Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00036/11.6BUPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/11/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Cristina da Nova
Descritores:NULIDADE DA SENTENÇA, OMISSÃO DE PRONUNCIA, IRC DE 1998, CUSTO FISCALMENTE RELEVANTE, BARCO DE RECREIO,
DESCONTOS COMERCIAIS E DESPESAS CONFIDENCIAIS.
Sumário:1.O facto de o barco de recreio, denominado, iate, ser utilizado pelo cliente que adquire 90% da produção e ter sido adquirido para o cativar não tem a densidade factual necessária para se concluir que os custos com o barco eram indispensáveis à formação dos proveitos. Importa demonstrar que as despesas incorridas com o barco estão relacionadas com uma política de marketing da empresa.

2. A fundamentação acionada para a correção não é adequada ao afastamento do desconto, porquanto não abala o que consta da contabilidade, nem tão pouco suporta a tributação como despesas confidenciais, pois que além de elas estarem documentadas, ainda que se pudesse aventar a sua insuficiência por estar assente em documentos internos, as despesas não são confidenciais pois que se sabe a quem se destinam os descontos.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:L., Lda
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

1. RELATÓRIO

L., S.A. inconformada com a sentença que julgou improcedente a impugnação judicial da liquidação adicional do IRC do período de 1998 e respetivos juros compensatórios.
*
A recorrente, formula nas respetivas alegações (fls. 243-308) as seguintes conclusões que se reproduzem:
«(…)
1ª. Na douta sentença recorrida, o Tribunal a quo não se pronunciou, como data venia lhe cumpria, sobre as questões deduzidas pela Recorrente elencadas em 2 supra;
2ª. Como tal, a sentença recorrida enferma de nulidade por omissão de pronúncia e, por isso, é nula – cfr., arts. 668º, nº 1, al. d) e 660º, nº 2, todos do Cód. Proc. Civil;
3ª. O Tribunal a quo ao considerar que não estava provada a efectiva desvalorização do real em 1998 e que essa questão era essencial para a sorte da acção – não obstante estar adquirido nos autos que foram efectuados os descontos nos termos acordados entre as partes – cumpria-lhe, ao abrigo do princípio do inquisitório a que está obrigado, ordenar a realização dos meios de prova que considerasse necessários para o efeito; não o fazendo, violou o disposto nos arts. 13º, nº 1 e 114º do CPPT, 99º, nº 1, da LGT e 265º, nº 3 do Cód. Proc. Civil, o que convoca a nulidade da decisão proferida, designadamente sobre a matéria de facto – cfr., art. 201º, nº 1, do CPC;
4ª. A sentença recorrida julgou incorrectamente a matéria fáctica ao não considerar provados o facto de o barco servir para cativar clientes e fornecedores e fomentar as vendas, a desvalorização do dólar e os descontos efectuados acordados entre as partes;
5ª. Com interesse para a boa decisão da impugnação, impõe-se ainda dar como provado, que, o barco se inscrevia na estratégia de marketing da Recorrente, era utilizado exclusivamente ao serviço e no interesse da Recorrente e na potenciação do seu negócio, o mundo do têxtil vive muito de aparências, de “show-off”, e que, nesse circunstancialismo, o barco era essencial para a actividade da Recorrente pois “era um chamariz”, era um barco com aparência e qualidade, projectando uma imagem de sucesso e de pujança, factor importante visto que o mercado em que a Recorrente se movimenta é de gama média alta, atenta a deslocação da produção a nível mundial para outros países que não Portugal, era necessário promover a empresa e cativar os clientes, o seu maior cliente adorava barcos, aquele cliente (e a sua manutenção) era essencial para a sobrevivência económica da Recorrente, que em 1998 o Real se desvalorizou fortemente face ao dólar, que os descontos efectuados foram acordados entre as partes como forma de compensar o cliente das desvalorizações cambiais sofridas pelo Real, que o barco, as despesas com ele relacionadas e os descontos efectuados visaram a manutenção da quota de mercado e dos clientes já angariados, que sem o barco e os descontos efectuados corria o risco de perder clientes e vendas, que sempre a administração fiscal, nos anos anteriores a 1998, aceitou como custos os encargos relacionados com o barco;
6ª. O Tribunal ad quem é um órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, cabendo-lhe decidir sobre a matéria de facto submetida à sua apreciação com base numa valoração autónoma dos meios de prova utilizados pelo Tribunal a quo para fundamentar a sua decisão, podendo, in casu devendo, alterar a decisão do Tribunal recorrido sobre a matéria de facto, de acordo com o disposto no art. 712º, n.ºs 1, al. a), e 2, do Cód. Proc. Civil – cfr., art. 690º-A, nº 1 e nº 2 do CPC (actual art. 685º-B, nº 1 e nº 2);
7ª. A apreciação crítica das provas produzidas, nomeadamente da reapreciação da prova gravada correspondente aos depoimentos gravados, na audiência de discussão e julgamento de 20.03.07, das testemunhas na J. (depoimento gravado na Cassete nº 1, Lado A, com início em 0 e até 2124), J. (depoimento gravado na Cassete nº 1, Lado A, com início em 2125 e até 2111 e Lado B, estando omisso na acta os nºs das voltas da fita magnética) e C. (depoimento gravado na Cassete nº 1, Lado B, estando omisso na acta os nºs das voltas da fita magnética), as únicas testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento e que revelaram ter um conhecimento dos factos dos autos que lhes permitiu depor, com conhecimento de causa e de modo convincente, sobre a matéria objecto dos respectivos depoimentos, determina que se devem considerar como provados os factos referidos nas conclusões 3ª e 4ª supra, tudo como vai melhor identificado em III. supra;
8ª. A administração fiscal não cumpriu o dever que sobre ela impendia de fundamentar e demonstrar a verificação dos pressupostos de que dependia a liquidação operada, sendo a prova e a fundamentação produzidas insuficientes para pôr em causa a factualidade e relevância das operações constantes da escrita da Recorrente: como são insuficientes para suportar a decisão de não aceitar como custos fiscais os encargos com o barco e os descontos efectuados aos clientes e de, consequentemente, liquidar à Recorrente o imposto que, em resultado daquela tomada de posição, considerava devido – vd., tb, art. 74º e 75º da LGT;
9ª. Limitando-se a em relação às despesas com o barco afirmar conclusivamente que o mesmo não era “necessário ao exercício da actividade desenvolvida pela empresa” e que “tais encargos, não são aceites como custo do exercício, por não serem necessários à realização dos proveitos (...)”; e em relação aos descontos que os mesmos não estavam documentados, não obstante reconhecer a existência de documentos internos que os atestavam;
10ª. Como é insuficiente a argumentação expendida para justificar, paralelamente, a tributação autónoma, ao abrigo do disposto nos arts. 81º do CIRC e 4º do DL 192/90, de 9.10, dos descontos efectuados;
11ª. Do mesmo passo, não está fundamentada a liquidação de juros compensatórios pois, entre o mais, não vêem alegados factos susceptíveis de preencherem o requisito de culpa da Recorrente no retardamento da liquidação ou entrega do imposto que se considere devido;
12ª. Não constando aquela fundamentação da notificação da liquidação remetida à Recorrente nem do Relatório de Inspecção que lhe foi notificado, nem tendo sido mencionado naquela notificação em que concreto e específico documento se encontrava a fundamentação do acto, é mister concluir pela violação do disposto no art. 63º do RCPIT e pela falta de fundamentação das liquidações impugnadas - cfr. art. 77º, nº 1 e nº 2 da LGT, 123º e ss do CPA, art. 268º, nº 3 da CRP e art. 35º, nº 1, nº 2 da LGT;
13ª. Decorre do disposto no art. 23º do CIRC que se consideram custos fiscais, os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora do sujeito passivo, o que deverá, entre o mais, ser visto e ponderado à luz da liberdade de gestão empresarial que assiste ao sujeito passivo;
14ª. O barco inscrevia-se na estratégia de marketing da Recorrente, era utilizado exclusivamente ao serviço e no interesse da Recorrente, promovia a manutenção e potenciação do seu negócio, permitia estreitar relações com clientes e fornecedores, nomeadamente com o maior cliente da Recorrente o Sr. C.; como tal os encargos relacionados com o barco, que eram irrisórios tendo em conta o volume de negócios da Recorrente, foram, segundo as regras da experiência comum, da leges artis da actividade e das circunstâncias do caso, adequadamente indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora da Recorrente, sendo por isso de aceitar a sua relevância fiscal como custo à luz do art. 23º do CIRC;
15ª. Todos os encargos relacionados com o barco e desconsiderados pela administração fiscal no exercício de 1998 foram por ela aceites como custos fiscais em exercícios anteriores, o que levou a Recorrente a considerar ser essa a posição firme da administração fiscal e, como tal, convenceu-se de poder levar a custos esses encargos; ao aceitar em 1998 aqueles custos que antes aceitou sem qualquer reserva, a Administração Fiscal viola, os princípios da segurança jurídica, da protecção da confiança e o princípio geral da boa fé – cfr., art. 1º e 2º da CRP e nº 2 do art. 762º do Cód. Civil;
16ª. A Administração Fiscal não considerou os descontos concedidos a clientes como encargos dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável, porquanto os mesmos não estavam, segunda ela, documentados;
17ª. Sucede que os referidos descontos estavam documentados por documentos internos dos quais constavam os pagamentos efectuados pelos seus clientes, as facturas liquidadas com aqueles pagamentos, os descontos efectuados por referência àqueles pagamentos e àquelas facturas – documentos que a administração fiscal reconhece existirem;
18ª. A pari, os clientes da Recorrente não efectuaram outros pagamentos que não aqueles referentes aos valores das facturas, deduzidos dos descontos efectuados;
19ª. Não existindo requisitos formais legalmente exigidos para a demonstração e documentação dos descontos efectuados, é mister concluir que os mesmos estavam devidamente documentados através daqueles documentos internos, o que afasta, sem mais, quer a sua desconsideração como custos fiscais por falta de documentação, quer a sua (paralela e cumulativa) tributação autónoma ao abrigo do regime previsto no art. 81º do CIRC e art. 4º do DL nº 192/90, de 9.10 – cfr., art. 219º do Cód. Civil, 115º do CIRC, 29º e 35º do Cód. Comercial;
20ª. Sempre e em todo o caso, a prova da realização daqueles descontos poderia ser feita – como foi – através de outros meios de prova, designadamente através da prova testemunhal – cfr., art. 115º do CPPT;
21ª. Por outro lado, resulta demonstrado que os descontos, para lá de terem sido efectivamente concedidos, corresponderam a uma forma de reajustar os preços acordados em escudos e compensar os clientes pelas fortes desvalorizações cambiais do real face do dólar verificada em 1998, permitindo-lhes desse modo colocar no mercado brasileiro os produtos adquiridos à Recorrente a preços concorrenciais;
22ª. Como ficou adquirido que os descontos efectuados resultaram de pressões – exigências - dos clientes que ameaçaram não pagar os montantes em dívida e deixar de efectuar compras à Recorrente; como tal, sai demonstrado que a realização daqueles descontos, foram essenciais para a manutenção dos clientes, para a manutenção do negócio da Recorrente, para o recebimento das vendas já efectuadas e para a continuação da realização de novas vendas, seja em 1998, seja nos anos subsequentes; ou seja, os descontos revelaram-se essenciais à formação do seu rendimento, devendo pois ser considerados como custos fiscais do ano em causa;
23ª. Pelo que acima se deixa exposto, mostra-se, de igual modo, descabida a tributação autónoma que incidiu sobre os descontos efectuados em 1998, designadamente pelo facto de os mesmos estarem devidamente documentados e provados, não caindo, pois, sob a previsão do art. 4º do DL nº 192/90, de 9.10;
24ª. Sem prejuízo do que antecede, considerando que o IRC tem por base os rendimentos obtidos no período de tributação pelo sujeito passivo, estando demonstrado que a Recorrente efectuou os descontos em causa nos presentes autos e que, por isso, não recebeu as quantias que lhes correspondem – está adquirido, até mesmo para a administração fiscal, que aquele rendimento não existiu - é mister concluir, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva e da tributação do rendimento real, que os mesmos não se traduziram em qualquer acréscimo patrimonial da Recorrente susceptível de tributação em sede de IRC – cfr., art. 1º, 3º 17º, nº 1 do CIRC, 103º, nº 1 e 104º, nº 2, da CRP, 4º, nº 1 da LGT;
25ª. O art. 81º do CIRC e o art. 4º do DL nº 192/90, de 9.10 (na redacção em vigor à data dos factos em causa nos presentes autos), são inconstitucionais porque não respeitam os termos do art. 104º, n.º 2 da CRP que circunscrevem ao rendimento o objecto passível de tributação;
26ª. Do mesmo passo, a tributação autónoma é violadora do princípio da proporcionalidade pois, representa uma dupla penalização do sujeito passivo, manifestamente excessiva: por um lado, ao não ser aceite como custo, a despesa desconsiderada – por falta de documentação - acresce à matéria colectável e à determinação do lucro tributável a ser objecto de tributação; por outro lado, a mesma despesa é ainda sujeita a tributação autónoma por, precisamente, se considerar não documentada – cfr., arts. 18º, nº 2 e 266º da CRP;
27ª. De igual modo, a interpretação dos arts. 23º e 42º, n.º 1, al. g) do CIRC, no sentido da não aceitação dos custos acima identificados (encargos com o barco e descontos), nomeadamente por não estarem devidamente documentados, é inconstitucional pois não permite o cumprimento do postulado constitucional da tributação do rendimento real – cfr., art. 104º, nº 2 da CRP;
28ª. A liquidação de juros compensatórios pressupõe que o contribuinte agiu com culpa, sob a forma de dolo ou de negligência no retardamento da liquidação ou entrega do imposto que se considere devido; para lá da liquidação de juros compensatórios não se mostrar devidamente fundamentada, está afastada a culpa da Recorrente porquanto em 1998 seguiu uma prática de contabilização já considerada nos exercícios anteriores e que nunca foi posta em causa pela administração fiscal, posição em que confiou – cfr. art. 35º, nº 1 , nº 2 e 77º, nº 1 e nº 2 da LGT e art. 94º, nº 1, do CIRC;
29ª. Na decisão recorrida, violaram-se as disposições legais supra citadas.
Termos em que, na procedência do recurso, requer-se a V. Exas. se dignem revogar a decisão recorrida, com todas as legais consequências, considerando-se procedente a impugnação apresentada.»
*

A recorrida, Fazenda Pública não contra-alegou.
*
O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se pela improcedência do recurso, conforme consta de fls. 342-345 do processo físico.
*
Sem vistos dos Exmos. Juízes adjuntos, por se concordar na sua dispensa, foi o processo à Conferência para julgamento.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR.

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações.

[a] Se a sentença incorreu em erro de julgamento de facto e de direito.
Antes, porém, saber se a sentença não se pronunciou sobre: -a não verificação dos pressupostos da tributação autónoma em relação aos descontos concedidos;
-Inconstitucionalidade da tributação autónoma art.81.º do CIRC e 4.º do DL n.º 192/90;
-Inconstitucionalidade dos arts. 23.º e 42.º, n. º1, al.g) do CIRC quando interpretados no sentido da não aceitação dos custos em causa, nomeadamente por não estarem documentados;
-violação, pela ATA, do princípio geral de boa-fé, segurança e proteção da confiança ao desconsiderar os custos, que nos exercícios anteriores tinha aceite;
-Inverificação dos pressupostos da liquidação dos juros compensatórios; incorrendo assim em nulidade dos arts. 668, n.º1, al. d) e 660.º, n.º 2, do CPC,
E, por isso, incorreu em nulidade por omissão de pronúncia.

[b] Erro de julgamento, ao não considerar nos factos provados que houve efetiva desvalorização do real em 1998, do mesmo passo, violação do princípio do inquisitório, ao não ordenar as diligências necessárias a tal apuramento da desvalorização do real e correspondente acordo quanto a descontos, nessa medida [arts. 13.º e 114.º do CPPT e 99.º, n.º1 da LGT, tornando a sentença nula em matéria de facto (art. 201.º do CPC);
-Erro de julgamento de facto ao não dar como provado que o barco servia para cativar clientes e fornecedores e fomentar as vendas e que ele se inscrevia numa estratégia de marketing da empresa sendo utilizado exclusivamente para esse fim, potenciação do negócio, decisivo na área têxtil que vive muito das aparências, entendendo que uma apreciação critica da prova testemunhal permite concluir deste modo.
Ademais, a fundamentação da AT mobilizada é meramente conclusiva, por se limitar a afirmar que o barco não era necessário ao exercício da atividade desenvolvida pela empresa, e por isso tais encargos não são aceites como custo de exercício, por não serem necessários à realização dos proveitos, em relação aos descontos que os mesmos não estavam documentados, não obstante reconhecer a existência de documentos internos que os atestavam.
*


3. FUNDAMENTOS de FACTO

Em sede de probatório a 1ª Instância, fixou os seguintes factos:
a)Na sequência de uma acção inspectiva levada a efeito pelos SPIT, à actividade desenvolvida pela impugnante nos anos de 1998 e 1999, foram efectuadas em sede de IRC e de IVA, correcções de natureza aritméticas (correcções técnicas) e correcções com recurso a métodos indirectos (cf. doc. de fls. 104 a 152 do PA). ---
b)A inspecção teve origem na ordem de serviço nº 27697, tendo sido iniciada em 19/11/2001 e terminada em 13/08/2002 (cf. doc. de fls. 106 do PA).
c)A inspecção teve prorrogações dos prazos ao abrigo do disposto no art. 36º, nº 3 do RCPIT devidamente autorizadas por Despacho de 02/05/2002 e 18/07/2002 do Director de Finanças, comunicados ao contribuinte em 15/05/2002 e 24/07/2002, respectivamente (cf. doc. de fls. 106 do PA e 193 a 199 dos autos). ---
d)A primeira das prorrogações teve por fundamento a complexidade das situações a analisar, dizendo-se que “1 -Foram verificadas divergências positivas nas aquisições intracomunitárias, no exercício de 1998, tendo sido efectuado pedido de informação – nível 3 – a ITALIA. Até à presente data ainda não foi obtida resposta. 2 – Foi ainda efectuada informação dirigida à Direcção de Serviços de Benefícios Fiscais, para conformar a veracidade de comissões atribuídas e ainda não pagas a um sujeito passivo inglês.
Apesar de no sistema informático constar o início de actividade em 26-06.2000, foram contabilizados como custo comissões referentes ao exercício de 1999. 3 – Aguarda-se respostas aos pedidos efectuados. Depois de vindos e analisados, procede-se à elaboração do Projecto de Relatório(cf. doc. de fls. 195 dos autos). ---
e)A segunda prorrogação teve por base a complexidade das situações a analisar ali se referindo “A visita foi efectuada em 19.11.01 teve um período de ampliação autorizado em 02-05.02, que terminava em 19.08.02, não sendo possível terminar em tempo útil todos os procedimentos de inspecção. 2 – Foram verificadas divergências positivas nas aquisições intracomunitárias no exercício de 1998, tendo sido efectuado pedido de informações – nível 3 – a Itália. 3 – Foi ainda efectuado pedido de informação dirigido á Direcção dos Serviços de benefícios Fiscais, para confirmar a veracidade de comissões atribuídas a um sujeito passivo inglês. 4 – Até á presente data ainda não foi recebida qualquer resposta(cf. doc. de fls. 199 dos autos). ---
f)Em relação ao exercício do ano de 1998 foi apurado que “Embora exercendo a actividade de comércio e industria têxtil, o sujeito passivo possuía um “Barco” de recreio ancorado no Algarve, bem não necessário ao exercício da actividade desenvolvida pela empresa, tendo considerado como custo o montante de 2.817.225$00 (€14.052,26), relativos a encargos a ele inerentes (gasóleo, amarração, seguro e outras despesas) contabilizadas na conta “62 – fornecimento e serviços a terceiros”, nas subcontas “6221212”, “622191”, “6222361”, “622237” e “622326”.
Tais encargos não são aceites como custo do exercício, por não serem necessários à realização dos proveitos, devendo ser acrescidos aos resultados líquidos…” (cf. doc. de fls. 197 do PA). ---
g)Apurou-se, ainda, em relação à contra 68.6 – Descontos concedidos que “Praticamente todas as vendas efectuadas destinaram-se ao mercado externo – Brasil. Analisados os documentos referentes aos recebimentos de clientes, verificou-se que, nos documentos bancários de transferência de moeda estrangeira não é mencionado o nº de factura que é paga. Dos vários documentos bancários referentes ao pagamento, apenas três identificam o nome do cliente e três deles mencionam como ordenador “GARTER TRADING SA”, não sendo possível apurar de quem sem trata. Os montantes recebidos nunca coincidem com os valores das facturas em moeda estrangeira” (cf. doc. de fls. 107 do PA). ---
h)Diz-se, ainda, que “Com base nestes documentos bancários eram elaborados documentos internos que mencionavam o cliente, as facturas que eram pagas e, sobre os valores em moeda estrangeira recebidos era considerada percentagem de desconto concedido de 7,5%, que foi contabilizado no conta “68.6 – descontos de pronto pagamento concedidos”, e que totalizam o montante de 8.887.308$00 – documentos internos nº 15004, 15005, 15014, 35022, 45002, 55008 e 55018 “ (cf. doc. de fls. 108 do PA). ---
i)Das correcções referidas em d), e) e f) foi a impugnante notificada para efeitos de audição prévia, direito que veio a exercer expondo os motivos da sua discordância, não almejando qualquer sucesso (cf. fls. 122 a 124 do PA e 170 a 192 dos autos). --
j)Sobre o relatório da inspecção recaiu o despacho de 13/08/2002, do Chefe de Divisão de “Concordo” (cf. fls. 104 do PA). ---
k)O relatório final foi notificado à impugnante através do ofício nº 433955 datado de 14/08/2002, acompanhado do dito relatório, e do ofício nº 435631 de 28/08/2002, recebido a 6/09/2003, ali se dizendo entre outras coisas que “Da presente notificação das correcções efectuadas e dos fundamentos não cabe qualquer reclamação ou impugnação. Da correspondente liquidação, a efectuar pelos serviços da DGCI será notificado a breve prazo, com indicação dos prazo e meios de defesa aplicáveis(cf. doc. de fls. 88 a 124 do PA). ---
l)Por tal facto foi emitida em 20/09/2002, a liquidação de IRC nº 2002 8310033449, relativa ao ano de 1998, no montante de €42.983,49 com data limite de pagamento de 06/11/2002 (cf. doc. de fls. 36, 81 e 82 do PA).
m)Em 04/02/2003, a impugnante, por não concordar com a liquidação, deduziu reclamação graciosa à qual foi atribuído o nº 3182-03/400072.2 (cf. informação de fls. 84 do PA). ---
n)Em 1998 a impugnante tinha um cliente brasileiro – C. – que representava mais de 90% da produção da impugnante (cf. depoimento das testemunhas). ---
o)O barco foi comprado com o intuito de cativar o C. (cf. depoimento das testemunhas). ---
p)O C. passava férias com a família e amigos no barco da impugnante (cf. depoimento das testemunhas). ---
q)As encomendas brasileiras eram pagas em dólares e através de empresas cambiais (cf. depoimento das testemunhas). ---
r)Os descontos feitos pela impugnante ao cliente brasileiro serviam para corrigir as diferenças entre o dólar e o real e eram exigidos pelo próprio cliente (cf. depoimento das testemunhas). ---
s)Os pagamentos dos clientes não eram feitos de forma atempada, mas antes com atrasos (cf. depoimento das testemunhas). ---

Factos não provados

Não resultou provado que a posse do barco servia para angariar clientes ou fomentar as vendas. ---
Efectivamente, nenhuma das testemunhas conseguiu indicar um único cliente cativado através da posse daquele barco. ---
O mesmo se diga no que concerne à angariação de fornecedores, pois o que resultou provado foi que o barco servia para uso de um único cliente quando este se deslocava de férias a Portugal juntamente com a família.
Não se provou qual a efectiva desvalorização do dólar que ocorreu no ano de 1998, de forma a permitir apurar se os descontos efectuados correspondiam ou não à dita desvalorização. ---
Acresce o facto de os pagamentos não serem feitos atempadamente, mas antes à medida das possibilidades dos clientes e com atrasos, o que descredibiliza a teoria dos descontos.»
*

4.Apreciação jurídica do Recurso.

O primeiro vício apontado à sentença é o da sua nulidade, razão pela qual goza de primazia relativamente aos demais, uma vez que a sua procedência poderá contender com o conhecimento dos vícios de julgamento.

4.1. Nulidade por omissão de pronúncia:
Vejamos se a sentença não se pronunciou sobre a não verificação dos pressupostos da tributação autónoma em relação aos descontos concedidos;
-Inconstitucionalidade da tributação autónoma art.81.º do CIRC e 4.º do DL n.º 192/90;
-Inconstitucionalidade dos arts. 23.º e 42.º, n. º1, al.g) do CIRC quando interpretados no sentido da não aceitação dos custos em causa, nomeadamente por não estarem documentados;
-violação, pela ATA, do princípio geral de boa-fé, segurança e proteção da confiança ao desconsiderar os custos, que nos exercícios anteriores tinha aceite;
-Inverificação dos pressupostos da liquidação dos juros compensatórios; incorrendo assim em nulidade dos arts. 668.º, n.º1, al. d) e 660.º, n.º 2, do CPC.
Ora,
É nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. [art. 125.º, n. º1 do CPPT e 660.º, n.2, e 668, n. º1, al. d) do CPC]
Só há omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução do litígio.
A falta de pronúncia dá-se quando, incumbindo ao juiz a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, todos os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio [tendo em consideração o pedido e causa de pedir e eventuais exceções invocadas]

Na verdade, os fundamentos acima elencados foram invocados na petição.
A sentença concluiu pela validade das correções em matéria de desconsideração como custos fiscais quer as despesas com a utilização do barco de recreio, por não serem indispensáveis para a realização dos proveitos da impugnante no âmbito do art. 23.º do CIRC, quer os custos registados com descontos comerciais.
Neste contexto importaria, então, conhecer do enquadramento feito pela administração tributária no que respeita aos descontos comerciais, que foram enquadrados pela AT nas despesas confidenciais e, por isso, sujeitas a tributação autónoma, bem como, se tal interpretação da norma do art. 81.º e 4.º do DL 192/90 é ou não inconstitucional.
Seria, ainda, necessário analisar, na ótica colocada pela impugnante, se a AT violou o princípio da boa-fé ao desconsiderar custos que havia aceitado em anos anteriores, como as despesas com o barco e se estavam ou não verificados os pressupostos de aplicação dos juros compensatórios liquidados ao sujeito passivo.
Trata-se, por conseguinte, de questão que o juiz se deveria ter pronunciado [660, n. º2 CPC e 608.º, nº2 NCPC].
Tal omissão gera a nulidade da sentença nesta parte, que de acordo com o art. 665.º do CPC importa que este tribunal conheça em substituição.
De acordo com o art. 715º, n.º1, do CPC anterior ao DL 307/2007 de 24/8, “Embora o tribunal de recurso declare nula a sentença proferida na 1ª instância, não deixará de conhecer do objeto da apelação.” [atualmente o art. 665.º do CPC].
Todavia, o conhecimento da apelação neste segmento, passa ainda por saber se a sentença incorreu ou não em erro de julgamento de facto e de direito, o que se fará de imediato, sem antes se deixar de dizer que no estabelecimento da matéria de facto não há qualquer nulidade, pois, como se vem de dizer, o problema colocado não é de nulidade mas será de erro de julgamento saber se foi feita prova quanto ao apuramento da desvalorização do real e consequente acordo quanto a descontos, nessa medida, implicando saber se ao decisão da matéria facto foi relevantemente impugnada [art.685.º -B do CPC e atual 640.º].

4.2. Erro de julgamento, ao não considerar nos factos provados que houve efetiva desvalorização do real em 1998, do mesmo passo, violação do princípio do inquisitório, ao não ordenar as diligências necessárias a tal apuramento da desvalorização do real e correspondente acordo quanto a descontos, nessa medida [arts. 13.º e 114.º do CPPT e 99.º, n.º1 da LGT, tornando a sentença nula em matéria de facto (art. 201.º do CPC);
-Erro de julgamento de facto ao não dar como provado que o barco servia para cativar clientes e fornecedores e fomentar as vendas e que ele se inscrevia numa estratégia de marketing da empresa sendo utilizado exclusivamente para esse fim, potenciação do negócio, decisivo na área têxtil que vive muito das aparências, entendendo que uma apreciação critica da prova testemunhal permite concluir deste modo.
Ademais, a fundamentação mobilizada pela AT é meramente conclusiva, por se limitar a afirmar que o barco não era necessário ao exercício da atividade desenvolvida pela empresa, e por isso tais encargos não são aceites como custo de exercício, por não serem necessários à realização dos proveitos, em relação aos descontos que os mesmos não estavam documentados, não obstante reconhecer a existência de documentos internos que os atestavam.

Vejamos como é que o tribunal decidiu em matéria de facto relacionada com as impugnadas correções.
Da matéria de facto provada, no que ao barco respeita, consta da sentença, além da fundamentação que presidiu às correções, que:
n)Em 1998 a impugnante tinha um cliente brasileiro – C. – que representava mais de 90% da produção da impugnante;
o)O barco foi comprado com o intuito de cativar o C..
p)O C. passava férias com a família e amigos no barco da impugnante.
Não resultou provado que a posse do barco servia para angariar clientes ou fomentar as vendas.
Não obstante a recorrente discordar com o julgamento da matéria de facto porquanto entende que havia que dar como provados outros factos, certo é que a decisão da matéria facto não foi relevantemente impugnada [art.685.º -B do CPC e atual 640.º].

A Recorrente não deu cabal cumprimento ao ónus que sobre si recaía, de especificar os concretos pontos de facto que considerou incorretamente julgados e de indicar as passagens dos depoimentos gravados em que se apoiou para os dar como não provados (art. 690ºA, nºs 1 e 2 do CPC). Cfr. Recursos no Novo Código de Processo Civil, António Santos Abrantes Geraldes, 2ª edição 2014, Almedina, página 130-136.

Em vez disso remeteu-se em bloco para o conteúdo dos depoimentos, ou seja, quedou-se por um recurso genérico contra a errada decisão da matéria de facto, atirando para o tribunal de recurso a tarefa de averiguar e adivinhar os factos que tinha em vista e as passagens dos depoimentos gravados que os confirmavam ou infirmavam.

Aliás, o que a Recorrente pretende, do modo como estruturou o seu recurso, claramente o expressa nas suas conclusões, é uma repetição do julgamento da matéria de facto pelo tribunal de recurso, ou seja, um reexame que permita a repetição da instância no tribunal de recurso.
Com efeito, neste particular a recorrente faz uma impugnação genérica quanto à produção da prova testemunhal em matéria de custos, simultaneamente, não formula o facto concreto que havia de ser dado como provado decorrente também do que foi dito por cada uma das testemunhas, improcedendo, assim, este segmento do recurso.

Estabilizado o julgamento de facto, vejamos:

Em face daqueles factos discreteou a sentença do seguinte modo: “(…)
Por fim, questiona a impugnante as correcções técnicas de que foi alvo e que têm a ver com o facto de não terem sido aceites como custos fiscais as despesas com um barco de recreio e os descontos concedidos, argumentando que os custos em causa são indispensáveis à realização dos seus proveitos e à manutenção da sua fonte produtora. ---
Não resultou provado que a posse do barco servia para angariar clientes ou fomentar as vendas. ---
Efectivamente, nenhuma das testemunhas conseguiu indicar um único cliente cativado através da posse daquele barco. ---
O mesmo se diga no que concerne à angariação de fornecedores, pois o que resultou provado foi que o barco servia para uso de um único cliente quando este se deslocava de férias a Portugal juntamente com a família. ---
Assim sendo, não resultou provado que aquele barco configurava um custo indispensável para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, sendo certo que só esses são susceptíveis de serem considerados nos termos do disposto no art. 23º do CIRC.

Vejamos.
A AT na sua fundamentação para proceder à desconsideração dos encargos com gasóleo, amarração, seguro do barco de recreio, deixou expresso no relatório o seguinte:” Em relação ao exercício do ano de 1998 foi apurado que “Embora exercendo a actividade de comércio e industria têxtil, o sujeito passivo possuía um “Barco” de recreio ancorado no Algarve, bem não necessário ao exercício da actividade desenvolvida pela empresa, tendo considerado como custo o montante de 2.817.225$00 (€14.052,26), relativos a encargos a ele inerentes (gasóleo, amarração, seguro e outras despesas) contabilizadas na conta “62 – fornecimento e serviços a terceiros”, nas subcontas “6221212”, “622191”, “6222361”, “622237” e “622326”.
Tais encargos não são aceites como custo do exercício, por não serem necessários à realização dos proveitos, devendo ser acrescidos aos resultados líquidos…”

Assim, decorre que a correção levada a cabo pela IT Inspeção Tributária. funda-se na não indispensabilidade para obtenção dos proveitos e ganhos sujeitos a imposto e para a manutenção da fonte produtora, nos termos do art. 23.º do CIRC.

A Recorrente havia alegado que o barco tinha em vista a manutenção da sua quota de mercado e dos clientes angariados, para o que veio dizer que o barco de recreio tinha uma utilização exclusiva ao serviço da empresa, relacionada com a sua atividade têxtil, cujo mercado é extremamente competitivo, com concorrência de países terceiros com preços mais baixos, e que a manutenção de tais clientes passava, também, pelos especiais contactos pessoais, laços de proximidade e não estritamente comerciais, franqueando os clientes com mordomias que os possam cativar e fidelizar, tendo em conta o volume de negócios efetuados com eles.

A empresa opera no sector têxtil, com atividade comercial e industrial no segmento da confeção de roupa de vestir, essencialmente dirigida para exportação para o Brasil sendo o seu principal cliente o Sr. C., que absorve 90% da produção da impugnante, o qual nas suas deslocações a Portugal, no gozo de férias, utiliza o barco.
Ora,
Esta circunstância acoplada aos factos provados o) e p) não permitem concluir que a utilização do barco assegurava uma imagem de sucesso e “pujança” à empresa e com isso barco de recreio “tinha uma utilização exclusiva ao serviço da empresa, relacionada com a sua atividade têxtil, cujo mercado é extremamente competitivo, com concorrência de países terceiros com preços mais baixos, e que a manutenção de tais clientes passava, também, pelos especiais contactos pessoais, laços de proximidade e não estritamente comerciais, franqueando os clientes com mordomias que os possam cativar e fidelizar, tendo em conta o volume de negócios efetuados com eles.”

O que fica provado é que o principal cliente usufrui do barco, mas nada indica que o barco fazia publicidade à empresa ou que fazia divulgação dos seus produtos ou que era usado ao serviço da empresa, como difundir coleções de roupa.

Em momento algum é demonstrado que o barco foi adquirido com fito exclusivo de dar publicidade e imagem à recorrente e que a sua utilização estava afeta afins eminentemente de imagem e marketing da empresa, funcionando como “chamariz” a clientes nacionais e estrangeiros.

O facto de o barco ser utilizado pelo cliente que adquire 90% da produção e ter sido adquirido para o cativar não tem a densidade factual necessária para se concluir que os custos com o barco eram indispensáveis à formação dos proveitos até porque se desconhece se alguns dos custos, como combustível, se reportam ao período de utilização deste cliente ou, também, no uso e interesse pessoal dos proprietários da Recorrente ou dos elementos que compõem os seus órgãos sociais. .
Não emerge da factualidade provada que a utilização do barco pelo cliente brasileiro fomentou vendas ou as manteve no sentido de que, não fora essa utilização jamais compraria 90% da produção da recorrente.

Dispunha o artigo 23º, n.º 1 do CIRC que se consideram custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, enumerando de seguida nas diversas alíneas, e de modo exemplificativo, alguns dos custos ou perdas aos quais se deve atribuir relevância fiscal.

Como tem sido jurisprudência maioritária Ac. do STA de 28-06-2017, disponível em www.dgsi.pt
nos nossos tribunais superiores, bem como da doutrina que se debruça sobre esta temática, não tem de haver uma conexão, do tipo causa-efeito, entre custos e proveitos, pelo que, ambas se vêm afastando da visão finalística da indispensabilidade [enquanto requisito para que os custos sejam aceites como “custos fiscais”]

Todavia, o gasto tem de se apresentar conexionado com a empresa com a sua expansão ou divulgação de tal sorte que não deixam de se relacionar com a sua atividade.
Um custo será aceite fiscalmente num juízo reportado ao momento em que é efetuado e seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, não pode é ser contraído no interesse que não seja dela ou, dito de outro modo, não se inscrever (tais custos) tal custo no âmbito da sua atividade, antes na prossecução de objetivos alheios, pois que, acionando as regras da experiência se concluiu que não se inscreve naquela atividade, ainda que de foram mediata. STA de 28-06-2017, no recurso n.º 0627/16.


À mingua de outros elementos, face ao que ficou patenteado no julgamento de facto, que não sofreu qualquer reparo, não resultou demonstrado que as despesas incorridas com o barco estivessem relacionadas com uma política de marketing da empresa. E ainda que a Recorrente tenha propiciado ao seu maior cliente usufruir daquela embarcação de recreio nas suas estadas no país, nada se colhe da prova produzida que tal privilégio ou especial deferência fosse dirigida a fidelizar aquele cliente, ou aumentar o volume de vendas e, assim, assegurar os proveitos da empresa.

A tese esgrimida pela Recorrente é tanto mais frágil quanto, salvo melhor entendimento, contraria o que subjaz a qualquer estratégia de marketing, pois que por norma não se reduz à manutenção dos clientes (in casu, de um único cliente), mas é essencialmente dirigida à angariação de novos clientes e, consequentemente, à respetiva expansão no mercado.
Termos em que as despesas em análise sempre teriam que ser desconsideradas, por não serem subsumíveis ao conceito de custos fiscalmente relevantes.

Conhecendo em substituição.
A Recorrente preconiza no seu articulado impugnatório que a liquidação dos juros compensatórios não está fundamentada por não serem identificados factos suscetíveis de imputar culpa ao s.p. no retardamento da entrega do imposto, não consta a fundamentação da notificação da liquidação; por fim, alega que os custos com o barco foram inscritos em exercícios anteriores e foram aceites pela administração sem reserva, violando os princípios da segurança, da confiança e da boa-fé.
No que respeita à falta de fundamentação da liquidação, como emerge do que se vem expondo e do relatório inspetivo, devidamente notificado ao sujeito passivo, a liquidação está fundamentada tal como os juros compensatórios.
Os juros compensatórios decorrem do facto de a impugnante na sua declaração de rendimentos haver contabilizado como custo o valor com as despesas do barco quando, em face da lei, aqueles não são elegíveis como custos fiscais, como se confirma nesta decisão.

Os juros compensatórios integram-se na dívida do imposto, sendo liquidados com a liquidação desta e tem, naturalmente, a natureza de reparação civil, indemnizando o credor, neste caso Administração Tributária, pela perda da disponibilidade da quantia liquidada oportunamente, no termo do prazo para entrega da declaração do exercício respetivo. [art. 35.º n.ºs 1, 3 e 6 da LGT].
Por conseguinte, está estabelecido o nexo de causalidade adequada entre o comportamento da impugnante e a falta de recebimento pontual da prestação devida (imposto), não estando a atuação da impugnante acoberta de qualquer causa de exclusão da culpa na forma como atuou.
E com isto, se responde à questão da violação dos princípios da confiança e da boa-fé.
A impugnante não demonstra no processo que através das suas declarações de rendimentos dos exercícios anteriores a AT haja apreciado a declaração e tenha sancionado positivamente esse encargo ou custo, facto que poderia afastar a “culpa” do sujeito passivo.

Por outro lado, se pretende dizer que apresentadas tais declarações não foram objeto de censura pela administração tributária, também, não tem qualquer razão.
Com efeito, a não censura expressa pela AT não significa que considere legal a dedução, mas, e só, que não foi detetada a irregularidade, sendo certo que a administração está incumbida de atuar no âmbito da legalidade e se vier a encontrar algo que antes não relevou como ilegal, está obrigada atuar de acordo com a lei, corrigindo, pois, neste âmbito, a sua atuação é vinculada à lei.
Por conseguinte, não há falta de fundamentação da liquidação dos juros compensatórios, nem a liquidação viola os princípios da confiança e da boa fé, improcedendo, assim este segmento da impugnação.

Prosseguindo, agora, na análise do restante recurso vejamos, por fim, a correção realizada pela AT no segmento de custos respeitantes aos descontos comerciais registados pela Recorrente na sua contabilidade.

Neste âmbito a 1.ª instância decidiu na matéria de facto que:
As encomendas brasileiras eram pagas em dólares e através de empresas cambiais.
Os descontos feitos pela impugnante ao cliente brasileiro serviam para corrigir as diferenças entre o dólar e o real e eram exigidos pelo próprio cliente.
Os pagamentos dos clientes não eram feitos de forma atempada, mas antes com atrasos.

A IT no relatório deixou consignado que:

«Praticamente todas as vendas efectuadas destinaram-se ao mercado externo – Brasil. Analisados os documentos referentes aos recebimentos de clientes, verificou-se que, nos documentos bancários de transferência de moeda estrangeira não é mencionado o nº de factura que é paga. Dos vários documentos bancários referentes ao pagamento, apenas três identificam o nome do cliente e três deles mencionam como ordenador “G. SA”, não sendo possível apurar de quem sem trata. Os montantes recebidos nunca coincidem com os valores das facturas em moeda estrangeira
Com base nestes documentos bancários eram elaborados documentos internos que mencionavam o cliente, as facturas que eram pagas e, sobre os valores em moeda estrangeira recebidos era considerada percentagem de desconto concedido de 7,5%, que foi contabilizado no conta “68.6 – descontos de pronto pagamento concedidos”, e que totalizam o montante de 8.887.308$00 – documentos internos nº 15004, 15005, 15014, 35022, 45002, 55008 e 55018. (…);»

A AT afasta a hipótese de descontos porque nas faturas não se faz menção a essa possibilidade; os prazos fixados nas faturas, são por vezes, ultrapassados e não foi exibido qualquer contrato efetuado com o cliente que mencione descontos, por fim, a diferença dentre valor da fatura e o valor do pagamento também não respeita a comissões pagas a qualquer agente porque na fatura se diz que a transação é feita sem agente e sem comissões envolvidas.
Concluindo:
«(…)contabilizado como descontos concedidos, não é aceite como custo, para além de não se enquadrar no artigo 23.º do CIRC e, de, de acordo com a alínea g) do n.º1, do artigo 42.º do mesmo diploma não são encargos dedutíveis, sendo de acrescer ao resultado líquido, para efeito de apuramento do lucro tributável. (…) tal montante é tributado autonomamente à taxa de 30%, originando um imposto em falta de 13.298,91€»

Apreciando

Dispunha à data o artigo 41º, n.º 1, al. h) do CIRC, mencionado no RIT, que não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável os encargos não devidamente documentados, mesmo quando contabilizados como custos ou perda do exercício.
Também com interesse dispunha o artigo 23º, n.º 1 do CIRC que se consideram custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, enumerando de seguida nas diversas alíneas, e de modo exemplificativo, alguns dos custos ou perdas aos quais se deve atribuir relevância fiscal.

Neste conspecto a jurisprudência, tal como a doutrina, maioritariamente, vem afirmando “(…)o mero documento interno desacompanhado de provas adicionais que permitam concluir pela sua veracidade, não é idóneo à comprovação dos custos por parte do contribuinte que deles se pretende valer.
«A inexistência de documento externo destinado a comprovar uma operação para a qual ele devia existir afecta necessariamente, e em princípio, o valor probatório da contabilidade e essa falta não pode ser suprida pela apresentação de um documento interno. É que o valor probatório de uma contabilidade assenta essencialmente nos respectivos documentos justificativos e, quanto aos que o devam ser, é a origem externa que lhes confere um carácter que se pode designar por presunção de autenticidade. Um documento de origem interna só pode substituir um documento de origem externa quando sejam reunidas provas adicionais que confirmem a autenticidade dos movimentos nele reflectidos.
Assim, a falta de documento externo pode ser suprida por outros meios de prova que demonstrem de forma inequívoca a justeza do lançamento efectuado.», cfr. M. FREITAS PEREIRA, in Parecer do Centro de Estudos Fiscais do Ministério das Finanças com o n.º 3/92, de 6 de Janeiro de 1992, publicado na Ciência e Técnica Fiscal n.º 365, págs. 346 e 347.
«Com efeito, nos custos documentados presume-se a veracidade da despesa. Ao invés, nos gastos sem documento compete ao contribuinte, por qualquer meio ao seu alcance, a alegação e prova de que se verificou tal despesa, não obstante a omissão ou insuficiência formal», cfr. TOMÁS CASTRO TAVARES, Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal Na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos, Ciência e Técnica Fiscal n.º 396, pág. 167.” – vide, acórdão do STA, de 09/09/15, processo nº 28/15.” Ac. do TCA Sul no processo 52/01.6 BTLRS de 05-11-2020 e AC do STA de 09-09-2015, no recurso
028/15.

O art. 75.º da LGT, estabelece que, presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos da lei, bem como os dado e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal. (sublinhado nosso)
Todavia, esta presunção cede em face de uma contabilidade ou escrita que revelem omissões, erros ou inexatidões que não reflitam ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo.
A contabilidade da recorrente no ano de 1998 encontrava-se devidamente organizada não tendo sido encontradas irregularidades ou inexatidões que impossibilitassem o conhecimento da matéria tributável.
Se assim é, a sua contabilidade ou escrita goza de presunção de verdade, sendo que nela estavam registados e descritos em documentos internos os pagamentos, documentos bancários de transferências, que eram feitos pelos clientes, com a correspondência para as faturas e clientes.

Não aceita a AT os custos que o S.P. inscreveu na sua contabilidade como descontos a clientes face à análise que realizou aos documentos e ter constatado que nos documentos bancários de transferência da moeda estrangeira não vir mencionado o n.º da fatura que é paga e, por outro lado, os montantes recebidos não coincidirem com os valores das faturas em moeda estrangeira.
Para que a AT pudesse desconsiderar tais custos importava ter coligido factos que pudessem determinar objetivamente o afastamento daquele custo, apenas divergências numéricas ou de melhor identificação do cliente não são suficientes para desqualificar como descontos.
Aliás, a falta de correspondência de valores bem pode estar conexionada com o cambio ou até com pagamentos parcelares, com atrasos, a AT identifica que os pagamentos nem sempre são feitos no prazo estabelecido na fatura; face à variação cambial poderia manifestar-se um desencontro de valores recebidos e os das faturas.

Não está questionado que em 1998 houve desvalorização acentuada do real em relação ao dólar, moeda em que se convencionou para fazer o pagamento dos produtos. Por outro lado, a recorrente através da prova testemunhal logrou provar que “Os descontos feitos pela impugnante ao cliente brasileiro serviam para corrigir as diferenças entre o dólar e o real e eram exigidos pelo próprio cliente”, ou seja, ficou demonstrado que face ao problema decorrente da perda de valor do real face ao dólar houve necessidade de fazer um ajustamento do preço, que se consubstanciou no desconto que registou na contabilidade.

Ora, nem a fundamentação acionada para a correção é adequada ao afastamento do desconto nem tão pouco suporta a tributação como despesas confidenciais, pois que além de elas estarem documentadas, ainda que se pudesse aventar a sua insuficiência por estar assente em documentos internos, as despesas não são confidenciais pois que se sabe a quem se destinam os descontos, os clientes, que em 1998, era fundamentalmente o tal Senhor C.. Acórdão do TCA Sul de 12-01-2016 no processo 09894/16.

Havendo erro de julgamento da sentença não podem ser confirmadas as correções realizadas pela administração fiscal, ficando, naturalmente, prejudicado conhecer em substituição das questões não apreciadas pelo tribunal a quo.

Na verdade, a sentença que decidiu pela validação das correções não se pode manter na ordem jurídica.
*

5. DECISÃO.

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal em conceder parcial provimento ao recurso, revogando-se a sentença no segmento respeitante aos encargos com os descontos a clientes, mantendo-se a sentença no que tange aos custos relativos a despesas com o barco com a fundamentação supra;

Declarar a nulidade parcial da sentença, e, em substituição, na parte cujo conhecimento não ficou prejudicado, julgar improcedente a impugnação.
*
Custas a cargo da impugnante na parte em que decaiu, a FP está isenta de custas por se tratar de processo anterior a 2004.
*
Notifique-se.
*
Porto, 11 de março de 2021

Cristina da Nova
Ana Paula Santos
Margarida Reis

________________________________
i) Cfr. Recursos no Novo Código de Processo Civil, António Santos Abrantes Geraldes, 2ª edição 2014, Almedina, página 130-136.

ii) Inspeção Tributária.

iii) Ac. do STA de 28-06-2017, disponível em www.dgsi.pt

iv) STA de 28-06-2017, no recurso n.º 0627/16.

v) Ac. do TCA Sul no processo 52/01.6 BTLRS de 05-11-2020 e AC do STA de 09-09-2015, no recurso 028/15.

vi) Acórdão do TCA Sul de 12-01-2016 no processo 09894/16.