Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00489/14.0BEVIS |
Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
Data do Acordão: | 12/18/2014 |
Tribunal: | TAF de Viseu |
Relator: | Pedro Vergueiro |
Descritores: | RECLAMAÇÃO ART. 276º CPPT PENHORA FUNDAMENTAÇÃO PRESCRIÇÃO |
Sumário: | I) No processo de execução fiscal, sendo certo que está vedada à AT a prática de actos jurisdicionais, é-lhe permitida a prática quer de actos administrativos de natureza tributária, que respeitam à dívida tributária e integram procedimentos tributários (v.g. a reversão) quer actos de natureza processual, constituindo alguns meras operações materiais (remessa do título executivo ao órgão da execução, instauração da execução) e outros actos judiciais de tramitação processual sem natureza jurisdicional (citação, penhora, venda), cuja prática o legislador pôs a cargo da AT enquanto órgão da execução fiscal, a qual age como um mero “auxiliar” e ainda na conclusão de que a penhora de bens para garantir o pagamento de uma dívida em cobrança coerciva, sendo um acto de tramitação processual (de natureza não judicial) sujeito a estritas regras processuais não dá origem a qualquer procedimento de natureza tributária, não tendo aplicação o artigo 77.º da L.G.T., além de que atento o formalismo que enquadra a penhora de imóveis, fica ainda mais claro o enquadramento desta matéria no âmbito do processo de execução fiscal, não sendo sequer razoável contemplar a exigência do Recorrente, pois que não está em causa qualquer procedimento de natureza tributária, mas apenas um simples acto de tramitação processual como a citação. II) A Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2007) que revogou o n.º 2 do artigo 49.º da L.G.T., prevê no seu art. 91º nº 4 que “a revogação do n.º 2 do artigo 49.º da LGT aplica-se a todos os prazos de prescrição em curso, objecto de interrupção, em que ainda não tenha decorrido o período superior a um ano de paragem do processo por facto não imputável ao sujeito passivo”, o que significa que tendo desaparecido, com a revogação do n.º 2 do artigo 49.º a cessação do efeito interruptivo que nele se previa para os casos de paragem do processo por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte, os efeitos duradouros que o acto interruptivo produz durante a pendência do processo só terminarão com o termo do mesmo.* * Sumário elaborado pelo Relator. |
Recorrente: | V... |
Recorrido 1: | Autoridade Tributária e Aduaneira |
Decisão: | Negado provimento ao recurso |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
1 |
Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO V..., devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, datada de 27-09-2014, que julgou improcedente a pretensão pela mesma deduzida na presente instância de RECLAMAÇÃO, relacionada com o acto de penhora do imóvel sito na freguesia de Rio de Mouro, concelho de Sintra, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, efectuada no âmbito do processo de execução fiscal n.º 2550200601000748. Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 115-125), as seguintes conclusões que se reproduzem: “ (…) 1. O presente recurso vem interposto de sentença que decidiu julgar “improcedente a presente reclamação e, em consequência, mantém-se a penhora do imóvel sito na freguesia de Rio de Mouro, concelho de Sintra, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, efetuada no âmbito do processo de execução fiscal n.º 2550200601000748”. 2. Foi invocado pelo recorrente a nulidade do acto de penhora realizada no âmbito do presente processo de execução fiscal, já que a respectiva citação não foi correctamente julgada. 3. Sendo que a própria sentença recorrida reconhece expressamente que “é manifesto que a penhora efetuada nos autos executivos não se encontra fundamentada (...)”. 4. Ora, a omissão de elementos essenciais desencadeia a nulidade do acto. 5. E, porque o reclamante não foi validamente citado, verificando-se gerada a indicada nulidade, todos os actos praticados, posteriormente, têm de ser considerados nulos e de nenhum efeito. 6. Como consequência, sendo o mesmo nulo, não pode o acto de penhora produzir quaisquer efeitos jurídicos, devendo essa nulidade ser expressamente reconhecida por violação dos arts. 36.° do CPPT, 66.°, 68° e 123°, todos do CPA, 154°, 191º, 253°, todos do Código de Processo Civil (CPC) e 268°, n.° 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP). 7. A douta sentença ao não reconhecer a nulidade daquele acto incorreu em erro de julgamento. 8. Por outro lado, as dívidas passaram a prescrever no prazo de oito anos. 9. Assim, a prescrição foi interrompida com a citação, a 07.07.2006 (cfr. Facto provado n.° 4). 10. Entre 01.01.2003 e 07.07.2006 (data da citação), decorreram 3 anos, 7 meses e 7 dias, começando, de novo a correr o prazo no dia 07.07.2007, em virtude da revogação do n.º 2 do art. 49° da LGT, efectuada pela Lei n.° 53-A/2006 de 29.12, aplicar-se apenas para os casos futuros, e não ao caso sub judice. 11. Entretanto, entre 07.07.2007 e 03.03.2009 (data em que o processo suspende), cone 1 ano, 7 meses e 23 dias, que somados aos 3 anos, 7 meses e 7 dias, perfaz o prazo de 5 anos e 3 meses. 12. O processo esteve suspenso entre 03.03.2009 e 16.03.2010, sendo que posteriormente a esta data voltou novamente a correr. 13. Realça-se que as penhoras efectuadas não podem desencadear a suspensão, por não se verificarem os pressupostos do art. 169°, n.° 1, do CPPT (já que para que lograsse suspender o processo, aquela tinha de garantir “a totalidade da quantia exequenda e do acrescido”, como também tal tinha de ser “informado no processo pelo funcionário competente”, o que se ignora. 14. Assim sendo, dúvidas não restam que tais quantias foram atingidas pela prescrição. 15. Face a esta realidade insofismável impõe-se que a prescrição, de todas estas liquidações seja conhecida oficiosamente, de acordo com o disposto nos arts. 48° e 49°, ambos da LGT e art. 175° do CPPT. Termos em que deve dar-se provimento ao presente recurso e, cm consequência, ser revogada a douta sentença recorrida e substituída por outra, que dê provimento à reclamação apresentada, assim se fazendo A ACOSTUMADA JUSTIÇA!” Não houve contra-alegações. O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido da improcedência do presente recurso. Sem vistos, por se tratar de processo classificado de urgente, vem o processo à Conferência para julgamento. 2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO –QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, em apreciar a apontada falta de fundamentação do acto de penhora e bem assim saber se as dívidas relacionadas com liquidações de IRS de 2002 se encontram ou não prescritas.
O presente recurso vem interposto de sentença que decidiu julgar “improcedente a presente reclamação e, em consequência, mantém-se a penhora do imóvel sito na freguesia de Rio de Mouro, concelho de Sintra, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, efetuada no âmbito do processo de execução fiscal n.º 2550200601000748”. Neste âmbito, o Recorrente começa por defender a nulidade do acto de penhora realizada no âmbito do presente processo de execução fiscal, já que a respectiva citação não foi correctamente julgada, sendo que a própria sentença recorrida reconhece expressamente que “é manifesto que a penhora efetuada nos autos executivos não se encontra fundamentada (...)”, o que significa que a omissão de elementos essenciais desencadeia a nulidade do acto e, porque o reclamante não foi validamente citado, verificando-se gerada a indicada nulidade, todos os actos praticados, posteriormente, têm de ser considerados nulos e de nenhum efeito e como consequência, sendo o mesmo nulo, não pode o acto de penhora produzir quaisquer efeitos jurídicos, devendo essa nulidade ser expressamente reconhecida por violação dos arts. 36.° do CPPT, 66.°, 68° e 123°, todos do CPA, 154°, 191º, 253°, todos do Código de Processo Civil (CPC) e 268°, n.° 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP). Pois bem, como é sabido, o artigo 103º nº 1 da LGT aponta que “o processo de execução fiscal tem natureza judicial”, exprime literalmente o sentido de que a execução fiscal se realiza através de um «processo» e não de um «procedimento administrativo», no pressuposto hoje indiscutível que estamos perante realidades com natureza distinta, sendo que ao atribuir natureza judicial à execução fiscal, apesar de impulsionada e movida por um órgão administrativo, a lei afasta qualquer tentativa de o enquadrar na categoria jurídica de procedimento administrativo, o que bem se compreende porque actualmente procedimento e processo são realidades teleológica e formalmente diferenciadas. O procedimento surge não só como um instrumento de racionalização da actividade decisória da Administração, mas também como instrumento de legitimação da Administração, enquanto entidade que determina e regula os interesses em conflito, e assim, tomando decisões em que está pessoalmente empenhada. Ora, não é isso que acontece na execução fiscal, em que o órgão de execução fiscal evidencia um estatuto supra partes, intervindo no exclusivo interesse da paz jurídica, obrigado a apreciar e decidir as questões enquanto autoridade exterior e neutra perante o litígio, mesmo que tenha que decidir contra si próprio, como acontece com o reconhecimento oficioso da prescrição. Como o processo de execução fiscal é todo ele de natureza judicial, independentemente da natureza materialmente administrativa ou jurisdicional dos actos que nele sejam praticados, a conclusão lógica é que as normas previstas para o procedimento não se aplicam à categoria processo de execução fiscal. Por outro lado, como se aponta no Ac. do S.T.A. de 11-07-2012, Proc. nº 0665/12, www.dgsi.pt, “… Como o modelo de execução fiscal é construído segundo a forma de processo judicial, mas comporta ao mesmo tempo momentos jurisdicionais, da competência do juiz, e momentos administrativos, da competência do órgão da administração tributária, o conceito de acto materialmente administrativo tem que analisado numa tripla dimensão: orgânica, funcional e material. Do ponto de vista orgânico, são jurisdicionais quando praticados pelo juiz e são administrativos quando praticados por um órgão administrativo, seja o órgão de execução ou outro. Portanto, é irrelevante a distinção que por vezes se faz entre órgão que age como credor exequente e órgão que age como agente de execução. Do ponto de vista funcional, são actos cujos efeitos se produzem no e para o processo de execução fiscal e que por isso se caracterizam por uma natureza formal ou instrumental, ao serviço da pretensão de fundo dirigida à cobrança de créditos tributários. Ora, se execução fiscal deve ser qualificada como um processo, então o conjunto de actos por ele formado são actos processuais e não actos procedimentais. São actos processuais porque fazem parte do complexo de actos que formam a sequência processual e/ou porque têm relevância no desenvolvimento da relação processual. Não são actos procedimentais, porque não estão enquadrados num procedimento tributário que funcione como instrumento de concretização da relação jurídica tributária material que se estabeleceu entre o contribuinte e a administração tributária. A única conexão material que existe entre o procedimento tributário e o processo de execução fiscal concretiza-se na necessária antecedência daquele relativamente a este, na medida em foi nele que se formou o acto tributário subjacente ao título executivo. Do ponto de vista material, na definição do artigo 276º do CPPT, são actos que no processo afectam os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro. São “actos materiais” porque afectam verdadeiras posições jurídicas materiais que o executado dispõe no processo. A circunstância de se caracterizarem em pretensões de carácter instrumental, não impede o reconhecimento de que tais posições subjectivas são, em si mesmo, posições substantivas que, se forem respeitadas pelo órgão de execução fiscal, proporcionam ao executado utilidades efectivas, ainda que instrumentais. A partir do momento em que é instaurada a execução fiscal, emerge na esfera jurídica do executado, ao lado da posição substantiva que dá corpo à relação jurídica tributária materializada no título executivo, uma posição específica, que integra poderes, faculdades, deveres e sujeições, reportada ao desenvolvimento, modificação ou definição da relação processual. Ora, se essa posição subjectiva processual for afectada por um acto processual ilícito, o nº 2 do artigo 103º da LGT garante ao executado a abertura da via jurisdicional para defesa dessa posição. O direito à reclamação, através do processo expedito e urgente regulado nos artigos 276º a 278º do CPPT, é pois um direito subjectivo processual que o executado tem para se defender dos actos processuais lesivos das posições jurídicas que a lei processual lhe atribui. Em consonância com essa norma, o artigo 276º do CPPT estabelece que são susceptíveis de reclamação, as decisões proferidas pelo órgão de execução fiscal e outras autoridades da administração tributária «que no processo afectem os direitos e interesses legítimos do executado». Portanto, os actos materialmente administrativos objecto de reclamação são apenas aqueles que forem produzidos «no processo», ou seja, os actos processuais, ainda que simultaneamente aplicam normas de direito material. …”. Nesta sequência, temos de acompanhar a decisão recorrida quando faz notar que no processo de execução fiscal, sendo certo que está vedada à Administração Tributária a prática de actos jurisdicionais, é-lhe permitida a prática quer de actos administrativos de natureza tributária, que respeitam à dívida tributária e integram procedimentos tributários (v.g. a reversão) quer actos de natureza processual, constituindo alguns meras operações materiais (remessa do título executivo ao órgão da execução, instauração da execução) e outros actos judiciais de tramitação processual sem natureza jurisdicional (citação, penhora, venda), cuja prática o legislador pôs a cargo da Administração Tributária enquanto órgão da execução fiscal, a qual age como um mero “auxiliar” e ainda na conclusão de que a penhora de bens para garantir o pagamento de uma dívida em cobrança coerciva, sendo um acto de tramitação processual (de natureza não judicial) sujeito a estritas regras processuais não dá origem a qualquer procedimento de natureza tributária, não tendo aplicação o artigo 77.º da L.G.T., pelo que não tem sentido a crítica do Recorrente neste âmbito. Antes de avançar, importa notar que as causas de interrupção ou suspensão da prescrição atendíveis para o cômputo em concreto do prazo de prescrição são as previstas na lei vigente à data da respectiva ocorrência, em conformidade com o disposto no nº 2 do artigo 12º do Código Civil, e não, as previstas na lei cujo prazo for aplicável, independentemente do momento em que tais factos se tenham efectivamente verificado. Nesta sequência, considerando as dívidas de IRS referentes a 2000, verifica-se que o ora Recorrente foi citado para o processo de execução fiscal em 07.07.2006, situação que, nos termos do art. 49º nº 1 da LGT produziu a interrupção do prazo de prescrição, sendo que, interrompida a prescrição, inutiliza-se para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente. A partir daqui, o Recorrente aponta que começou de novo a correr o prazo no dia 07.07.2007, em virtude da revogação do n.º 2 do art. 49° da LGT, efectuada pela Lei n.º 53-A/2006 de 29.12, aplicar-se apenas para os casos futuros, e não ao caso sub judice. Ora, a leitura do Recorrente desta matéria não é a mais adequada, dado que, a Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2007) que revogou o n.º 2 do artigo 49.º da L.G.T., prevê no seu art. 91º nº 4 que “a revogação do n.º 2 do artigo 49.º da LGT aplica-se a todos os prazos de prescrição em curso, objecto de interrupção, em que ainda não tenha decorrido o período superior a um ano de paragem do processo por facto não imputável ao sujeito passivo. ”, o que significa que a tese do Recorrente tem de ser totalmente afastada por falta de apoio legal, realidade que compromete o êxito do presente recurso. Com efeito, e como bem refere a decisão recorrida, tendo desaparecido, com a revogação do n.º 2 do artigo 49.º a cessação do efeito interruptivo que nele se previa para os casos de paragem do processo por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte, os efeitos duradouros que o acto interruptivo produz durante a pendência do processo só terminarão com o termo do processo, ou seja, tendo ocorrido a interrupção do prazo de prescrição em 07.07.2006, o efeito duradouro que a citação produziu mantém-se, pelo que a dívida de IRS de 2002 não se encontra prescrita, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão no que concerne à pretensão do Recorrente. Nesta medida, tem de concluir-se, como na decisão recorrida, que o decurso do prazo prescricional que vem invocado pelo ora Recorrente como forma de extinção da execução descrita nos autos não ocorreu, atentas a causa interruptiva supra citada, o que significa que a sentença recorrida não merece qualquer censura, sendo de manter, devendo, nesta sequência, improceder totalmente o presente recurso jurisdicional. Daí que na improcedência das conclusões da alegação do recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências. Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida. Custas pelo Recorrente. Notifique-se. D.N.. Porto, 18 de Dezembro de 2014 Ass. Pedro Vergueiro Ass. Mário Rebelo Ass. Cristina da Nova |