Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:03049/15.5BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/12/2018
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:EMBARGOS DE TERCEIRO
DIREITO DE PROPRIEDADE
PROVA
Sumário:I – Os requisitos da dedução dos embargos de terceiro, de acordo com a lei processual tributária, são os seguintes (cfr. artigo 237.º, do CPPT):
a-A tempestividade da petição de embargos;
b-A qualidade de terceiro face ao processo de execução no âmbito do qual se verificou a diligência judicial ofensiva da posse ou de qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da mesma diligência;
c-A ofensa da posse ou de qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência judicial, que se traduza num acto de agressão patrimonial.
II – Os embargos de terceiro servem, actualmente, não só para defender a posse, como também qualquer outro direito que se mostre incompatível com a diligência ordenada.
III – No caso, ficou demonstrado, após ponderação crítica dos factos provados, verificar-se ofensa de direito de propriedade da embargante, incompatível com a realização da penhora, que se traduziu num acto de agressão patrimonial, causal da procedência dos presentes embargos.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:D..., Lda.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

D…, LDA., pessoa colectiva n.º 5…, com sede na Rua…, Guimarães, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, proferida em 23/02/2018, que julgou improcedentes os embargos de terceiro deduzidos na sequência da penhora de duas máquinas “urdideiras” pelo Serviço de Finanças de Vizela.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“Resulta da factualidade provada que a Recorrente/embargante adquiriu as máquinas penhoradas no ano de 2010, no âmbito do processo de insolvência, e que no ano de 2014 vendeu à sociedade Doc… uma das aludidas máquinas.
Tendo sido dado como provado que, as máquinas penhoradas em 2012, haviam sido adquiridas pela Embargante em 2010, ou seja, 2 anos antes da realização da penhora, tanto bastava para que procedesse a pretensão da recorrente, uma vez que não podem resultar quaisquer dúvidas de que as penhoras ofendiam a posse ou qualquer direito incompatível com a realização da penhora.
E nem sequer é relevante que se provasse a posse, embora se considere que essa prova tenha sido feita, na medida em que a lei se basta com a invocação da propriedade para obstar à realização da penhora e que a propriedade é direito incompatível com a realização da penhora.
Foram violados os artigos 348º e do cpcivil e 237º do cpptributário.
Termos em que deve o recurso ser admitido, julgado procedente por provado e por via dele ser a decisão ora recorrida revogada e substituída por outra que julgue os presentes embargos procedentes por provados.”
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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa averiguar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao decidir que ficaram por demonstrar factos passíveis de sustentarem, por referência à data da realização das penhoras, a alegada posse e propriedade das máquinas em causa pela Embargante.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
III.1.FACTOS PROVADOS
A) Contra “G…, UNIPESSOAL LDA.”, pessoa coletiva n.º 5…, com sede na Rua…, Vizela, foram instaurados os processos de execução fiscal n.os 4200201101019481 e 4200201201005472, ambos do Serviço de Finanças de Vizela – conforme documentos a folhas 28, 108 e 109 do processo físico e a folhas 1 e 2 do PEF, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
B) Da matrícula da sociedade a que se alude em A) consta conforme segue:
«(…)
Objecto: Comércio por grosso e a retalho de máquinas, ferramentas, equipamentos e outros, compra e venda de máquinas e dos seus componentes em estado de uso.
(…)
GERÊNCIA:
Nome: S…
NIF/NIPC: 2…
Cargo: Gerente
(…)» - conforme documento a folhas 167 e 168 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
C) Em 27.11.2012 foi realizada, no âmbito do processo n.º 4200201101019481 a que se alude em A), a penhora do seguinte bem:
«uma máquina ordideira completa mas totalmente desmontada que engloba tambor, ordidor e esquinadeiro com 800 posições, marca GAGLIARDI, em razoável estado de conservação, a que se atribui o valor de €15.000,00 (quinze mil Euros), sendo este o total dos bens penhorados;--------------------------------------------------------------------------------------------
(…)» - conforme documento a folhas 108 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
D) Em 27.11.2012 foi realizada, no âmbito do processo n.º 4200201201005472 a que se alude em A), a penhora do seguinte bem:
«uma máquina ordideira completa mas totalmente desmontada que engloba tambor, ordidor e esquinadeiro com 800 posições, marca RECOBE, modelo US800, nº fabrico 1009, nº série 03, do ano de 2000, em razoável estado de conservação, a que se atribui o valor de €50.000,00 (cinquenta mil Euros), sendo este o total dos bens penhorados;-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
(…)» - conforme documento a folhas 109 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
E) Dos “autos” das penhoras a que se alude em C) e D) consta conforme segue:
«(…)
Pelo fiel depositário adiante nomeado foi declarado que o bem aqui penhorado faz parte do inventário da firma executada (mercadorias) e que não será vendida enquanto não se encontrar totalmente regularizada a dívida constante dos autos supra identificados. -----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Os bens assim penhorados, foram entregues juntamente com a cópia deste auto a S…, NIF 2…, com domicílio fiscal na Rua…, freguesia de S. Miguel, município de Vizela, depositário idóneo, por mim escolhido, a quem intimei para não restituí-los ou deixá-los sem ordem do Chefe do Serviço de Finanças de Vizela, sob pena de ficar sujeito à pena cominada aos infiéis depositários, prescrita no n.° 2 do art. 854° do Código de Processo Civil, do que ficou ciente. ----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
(…)» - conforme documentos a folhas 108 e 109 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
F) Os “autos” a que se alude em E) têm data de 27.11.2012 e foram subscritos por S…– conforme documentos a folhas 108 e 109 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
G) As “máquinas” a que se alude em C) e D) integraram o lote de bens apreendidos, em 31.07.2009, pelo administrador da insolvência no âmbito do Processo de Insolvência n.º 224/0.5TYVNG, que correu termos no 3.º Juízo Cível do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia – conforme documento a folhas 11 a 20 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
H) A Embargante dirigiu ao administrador da insolvência, no âmbito do processo a que se alude em G), documento datado de 24.05.2010, do qual consta conforme segue:
«(…)
Exmo. Senhor,
Tendo tomado o conhecimento, mais tarde, da venda de bens da insolvente A…, e dado o interesse na compra dos mesmos, para a hipótese de tal ainda ter aceitação, venho apresentar a V. Exaª a seguinte proposta.
- Para todos os bens venho oferecer proposta firme no valor de 90.481.00€.
(…)» - conforme documento a folhas 86 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
I) Relativamente ao valor de 90.481,00 euros a que se alude em H), acrescido do valor de 18.096,20 euros relativo a IVA, foi emitida fatura/recibo datada de 31.05.2010, em nome da Embargante, pelo valor global de 108.577,20 euros – conforme documento a folhas 87-verso do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
J) A Embargante emitiu em nome de “Massa Insolvente A… Lda.”, cheque datado de 01.07.2010, no valor de 108.577,20 euros – conforme documento a folhas 21 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
K) Em julho de 2014 o representante legal da sociedade “Doc…, Lda.” deslocou-se a um armazém sito em Vizela, no qual se encontrava o representante legal da D…, para ver uma máquina “urdideira” da marca “Mecobe”, de cor azul, que aí se encontrava desmontada;
L) Na sequência da deslocação a que se alude em K), a máquina “urdideira” da marca “Mecobe” a que se alude na mesma alínea foi transportada para as instalações da “Doc…”, sitas em Revinhade, no concelho de Felgueiras, a fim de aí ser montada e posta a funcionar;
M) Em nome da Embargante foram emitidos dois documentos denominados “Guia de transporte”, com os n.os 371 e 372, ambos datados de 28.07.2014 e ambos com as menções “1 URDIDEIRA” e “Descarga: Revinhade” – conforme documentos a folhas 44 e 45 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
N) No Serviço de Finanças de Vizela foi recebido “e-mail” datado de 24.11.2014, em nome de C…, e sob o assunto “PROCESSOS NºS 4200201201005472 E 4200201101019481” – conforme documento a folhas 31 do PEF, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
O) Do “e-mail” a que se alude em N) consta conforme segue:
«(…)
Na qualidade de gerente da empresa G…– Unipessoal, Lda, contribuinte nº 5…, venho por este meio informar que as máquinas penhoradas nos processos em assunto, foram levantadas pelo fornecedor D…, Lda, NIPC 5…por motivos de não estarem pagas. (…)» - conforme documento a folhas 31 do PEF, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
P) O Serviço de Finanças de Vizela remeteu à embargante ofício datado de 12.12.2014, sob o assunto “Pedido de Informação – Executado – G… Unipessoal Lda. (…)”, do qual consta conforme segue:
«Tendo sido marcada venda dos bens penhorados a G… UNIPESSOAL LDA, constantes dos autos de penhora cujas cópias se anexam, foi informado este serviço de finanças de que os bens em causa foram levantados pela empresa D… (…).
Pelo que, vimos por este meio solicitar, para no prazo de 15 dias, remeter a este serviço de finanças os seguintes elementos, referentes aos bens em causa, nomeadamente, cópia contrato, comprovativo do levantamento dos bens, cópia da fatura/documento aquisição dos bens, etc. (…)» - conforme documentos a folhas 36 e 37 do PEF, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
Q) O ofício a que se alude em P) foi recebido em 22.12.2014 – conforme documento a folhas 37 do PEF, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
R) A Embargante emitiu em nome de “Doc…, Lda.” “fatura” datada de 31.01.2015, com a seguinte menção “Urdideira Mecobe US800, 2000, 360CM” – conforme documento a folhas 110 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
S) A “urdideira” a que se alude em R) corresponde à máquina a que se alude em D);
T) A petição inicial dos presentes embargos foi recebida no Serviço de Finanças de Vizela em 22.01.2015 – conforme registo aposto a folhas 4 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido.
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III.2.FACTOS NÃO PROVADOS
Considera este Tribunal não se ter logrado provar a factualidade seguinte:
1 – Que na data da realização das penhoras das máquinas a que se alude em C) e D) dos factos provados, as mesmas se encontravam nas instalações da “G…, UNIPESSOAL LDA.” por indisponibilidade de espaço de armazenamento por parte da Embargante e uma vez que existia uma relação de amizade entre os sócios gerentes de ambas; e
2 - Que entre 07.2010 e 27.11.2012 foi a Embargante que fez as reparações e manutenção das máquinas a que se alude em C) e D) dos factos provados.
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III.3.MOTIVAÇÃO
O Tribunal formou a sua convicção com base nos documentos constantes dos autos, acima identificados, os quais não foram impugnados.
No que respeita à factualidade sob a alínea G) dos factos provados, a convicção do Tribunal formou-se, ainda, com base no depoimento da testemunha J…, administrador da insolvência no âmbito do Processo de Insolvência n.º 224/0.5TYVNG, que correu termos no 3.º Juízo Cível, do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia.
No que respeita à factualidade sob as alíneas K), L) e V) dos factos provados, a convicção do Tribunal formou-se, ainda, com base no depoimento da testemunha M…, representante legal da sociedade “Doc…, Lda.”.
Ambas as testemunhas depuseram com segurança e coerência, merecendo por isso, atenta a respetiva razão de ciência, a credibilidade do Tribunal.
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No que respeita aos factos não provados, a convicção do Tribunal resulta de nenhuma testemunha ter procedido à respetiva confirmação com a certeza e segurança exigíveis à formação da convicção do Tribunal no sentido da verificação da aludida factualidade, nem a mesma resultar de forma inequívoca dos documentos juntos aos autos.
Com efeito, embora a testemunha M…, administrativa da Embargante desde o ano de 2007, tenha referido que duas máquinas “urdideiras” adquiridas pela Embargante ficaram, a título “de favor”, nas instalações da “G…” em virtude de serem máquinas de “grande porte”, a mesma referiu simultaneamente que nunca se deslocou às instalações daquela; que sabe que uma das máquinas era da marca “Mecobe”, desconhecendo, todavia, a marca da outra máquina; que “não percebe muito de máquinas”, embora saiba o que é uma máquina “urdideira”; que não interveio na aquisição das mencionadas máquinas no âmbito da insolvência; e, ainda, que os gerentes da Embargante e da “G…” tinham um “relacionamento normal”.
Face ao aludido, não extrai este Tribunal qual a efetiva razão de ciência da testemunha para afirmar que as sobreditas máquinas se encontravam, “de favor”, nas instalações da “G…”. A testemunha procedeu a tal afirmação de forma isolada, desacompanhada, portanto, de quaisquer elementos factuais de contextualização, ou seja, sem ter circunstanciado tal conhecimento quanto à sua fonte (sabe porque assistiu a alguma conversa?, sabe porque lhe foi dito pelo patrão?, sabe porque lhe foi referido por um terceiro?), nem quanto à concretização espácio-temporal do seu conhecimento – não sendo, de resto, possível ao Tribunal extrair tal informação do conjunto de factos apurado – de modo que se considera, no contexto global do depoimento prestado, que o mesmo não é apto a demonstrar, com a segurança exigível, a factualidade em causa.
Acresce que, considera, ainda, este Tribunal que o depoimento da testemunha C…, na medida em que se revelou incoerente e contraditório, não merece a credibilidade do Tribunal e, nessa medida, não é, igualmente, passível de sustentar a verificação da factualidade em causa.
Com efeito, referiu a mencionada testemunha que era quem efetivamente geria a executada “G…é”, e que quando a sua companheira, S…, o contactou para o informar da presença dos funcionários do Serviço de Finanças com vista à realização da penhora das máquinas em causa, o mesmo lhe disse “penhorem, eles têm o direito de penhorar o que está aí dentro e depois logo se vê”.
Mais referiu que não leu os autos de penhora e que “crê” nunca ter reportado a realização das sobreditas penhoras ao representante legal da Embargante, factualidade, esta, que é consentânea com o teor dos autos de penhora subscritos pela referida S…, bem como, com o teor do “e-mail”, a que se alude, respetivamente, em E) e O) dos factos provados.
Por outro lado, a mesma testemunha negou a autoria do aludido “e-mail”, embora referindo ter sido remetido a partir do seu endereço eletrónico pessoal, o que, todavia, se revela inverosímil a este Tribunal, e afirmou que as máquinas penhoradas estavam nas instalações da “G…” a título “de favor” prestado ao representante legal da Embargante.
Acresce que, no decurso do seu depoimento a testemunha revelou, ainda, bastante hesitação e insegurança, termos em que, tudo conjugado, não é o mesmo depoimento passível de fundar a convicção do Tribunal quanto à verificação da factualidade em causa.”

2. O Direito

No Código de Processo Civil, resultante da reforma operada pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12/12, os embargos de terceiro deixaram de ter a natureza de processo especial, passando a ser configurados como modalidade do incidente de oposição, ampliando-se os pressupostos da sua admissibilidade, assim deixando de estar ligados, necessariamente, à defesa da posse do embargante. Isto é, face a este novo regime, o embargante, através dos embargos, além da posse, pode defender qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência judicial, que se traduza num acto de agressão patrimonial [cfr. artigos 351.º e seguintes, do Código de Processo Civil - CPC (os artigos 342.º a 350.º do actual CPC mantêm essa mesma redacção) e relatório constante do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12/12].
Os requisitos da dedução dos embargos de terceiro, de acordo com a lei processual tributária, estão previstos no artigo 237.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), dispondo que: “1- Quando o arresto, a penhora ou qualquer outro acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens ofender a posse ou qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular um terceiro, pode este fazê-lo valer por meio de embargos de terceiro”.
Assim sendo, os embargos de terceiro não constituem actualmente um meio de defesa da posse, exclusivamente, podendo ser defendida através de embargos de terceiro a ofensa de qualquer outro direito cuja manutenção seja incompatível com a realização ou âmbito da diligência.
Os requisitos da dedução dos embargos de terceiro, de acordo com a lei processual tributária, são os seguintes (cfr. A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.670 e seguintes e Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 5.ª edição, 2007, pág.123 e seg.):
1-A tempestividade da petição de embargos;
2-A qualidade de terceiro face ao processo de execução no âmbito do qual se verificou a diligência judicial ofensiva da posse ou de qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da mesma diligência;
3-A ofensa da posse ou de qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência judicial, que se traduza num acto de agressão patrimonial.
No processo vertente é somente o exame do terceiro requisito que está em causa.
Ora, analisada a alegação da Recorrente e a motivação do presente recurso, retira-se que tendo sido dado como provado que as máquinas penhoradas em 2012 haviam sido adquiridas pela embargante em 2010, ou seja, 2 anos antes da realização da penhora, tanto bastava para que procedesse a pretensão da Recorrente, uma vez que não podem resultar quaisquer dúvidas de que as penhoras ofendiam a posse ou qualquer direito incompatível com a realização da penhora. Acrescentou que nem sequer é relevante que se provasse a posse, embora se considere que essa prova tenha sido feita, na medida em que a lei se basta com a invocação da propriedade para obstar à realização da penhora e que a propriedade é direito incompatível com a realização da penhora.
Como ensina Jorge Lopes de Sousa (in Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, vol. III, 6.ª edição, 2011, página 179): “[a] procedência dos embargos depende de o direito do embargante ser incompatível com a realização ou o âmbito da diligência e de ele dever prevalecer sobre o direito do exequente. (…) Haverá incompatibilidade entre o direito do embargante sobre uma coisa e a realização da diligência que a tenha por objecto sempre que aquele seja afectado pela diligência ou pela subsequente venda, isto é, não for possível concretizar a finalidade do processo executivo, sem afectar ou eliminar tal direito”.
Deve sublinhar-se que não pode bastar à procedência dos embargos a mera conjectura sobre possíveis ou eventuais ofensas, sendo indispensável a demonstração de que a diligência em causa colidia, de facto, com o direito da embargante.
Não obstante a Recorrente ter transcrito integralmente os depoimentos prestados em sede de diligência de inquirição de testemunhas e os ter apresentando para reforçar as suas alegações recursivas, resulta das mesmas não se conformar com a apreciação crítica que o tribunal a quo fez dos factos que considerou provados e a consequente aplicação do direito que se lhe seguiu.
Vejamos o julgamento recorrido:
“(…) Nos presentes autos vem a Embargante reagir contra a realização da penhora das máquinas a que se alude em C) e D) dos factos provados, sustentando, em síntese, que desde 04.07.2010 que “é dona das referidas máquinas, sendo ela quem exclusivamente as usa e frui”.
Ora, perscrutada a factualidade provada resulta que a Embargante adquiriu as mencionadas máquinas no ano de 2010, no âmbito do Processo de Insolvência n.º 224/0.5TYVNG, que correu termos no 3.º Juízo Cível, do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia [conforme alíneas G) a J) do probatório].
Mais resulta, por outra via, que no ano de 2014 a Embargante vendeu à sociedade “Doc…” uma das aludidas máquinas [conforme alíneas D), K) a M), R) e S) do probatório], todavia, não resulta demonstrado que na concreta data da realização das penhoras em causa, ou seja, em 27.11.2012 [conforme alíneas C) e D) do probatório], era a Embargante proprietária e possuidora das máquinas penhoradas.
Com efeito, aquando da realização das penhoras as máquinas encontravam-se nas instalações da executada “G…” e, por outro lado, ficou por demonstrar que as mesmas aí se encontravam a título de mero “favor” prestado ao representante legal da Embargante – e não, por hipótese, por ter ocorrido, entre julho de 2010 e novembro de 2012, a venda das mesmas à executada, com a subsequente resolução do contrato/venda à Embargante, a determinar a venda de uma delas, em 2014, por esta última à “Doc…” – bem como, que entre julho de 2010 e 27.11.2012 (data de realização das penhoras) foi sempre a Embargante que fez as reparações e manutenção das mesmas máquinas.
Destarte, tendo ficado por demonstrar factos passíveis de sustentarem, por referência à data da realização das penhoras, a alegada posse e propriedade das máquinas em causa pela Embargante, não é possível concluir pela ilegalidade dos atos de penhora pela mesma identificados como lesivos, à luz do que prescreve o artigo 237.º, n.º 1 do CPPT, e, nessa medida, impõe-se concluir pela improcedência dos presentes embargos. (…)”
Saliente-se que o tribunal recorrido considerou provado, fundando-se essencialmente na prova documental produzida, que a embargante adquiriu as mencionadas máquinas no ano de 2010, no âmbito do Processo de Insolvência n.º 224/0.5TYVNG, que correu termos no 3.º Juízo Cível, do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia [conforme alíneas G) a J) do probatório].
A Recorrente sustenta ter ficado provada a titularidade das máquinas penhoradas, sendo que a propriedade é direito incompatível com a realização da penhora. Tal reporta-nos para uma conclusão de direito, ou seja, para uma ilação de direito dos factos que se mostram assentes.
Não estando em causa analisar se o tribunal recorrido errou no julgamento da matéria de facto levada ao probatório, debruçar-nos-emos sobre a factualidade apurada e apreciaremos se a mesma permite concluir verificar-se ofensa da titularidade das máquinas, incompatível com a realização da penhora, que se traduza num acto de agressão patrimonial da embargante.
Ora, a partir do momento em que o Tribunal deu como provado que os bens penhorados haviam sido adquiridos pela embargante, é forçosa a ilação que esta era a proprietária de tais bens, ficando preenchida a exigência probatória no que à embargante respeita.
Na verdade, tendo a embargante comprovado que as máquinas penhoradas foram adquiridas por ela e em seu nome, temos que concluir que, salvo prova em contrário, é ela a proprietária dessas máquinas.
Em sintonia com o parecer emitido pelo digníssimo Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal (cfr. fls. 351 e 352 do processo físico), tal prova em contrário incumbia à exequente, uma vez que só é permitida a penhora de bens de quem na execução figure como executado, e, tendo sido feita prova de que os bens penhorados eram pertença de terceiro, não parte na execução, a embargada teria de alegar e provar algum facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da embargante; o que não logrou efectuar.
Independentemente de, aquando da realização das penhoras, as máquinas se encontrarem nas instalações da executada “G…”, foi provado que as máquinas penhoradas em 2012 haviam sido adquiridas pela embargante em 2010, ou seja, 2 anos antes da realização da penhora, pelo que não poderá, assente em meras conjecturas, questionar-se a titularidade das máquinas à data da penhora, sem que tenha sido alegada e provada qualquer factualidade modificativa ou extintiva do direito de propriedade da embargante.
Alcançando-se a conclusão de que as máquinas penhoradas são titularidade da embargante (e não da executada), as penhoras realizadas constituem uma ofensa ao direito da mesma; encontrando-se, portanto, presente o terceiro requisito, enumerado supra e previsto no artigo 237.º do CPPT, que legitima os embargos em análise. Isto porque o direito de propriedade de quem não é parte na causa é incompatível com a penhora, dado que esta só pode recair sobre bens do devedor/executado.
Deste modo, e sem necessidade de outras considerações, forçoso é concluir que assiste razão à Recorrente, sendo de conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar os embargos de terceiro procedentes.

Conclusões/Sumário

I – Os requisitos da dedução dos embargos de terceiro, de acordo com a lei processual tributária, são os seguintes (cfr. artigo 237.º, do CPPT):
a-A tempestividade da petição de embargos;
b-A qualidade de terceiro face ao processo de execução no âmbito do qual se verificou a diligência judicial ofensiva da posse ou de qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da mesma diligência;
c-A ofensa da posse ou de qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência judicial, que se traduza num acto de agressão patrimonial.
II – Os embargos de terceiro servem, actualmente, não só para defender a posse, como também qualquer outro direito que se mostre incompatível com a diligência ordenada.
III – No caso, ficou demonstrado, após ponderação crítica dos factos provados, verificar-se ofensa de direito de propriedade da embargante, incompatível com a realização da penhora, que se traduziu num acto de agressão patrimonial, causal da procedência dos presentes embargos.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar os presentes embargos de terceiro procedentes.
Custas a cargo dos Recorridos em ambas as instâncias; nesta instância, as custas não incluem a taxa de justiça, uma vez que não contra-alegaram.
Porto, 12 de Julho de 2018
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Pedro Vergueiro