Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00476/14.9BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/23/2017
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:DESPACHO DE REVERSÃO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:1. A prova de que o revertido exerceu a gerência de facto recai sobre a AT, como resulta do disposto no art. 74º/1 LGT e 342º/1 do Código Civil.
2. A fundamentação formal do despacho de reversão basta-se com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efetivada (nº 4 do art. 23º da LGT).
3. Não se exige que dele constem os factos concretos nos quais a Administração tributária fundamenta a alegação relativa ao exercício efetivo das funções do gerente revertido.
4. Se o Oponente declara no procedimento ter exercido a gerência efetiva da devedora originária seria contrário aos princípios gerais e da experiência comum não extrair consequências dessa declaração.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:M...
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
O Recorrente M…, melhor identificado nos autos, inconformado com a sentença proferida pelo TAF do Porto que julgou improcedente a oposição deduzida contra a reversão da execução n.º 1872201001007351 e apensos, a correr termos no Serviço de Finanças de Póvoa de Varzim instaurada contra a devedora originária, H…, Lda. contra ele revertido, tendo por objeto a cobrança de dívidas de IVA de 2005 a 2007.

O Recorrente no recurso jurisdicional formulou nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:

1) Vem o presente recurso instaurado da douta sentença que julgou improcedente a oposição judicial deduzida pelo ora Recorrente, onde pugnava pela sua ilegitimidade na execução fiscal consta si instaurada por via do instituto da reversão.

B) Entende o ora Recorrente que a douta sentença em apreço padece de erro de julgamento, na medida em que fez uma errada apreciação fáctica e, consequentemente aplicou erradamente a lei.

C) Para julgar improcedente a oposição do Recorrente, e com relevância para o presente recurso, a douta sentença considerou como provados os factos identificados nos pontos 3), 4), 5) e 6), constantes da matéria de facto, que se deverão aqui considerar como inteiramente reproduzidos.

D) Com todo o respeito por opinião diversa, o Recorrente entende que esses factos concretos não são susceptíveis de fundamentar a decisão ora recorrida,

Já que

E) O facto 3) refere a declaração de insolvência da primitiva executada H…, em 22.03.2012, cuja decisão foi proferida no processo n.° 1230/11.5TYVNG (que corre termos no Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia).

F) O facto 4) consiste numa extensa transcrição integral de uma informação prestada pelo Serviço de Finanças da Póvoa de Varzim.

G) A transcrição do conteúdo de um documento sem mais, sem que o Juiz dele retire os factos que entende merecedores de constar no probatório, porque devidamente demonstrados, constitui falta de fundamentação da sentença.

H) É o que sucede na decisão ora em apreço.

I) O facto 5) apenas refere que o oponente/Recorrente exerce a gerência nominal desde 1999, e que terá assumido o exercício efectivo do cargo aquando do exercício do direito de audição prévia, em 2013, em resposta ao procedimento de reversão automática determinado em 10.082013, mas anulado por lapso no processado nos autos.

J) Também aqui nos parece, salvo o devido respeito, que a sentença recorrida pretende retirar deste facto uma força probatória que ele não tem.

K) Na verdade, a declaração de insolvência em 2012 determina que a gerência (quer seja a nominal, quer seja a efectiva) termine nessa data. Logo, um facto eventualmente ocorrido em 2013 não pode comprovar a gerência efectiva.

L) E depois há que considerar também que, tendo todo o processado sido anulado, quaisquer documentos ai constantes perdem o seu valor jurídico.

M) Ora, também da análise deste facto 5) se conclui que não possui o valor probatório que a douta sentença em apreço lhe conferiu, tendo, nessa conformidade ocorrido aqui, igualmente, errónea apreciação fáctica.

N) Quanto ao facto 6) da matéria de facto, consistindo este na mera indicação dos normativos legais que a AT considerou aplicáveis ao caso concreto, não são de molde a deles se retirar a conclusão da gerência efectiva do ora Recorrente.

O) De referir, ainda, que a douta sentença é omissa relativamente à data limite do pagamento dos impostos.

P) Sem esse facto fixado, não se pode imputar ao ora Recorrente a responsabilização, ainda que subsidiária, pelo pagamento das dívidas da primitiva executada, na medida em que a relevância da referida data decorre da aplicação da própria lei (al. b) do n.° 1 do artigo 24° da LGT - Pelas dividas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo (...)”.

Q) Não se dando como provada a data limite de pagamento não pode responsabilizar-se o Recorrente pelo pagamento dessas dívidas.

R) Padece pois a douta sentença a quo de errónea apreciação dos factos concretos, e, resultante desse erro de apreciação decorre também a errada aplicação da lei, já que
S) Em boa verdade, a AT não cumpriu o ónus que lhe incumbia, de, primeiramente demonstrar que o ora Recorrente exercia efectivamente a gerência na data do cumprimento das obrigações tributárias, nos termos gerais das regras do ónus da prova - artigo 74° da LGT e artigos 342° e 344º do CC. Falhou, pois, a AT nos fundamentos dos pressupostos e extensão da reversão, e ainda,

T) Porque dá como provados os factos 3) a 6), factos que, na sua substância nada demonstram e não comprovam que o Recorrente tenha exercido, de facto, a gerência da primitiva executada.

U) Nesta conformidade, a douta sentença ora em apreço deverá ser anulada por erro de julgamento e substituída por decisão que julgue a oposição judicial procedente, por provada, por ilegalidade do despacho de reversão.

Termos em que deverá ser concedido provimento ao presente recurso, proferido em douto acórdão, que anule a decisão ora recorrida, substituindo-a por decisão que julgue procedente a oposição apresentada pelo ora Recorrente, por provada. (…)”


O Ministério Público junto deste tribunal teve vista nos autos emitiu parecer no sentido de ser dado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sendo as de saber se a sentença recorrida incorreu em nulidade por falta de fundamentação e erro de julgamento da matéria de facto e de direito ao considerar provado que o oponente exerceu as funções de gerente da devedora principal.

3. JULGAMENTO DE FACTO
No Tribunal a quo, o julgamento da matéria de facto foi efetuado nos seguintes termos:
1) O Serviço de Finanças da Póvoa de Varzim instaurou o processo de execução fiscal n.º 1872201001007351 por dívidas de IVA dos períodos de 2005 a 2007 no montante de €299.705,20 em nome de H… Lda., NIPC 5…– cfr. fls. 29 a 92 dos autos.
2) O Serviço de Finanças da Póvoa de Varzim instaurou o processo de execução fiscal n.º 1872201001009680 por dívidas de IVA dos períodos de 2005 e 2007 no montante de €21.873,88 em nome de H… Lda., NIPC 5…– cfr. fls. 93 a 96 dos autos.
3) No âmbito do processo n.º 1230/11.5TYVNG que corre termos no Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, por sentença de 22.03.2012 a sociedade H… Lda., NIPC 5…foi declarada insolvente – cfr. fls. 123 a 135 dos autos.
4) No âmbito dos processos de execução fiscal descritos em 1) e 2) foi proferida informação pelo Serviço de Finanças da Póvoa de Varzim com o seguinte teor:
“(…) Cumpre-me assim informar que:
Após análise dos documentos juntos, pelos elementos da Informação não certificada nº 307/2013 da Conservatória do Registo Comercial da póvoa de Varzim, bem como pelo despacho de declaração de insolvência de 28 de março de 2012, decretado no âmbito do Processo de Insolvência nº 1230/11.57TYVNG, cuja tramitação decorreu no 3º juízo do Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia, constata-se que M…, NIF 1…, se encontra nomeado como gerente da H… LDA SOCIEDADE EM LIQUIDAÇÃO, desde 02-05-1999.
Uma vez que foi declarada a insolvência no âmbito do processo n.º 1230/11.5TYVNG, em 28-03-2012, onde se evidencia a sua impotência para continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos, e tendo sido solicitada a apreensão de todos os bens da insolvente, ainda que arrestados ou penhorados, encontra-se evidenciada a fundada insuficiência de bens penhoráveis na titularidade da devedora, susceptíveis de garantir a dívida, objecto destes autos, pelo que estarão reunidas as condições para efectivar a responsabilidade subsidiária por reversão do processo de execução fiscal (nº 1 do artº 23º da LGT). Devem assim as presentes autos prosseguir para a reversão contra o responsável subsidiário, em cumprimento da disposição legal contida nos n.ºs 3 e nº 7 do art. 23º da LGT, uma vez que a realização do objectivo fundamental da execução fiscal, que é a cobrança da divida executiva, justifica a protecção legal dos créditos da Fazenda, mesmo não estando definido o montante exato pelo qual o responsável subsidiário irá responder.
Quanto ao facto de existir avultado montante da massa insolvente proveniente da venda de bens móveis e imóveis da devedora originária, a situação de insolvência de uma pessoa colectiva traduz uma situação de insolvência de bens penhoráveis desta, da qual deve resultar a preparação imediata da reversão contra os gerentes.
Não obstante, determina o artigo 23º nº 3 da Lei Geral tributária, que, no caso de não se conseguir apurar a suficiência dos bens penhorados ao devedor principal e responsáveis subsidiários, por ainda não estar definido o montante exacto porque o responsável ou responsáveis subsidiários irão responder, haverá lugar à efectivação imediata da reversão, embora com suspensão da execução, até à completa excussão dos bens do devedor principal e responsáveis solidários.
Assim, a reversão da execução fiscal contra o responsável subsidiário pode ser decidida sem estar excutido o património do devedor originário, bastando haver fundadas razões (situação de insolvência) para concluir que os bens deste são insuficientes para o pagamento da dívida, não sendo necessário que esteja determinada com exactidão a medida dessa insuficiência, designadamente, a aparte da dívida cuja responsabilidade será definitivamente exigida ao responsável subsidiário (artigo 23º, n.º 3 da LGT e 153º, n.º 2 alínea b) do CPPT).
O projecto de reversão foi realizado com os fundamentos de insuficiência de bens da devedora originária (nº 2 e 3 do artº 23 da LGT), o contribuinte em questão exerceu funções de gerência, assim sendo, o gerente é responsável pela dívida cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo.
Verifica-se então que a gerência na data limite de pagamento voluntário da dívida em causa pertencia aos contribuintes M…, NIF 1…, O…, NIF 1…e Manuel…, NIF 1…. (…)” – cfr. fls. 97 a 99 dos autos.
5) Em 18.11.2013 foi proferido despacho pelo Chefe do Serviço de Finanças da Póvoa de Varzim nos seguintes termos: “(…) Tendo em conta a informação que antecede e que aqui se dá por integralmente reproduzida, cumpre-me decidir:
Em 25 de Setembro de 2013, foi determina a reversão contra M…, NIF 1…, ao abrigo do disposto no nº 4 do artº 23º e do artº 60º da Lei Geral Tributária, pelo que foi notificado para, no prazo de 15 dias, exercer o direito de audição prévia.
A identificação do referido responsável subsidiário tem por suporte Informação Não certificada nº 307/2013 da Conservatória do registo Comercial da Póvoa de Varzim, bem como despacho de declaração de insolvência de 28-03-2012, decretado no âmbito do Processo de Insolvência nº 1230/11.5TYVNG.
Apesar de regularmente notificado, fez junção aos autos de factos, que depois de analisados, em nada alteram os pressupostos já definidos, não impedindo assim a concretização da reversão contra o mesmo.
O exercício do cargo de gerente desde 1999, é assumido pelo supra referido responsável subsidiário no 1º ponto do requerimento onde exerceu o direito de audição prévia (entrada nº 2013E002738655 d e04-09-2013), relativamente ao procedimento de reversão automática determinado em 10-08-2013, entretanto anulado por lapso no processado nos autos.
De acordo com os elementos disponíveis no sistema informático da AT constata-se que em nome da devedora originária, H… LDA SOCIEDADE EM LIQUIDAÇÃO NIPC 5…, são conhecidos bens, não obstante, determina o artigo 23º nº 3 da Lei Geral Tributária, que, no caso de não se conseguir apurar a suficiência dos bens do devedor principal e responsáveis subsidiários, por ainda não estar definido o montante exato porque o responsável ou responsáveis subsidiários irão responder, haverá lugar à efectivação imediata da reversão, embora com suspensão da execução até á completa excussão dos bens do devedor principal e responsáveis solidários.
A dívida diz respeito ao processo executivo, instaurado com base na competente certidão de dívida pelo pagamento em falta de IVA e respectivos juros compensatórios, dos períodos: (…).
Assim, mantêm-se os fundamentos constantes do projecto de decisão de 25-09- 2013,do qual se transcrevem: Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da execução (n.º 2 do art.º 23º da LGT): Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo (alínea b) do nº 1 do artº 24º da LGT).”
Deve prosseguir a execução contra M…, NIF 1…, na qualidade de responsável subsidiário, pelas dívidas em causa, ao abrigo do disposto na aliena b) do nº 1 do artº 24º da Lei Geral Tributária e do artº 153º do Código de Procedimento e de Processo Tributário. (…)” – cfr. verso de fls. 99 e 100 dos autos.
6) Em 2.01.2013 o Serviço de Finanças de Vila do Conde remeteu a M… o ofício n.º 4698AM respeitante à citação da reversão a que se alude em 5) e 6) de onde decorre o seguinte: “(…)Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da execução (art.º 23º/n.º 2 da LGT): Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art.24º/nº1/b) LGT]. (…)” – cfr. fls. 109 a 113 dos autos.
**
Factos não provados
Não se mostram provados quaisquer outros factos invocados relevantes para a decisão dos presentes autos.
**
Motivação da decisão de facto
O Tribunal considerou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados, assim como, na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados [cfr. artigo 74º da Lei Geral Tributária (LGT)], também são corroborados pelos documentos juntos, conforme predispõe o artigo 76º n.º 1 da LGT e artigo 362º e seguintes do Código Civil.

4. JULGAMENTO DE DIREITO

4.1. O Recorrente nas conclusões G) e H) imputa nulidade à sentença recorrida, referindo que a transcrição do conteúdo de um documento, sem que o juiz dele retire os factos que entende merecedores de constar no probatório, constitui falta de fundamentação da sentença.
Decorre da conjugação do n.º 1 do art.º 125º e n.º 2 do art.º 123.º do CPPT, art.º 615.º e 607.º do CPC que a sentença deve conter fundamentação da matéria de facto a qual consiste na indicação dos elementos de prova utilizados para formar a convicção do juiz e a sua apreciação crítica de modo a perceber o itinerário cognoscitivo e valorativo da decisão.
A fundamentação da matéria de facto, deve consistir na indicação dos factos provados e não provados, elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do julgador e a sua apreciação crítica, de maneira a ser possível conhecer as razões porque se decidiu num sentido e não noutro.
O facto 4) consiste na informação que esteve na génese do despacho de reversão e para a qual faz remissão.
Embora a transcrição do conteúdo dos documentos, não seja boa técnica, por si só não é suficiente para ferir de nulidade a sentença, uma vez que, é pacificamente aceite, só existirá nulidade de sentença, por falta de fundamentação quando se verifique a falta absoluta de fundamentos, de facto ou de direito, que sustentem a decisão, e não quando tal fundamentação seja deficiente. (cfr. Prof. Alberto dos Reis, CPC anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.139 a 141).
No caso dos autos a deficiência ocorrida não é suficiente para gerar a nulidade, poderá eventualmente ter reflexos no erro de julgamento que melhor infra se verá.

4.2. Foi instaurada execução fiscal contra a sociedade “H…, Lda.” para cobrança de dívidas de IVA e juros compensatórios de períodos relativos a 2005 a 2007, no valor global de € 321 579,08.
O Recorrente deduziu oposição à execução fiscal, invocando na petição inicial, em síntese, a sua ilegitimidade para a execução com base na falta de fundamentação do despacho de reversão, por inexistente a demonstração da gerência de facto, assim como por não resultar demonstrada a insuficiência de bens penhoráveis e a ausência de culpa invocando ainda a inexistência de culpa no não pagamento das prestações tributárias em reversão.
A MMª juiz proferiu sentença julgando a oposição improcedente, com a qual o Recorrente não se conforma por considerar que a sentença errou no julgamento da matéria de facto (factos 4 a 6) uma vez que a Administração Tributária nada provou quanto à gerência de facto, e que os factos na sua substância nada demonstram e não comprovam que tenha exercido de facto, a gerência da primitiva executada.
A questão principal, objeto de recurso, consiste em saber se a sentença errou ao considerar provado que o Recorrente exercia as funções de gerente da devedora originária, no período relevante para operar a reversão da dívida exequenda.
Consta da sentença recorrida o seguinte:”(…) In casu e conforme probatório, pontos 4) a 6), as razões fundamentadoras que serviram de esteio à Administração Tributária (AT) para operar a reversão contra o responsável subsidiário são claras e evidentes, tendo concluindo pela “Inexistência ou insuficiência de bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (artº 23º/2 da LGT: Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não ter sido feita prova da culpa destes pela insuficiência do património da pessoa colectiva e entidades fiscalmente equiparadas para o pagamento, quando o facto constitutivo da dívida se verificou no período de exercício do cargo [art.24º/nº1/a) LGT].”
Como tal, o conteúdo do despacho mostra-se de imediato compreensível pelo destinatário, porque dele ressaltam os pressupostos necessários ao procedimento de reversão, elencados no artigo 24º da LGT e no artigo 153º n.º 2º do CPPT, como sejam a qualidade de gerente na sociedade devedora originária, e a inexistência de bens penhorados no património da executada originária, onde se constata que a Administração Tributária logrou apurar os pressupostos legitimadores, fazendo parte do despacho de reversão como seus precedentes lógicos e cronológicos, no seguimento do que prescrevem os artigos 77.º, n.º1 da LGT e 125.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA).
Acresce que, conforme o decidido pelo STA em Acórdão do Pleno da Secção do CT de 16-10-2013, rec. 0458/13 “A fundamentação formal do despacho de reversão basta-se com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (nº 4 do art. 23º da LGT) (…).”
Com efeito, consideramos que o despacho de reversão se encontra fundamentado e perfeitamente perceptível quanto a todos os pressupostos necessários para que de opere o instituto da reversão.(…)”
Cumpre salientar que o Recorrente quer na petição de oposição quer nas alegações nunca negou a gerência de facto. Relendo a douta petição inicial de oposição não se encontra qualquer alegação relativa à falta de gerência efetiva da devedora originária.
Nela se refere “ que da informação, anexa à notificação não consta qualquer facto concreto que indicie ou confirme que o Oponente, em 31.01.2010 exercia a gerência da primitiva executada” (ponto 5.º) “dos elementos referenciado no articulado 11.º desta petição inicial a Administração Tributária limitou-se a verificar documentalmente a qualidade de gerente nominal, do obrigado subsidiário, já que estes não provam que na data limite de pagamento (31.01.2010) o Oponente não era gerente:”
isto é, constatada a qualidade de gerente, limitou-se a reverter a execução” Sem alegar e provar um único facto que pudesse demonstrar o exercício efectivo e de gerência de facto da ….(ponto 19º a 21.º)
Em conclusão, o Recorrente alegou a sua ilegitimidade para a execução com base na falta de fundamentação do despacho de reversão, por inexistente a demonstração da gerência de facto.
Importa aqui trazer à colação, por semelhança ao caso sub judice e por economia de meios, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito e facto (cfr. artigo 8.º n.º 3 do Código Civil), a argumentação jurídica aduzida no acórdão desta Secção, proferido nos processo nºs 479/14.3BEPRT de 09.11.2017, em as partes são as mesmas deferindo, somente na dívida exequenda, onde a presente relatora participou na qualidade de adjunta.
Consta do referido acórdão 479/14.3 BEPRT que “ (…) Sustenta que a AT não logrou demonstrar o exercício da gerência de facto, falhando assim um dos pressupostos de que depende a efectivação da responsabilidade subsidiária prevista no art. 24º/1 LGT, esquecendo que a fundamentação formal do despacho de reversão basta-se com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada, como infra melhor se esclarece.

Ora, tudo conjugado, apenas podemos concluir que não aceitar a declaração do próprio quanto à gerência que diz ter exercido é que nos pareceria decididamente contrário aos princípios gerais e da experiência comum, além de ilógico.

Os restantes factos alegados no requerimento referem-se à prossecução de um processo de impugnação judicial que ainda não foi decidido, à insolvência da primitiva executada, à arrecadação de “avultado montante” com a venda dos bens e à nulidade da notificação que deveria ter sido efectuada ao Administrador da Insolvência.

Esta alegação não tem aptidão para extinguir ou modificar os efeitos da declaração de gerência, são meras questões de direito. E o facto de não estar definido com precisão o montante a pagar pelo responsável subsidiário não impede a reversão da execução, como resulta do disposto no art.º 23º/3 da LGT.

Diz o Recorrente na conclusão j) que “...Não se compreende que a referência feita nesse acto [direito de audição] possa ter mais relevância do que tudo o que foi alegado em sede de oposição judicial apresentada pelo ora Recorrente” e que “Não existe normativo legal que sustente a gerência por confissão” (conclusão l), depreendendo-se que considera a declaração inválida, mas não adianta porquê nem qual o vício que lhe subjaz.

Ora a prova de que o revertido exerceu a gerência de facto recai sobre quem pretende exercer o direito à reversão, como resulta do disposto no art. 74º/1 LGT e 342º/1 do Código Civil. O mesmo é dizer que tal prova recai sobre a AT que não pode limitar-se a extrair da gerência de direito qualquer presunção de gerência efectiva, pelo menos depois do acórdão do Pleno da Secção do CT do STA n.º 01132/06 de 28-02-2007 (1).

Mas de acordo com a doutrina do STA, a fundamentação formal do despacho de reversão basta-se com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (nº 4 do art. 23º da LGT) não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido (2).

O que significa que, no caso de reação do visado, isto é, no caso de negar a gerência efectiva da sociedade, a AT terá então (na contestação) de avançar com esses elementos no sentido de se desembaraçar do ónus que a lei lhe comete da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, em especial o efectivo exercício da gerência (3).

No caso dos autos não só não foi alegado qualquer vício da vontade na declaração como na petição inicial o Oponente não pôs em causa tal declaração nem negou a gerência efectiva da devedora originária. Limitou-se a alegar que a AT não provou a gerência efectiva do Oponente (“...sem invocar um único facto demonstrativo do exercício efectivo da gerência” – art.º 29º da pi), aparentemente ignorando a sua própria declaração sobre a matéria. (…)”
Nas alegações I) a K) o Recorrente alega que o facto 5) apenas refere que o oponente/Recorrente exerce a gerência nominal desde 1999, e que terá assumido o exercício efetivo do cargo aquando do exercício do direito de audição prévia, em 2013, em resposta ao procedimento de reversão automática determinado em 10.08.2013, mas anulado por lapso no processado nos autos e que a sentença recorrida pretende retirar deste facto uma força probatória que ele não tem.

Como refere o citado acórdão “(…) Ora, independentemente de se considerar tal declaração como uma confissão em sentido técnico jurídico ou não, a verdade é que a assunção de gerência no período em crise foi manifestada pelo próprio, em documento por si assinado e contra o qual não foi arguido qualquer vício de vontade, nem negada a sua autoria.

Em vistas disso, tal declaração não pode deixar de ter efeitos na convicção do tribunal, mais que não seja como uma presunção natural, e merecer a devida atenção na prova dos factos que lhe respeitam, precisamente a gerência efectiva da sociedade devedora originária sem que daí resulte alguma incongruência lógica, ou contrária aos princípios gerais de experiência comum (Conclusão p), bem pelo contrário.
Tão pouco defende não ter capacidade (ou legitimidade) para a declaração que efetuou.(…)”
Nas conclusões O) a Q) alega o Recorrente que a sentença é omissa relativamente à data limite do pagamento dos impostos. Sem esse facto fixado, não se pode imputar ao ora Recorrente a responsabilização, ainda que subsidiária, pelo pagamento das dívidas da primitiva executada, na medida em que a relevância da referida data decorre da aplicação da própria lei (al. b) do n.° 1 do artigo 24° da LGT -

Não se entende o alcance da alegação do Recorrente, uma vez que tal facto não é controvertido.

As dívidas reportam-se a IVA dos períodos de 2005 a 2007, tinham como data limite de pagamento 31.01.2010, como o próprio reconhece expressamente na petição inicial, ponto 4 e junta documentos comprovativos.

Nessa data, e como próprio admitiu em sede de audição prévia exerceu a gerência desde 1999 até declaração da insolvência da devedora originária.

O despacho de reversão, tem por pressuposto a dívida exequenda e as respetivas certidões de dívida, e sustenta-se expressamente na alínea b) do art.º 24.º da LGT

Na qual se determina que os administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si: “b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”
A sentença recorrida, analisou os pressupostos da reversão, nomeadamente os montantes em dívida e as respetivas certidões de dívida, pelo que não sendo controvertido tal facto, a sentença recorrida não tinha necessidade de se reportar expressamente a esse facto, pelo que não incorreu em erro de julgamento.

Nesta conformidade, improcedendo todas as conclusões de recurso, sendo sentença recorrida confirmada.

E assim formulamos as seguintes conclusões:
1. A prova de que o revertido exerceu a gerência de facto recai sobre a AT, como resulta do disposto no art. 74º/1 LGT e 342º/1 do Código Civil.
2. A fundamentação formal do despacho de reversão basta-se com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efetivada (nº 4 do art. 23º da LGT).
3. Não se exige que dele constem os factos concretos nos quais a Administração tributária fundamenta a alegação relativa ao exercício efetivo das funções do gerente revertido.
4. Se o Oponente declara no procedimento ter exercido a gerência efetiva da devedora originária seria contrário aos princípios gerais e da experiência comum não extrair consequências dessa declaração.


5. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em negar provimento ao recurso mantendo a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente.

Porto, 23 de novembro de 2017
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Travassos Bento

(1) Em cujo sumário se lê I - No regime do Código de Processo Tributário relativo à responsabilidade subsidiária do gerente pela dívida fiscal da sociedade, a única presunção legal de que beneficia a Fazenda Pública respeita à culpa pela insuficiência do património social.
II - Não existe presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário.
III - A presunção judicial, diferentemente da legal, não implica a inversão do ónus da prova.
IV - Competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência.
V - Sendo possível ao julgador extrair, do conjunto dos factos provados, esse efectivo exercício, tal só pode resultar da convicção formada a partir do exame crítico das provas, que não da aplicação mecânica de uma inexistente presunção legal.
(2) Ac. do Pleno da Secção do CT do STA n.º 0458/13 de 16-10-2013 in http://www.dgsi.pt/
(3) Ac. do TCAN n.º 01210/07.5BEPRT de 30-04-2014 (Relator: Pedro Nuno Pinto Vergueiro): II) A fundamentação formal do despacho de reversão basta-se com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (nº 4 do art. 23º da LGT) não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido.
III) Assim, não se impõe que constem do despacho de reversão os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido, o que significa que, no caso de reacção do visado, a AT terá então (na contestação à oposição) de avançar com esses elementos no sentido de se desembaraçar do ónus que a lei lhe comete da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, estando aqui em destaque o efectivo exercício da gerência.