Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00464/15.8BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/02/2017
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Mário Rebelo
Descritores:RECURSO QUE NÃO CONTRARIA A SENTENÇA E INTRODUZ QUESTÕES NOVAS.
Sumário:1. Sendo objeto do recurso a impugnação da decisão judicial (art. 676º CPC), o recorrente terá de mobilizar os seus argumentos contra os vários fundamentos desfavoráveis da sentença sob pena de o decidido não poder ser alterado, na parte não impugnada.
2. Os recursos jurisdicionais visam a reapreciação de decisões de tribunais de grau hierárquico inferior, tendo em vista a sua alteração ou anulação por erro de facto ou de direito das mesmas, não sendo admissível no recurso o conhecimento de questões que não foram colocadas nem apreciadas na decisão recorrida e que não são de conhecimento ofícioso.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:M..., S.A.
Recorrido 1:Município de Chaves
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

M…, S.A. inconformado com a sentença proferida pela MMª juiz do TAF do Porto que, por erro na forma de processo, julgou improcedente a oposição deduzida contra o processo de execução fiscal n.º 6/95, dela interpôs recurso terminando as alegações com a seguintes conclusões:
A) O procedimento tributário instaurado pela Câmara Municipal de Chaves e, especificamente, a execução fiscal, por deficiência/insuficiência dos actos de liquidações de taxas, encontra-se inquinado de ilegalidade, desde logo porquanto as taxas que pretende cobrar são abstratamente inexistentes.
B) A Oposição é o meio idóneo processual para declarar a inexistência de tal ato tributário e de todo procedimento realizado pela Autarquia.
C) A ora Recorrente, enquanto empresa prestadora de serviços de comunicações electrónicas, não se encontra sujeita, atento o quadro legal em vigor, ao pagamento das TODP.
D) Encontrando-se abrangida pelas regras específicas, constantes da Lei das Comunicações Electrónicas (Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, na sua actual redacção).
E) A Lei das Comunicações Electrónicas entrou em vigor no dia 10 de Maio de 2004, pelo que, a partir dessa data, a TMDP passou a ser a única taxa susceptível de ser cobrada pelos municípios.
F) Com a publicação do Decreto-Lei n.º 123/2009, de 21 de Maio, é inequívoca a intenção do legislador, nacional e comunitário, que às operadoras de telecomunicações apenas poderá ser, eventualmente, aplicada a TMPD.
G) A liquidação da taxa, tendo por base o mesmo pressuposto tributário - isto é, a utilização do bem de domínio público-corresponde, assim, à violação dos princípios da legalidade, previstos no art.º 5.º e 8.º da Lei das Comunicações Electrónicas.
H) Assim, o regulamento municipal invocado pela Câmara de Chaves, ao contrariar e/ou (re) definir, em matéria de taxas, o regime “específico” aplicável a empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas, traduz uma flagrante ingerência, desconforme e não permitida, do poder regulamentar, em face dos mais elementares princípios, do nosso ordenamento jurídico, legais e constitucionais.
I) Afigurando-se desconforme com o principio da legalidade, “trave mestra” da actividade da Administração, princípio o qual, no que respeita aos regulamentos, impede que estes contrariem ou inovem lei em vigor, sendo nesta medida ilegal.
J) Vício que, nos termos do art.º 204° n° 1. alínea a) do CPPT) é fundamento de oposição à execução, inexistindo assim qualquer erro na forma do processo.
Pelo que nos melhores termos de Direito e naqueles que V. Exa. doutamente suprirá:
- Deve ser declarado o procedimento de Oposição utilizado pela ora Recorrente, como meio idóneo para declaração da inexistência da taxa que serviu de base ao procedimento tributário instaurado pela Câmara Municipal de Chaves;
- Deve ser a Oposição ser julgada procedente, por provada, o que consequentemente provocará a anulação total dos actos de liquidações das Taxa de Ocupação da Via Pública, com todas as suas consequências legais.
Bem como tudo com o mais da Lei.

CONTRA ALEGAÇÕES.
Não houve.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pelo não conhecimento do recurso ou se assim se não entender, deve ser-lhe negado provimento e confirmada a sentença recorrida.


II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber quais as consequências do recurso que não ataca a sentença nos seus fundamentos e introduz matéria nova, não submetida a julgamento perante o tribunal "a quo".

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados:
a) Por dívidas relativas a taxas devidas pela ocupação de domínio público (espaço aéreo) com fios, cabos ou outro dispositivo de qualquer natureza e fim, atravessando ou projectando-se na via pública, numa extensão de 1.810.000 metros lineares, durante o ano de 2013, no montante de €1.883.942,08, foi instaurada pela Câmara Municipal de Chaves contra oponente a execução fiscal nº 6/15 (cf. fls. 25/28 dos autos). ---
b) Com a referência 4708 de 07/10/2014, foi enviada à oponente a notificação de “Liquidação de Taxas Municipais – Ocupação do domínio público (espaço aéreo) com fios, cabos ou outro dispositivo de qualquer natureza e fim, atravessando ou projectando-se na via pública; Taxa Municipal prevista no nº 3, do artigo 22º, da Tabela de Taxas anexa ao Regulamento de Liquidação e Cobrança de Taxas Municipais, em vigor no Concelho de Chaves, aprovado em reunião de órgão executivo em 12/04/2010 e sancionado pela Assembleia Municipal em 28/04/2010” no montante de €1.810.000,00, a qual foi recebida em 08/10/2014 (cf. fls. 60/63 dos autos). -
c) Pelo ofício nº 3062 de 03/07/2015, foi enviado à oponente o “Aviso de citação – processo de execução fiscal nº 6/15” (cf. fls. 59/60 dos autos). ---
d) Em 28/07/2015 a oponente apresentou nos serviços da exequente um requerimento a solicitar “a emissão de certidão relativa ao estado e fundamentação dos referidos processos e às quantias cujo pagamento lhes deu origem…” (cf. fls. 72/75 dos autos).---
e) Em 11/08/2015, a oponente apresentou nos serviços da exequente o requerimento de “arguição de nulidade” (cf. fls. 99/101v dos autos que aqui se dá por reproduzido). ---
f) Sobre o requerimento referido em e) foi elaborado o Despacho nº 41/GAP/2015 que, com os fundamentos ali mencionados, julgou improcedente os argumentos de arguição de nulidade mantendo a execução fiscal 6/15 (cf. fls. 105/107v dos autos). ---
g) O despacho referido em f) foi notificado ao mandatário da oponente através do ofício 3917 de 07/09/2015, registado com aviso de recepção e recebido em 08/09/2015, não tendo sido apresentada qualquer reclamação junto do órgão de execução (cf. fls. 104v e 105 dos autos). ---
h) A presente oposição foi intentada em 18/08/2015 (cf. fls. 4 dos autos).

IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
A sociedade M…, S.A. deduziu oposição ao processo de execução fiscal n.º 6/15 a correr termos no Município de Chaves com fundamento em que a citação para a execução não foi acompanhada de qualquer certidão de dívida, desconhecendo qual o facto/tributo do qual resulta a alegada dívida, bem como o período a que se reporta.
Até à notificação do processo de execução fiscal, diz, a M… desconhecia a existência de qualquer dívida para com a Câmara Municipal de Chaves.
O título executivo não permite à executada a informação suficiente para saber com segurança qual é a dívida a que o título se refere, de forma a estarem assegurados eficazmente os seus direitos de defesa.
Estando em causa a inexequibilidade do título executivo, a execução fiscal deve ser extinta.
Caso se considere que a nulidade por falta de requisitos essenciais do título executivo não seja fundamento de oposição, deve ser ordenada a convolação para a forma de processo adequada.

A MMª juiz julgou a oposição totalmente improcedente com fundamento em erro na forma de processo. E quanto à convolação, julgou-a inútil “...uma vez que a oponente já apresentou junto do órgão de execução fiscal o cometente requerimento de arguição de nulidade e o mesmo já foi alvo de decisão em Setembro de 2015, o que nos termos do disposto no art. 56º da LGT implica que não existe dever de apreciar de novo o pedido”.

Foi interposto recurso desta decisão, e como vemos das respetivas conclusões, os fundamentos são, sinteticamente, os seguintes:
- A execução fiscal encontra-se inquinada de ilegalidade porque as taxas que pretende cobrar são abstratamente inexistentes;
- A RECORRENTE não se encontra sujeita, atento o quadro legal ao pagamento das TODP (Taxas devidas pela ocupação ou utilização do solo, subsolo e espaço aéreo do domínio público municipal).
- Apenas se encontra abrangida pelas regras específicas previstas na Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro).
- O regulamento municipal invocado pela Câmara de Chaves, ao contrariar ou refinir, em matéria de taxas o regime específico aplicável a empresas que oferecem redes e serviços de telecomunicações eletrónicas, traduz uma flagrante ingerência, desconforme e não permitida, do poder regulamentar. É desconforme com o princípio da legalidade, o que constitui um vício que nos termos do art. 204º/1-a) do CPPT é fundamento de oposição à execução.

O presente recurso enferma de dois vícios, qualquer um deles capital e susceptível de implicar a sua improcedência - ou mesmo não conhecimento-, mas seguramente comprometendo definitivamente o seu êxito.

O primeiro, resulta do facto de não ter sido atacada a sentença nos seus argumentos; o segundo, por ter sido introduzida matéria (totalmente) nova que não foi submetida a julgamento do tribunal "a quo".

Vamos por partes.
Embora tenha interposto recurso da sentença, a verdade é o RECORRENTE não contraria nenhum dos fundamentos que a MMª juiz desenvolveu, louvando-se agora na ilegalidade do regulamento municipal ao abrigo do qual foram liquidadas as taxas bem como na violação do princípio da legalidade.

Contudo, a sentença não se debruçou sobre estas questões – nem tinha que debruçar, porque não foram alegadas na douta petição inicial. Mas quanto às questões que a sentença apreciou – erro na forma de processo e inutilidade da convolação na forma de processo adequada-, a RECORRENTE nada contraria, impugna ou alega.

Ora, sendo objecto do recurso a impugnação da decisão judicial (art. 676º CPC), o recorrente terá de mobilizar os seus argumentos contra os vários fundamentos desfavoráveis da sentença sob pena de o decidido não poder ser alterado, na parte não impugnada. Cfr. ac. do STA n.º 0508/13 de 15-05-2013 Relator: FRANCISCO ROTHES e o ac. do TCAN n.º 01806/09.0BEBRG de 15-02-2012 - Relator: Catarina Almeida e Sousa Sumário: III - Se, em sede de recurso jurisdicional, o Recorrente se alheou em absoluto das razões que fundamentaram a sentença recorrida, limitando-se a repetir o que já havia dito em sede de petição inicial de oposição, não ataca o julgado, pelo que não pode o Tribunal de recurso alterar o decidido pelo Tribunal a quo, já que a tal se opõe o preceituado no nº 4 do artigo 684.º do C.P.C.

Neste douto acórdão fundamenta-se a conclusão nos seguintes termos, aos quais aderimos: «Como refere ALBERTO DOS REIS, com a imposição do ónus de alegação ao recorrente teve-se «em vista obrigar o recorrente a submeter expressamente à consideração do tribunal superior as razões da sua discordância para com o julgado, ou melhor, os fundamentos por que o recorrente acha que a decisão deve ser anulada ou alterada, para que o tribunal tome conhecimento delas e as aprecie» - Código de Processo Civil Anotado, volume V, página 357.
No caso, e quanto às conclusões 2ª a 9ª, é evidente que o Recorrente se alheou, em absoluto, das razões que fundamentaram, nesta parte, a decisão recorrida, sendo manifesto que, em sede de recurso, se limita a repetir o que já havia dito em sede de petição inicial de oposição.
Quer isto dizer, pois, que não vindo atacado o decidido sobre a apontada questão, não pode o TCA alterar o decidido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, já que a tal se opõe o preceituado no nº 4 do artigo 684.º do C.P.C - “Os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo» – cfr., entre outros, os acórdãos do STA de 14/04/99, 02/06/04 e de 16/11/05, proferidos nos processos nºs 014999, 047978 e 0859/05, respectivamente».

A RECORRENTE não só se alheou do conteúdo da sentença como introduziu matéria totalmente nova, não submetida ao tribunal "a quo".

Com efeito, na douta petição inicial alega essencialmente, a nulidade da citação por esta não se fazer acompanhar de qualquer certidão de dívida, a inexequibilidade do título executivo e sua nulidade.
Ao invés, no recurso, concentra as suas conclusões na ilegalidade em abstracto da dívida exequenda.

Ora, «Os recursos jurisdicionais visam a reapreciação de decisões de tribunais de grau hierárquico inferior, tendo em vista a sua alteração ou anulação por erro de facto ou de direito das mesmas, não sendo admissível no recurso o conhecimento de questões que não foram colocadas nem apreciadas na decisão recorrida e que não são de conhecimento ofícioso – cf. Acórdão do STA de 26/09/2012, proferido no rec. nº 0708/12;

Os recursos são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova. Por isso, e em princípio, não se pode neles tratar de questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, salvo questões novas de conhecimento oficioso e não decididas com trânsito em julgado – cf. Acórdão do STA de 13/11/2013, proferido no rec. nº 01460/13.

É que visando o recurso a reapreciação da decisão de tribunal de grau hierárquico inferior, apenas pode ter por objecto questões decididas pelo tribunal recorrido, não podendo conhecer-se de questões novas suscitadas nas alegações, salvo se forem de conhecimento oficioso. O que ora não sucede.

V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida, incluindo a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do art 6º/7 do RCP, também nesta instância, considerando a manifesta simplicidade da questão.
Porto, 2 de fevereiro de 2017.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Travassos Bento
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira