o intitular de “Esclarecimentos justificativos da apresentação de um preço anormalmente baixo”, não podia o Júri ter excluído a sua proposta, invocando que a mesma não incluía os esclarecimentos justificativos a que alude o artigo 57º, nº 1, alínea d) do CCP, bem como a alínea f) do nº 1 do artigo 19º do PP.
Uma coisa é a não apresentação de um documento obrigatório que contenha os esclarecimentos justificativos de um preço anormalmente baixo e outra, diferente, é a não consideração dos esclarecimentos prestados na análise concreta dos mesmos, nos termos do artigo 71º, nº 4, do CCP.
Não resulta do probatório, nem se pode inferir do referido pelo Júri no relatório final, por falta de fundamentação, que a proposta da A. tenha sido excluída por não terem sido considerados, em sede de análise, os esclarecimentos justificativos apresentados, nos termos do artigo 71º, nº 4, do CCP.
O Júri não procedeu à análise concreta dos esclarecimentos justificativos apresentados pela A..
Todavia, não pode o tribunal, no respeito pelo princípio da separação e interdependência dos poderes, apreciar as justificações apresentadas pela A., porque é ao Júri do procedimento que compete apreciar se as mesmas são, ou não, tecnicamente aceitáveis, apreciação que depende de critérios técnicos.
O ato impugnado padece, assim, de vício, por ofensa do disposto no artigo 57º, nº1, alínea d) e alínea e), do nº 2, do artigo 70º, ambos do CCP, dos princípios invocados e por falta de fundamentação.
Quanto à alegada violação do disposto no artigo 72º, nºs 1 e 2, do CCP, importa referir que a inexistente análise concreta dos esclarecimentos prestados, nos termos do artigo 57º, nº 1, alínea d), do CCP, não permite ao tribunal apreciar tal vício, porquanto o pedido de esclarecimentos poderá ser, ou não, uma consequência de tal análise e que só se justifica quando “as justificações apresentadas criarem na entidade adjudicante dúvidas sobre pontos ou elementos concretos e precisos da proposta”.
(…)».
Um primeiro ponto que deverá ficar desde já esclarecido é o alcance do julgado de anterior decisão deste TCAN, constante dos autos, que verteu na presente acção por Ac. de 18/03/2016 (é conhecido das partes, e consultável in http://www.dgsi.pt).
Entende a recorrida que dele resulta imposição ao recorrente que num primeiro momento considere readmitida a sua proposta e que num segundo momento se pronuncie sobre o conteúdo dos elementos justificativos do preço apresentados.
Entende mal.
O que aí se discutiu foi do acerto da proposição contida na decisão então recorrida, de que não tendo a autora impugnado a exclusão da sua proposta do/no procedimento concursal, esta decisão se tinha firmado na ordem jurídica como caso resolvido ou decidido, improcedendo a acção por falta de razões que fossem próprias ao acto de adjudicação.
Julgou-se, já nesta instância, não ser, afinal, o caso, perspectivando-se que o acto de exclusão vinha atacado, com alegação de causa e contendo-se implicitamente essa impugnação no pedido dirigido ao acto de adjudicação.
Determinou-se revogação, determinando-se prosseguimento para conhecimento do mérito.
Poder ser discutido se caberia, ou não, exclusão da proposta (discussão que a 1ª instância tinha dado como ultrapassada), foi o que ficou em aberto.
Sem maior vinculação de sentido.
E foi o que agora, na decisão recorrida, se decidiu.
E, note-se, não ousa a recorrida, apesar da defesa que faz em querer extrair do pretérito aresto deste TCAN uma pré-determinação de sentido, uma expressa invocação de ofensa da autoridade do caso julgado.
Posto isto.
Pacífico que estamos perante proposta de preço anormalmente baixo, resultante directamente do Programa do Procedimento (art.º 19º, nº 1, e), supra referido).
E que uma tal proposta teria de ser acompanhada de documento contendo os esclarecimentos justificativos da apresentação de um preço anormalmente baixo – art.º 57º, nº 1, d), do CCP.
Prevendo a lei que sejam excluídas as propostas cuja análise revele «Um preço total anormalmente baixo, cujos esclarecimentos justificativos não tenham sido apresentados ou não tenham sido considerados nos termos do disposto no artigo seguinte» - art.º 70º, nº 2, e), do CCP.
Num primeiro feixe argumentativo, o recurso interposto centra atenção no documento junto pela recorrida apelidado de «NOTA JUSTIFICATIVA DO PREÇO PROPOSTO», parecendo insurgir-se contra a sua consideração como documento contendo os esclarecimentos justificativos da apresentação de um preço anormalmente baixo; tratar-se-ia antes de documento não titulativo de tais esclarecimentos justificativos; revertendo assim que tal documento, a final de contas, não corresponderia ao documento que seria exigível apresentar.
Numa primeiro impulso, e em primeira aparência, poderá até dizer-se que terá sido essa a perspectiva do próprio Júri (em relatório preliminar).
Porém, inflectindo, certo é que o Júri acabou em última palavra, em Relatório Final, por inequivocamente “realçar que a causa de exclusão da concorrente, não respeita à falta do documento ou da indicação meramente formal de preço anormalmente baixo, respeita, isso sim, à falta de elementos justificativos como aliás dispõe, inequivocamente, a alínea e) do nº 2 do artigo 70º do CCP (…) o que interessa ao Júri do Procedimento, em sede de análise de propostas, é conhecer o teor da justificação, ou seja, interessa saber os motivos que justificam a apresentação do preço anormalmente baixo, sendo totalmente irrelevante se esses esclarecimentos são prestados em documento autónomo ou se estão ou não rotulados de “Nota justificativa do preço proposto.”.
O recorrente fez suas as razões do Júri contidas nesse Relatório Final.
E, como se escreve em Ac. deste TCAN, de 01-07-2016, proc. nº 489/09.2BEBRG, “a Administração não tem o monopólio da determinação do sentido do acto administrativo. Uma vez que o mesmo é externado ficamos perante uma declaração jurídica que, nos mesmos termos gerais de Direito que afloram quanto à “declaração negocial” no artigo 236º/1 do C. Civil, “vale com o sentido que um declaratário normal colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante…”
Tem que ser assim, porque o acto administrativo não se destina a produzir efeitos apenas no interior da parcela da Administração a cargo da autoridade que o produz e, portanto, compartilha com a declaração negocial de certas exigências de estabilidade e irretractabilidade”.
Incongruente e hipotético que tire agora outro sentido e defesa do que poderia ter sido distinta razão de exclusão no procedimento.
Diferente perspectiva não teve a sentença recorrida, que fiel às razões exteriorizadas – à fundamentação contextual –, e/mas perante o sinal de retractação agora avançado em juízo, teve o documento como apresentado.
Todavia, assim o entendeu, sem que tivessem sido ponderadas pelo Júri, e em concreto, as razões justificativas nele contidas.
Sustenta o recorrente que a exclusão foi devidamente fundamentada.
Ninguém duvida da necessidade dessa fundamentação.
Cfr. Ac. deste TCAN, de 15-05-2014, proc. nº 00289/13.5BEMDL:
Uma proposta de valor anormalmente baixo é uma proposta que suscita sérias dúvidas sobre a sua seriedade ou congruência e, portanto é, à partida e em abstracto, uma proposta suspeita, que não oferece credibilidade de que venha a ser cumprida e, por isso, uma proposta a excluir, caso não seja justificada e aceite essa justificação pela entidade adjudicante — cfr. acórdão do STA, de 21-06-2011, proc. 0250/11, in www.dgsi.pt.
No caso presente, o Réu entendeu por bem superar o critério supletivo, considerando anormalmente baixo o preço total resultante da proposta quando fosse 20% ou mais inferior ao preço base e, como tal, diminuiu o âmbito da permissividade, pela elevação da fasquia do limiar da anomalia que aquele limite consubstancia, o que implica, outrossim, o aumento da desconfiança sobre a seriedade e congruência desse tipo de propostas.
Propostas apresentadas com preços anormalmente baixos não justificados pelos concorrentes ou, embora justificados, não aceites pelas entidades adjudicantes conduzem, em regra, à sua exclusão, como bem resulta do regime ínsito nas normas conjugadas dos artºs 57º, nº 1, alínea d), e 71º do CCP, para o que agora importa considerar na economia do caso presente.
A aceitação da justificação do preço anormalmente baixo é, assim, o reverso dessa mesma medalha.
O dever geral de fundamentação dos actos ou decisões administrativas ou outras àquelas equiparadas proferidas no âmbito de um procedimento de formação de um contrato público e que definem a situação jurídica dos interessados — cfr. artºs 124º e 125º, ambos do CPA, aplicáveis por via do disposto na alínea a) do nº 6 do artº 5º do CCP em conjugação com o disposto no nº 3 do artº 268º da CRP —, inclui o dever de fundamentar as decisões que recaiam sobre os esclarecimentos justificativos da apresentação de um preço anormalmente baixo.
Além do mais, exige o nº 3 do artº 68º do CCP que sejam sempre fundamentadas as deliberações dos júris.
Para além dos casos de aplicação supletiva do regime do nº 1 do artº 71º do CCP, ao colocar uma fasquia de anormalidade relativamente ao preço total da proposta, à entidade adjudicante impõe-se igualmente o dever de verificar, fundamentadamente, os termos da justificação que nessa matéria for apresentada juntamente com a proposta — artº 57º, nº 1, alínea d), do CCP — ou posteriormente no âmbito de adrede contraditório — nº 3 do artº 71º do CCP.
A análise das razões ou fundamentos justificativos da apresentação de um tal preço pode conduzir a uma de duas conclusões: Ou a proposta é excluída ou é aceite, o que acontece na exacta medida em que, respectivamente, forem consideradas improcedentes as razões apresentadas para o preço anormalmente baixo ou, pelo contrário, forem consideradas procedentes.
Este dever de fundamentação ressuma ainda da aversão à arbitrariedade que decorre da vinculação das entidades adjudicantes à observância dos princípios basilares dos procedimentos contratuais — transparência, igualdade e concorrência — tornados obrigatórios pelas directivas comunitárias 2004/17/CE e 2004/18/CE, ambas do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março, cuja transposição foi operada pelo Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Dec.-Lei nº 18/2008, de 29 de Janeiro, para além do dever geral de vinculação à observância dos princípios da legalidade, da prossecução do interesse público, da proporcionalidade, da imparcialidade, da boa fé, vertidos nos artºs 3º a 6º-A do CPA — veja-se o disposto no nº 6 do artº 5º do CCP.
O dever de fundamentação tanto contribui para afastar risco de ocorrência de práticas susceptíveis de ameaçar a transparência e falsear a concorrência entre os proponentes, como do mesmo passo possibilita que as entidades adjudicantes - no que é de seu tutelado interesse - se possam decidir por uma melhor proposta, que à partida até possa aparentar-se anómala, mas que acabe por se revelar justificadamente séria.
Ora, naquilo em que deveria ancorar o juízo sobre o preço anormalmente baixo, disse o Júri que “Tal juízo de ponderação dependerá, assim, de circunstâncias de ordem técnica, económica, financeira, social e de mercado que enformam a proposta e não do simples apelidar pelo próprio concorrente de determinados aspetos como justificativos do preço anormalmente baixo proposto.”.
Terá razão.
Mas por tal afirmação se quedou.
Sem em concreto explicitar qual ou quais os aspectos que, apresentados na óptica da proponente como justificativos, a seu ver, do Júri, não o eram (ou não o eram em suficiente razão).
A “análise” da proposta impunha-o, mesmo que sucintamente.
Mereçam esses esclarecimentos justificativos acolhimento, então, como se estatuiu, haverá que “passando no crivo da sua análise, proceder à sua avaliação em função dos fatores e subfactores constantes do programa de procedimento”.
Feita essa análise, mas não sendo esse o caso, então a situação é a de exclusão (art.º 70º, nº 2, e), do CCP); neste sentido e com esta economia se deve compreender a condenação do réu a “readmitir a proposta da A. para proceder à análise dos esclarecimentos justificativos do preço anormalmente baixo apresentados”.
Improcedem as nulidades subsidiariamente arguidas:
- a primeira, pois, como se constatou supra, o documento em causa foi encarado como tendo por função servir de justificação ao preço anormalmente baixo, portanto, sem omissão ou insuficiência quanto ao que estava em questão;
- a segunda, inexiste; a recorrente sequer indica qual a específica causa de nulidade a que se quererá referir; no ponto, o que se pretende atingir é um juízo de análise sobre as justificações, o que a 1ª instância deixou nas mãos do Júri para pronúncia em primeira linha, sem aí versar impugnação recursiva, antes com a recorrente até a defender tal monopólio.
Donde, é de manter o decidido.
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Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas: pelo recorrente.

Porto, 29 de Julho de 2016.
Ass.: Luís Migueis Garcia
Ass.: Hélder Vieira
Ass.: Ana Patrocínio