Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00010/13.8BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/17/2020
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO; QUEDA DE MURO ADJACENTE A ESTRADA; ESTRADAS DE PORTUGAL; RESPONSABILIDADE CIVIL;
Sumário:1 – Na interpretação do Artº 662º do Código de Processo Civil, relativo à “Modificabilidade da decisão de facto”, tem sido pacífico o entendimento segundo o qual em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida.

2 – A EP - Estradas de Portugal, não está desonerada da responsabilidade de zelar pela conservação e manutenção, quer das vias que lhe estão adstritas e confiadas, quer garantindo que as mesmas não causam danos nas propriedades adjacentes, como é o caso do muro que confina com a estrada aqui em causa, nos termos do Art. 7° do Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e das Entidades Públicas publicado em Anexo á Lei nº 67/2007 de 31 de Dezembro.
Com efeito, nos termos do artigo 7.° do referido Regime "o Estado e as demais pessoas coletivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de ações ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da função administrativa e por causa desse exercício."
Decorre dos artigos 7.° a 10.º do referido Regime, e é jurisprudência assente, que a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas pública, pressupõe a verificação dos mesmos pressupostos previstos no Código Civil, mormente o seu artigo 483º.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:E., SA
Recorrido 1:Fundação C.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
A E., SA, devidamente identificada nos autos, no âmbito da ação administrativa comum, intentada pela Fundação C., na qual peticionou a condenação daquela na reparação do muro identificado, suportando todos os custos e encargos inerentes, mais peticionando a sua condenação na reparação ou revestimento da valeta, inconformada com a Sentença proferida em 4 de fevereiro de 2014 no TAF de Mirandela, na qual a ação foi julgada parcialmente procedente, tendo sido condenada a suportar metade dos custos de reparação do muro em causa, bem como a proceder à reparação/revestimento da valeta, veio interpor recurso jurisdicional para esta instância da referida Sentença, em 5 de março de 2014.
Formulou a aqui Recorrente/E., SA nas suas alegações de recurso as seguintes conclusões:
“I. Face ao exposto, e assumindo a alteração da matéria de facto como antecede, nos termos do Artº 640º nº 1 alíneas a) e b) e c) do CPC, para fazer a costumada justiça, deve resultar como provado que a EP atuou de forma diligente e no cumprimento estrito das suas atribuições, Pois,
II. As causas para a queda do muro, não se prendem de todo com a via rodoviária, cuja única ligação que tem é ser confinante com a parte do muro da Casa de (...).
III. Resulta que, a estrada é também ela centenária, desde pelo menos 1929, e desde sempre a valeta coexistiu com o muro.
IV. Acresce que "queda do muro, não tem implicações com estrada nacional, porque a queda do muro não implicou qualquer destruição das condições da estrada, manteve-se intacta a nossa estrada, portanto é uma razão que não há ligação entre o muro e a estrada, digamos assim, são coisas independentes, se houvesse teria que haver deslizamento da valeta e do pavimento ... neste caso o muro não tem nada a ver com a estrada, é um muro de vedação que tem um bocadinho de suporte mas que não afeta a via" Vd transcrição do Depoimento no Ponto 14 do presente Recurso.
V. A parte do muro que ruiu foi a referente ao muro de vedação, mantendo-se a que exerce função de suporte à plataforma da estrada e respetiva valeta.
VI. A aqui Recorrente, fez várias intervenções na via, desde logo, para dotar de betuminoso, a via, em 1981, sendo que, tais Intervenções, se inserem no cumprimento das obrigações legais a que a Recorrente se encontra adstrita.
VII. Tais intervenções não provocam qualquer tipo de ação horizontal sobre o muro, as referidas recargas nos pavimentos betuminosos visam antes devolver à estrutura, a sua capacidade de suporte, isto é melhorar a capacidade de suportar e distribuir uniformemente as tensões provocadas pela ação do tráfego, gerando assim o efeito contrário.
VIII. Caso fosse a pressão exercida pela estrada a perca de verticalidade e embarrigamento não se faria sentir em todos os muros que circundam a Fundação C.: "Todos os muros, desde a entrada até ao limite da quinta, todos os muros estão com a perda de verticalidade ..., os muros mais acima tem inclinação para a estrada." Cassete nº 3 Lado A, min 19,30 a 20,17.
IX. O Juiz a quo, para prova da pressão da estrada sobre o muro, alega ainda a existência de fissuração, no pavimento, desvalorizando o depoimento das testemunhas A. e A-., quanto à explicitação técnica dada sobre a fissuração existente, diferente de deformação, e associada unicamente à questão de rodado das viaturas e não se verifica no local a existência de qualquer fissura de rotura delimitando a "concha de escorregamento".
X. O pavimento não apresenta nenhum tipo de deformação ou abatimento da estrada, consequente da queda do muro.
XI. O pavimento apresenta fendilhação irregular em malha fechada, que ocorre essencialmente na zona de passagem dos rodados. Do ponto de vista técnico, este tipo de fissuração tem como origem a fadiga das camadas betuminosas por ação dos rodados.
XII. A "aplicação de um revestimento superficial em Junho de 2013 ...", demonstra desde logo a inexistência de deformação do que foi dado como provado, pois a aplicação desse tipo de revestimento não pode ocorrer em pavimentos que "apresentem essas deformações, existem sim "Fissuras de envelhecimento do ligante, ... em termos estruturais o pavimento encontra-se ainda bom ... "
XIII. A acumulação de água na valeta, é tecnicamente improvável, tendo em conta desde logo que a referida valeta apenas drena as águas de meia plataforma da estrada, e a estrada é em sentido descendente, pelo que, assim sendo, mesmo em situações de chuva torrenciais, não seria possível criar as tais banheiras de água. (Vd depoimentos constantes no ponto 32, 33 e 48, do presente Recurso).
XIV. A referida valeta em terra, drena apenas metade da plataforma, e drena apenas as águas que caiem da chuva na plataforma da estrada, razão pela qual, “... estamos a falar de uma quantidade de água mínima" Cassete nº 3 Lado A, min 7,41 " ... temos ali cerca de 200 m de estrada, que drenam com uma largura média de 2,5 m/3m, e que drena só a água que cai no pavimento ... a água não pode ser muita, do terreno do vizinho não vem água ... é talude de aterro ...a agua que vai para a valeta é agua de metade da via em cerca de 200m, ... são cerca de 600m2, que drena para lá mas toda muito espalhada" Cassete nº 3 Lado A, min 7,44 a 8,34
XV. A causa bastante provável do desmoronamento do muro, resulta da associação entre a limpeza/corte) (recente) da vegetação arbustiva (com algum porte) dos muros de alvenaria, pelo lado interior e retiradas raízes das juntas da alvenaria de pedra, e o embarrigamento do muro com a perda de verticalidade e desalinhamento, próprio da idade e da falta de intervenção de origem reabilitante nesses muros por parte da Recorrida Fundação da Casa de (...), o que gerou a queda do muro, conforme descrito no ponto 37 do presente Recurso.
XVI. Na Inspeção ao local, foi possível constatar visualizar na parte interior existência de árvores encostado à parte do muro que ruiu, e ainda a existência de heras ao ponto de as mesmas passarem de um lado para o outro, o que sustenta a relação causa-efeito entre a vegetação e a derrocada do muro.
XVII. Forçoso é concluir que não se verifica a ilicitude e culpa da R., pelo que não estando preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil, não pode a Recorrente ser condenada.
XVIII. Resulta que, quando um lesado Invoca a violação de disposições, princípios ou deveres que protegem interesses, para que proceda o pedido, também é necessário que o seu interesse esteja protegido pelas normas e disposições alegadamente violadas pela Recorrente, isto é necessário demonstrar que o dever/obrigação da Recorrente de revestir a valeta, tinha como objetivo proteger os interesses da Recorrida, de evitar a infiltração de água no muro e evitar assim a sua derrocada.
XIX Como ensina Antunes Varela, das Obrigações e Geral, vol. I, pagina 540, nos casos em que a lesão invoque que a ilicitude da conduta decorre da violação de disposições, princípios ou deveres que protegem interesses alheios "é preciso que a tutela dos interesses privados não seja (...) um mero reflexo de proteção dos interesses coletivos que como tais a lei visa salvaguardar .... Não basta que a norma também aproveite ao particular é preciso que ela tenha também em vista proteção dele ..." Ora.
XX. Existe por um lado a desnecessidade de revestimento da valeta, contrariamente ao referido pela sentença "a quo".
XXI. A norma de traçado referenciada tem um âmbito de aplicação (a exemplo de qualquer Norma), definindo neste caso "princípios básicos, métodos e valores limite e de referência para o projeto de estradas novas e para a reconstrução e ampliação de estradas já existentes, situadas em zonas rurais." (Norma Traçado JAE P3I94, 1994).
XXII. A EN322, é uma obra anterior a 1894, nem foi alvo de intervenção de reconstrução e ampliação após a entrada em vigor das Normas la Traçado JAE (1994), não se encontra abrangida pelas disposições normativas referenciadas.
XIII. Ainda que, assim não fosse, acrescia o erro factual em dar-se como provado que, decorre da Norma que "as valetas serão sempre revestidas com betonilha e associadas a drenos", pois resulta que:
"... O porquê da valeta ser revestida? Temos em termos técnicos, duas condições para a valeta ser revestida: A primeira condição; "..:terá uma reduzida pendente, ... melhorar as condições de escoamento de forma a garantir o escoamento ... não é aquela condição porque temos um trainel descendente, e a pendente está assegurada, temos um outro problema que é uma inclinação mais elevada, uma elevada pendente, temos que aumentar, colocar lá o revestimento para diminuir' fenómenos de erosão, a velocidade de escoamento, a velocidade daquele escoamento exceder determinados limites que o solo não é capaz aguentar, e então iria acontecer um aprofundamento, e a degradação da própria plataforma da estrada não é isso que está acontecer ali, por isso não vejo qualquer interesse ou qualquer vantagem em aquela valeta ser revestida, não temos o problema da pendente, não temos a erosão, ... ", Cassete nº 5 Lado B, min 26,31 a 27,46
XXIV. A necessidade de revestimento com dreno, não é de todo extensível a todo o tipo de valetas, mas tão-só e quando se demonstre a necessidade de associação da captação de águas freáticas e a sua condução através de um dreno, associando-se ainda o facto de no lado esquerdo estarmos perante um talude de escavação, como foi demonstrado também pelos depoimentos.
XXV. A aqui Recorrente, cumpriu com todas as suas atribuições legais, mantendo valeta e bom estado de manutenção, pelo que, não carece de quaisquer obras de reparação/revestimento.
XXVI. A EP, SA, não violou qualquer dever de cuidado, nem foi negligente, pois no âmbito das suas atividades de manutenção - conservação corrente, a EP. Estradas de Portugal, procede, sistematicamente a duas limpezas periódicas por ano, a todo o sistema de drenagem das estradas (por via de Contratos de Conservação Corrente), a que acrescem intervenções pontuais, caso necessário, sendo que, no caso dos autos, tal não ocorreu por ser desnecessário, dado inexistir prova bastante que, demonstre a acumulação de água na valeta que a obstrua de forma a inviabilizar a sua função.
XXVII. Mas mesmo que por mera hipótese de raciocínio, fosse a aqui Recorrente obrigada a revestir a valeta, o interesse a proteger era um interesse coletivo de salvaguardar a circulação livre e segura na via rodoviária, pois tal revestimento pretende evitar que as águas freáticas se infiltrem no pavimento.
XXVIII. Sobre a Recorrente impende o dever de zelo sobre a manutenção e conservação de estradas, pelo que, impende sobre a recorrente zelar pela manutenção permanente de condições de infraestruturação e conservação, atento o artigo 10° do Decreto-lei 374/2007 de 07/11, não visa salvaguardar os interesses dos proprietários dos terrenos confinantes.
XXIX. Assim a conduta ou a alegada omissão da Recorrente não reveste uma conduta ilícita.
XXX. A EP, SA ainda assim e logo que alertada tratou de averiguar da localização do muro e da sua pretensa responsabilidade, tendo constatado que “.... soube da queda do muro, mas o muro não tem implicações com estrada nacional, porque a queda do muro não implicou qualquer destruição das condições da estrada, manteve-se intacta a nossa estrada, portanto é uma razão que não há ligação entre o muro e a estrada, digamos assim, são coisas independentes, se houvesse teria que haver deslizamento da valeta e do pavimento ... neste caso o muro não tem nada a ver com a estrada, é um muro de vedação que tem um bocadinho de suporte mas que não afeta a via."Vd Cassete nº 3 Lado A, min 12,10 a 13,28.
XXXI. Acresce que, não atendeu o tribunal a quo ao disposto no artigo 487°, nº 2 do CC, que manda apreciar a culpa "pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso.” Ou seja, a culpabilidade consistirá na violação de regras Jurídicas ou de prudência que a EP tinha obrigação de conhecer ou de adotar, presunção que a EP elidiu.
XXXII. Na verdade, o constante, devendo em consequência a decisão recorrida ser objeto de revogação e substituída pela decisão de absolvição do pedido.
XXXIII. Deste modo, a falta de revestimento da valeta não poderá ser considerado como condição "sine qua non" para a ocorrência da queda do muro, uma vez que, só há nexo causal por omissão quando a prática da ação Juridicamente exigida tivesse impedido o resultado típico com probabilidades nos limites da certeza (v. Ac. proferido pelo STA, em 14/12/2004).
XXXIV. O Tribunal, ao assumir como causa direta da queda do muro e o facto de a valeta não ser revestida, não efetuou um juízo claro sobre o nexo de causalidade entre essa causa e efetiva derrocada do muro, uma vez que, não efetuou uma tal indagação e uma valoração normativas indissociáveis da do apuramento da culpa face à atuação do autor no caso concreto (cfr. Acórdãos proferidos pelo STJ, em 30/09/1999 e 19/11/2003).
Nestes termos e nos melhores direito que V. Exas. mui e doutamente suprirão deverá o presente recurso proceder e em consequência ser revogada a decisão recorrida por ser de Justiça, e em consequência ser a Recorrente absolvida do pedido.”

A Recorrida/Casa de (...), veio a apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 3 de abril de 2014, concluindo:
“1. Improcedem totalmente as conclusões da Recorrente quanto á decisão sobre a matéria de facto.
2. Caso se entenda que se torna necessário ampliar a apreciação da matéria de facto, quanto á antiguidade do muro e da construção da Estrada Real contigua ao muro que ruiu, a Recorrida requer meramente a titulo subsidiário, a sua apreciação, por este Venerando Tribunal, ampliando a matéria de facto quanto a esta questão.
3. Devendo nesta eventualidade de apreciação, Subsidiariamente, estatuir-se que a construção do muro foi licenciado por Alvará Régio nº 311 do Ministério das Obras Públicas de 22 de Julho de 1876, onde foi imposto seguir o alinhamento e as cotas da estrada com as do muro em conformidade com as que foram dadas pela Direção das Obras Públicas do Distrito de (...);
4. Podendo concluir-se que a Recorrente atuou de forma negligente no cumprimento das suas obrigações conservatórias, não curando de manter as cotas de nível da pavimentação betuminosa da EN 322, em alinhamento com o embasamento do muro que ruiu;
5. Não curando de assegurar as medidas cautelares que o acréscimo de intensidade de tráfego, passou a exercer, no local, em ações horizontais sobre o embasamento do muro, pressionando a sua inclinação para o interior da propriedade da Recorrida.
6. Advertida tempestivamente a Recorrente, para a existência de efeitos causadores do dano, originados na diferença de cotas de pavimentação, que danificaram a estrutura da estrada, e causando pressão sobre a terra material interior em cota inferior ao acréscimo de pavimentação, esta negligentemente nada fez.
7. Advertida tempestivamente para o efeito danoso que emergia de a valeta, não se achar pavimentada á semelhança da valeta do lado oposto da estrada, não escoando convenientemente a água das enxurradas, a Recorrente nada fez.
8. A acumulação de água na valeta em terra junto ao muro, conjugada com as deficientes limpezas da mesma, foram causa adequada para o aluimento das fundações do muro.
9. A acumulação de vegetação que se fixa nos interstícios do muro do lado de fora, também terá contribuído para a erosão do muro e a limpeza pelo lado de fora competia á Recorrente, sobretudo a vegetação - nomeadamente hera que nascia na valeta - cabia aos serviços da Recorrente
10. A existência de impactos rodoviários sobre o muro também terá tido influência na ocorrência do efeito danoso.
11. Não são consequentemente verdadeiras as conclusões da Alegação da Recorrente nos pontos I a XII.
12. A acumulação de água na valeta é permanente sempre que chove, tanto que as testemunhas da Recorrente, foram ao local a correr com os seus serviços técnicos, providenciar pelo desentupimento de lixos e vegetação que entupia as passagens encanadas, por baixo dos pavimentos de acesso aos portões do muro.
13. Ao contrário do depoimento das testemunhas da Recorrente o depoimento das testemunhas da Fundação é absolutamente convincente quanto á quantidade de água que se acumula no local da valeta em terra, onde o embasamento do muro ruiu, sendo em consequência improcedentes e não provadas as conclusões XIII a XVII da alegação da Recorrente.
14. Acham-se em consequência, preenchidos todos os pressupostos da Responsabilidade Civil da Recorrente, e da sua obrigação de indemnizar.
15. Sendo improcedentes as conclusões XIII a XXIII da alegação de recurso da E.P.
16. Sendo que a valeta junto ao muro tem que ser revestida a betão por forma a escoar os caudais de água, onde existe pendência acentuada de escoamento como é o caso dos autos.
17. Sendo inexplicável o encarniçamento justificativo por parte dos Serviços Técnicos da EP em defender a manutenção de valeta em betão onde não existe pendente acentuado, nem captação de água freática, nem talude de escavação; e não querendo construir valeta revestida a betão, na área de tráfego onde a vertente é acentuada, e acumula água, que ao infiltrar-se ocasiona a erosão da sapata da sustentação do muro e transforma em "banheira de água" o local do sinistro, colocando o tráfego rodoviário em risco gerador de grandes sinistros, como já ocorreram.
18. Improcedem assim as conclusões XXIV a XXXIV da Alegação da Apelação da Recorrente, sendo a condenação desta a suportar metade do custo da reconstrução do muro decisão equitativa e;
19. Sendo absolutamente indiscutível a condenação da Recorrente a revestir a valeta contígua ao muro centenário que rodeia o Palácio Monumento Nacional, em conformidade com as suas próprias normas técnicas, que impõem o revestimento em betão ou encanamento, em todas as situações em que as infiltrações sejam inconvenientes.
Assim se julgando se fará uma vez mais Justiça!”
Em 7 de março de 2014 foi proferido Despacho de Admissão do Recurso.
O Ministério Público junto deste Tribunal, tendo sido notificado em 4 de julho de 2014, nada veio dizer, requerer ou promover.
Os presentes Autos foram-nos conclusos em 13-11-2019:
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, designadamente verificando do preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil, em função das questões colocadas relativamente à fixação da matéria de facto, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade, como provada e não provada, a qual aqui se reproduz:
Factos Provados
Com interesse para a decisão da causa consideram-se como provados os seguintes factos:
1) A autora é proprietária e legitima possuidora do prédio misto, sito em (…), Freguesia de (...), concelho e distrito de (...), descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 56215 e na matriz sob os artigos 410.° (rústico), 435.° e 93.°(Urbanos) (docs. 2, 3 e 4 juntos com a p.i.);
2) O referido imóvel confronta com a via pública, nomeadamente com a Estrada Nacional n.º 322 (EN 322) (ponto 2 do relatório do perito proferido no processo 10/13.8BEMDL-A);
3) A autora remeteu à ré ofício de 01.03.2012, no qual afirmava que a valeta da EN 322, punha em perigo de derrocada o muro confinante com a propriedade contígua ao Palácio de (...) (doc. 5 junto com a p.i.);
4) Em 20.03.2012 uma equipa de técnicos da ré deslocou-se ao local (doc. 2 junto com a contestação);
5) Em 03.05.2012, a autora, em novo ofício, comunicou à ré que o muro acabara de ruir (doc. 6 junto com a p.i.);
6) Na data em que o muro caiu chovia consideravelmente;
7) No local em que o muro ruiu a estrada encontra-se mais elevada que o terreno natural cerca de 1 metro, e o muro, que tinha cerca de 2 metros, encontrava-se mais elevado que a estrada cerca de 1 metro (questão 1 de fls. 4/8 do relatório do perito no processo 10/13.8BEMDL-A);
8) A parte derrubada do muro corresponde à quase totalidade da parte do muro de vedação (parte superior à estrada) e a cerca de 20 a 30 cm da parte do muro de suporte (parte inferior à estrada) (questão 1 de fls. 4/8 do relatório e ponto 6 do relatório complementar do perito no processo 10/13.8BEMDL-A);
9) A berma da EN 322 na zona que confina com a propriedade da autora, no local da derrocada do muro, apresenta uma valeta de plataforma em terra com vegetação (resposta 1 do ponto 3 do relatório do perito proferido no processo 10/13.8BEMDL-A);
10) Do lado oposto da estrada a berma está revestida a betão;
11) Em caso de acumulação de águas na valeta, a inexistência de revestimento da mesma origina infiltrações de água no solo, o que contribui para uma menor estabilidade dos solos (resposta 2 do ponto 3 do relatório do perito proferido no processo 10/13.8BEMDL-A);
12) O muro da propriedade da autora no local em causa apresenta desalinhamento que pende para o interior da propriedade da autora (pontos 4 e 8 do relatório do perito proferido no processo 10/13.8BEMDL-A);
13) Para a derrocada do muro contribuíram as seguintes causas: a construção da estrada que com o peso do aterro passou a exercer ações horizontais sobre o muro; a diferença de cotas entre a estrada e o terreno natural o que iniciou fenómenos de percolação que originaram o arrastamento de finos constituintes do muro e do respetivo solo de fundação; as sucessivas recargas de pavimentação que originaram um aumento de esforços para o qual o muro não estaria dimensionado; a acumulação de água na valeta originada pelo facto de a mesma não apresentar uma profundidade constante; a ação da vegetação que se fixa nos interstícios dos muros; impactes sobre o muro (ponto 5, 13 e 14 do relatório complementar do perito proferido no processo 10/13.8BEMDL-A);
14) A ação de vegetação referida supra reporta-se essencialmente ao crescimento de heras, que crescem que do lado exterior do muro (valeta) quer do interior do muro, bem como à existência de um salgueiro jovem na parte interior do muro encostado à parte que ruiu;
15) A autora efetua limpezas da vegetação uma vez por ano e a ré duas vezes por ano;
16) De acordo com as normas técnicas relativas ao traçado, as valetas serão sempre revestidas com betonilha e associadas a drenos, quer de profundos quer de respiração (ponto 1 do relatório complementar do perito proferido no processo 10/13.8BEMDL-A);
17) E de acordo com as normas técnicas relativas à drenagem em vias de comunicação, a estrutura deve ser revestida, entre outras situações, quando for inconveniente qualquer tipo de infiltração (proteção de aquíferos, estabilidade de taludes, etc.), independentemente da inclinação longitudinal (ponto 4 do relatório complementar do perito proferido no processo 10/13.8BEMDL-A);
18) Por correio eletrónico, a autora solicitou a 23.05.2012 cópia do relatório da equipa de técnicos e a reparação do muro o mais brevemente possível (doc. 7 junto com a p.i.);
19) A reparação do muro ascende a cerca de € 14 169,60 (doc. 10 junto com a p.i.).
Factos não provados
Com interesse para a decisão da causa, importa dar como não provados os seguintes factos:
1- A ré além das duas limpezas periódicas por ano, efetua intervenções pontuais caso necessário;
2- A autora procede a intervenções de conservação e reabilitação dos muros.

IV – Do Direito
Importa agora analisar, ponderar e decidir o suscitado.
No que aqui releva, e no que ao direito concerne, discorreu-se em 1ª instância:
“(...)
A autora imputa à ré um comportamento negligente de não cumprir o seu dever de zelo pela conservação e manutenção da EN 322.
Está, portanto, em causa uma omissão de conduta.
Importa, pois, dar como verificado o primeiro pressuposto. Dos factos provados resulta que a autora oficiou no sentido de a ré tomar diligências relativamente ao muro que ameaçava ruiu. A ré enviou uma equipa técnica ao local e nada fez, por entender que a queda do muro não lhe seria imputável. Estamos pois perante uma omissão voluntária.
Isto posto, a omissão em causa é ilícita?
No entender da autora a omissão é ilícita por ter ocorrido violação de um dever legalmente cometido à ré: o dever de zelar pela conservação e manutenção da Rede Nacional, incluindo aí a EN 322.
O artigo 9.º do referido Regime aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, “consideram-se ilícitas as ações ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos”, bem como nas situações em que se verifique um funcionamento anormal do serviço.
Na interpretação da noção de “ilicitude” a jurisprudência dos tribunais superiores refere que não é suficiente a existência de uma qualquer ilegalidade para estarmos perante um ato ilícito gerador de responsabilidade civil, sendo «necessário que a Administração tenha lesado direitos e interesses legalmente protegidos do particular, fora dos limites do ordenamento jurídico, ou seja, é necessário que a norma violada revele a intenção normativa de proteção do interesse material do particular, não bastando uma proteção meramente reflexa ou ocasional. (…) Ou seja, o conceito de ilicitude não se reconduz, sem mais, ao conceito de ilegalidade, antes pressupõe a violação de uma posição jurídica substantiva (direito subjetivo ou interesse legalmente protegido) do particular, pois nem todas as normas têm por finalidade a proteção de direitos e interesses individuais dos particulares, sendo que é necessário para que a ilegalidade gere ilicitude que a norma violada revele uma intenção normativa de proteção do interesse cuja lesão o particular invoca, ou, como refere Gomes Canotilho, é necessário existir uma «conexão de ilicitude entre a norma e princípio violado e a posição juridicamente protegida do particular.» – in Acórdão do STA de 27.01.2010, Proc. 0358/09.
De salientar ainda que «o juízo de ilicitude necessário à emergência da responsabilidade civil é um juízo emitido sobre o concreto comportamento do agente que assenta na consideração de que este violou as normas legais ou as regras de ordem técnica e de prudência comum que tinha de observar e que foi essa inobservância a determinar o facto danoso» – cfr. Acórdão do STA de 20.01.2010, Proc. 0302/09.
Trata-se, portanto, de um juízo objetivo.
Vejamos então se estamos na situação em apreço perante um ato ilícito.
Conforme resulta dos factos provados, a valeta que confina com a parte do muro da propriedade da autora que ruiu é de plataforma em terra com vegetação. Resulta também dos factos provados que numa valeta em que inexiste revestimento, a acumulação de águas origina infiltrações no solo o que compromete a sua estabilidade.
O Palácio de (...) constitui um monumento nacional, conforme Decreto de 16.06.1910, publicado no Diário do Governo, n.º 136, de 23.06.1910. E como é do conhecimento geral o Palácio de (...) é um edifício civil em estilo barroco, rodeado por uma propriedade rural, com jardins, vinhas, etc., e um muro que rodeia toda a propriedade.
De acordo com as normas técnicas relativas ao traçado, as valetas devem ser sempre revestidas com betonilha e associadas a drenos quer de profundos quer de respiração, e nos termos das normas técnicas relativas à drenagem, a estrutura deve ser revestida quando for inconveniente qualquer tipo de infiltração.
As normas técnicas relativas à construção de valetas visam proteger não só a própria estrada, de modo que a água não se acumule no piso, mas também outros interesses, designadamente os proprietários de terrenos contíguos à estrada: a valeta será sempre revestida quando a infiltração de água possa ser inconveniente. As normas técnicas exemplificam nitidamente situações em que é inconveniente a infiltração de água (existência de aquíferos ou estabilidade de taludes), o que significa que o revestimento das valetas é imposto também em outras situações não mencionadas.
Assim, afigura-se que se verifica o pressuposto da ilicitude: a ré não podia ignorar que a EN 322, no local em que o muro caiu é contígua a um monumento nacional, o qual se encontra rodeado por um muro centenário.
Neste contexto, a infiltração de água é manifestamente inconveniente: trata-se de um muro centenário, construído em momento anterior à própria estrada e que por isso está passou a estar sujeito a ações horizontais da plataforma, pelo que é necessário evitar qualquer tipo de infiltrações que possam destabilizar os solos.
Afigura-se, portanto, que a ré ao não revestir a valeta contígua a um muro centenário que rodeia um monumento nacional, quando as suas normas técnicas impõem o revestimento em todas as situações em que a infiltração seja inconveniente, agiu com ilicitude.
Quanto ao terceiro requisito, a culpa.
O artigo 493.º, n.º 1 do Código Civil dispõe que “quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.”
Não há dúvida em face da norma contida na Base 7, n.º 4, al. a) das Bases de Concessão à EP-Estradas de Portugal, S.A. que as valetas integram a noção de via que incumbe à ré vigiar.
Nos casos em que existe um dever de vigilância sobre a ré, cabe a esta «a prova de que não teve qualquer culpa na produção dos danos sofridos pelo Autor, bem como de que tomou todas as providências necessárias para impedir o acidente ou de que este se deveu a caso fortuito ou de força maior, determinante, só por si, do mesmo» – in Acórdão do TCA Norte de 25.10.2013, Proc. 00360/11.8BECBR.
Dos factos provados não é possível concluir que a valeta em terra coberta com vegetação constitua um sistema de drenagem superficial de água pluviais eficiente para o local: em primeiro lugar porque sendo a valeta contígua a um muro centenário que contorna um imóvel qualificado como monumento nacional, qualquer infiltração é inconveniente, tanto mais que o muro, construído de acordo com as técnicas construtivas da época, não foi idealizado para suportar a força horizontal exercida por uma estrada que lhe é posterior (não deixa porém, de merecer censura ético jurídica o facto de não haver o máximo de cuidado relativamente àquela valeta); em segundo lugar porque a valeta, uma vez que não apresenta uma profundidade constante, favorece a acumulação de água no seu interior, que posteriormente se infiltra nos solos, fragilizando-os, contribuindo para o arrastamento dos finos constituintes do muro, o que acaba por fragilizar a própria estrutura do muro.
Assim, embora a valeta possa cumprir a função de drenar águas pluviais de meia plataforma da estrada, não é eficaz, por estarmos em face a uma situação em que manifestamente a infiltração de água é inconveniente, o que não se obtém através de uma valeta em terra com coberto vegetal.
Depois, quanto ao nível da alegada intervenção que tem, afigura-se que a mesma é no caso insuficiente, uma vez que resulta dos autos a existência de vegetação que atua sobre os muros e que tem como proveniência a zona exterior, cuja limpeza e manutenção pertence à ré. Na verdade, ficou provado que sobre o muro crescem heras. As heras são vegetação de crescimento rápido, o que exige uma atenção especial pelo facto de estarmos perante um muro centenário, pelo que se afigura que as limpezas efetuadas naquele local são manifestamente insuficientes. Repare-se que a valeta é em terra com coberto vegetal, pelo que a limpeza superficial da vegetação duas vezes por ano, como alegado no artigo 37º da contestação, não impede que as heras que crescem do exterior da valeta se apoderem do muro e se introduz nos interstícios, contribuindo para a instabilidade do muro.
Afigura-se, pois, estar demonstrado o terceiro pressuposto legal.
Quanto ao quarto pressuposto (danos), afigura-se que é pacífico a sua existência.
Os danos consubstanciam-se na queda de uma parte dos muros que rodeiam a propriedade da autora e que confinam com a EN 322.
A queda dos muros consubstancia uma lesão dos direitos patrimoniais da autora; a lesão em causa é juridicamente tutelável. Embora só tenha ruído uma pequena parcela dos muros, não pode afirmar-se que a sua gravidade não atribui à autora direito a uma indemnização: tratam-se de muros centenários que rodeiam um monumento nacional, pelo que exige-se um especial cuidado e a lesão será sempre relevante, posto que a reconstrução importará sempre custos acrescidos de modo a respeitar o estilo arquitetónico e o enquadramento histórico-cultural dos mesmos.
Quanto ao último pressuposto.
Do artigo 563.º do Código Civil resulta que “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.
Consagra-se neste normativo a teoria da causalidade adequada, nos termos da qual, o ato ilícito será causa adequada para a produção do dano quando, em abstrato, seja uma causa apropriada, não existindo nexo causal quando, atendendo à sua natureza geral, o facto é indiferente para a produção do dano – cfr. acórdãos do STA de 06.03.2002, Proc. 48155 e de 06.11.2002, Proc. 1311/02 e do TCA Norte de 25.10.2013, Proc. 00360/11.8BECBR.
Ora, em face dos factos apurados, afigura-se que o facto ilícito invocado pela autora é um facto apropriado à produção do dano. Conforme resulta dos factos provados, o não revestimento da valeta aliado ao facto de a profundidade da mesma não ser constante originou a criação na valeta de
uma situação de acumulação de água e posterior infiltração nos solos, com a consequente menor estabilidade dos mesmos. Os muros em causa são muros centenários anteriores à construção da estrada e que não foram, portanto, dimensionados para suportar as dinâmicas horizontais exercidas pela via.
Resulta também dos factos provados que no dia em que o muro caiu chovia consideravelmente. Ora, a ação de fragilização da estabilidade do muro exercida pela acumulação e infiltração de água terá, portanto, levado o muro a inclinar-se paulatinamente para o interior da propriedade, dado ser esse o sentido da força horizontal exercida pela via, e uma vez que inexiste qualquer força que puxe o muro para o interior da propriedade, pelo que se afigura, em abstrato, que o facto constitui uma causa adequada para a produção do dano, pelo que se conclui pelo preenchimento também do último pressuposto legal.
Estando preenchidos os vários pressupostos legais, é de concluir pela existência de responsabilidade civil da ré.
A ré, invoca na p.i. que a autora tem culpa na produção do dano: devido à existência de vegetação e devido à inexistência de intervenções periódicas de conservação e de reabilitação do muro. Trata-se da invocação da culpa do lesado.
O artigo 4.º do Regime em análise estabelece o seguinte: “quando o comportamento culposo do lesado tenha concorrido para a produção ou agravamento dos danos causados, designadamente por não ter utilizado a via processual adequada à eliminação do ato jurídico lesivo, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas tenham resultado, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.”
O artigo referido determina que o julgador deve ponderar no âmbito da responsabilidade do Estado e demais entidades públicas a concorrência e factos praticados pelo administrado e que tenham concorrido ou agravado a produção os danos causados.
Dos factos provados resulta a existência de diversas causa que contribuíram para a fragilização do muro: em primeiro lugar, a diferença de cotas entre a estrada e o terreno natural; em segundo lugar, a construção da estrada e as sucessivas recargas de pavimentação; em terceiro lugar, a acumulação de água na valeta; em quarto lugar a ação da vegetação; em quinto os impactes sobre o muro; e em sexto lugar a inexistência de intervenções periódicas de conservação e reabilitação.
Atendendo às causas referidas, não pode concluir-se que a atuação da autora seja completamente indiferente à produção dos danos.
Em primeiro lugar, como salienta a ré, trata-se de um muro centenário que pela sua vetustez exige uma especial atenção da parte da autora. Ora, da matéria de prova não resulta que a autora tivesse uma especial atenção à conservação e reabilitação do muro.
Também a própria autora tem um dever especial de vigilância sobre o património construído, em conformidade com o artigo 3.º dos seus estatutos publicados em Diário do Governo n.º 35, III.ª série, de 11.02.1971.
Repare-se que o exercício conveniente do dever de vigilância pela autora teria permitido detetar mais cedo os sinais de cedência do muro, o que poderia ter permitido acionar os meios legais de forma a evitar o colapso do muro, intentando, por exemplo uma providência cautelar. Atendendo aos factos provados, a primeira notícia relativa à ameaça de ruína do mura data de 01.03.2012. porém o estado da valeta não era recente, mas já existia há mais tempo, bem como eventualmente a inclinação dos muros, o que indicia algum descuidado por parte da autora.
A autora também é imputável a existência de vegetação que crescendo do interior da sua propriedade tem ação sobre a estabilidade dos muros, designadamente heras, que são de crescimento rápido e se introduzem pelas interstícios do muro, provocando algum desalinhamento das pedras quer do exterior quer do interior do muro. Porém, esta causa não é apenas imputável à autora, já que dos autos resulta que o crescimento de vegetação invasiva do muro não ocorria apenas em relação ao interior da propriedade, mas também da zona da valeta cresciam heras que invadiam o muro e provocando a fragilização da estrutura.
Acresce que ficou demonstrada que a própria existência da estrada e a força horizontal exercida sobre o muro terão contribuído para a queda deste.
Assim, ponderando as várias causa atribuídas à ré e as atribuíveis à autora, não podendo estabelecer-se uma graduação certa entre as várias causas, afigura-se que a culpa da autora, relativamente às duas causas assinaladas não deve excluir o direito de indemnização da autora, mas tão-só diminuí-lo.
Sopesando as várias causas, afigura-se, pois, que a ré deve ser condenada a suportar metade dos custos de reconstrução do muro. As causas mais relevantes para a queda do muro parecem ser a de água na valeta, as forças horizontais exercidas pela via sobre o muro, a vegetação e a falta de reabilitação do muro pela autora.
A ré deve também ser condenada, em face das normas técnicas invocadas supra, a proceder à reparação/revestimento da valeta.
*
Deve, pois, julgar-se parcialmente procedente a presente ação.”

Vejamos:
Da Matéria de Facto
Importa referir desde já que a Recorrente assenta do seu Recurso predominantemente nas questões relativas à factualidade dada como provada, entendendo, em síntese, que a mesma mereceria censura, sem que, no entanto, se percecione em que medida é que o invocado poderia contribuir para a inflexão da decisão recorrida.

Em bom rigor a Recorrente se é certo que transcreve abundantemente depoimentos vários prestados em audiência de julgamento, em qualquer caso, não logrou “desmontar” ou descredibilizar a convicção firmada em 1ª instância.

Com efeito, a prova produzida e fixada parece-nos suficiente por, como lhe competia, o tribunal a quo se ter limitado a fixar a factualidade demonstrada, sem entrar em considerações de caráter conclusivo ou opinativo.

Efetivamente, o tribunal não pode substituir-se às partes no seu ónus de alegar e provar os factos que interessam à decisão, porquanto o dever de investigação que a lei processual comete ao juiz, apenas abarca a matéria de facto trazida ao processo os factos notórios ou de conhecimento geral (cf. artigos 5º, n.ºs 2 e 3, e 412º do Código de Processo Civil 2013 - artigos 264º, 514º e 664.º, 2.ª parte, do Código de Processo Civil 1995).

Na realidade, não obstante a tentativa da Recorrente em destacar e evidenciar as declarações prestadas, por forma a procurar validar o seu ponto de vista, o que é facto é que, em qualquer caso, não se mostra censurável a factualidade fixada.

Em qualquer caso, sempre se dirá que, pretendendo a recorrente que o tribunal ad quem procedesse à alteração da decisão do tribunal de 1 ª instância sobre a matéria de facto, sempre teria de indicar, além dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, quais os concretos meios de prova que impunham decisão divergente da adotada, sendo que as questões suscitadas se mostram predominantemente redundantes, sem acrescentar nada de substancial à factualidade provada, não infirmando o decidido, nem fragilizando a convicção firmada pelo tribunal a quo. (cfr. artº 685º-B, nº1, do CPC – Atual Artº 640º).

Determina o artigo 662º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, no seu n.º 1, por força do disposto no artigo 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que:
“A decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685.º-B, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insuscetível de ser destruída por quaisquer outras provas; (…)”

Na interpretação deste preceito tem sido pacífico o entendimento segundo o qual em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida (neste sentido os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 19.10.05, processo n.º 394/05, de 19.11.2008, processo n.º 601/07, de 02.06.2010, processo n.º 0161/10 e de 21.09.2010, processo n.º 01010/09; e acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte, de 06.05.2010, processo n.º 00205/07BEPNF, e de 14.09.2012, processo n.º 00849/05BEVIS).

Isto porque o Tribunal de recurso está privado da oralidade e da imediação que determinaram a decisão de primeira instância: a gravação da prova, por sua natureza, não fornece todos os elementos que foram diretamente percecionados por quem julgou em primeira instância e que ajuda na formação da convicção sobre a credibilidade do testemunho.

Como defende Antunes Varela, no Manual de Processo Civil, 2ª edição, página 657:
“Esse contacto direto, imediato, principalmente entre o juiz e a testemunha, permite ao responsável pelo julgamento captar uma série valiosa de elementos (através do que pode perguntar, observar e depreender do depoimento, da pessoa e das reações do inquirido) sobre a realidade dos factos que a mera leitura do relato escrito do depoimento não pode facultar”.

Por outro lado, o respeito pela livre apreciação da prova por parte do tribunal de primeira instância, impõe um especial cuidado no uso dos seus poderes de reapreciação da decisão de facto, e reservar as alterações da mesma para os casos em que ela se apresente como arbitrária, por não estar racionalmente fundada, ou em que seja seguro, de acordo com as regras da lógica ou da experiência comum, que a decisão não é razoável.

A prova fixada nos autos não impõe respostas diversas das que foram dadas pelo Tribunal a quo, não se evidenciando qualquer erro grosseiro na apreciação da prova.

Em qualquer caso, e sem prejuízo do afirmado precedentemente, importa agora dar uma atenção especial ao concretamente suscitado, sendo que, de acordo com as normas conjugadas dos artigos 635º, n.ºs 3 a 5, e 639º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC, são as conclusões que delimitam o objeto do recurso.

É esta a posição quer da doutrina quer da jurisprudência e que resulta lapidarmente esclarecido, designadamente, no acórdão do STJ nº 4691/16.2T8LSB.L1.S1, de 06-06-2018:
“Na doutrina:
Nas palavras de António Santos Abrantes Geraldes “[a]s conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do artigo 635º, n.º 3, do CPC. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões do recurso devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do tribunal Superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo Tribunal a quo.”
Para Fenando Amâncio Ferreira “no momento de elaborar as conclusões da alegação pode o recorrente confrontar-se com a impossibilidade de atacar algumas das decisões desfavoráveis. Tal verificar-se-á em dois casos; por preclusão ocorrida aquando da apresentação do requerimento de interposição do recurso, ou por preclusão derivada da omissão de referência no corpo da alegação.
Se o recorrente, ao explanar os fundamentos da sua alegação, defender que determinada decisão deve ser revogada ou alterada, mas nas conclusões omitir a referência a essa decisão, o objeto do recurso deve considerar-se restringido ao que estiver incluído nas conclusões.”
Por fim, para José Augusto Pais do Amaral “[o] recorrente que tenha restringido o âmbito do recurso no requerimento de interposição, pode ainda fazer maior restrição nas conclusões da alegação. Basta que não inclua nas conclusões da alegação do recurso alguma ou algumas questões, visto que o Tribunal ad quem só conhecerá das que constem dessas conclusões.”
Na jurisprudência:
Acórdão de 18.08.2013, proferido no processo n.º 483/08.0TBLNH.L1.S1:
1. O recorrente deve terminar as suas alegações de recurso com conclusões sintéticas (onde indicará os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida).
2. Essas conclusões devem ser idóneas para delimitar de forma clara, inteligível e concludente o objeto do recurso, permitindo apreender as questões de facto ou de direito que o recorrente pretende suscitar na impugnação que deduz e que o tribunal superior cumpre solucionar.
Acórdão de 27.10.2016 proferido no processo n.º 110/08.6TTGDM.P2.S1:
1. Sendo as conclusões não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações stricto sensu, mas também e sobretudo as definidoras do objeto do recurso e balizadoras do âmbito do conhecimento do tribunal, no caso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente indicar nelas os concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração.
2. Omitindo o recorrente a indicação referida no número anterior o recurso deve ser rejeitado nessa parte, não havendo lugar ao prévio convite ao aperfeiçoamento.”

Acontece que, em concreto, a Recorrente aduziu predominantemente o seu entendimento no corpo do Recurso e não tanto nas suas conclusões, as quais, como se viu e disse, são onde se define o objeto do recurso jurisdicional.

A título de exemplo, refere-se no corpo do Recurso, designadamente:
4·Pois, no entendimento da Recorrente, a matéria de facto constante nos pontos 13, 16, 17 e 19, foi incorretamente julgada, como se demonstrará pelos registos áudio dos depoimentos, por referência ao assinalado nas respectivas atas de audiência e que transcreveremos em cumprimento do disposto no artigo 640 nº 1 e 2 do CPC, ex vi 140º do CPTA, dai decorrendo uma distorção em matéria de culpa e de nexo de causalidade tendo, assim, essa errada apreciação, inquinado a solução jurídica final.
(...)
9· A este facto acresce desconhecer-se a data de construção do muro, pois a sua contemporaneidade com o monumento nacional "Palácio de (...)" não se encontra provada em nenhum dos documentos constantes dos autos, nem este apresenta qualquer traça arquitetónica que permita afirmar tal suposição, subsistindo a dúvida se esta estrutura não terá sido mesmo construída à data dos trabalhos na via, à semelhança dos muros da mesma propriedade confinantes com a EN322 e EN322-1, a cerca de 500 m do local.
(...)
24· Resulta também que a sentença, ora recorrida analisou erroneamente os factos, quanto ao nível de sobrecarga introduzido pelas recargas de pavimentação da plataforma rodoviária sobre o referido muro, sendo forçoso concluir que é relativamente baixo.
(...)
34.. Resulta pois da matéria de facto constantes dos autos, e aqui transcrita, que foi feita uma errónea avaliação da matéria de facto, com incongruências várias, não havendo prova bastante, que demonstre a responsabilidade da aqui Recorrente, nos factos que estarão na origem na queda do muro.
(...)
38- Por sua vez, foi possível apurar nos autos, que os muros da Fundação C., nunca sofreram uma reabilitação e conservação dos muros da, sua propriedade, como resulta dos factos não provados, e existiam sim, sinais eminentes de ruína, por via da omissão do proprietário na realização de obras de manutenção e de reabilitação as quais, face à vetustez da estrutura em causa assumem especial criticidade.
(...)
43- Reitera-se aqui já a transcrição dos depoimentos constantes dos pontos 32 e 33, do presente Recurso, onde se demonstra, que a presente valeta cumpre com as funções de drenagem a que está adstrita pelo que se discorda com o revestimento a que a aqui Recorrente foi “a quo" condenada.
(...)
64 -Da matéria de facto constantes dos autos e aqui transcrita, resulta uma errónea avaliação da matéria de facto, da sentença a quo, não havendo prova bastante, que demonstre a responsabilidade da aqui Recorrente, nos factos que estarão na origem na queda do muro.

Dito isto no corpo do Recurso, a Recorrente inicia as suas Conclusões com uma mera declaração remissiva, nos seguintes termos:
I. E assumindo a alteração da matéria de facto como antecede, nos termos do artigo 640° nº 1 alíneas a) e b) e c) do CPC, para fazer a costumada justiça, deve resultar como provado que a EP, atuou de forma diligente e no cumprimento estrito das suas atribuições.”

Assim, não obstante se entenda que as conclusões do Recurso densificam insuficientemente o objeto e objetivo pretendido, em qualquer caso, e para que não possam subsistir quaisquer dúvidas, sempre se dirá o seguinte:
No corpo do Recurso, a Recorrente insurge-se desde logo contra o facto dado como provado 13, no que se refere:
“13) Para a derrocada do muro contribuíram as seguintes causas: a construção da estrada que com o peso do aterro passou a exercer ações horizontais sobre o muro; a diferença de cotas entre a estrada e o terreno natural, o que iniciou fenómenos de percolação que originaram o arrastamento de finos constituintes do muro c do respetivo solo de fundação; as sucessivas recargas de pavimentação que originaram um aumento de esforços para o qual o muro não estaria dimensionado; a acumulação de água na valeta originada pelo facto de a mesma não apresentar uma profundidade constante; a ação da vegetação que se fixa nos interstícios dos muros; impactes sobre o muro. (...)"

Recorre a Recorrente a depoimentos descontextualizados de algumas das suas testemunhas, alegando que a estrada em causa nos autos é uma estrada centenária que convive com a estrutura do muro desde a sua edificação, atravessando a propriedade da Casa de (...), que circunda a estrada de ambos os lados numa extensão superior a 1 km, sem que, no entanto, tenha logrado demonstrar a virtualidade do afirmado no sentido de fazer infletir o sentido da decisão proferida.

Não obstante o esforço argumentativo da Recorrente, tal não teve igualmente a virtualidade de alterar o entendimento decorrente do facto 13, de acordo com o qual, foi "o peso do aterro, aplicado em pavimentações sucessivas construídas sobre a antiga estrada real, que passou a exercer ações horizontais sobre o muro, e a diferença de cotas entre a estrada e o terreno natural, que iniciou fenómenos de percolação que originaram o arrastamento de finos constituintes do muro e do respetivo solo de fundação".

É de evidenciar que o tribunal a quo relativamente ao controvertido facto provado 13, teve a preocupação de o densificar abundante e expressivamente:
Aí se disse, o seguinte:
“Quanto ao facto 13). Não foi possível concluir pela existência de uma causa única para a derrocada do muro; é convicção do Tribunal que a queda do muro se ficou a dever a vários fatores que conjugados debitaram, ao longo do tempo, a estrutura secular do muro, dando origem à sua queda.
Quanto à primeira das causas assinaladas (a construção da estrada que com o peso do aterro passou a exercer ações horizontais sobre o muro), teve-se em consideração o depoimento das testemunhas A. e C. que confirmaram que a estrada é posterior à construção do muro.
Teve-se também em consideração a inspeção ao local: foi possível observar a existência de uma inclinação acentuada de todo o muro (vedação e suporte) para o interior da propriedade da autora. Ora a inclinação do muro sugere que a estrada tem vindo a exercer ações horizontais sobre o muro, o que é salientado pelo próprio perito. A construção da estrada a um nível superior ao do terreno natural originou uma força horizontal sobre o mesmo que tem vindo a pressionar o muro, originando a sua inclinação para o interior da propriedade. É que a própria secção do muro designada por muro de suporte (parte abaixo do nível da estrada) se encontra inclinada para o interior da propriedade da autora.
Constatou-se também a existência de fissuração na estrada, o que também foi referido pelas testemunhas J., F., P., L.. As testemunhas A., C. e A-. referiram, no entanto, que a fissuração se ficava a dever ao rodado das viaturas. Porém, muito embora se possa atribuir a fissuração no local a alguma ação das viaturas sobre o pavimento, afigura-se que a mesma também é resultado e algum resvalamento da estrutura de estrada em direção à propriedade da autora, uma vez que a fissuração é muito grande na parte da estrada encostada ao muro da propriedade da estrada que se encontra inclinado para o interior, sendo que do lado contrário a fissuração é quase inexistente. E de ressalvar também que a intervenção ao nível do piso (colocação de microaglomerado com 0,8mm a 1 cm) foi em junho de 2013, pelo que não se afigura plausível atribuir como única causa da fissuração a passagem de viaturas, sobretudo quando os dados indicam uma diminuição de tráfego desde 2011 (depoimento de A. e de C.).
Quanto à segunda causa (diferença de cotas entre a estrada e o terreno natural o que iniciou fenómenos de percolação que originaram o arrastamento de finos constituintes do muro e do respetivo solo de fundação), para além de ser referida expressamente pelo perito, resulta também da inspeção ao local: foi possível observar no local a diferença de cotas entre a estrada e o terreno natural.
Quanto à terceira causa (as sucessivas recargas de pavimentação que originam um aumento de esforços para o qual o muro não estaria dimensionado). É referida pelo perito. Resulta também do depoimento das testemunhas A. e C. a existência de várias recargas de pavimentação. Esta ação veio reforçar a força horizontal que a estrutura de estrada passou a exercer sobre o muro.
Quanto à quarta causa (a acumulação de água na valeta originada pelo facto de a mesma não apresentar uma profundidade constante), resulta da inspeção ao local: foi possível constatar que a estrada e a valeta apresentam inclinação descendente no local em que o muro caiu, sendo que efetuadas as medições na valeta foi possível constatar que a sua profundidade não é constante, já que relativamente ao local onde o muro caiu a valeta apresenta 40 cms, mas um pouco mais acima (parte anterior quem segue a inclinação descendente da valeta e estrada) já apresenta 53 cms, o que significa que a água ao correr pela valeta origina a formação de um charco de água na valeta. Esta constatação foi conjugada com o depoimento das testemunhas J., I., F., L. que referiram a acumulação de água na valeta contígua ao muro da propriedade da autora (formação de “banheiras de água”), designadamente quando chovia de forma mais abundante. A testemunha P. referiu também que a inclinação da valeta não era constante, o que reforça, conjugada com as diferenças de profundidade da valeta, a conclusão de acumulação de água. Não se teve em consideração o depoimento das testemunhas no sentido de que quando chovia muito a água corria da valeta para a estrada, como indício do mau funcionamento da valeta, uma vez que não é unanime entre as testemunhas que frequentemente passam no local este facto; chovendo torrencialmente afigura-se plausível que as testemunhas possam ter a perceção de que a água corre da valeta para a estrada quando tal perceção se pode ficar a dever à quantidade de água que corre pela estrada; perceção que é reforçada pela existência na valeta de partes cobertas para permitir a entrada na propriedade da autora, o que significa que havendo muita água e um menor espaço para esta seguir o seu curso esta transborde para a estrada – todavia a secção onde este fenómeno ocorre é atrás do local onde o muro caiu.
Quanto à quinta causa assinalada (ação da vegetação que se fixa nos interstícios dos muros). Foi referida pelo perito, bem como pelas várias testemunhas inquiridas, tendo sido constatado na inspeção ao local da existência de restos de heras no muro (algumas de reduzidas dimensões e outras de dimensões consideráveis), foi ainda visível a existência de restos heras que passavam de um lado a outro do muro.
Quanto à última causa assinalada (impactes sobre o muro). A testemunha I. referiu que existiam carros que caiam na valeta, sendo necessário ajudá-los a sair de lá.”

Aliás, foi o próprio relatório pericial que, relativamente a esta questão, afirmou sintomaticamente o seguinte, em resposta à questão que lhe foi colocada:
“(...)
1 – “A secção/paramento do muro que ruiu, desempenha funções de suporte á estrada ou apenas de vedação da propriedade?”
Resposta: A secção do muro que ruiu desempenha funções de suporte à estrada e de vedação. A estrada encontra-se mais elevada que o terreno natural (dentro da propriedade dos A.), cerca de 1 m. O topo do muro encontra-se mais elevado que a estrada, cerca de 1 m, totalizando uma altura aparente de cerca de 2 m, em relação ao terreno natural (dentro da propriedade dos A.)
2 –“Na secção que ruiu, qual a altura do muro que tem função de suporte? Esta parte do muro com função de suporte, colapsou?
Resposta: Conforme resposta ao quesito nº 1, a altura com função de suporte é de cerca de 1 m. Essa parte do muro com função de suporte ruiu em parte. (...)"

Não se vislumbram pois quaisquer razões suficientemente válidas para que o facto 13 pudesse ser alterado.

O segundo segmento de impugnação fáctica, consta dos pontos 28 a 34, mais uma vez do corpo da Alegação de Recurso e não das suas conclusões.

Está aqui em causa o teor dos factos provados 9, 10, 11 e 12, nos quais se refere:
9) A berma da EN 322 na zona que confina com a propriedade da autora, no local da derrocada do muro, apresenta uma valeta de plataforma em terra com vegetação (resposta 1 do ponto 3 do relatório do perito proferido no processo 10/13.8BEMDL-A);
10) Do lado oposto da estrada a berma está revestida a betão;
11) Em caso de acumulação de águas na valeta, a inexistência de revestimento da mesma origina infiltrações de água no solo, o que contribui para uma menor estabilidade dos solos (resposta 2 do ponto 3 do relatório do perito proferido no processo 10/13.8BEMDL-A);
12) O muro da propriedade da autora no local em causa apresenta desalinhamento que pende para o interior da propriedade da autora (pontos 4 e 8 do relatório do perito proferido no processo 10/13.8BEMDL-A);

Invocou a Recorrida que o facto da valeta de plataforma em terra, consentir anormal acumulação de água, e não drenar com eficiência os caudais de água que na invernia se acumulam junto ao muro, era a causalidade principal para a corrosão do embasamento centenário do muro, dando origem á sua ruina e derrocada.

Mais uma vez não se vislumbram razões para censurar ou alterar a referida factualidade, quando resulta efetivamente provado que no lado oposto da controvertida via, a berma está revestida a betão, ao invés do lado da Casa de (...), sendo que a questão está até complementada pelo facto 17 onde se expressou que “(...) 17) E de acordo com as normas técnicas relativas á drenagem em vias de comunicação, a estrutura deve ser revestida, entre outras situações, quando for inconveniente qualquer tipo de infiltração (proteção de aquíferos, estabilidade de taludes, etc.), independentemente da inclinação longitudinal (...)”

Aliás a fundamentação constante da Sentença Recorrida relativamente as estes factos é igualmente elucidativa:
Aí se refere:
“No depoimento das testemunhas J., F., A., C. foi referido que a valeta junto ao muro é de terra coberta com coberto vegetal e que do lado oposto da estrada era revestida com betão, o que foi possível observar na inspeção ao local, pelo que se deram como provados os factos 9) e 10).
Teve-se em consideração quanto ao facto 12) o depoimento da testemunha J. que referiu a inclinação do muro e ainda a inspeção ao local, onde foi possível observar que no local onde o muro caiu existe uma forte inclinação para o interior da propriedade da autora, quer da secção do muro mais alta que a estrada (muro de vedação) quer da secção do muro abaixo do nível da estrada (muro de suporte).”

O terceiro segmento da impugnação fáctica refere-se á vegetação que se fixará nos interstícios do muro, igualmente não se vislumbrando razões que justifiquem qualquer alteração à matéria de facto atenta a prova feita.

Em termos de conclusão relativamente ao segmento em apreciação, não se reconhece pois a necessidade de proceder a qualquer das propostas alterações à matéria de facto dada como provada e não provada, a qual evidenciou de forma clara, aquela que foi a convicção a que chegou o tribunal a quo, em função da prova produzida e disponível, mostrando-se adequada e suficiente para suportar a decisão que veio a ser proferida, não se vislumbrando quaisquer razões que pudessem justificar a sua censurabilidade a ponto de determinar a inflexão da decisão recorrida.

Efetivamente, não se verificou assim, face ao exposto, qualquer erro no julgamento da matéria de facto, menos ainda evidente e grosseiro, que impusesse a sua alteração.

Do Direito
Finalmente, e no que respeita ao Direito, as únicas afirmações feitas a este respeito nas conclusões do Recurso, que como vimos já em pormenor, delimitam o objeto do recurso, não merecem acolhimento, até por se mostrarem conclusivas.

Desde logo importa sublinhar que o diploma predominantemente aqui aplicável no âmbito da Responsabilidade Civil será a Lei nº 67/2007, no qual assenta a decisão recorrida.

Diz o art.º 7º deste diploma, sob a epígrafe “Responsabilidade exclusiva do Estado e demais pessoas coletivas de direito público”, que:
“1 - O Estado e as demais pessoas coletivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de ações ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da função administrativa e por causa desse exercício.
(...)
3 - O Estado e as demais pessoas coletivas de direito público são ainda responsáveis quando os danos não tenham resultado do comportamento concreto de um titular de órgão, funcionário ou agente determinado, ou não seja possível provar a autoria pessoal da ação ou omissão, mas devam ser atribuídos a um funcionamento anormal do serviço.
4 - Existe funcionamento anormal do serviço quando, atendendo às circunstâncias e a padrões médios de resultado, fosse razoavelmente exigível ao serviço uma atuação suscetível de evitar os danos produzidos.
(...)”

Ainda na pendência do anterior regime, no âmbito do regime do DL nº 48.051, o STA entendia que a responsabilidade civil da Administração por atos de gestão pública assentava em pressupostos idênticos aos enunciados no artigo 483.º do Código Civil:
O facto; A ilicitude; A culpa; O dano e; O nexo de causalidade entre o facto e dano

São assim pressupostos deste tipo de responsabilidade civil:
a) o facto, comportamento ativo ou omissivo voluntário;
b) a ilicitude, traduzida na ofensa de direitos de terceiros ou disposições legais destinadas a proteger interesses alheios;
c) a culpa, nexo de imputação ético - jurídica do facto ao agente ou juízo de censura pela falta de diligência exigida de um homem médio ou de um funcionário ou agente típico;
d) a existência de um dano, ou seja, a lesão de ordem patrimonial ou moral, esta quando relevante;
e) o nexo de causalidade entre a conduta e o dano, segundo a teoria da causalidade adequada (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27.01.1987, de 12.12.1989 e de 29.01.1991, in Ac. Dout. n.º 311, p. 1384, n.º 363, p. 323 e n.º 359, p. 1231).

Esta responsabilidade corresponde pois, no essencial, ao conceito civilístico de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos que tem consagração legal no artigo 483º, nº1, do Código Civil (acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 10.10.2000, recurso n.º 40576, de 12.12.2002, recurso n.º 1226/02 e de 06.11.2002, recurso n.º 1311/02).

Efetivamente, a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas por atos ilícitos e culposos, pressupõe a existência de um facto ilícito, imputável a um órgão ou agente e a existência de danos que tenham resultado como consequência direta e necessária daquele.

No atual regime, estatui ainda o art.º 9º da Lei nº 67/2007, relativamente à “ilicitude”:
“1 - Consideram-se ilícitas as ações ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos.
2 - Também existe ilicitude quando a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos resulte do funcionamento anormal do serviço, segundo o disposto no n.º 3 do artigo 7.º”

O Tribunal a quo entendeu estarem preenchidos todos os pressupostos que justificavam a verificação de responsabilidade civil extracontratual por parte da aqui Recorrente, não tendo esta logrado demonstrar o contrário, atenta até a circunstância de ter predominantemente assentado o seu Recurso na matéria de facto, na expectativa que tal lhe permitisse alterar o sentido da decisão adotada, em decorrência da alteração dos pressupostos fáticos dados como provados, o que como se viu não logrou igualmente alcançar.

Assim, e finalmente, a Decisão de Direito não padece igualmente de censura, pois que a aqui Recorrente não está desonerada da responsabilidade de zelar pela conservação e manutenção das vias que lhe estão adstritas e confiadas, designadamente garantindo que as mesmas não causam danos nas propriedades adjacentes, como é o caso do muro da aqui Recorrida, que confina, no que aqui releva, com a EN 322, nos termos e para os efeitos do Art. 7° do Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e das Entidades Públicas publicado em Anexo á Lei nº 67/2007 de 31 de Dezembro, como resulta do discorrido em 1ª instância.

Aí se afirmou e no que aqui releva que "(...) Nos termos do artigo 7.° do referido Regime "o Estado e as demais pessoas coletivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de ações ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da função administrativa e por causa desse exercício."
Decorre dos artigos 7.° a 10.º do Regime em análise, e é jurisprudência assente, que a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas pública, pressupõe a verificação dos mesmos pressupostos previstos no Código Civil, pelo que importa recorrer ao artigo 483º do CC cfr. Acórdão do STA de 11.03.2010, Proc. 070/10, de 18.11.2009, Proc, 01046/08, e de 19.04.2005, Proc, 046339. (...)"

Pelo exposto, ratificando-se o entendimento adotado em 1ª instância, impõe-se julgar improcedente o Recurso, por não ter a Recorrente logrado demonstrar a verificação de qualquer dos vícios suscitados de modo a determinar a inflexão do sentido da decisão proferida.
* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão proferida em 1ª Instância.

Custas pela Recorrente

Porto, 17 de abril de 2020

Frederico de Frias Macedo Branco
Nuno Coutinho
Ricardo de Oliveira e Sousa