Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01046/19.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/28/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:ERRO NA FORMA DO PROCESSO, OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL, RECLAMAÇÃO DE ACTOS DO ÓRGÃO DE EXECUÇÃO FISCAL, CONVOLAÇÃO, PRINCÍPIO DA TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA,
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
Sumário:I - O erro na forma do processo, nulidade decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, afere-se pelo pedido e não pela causa de pedir, conquanto esta possa ser utilizada como elemento de interpretação daquele, quando a esse respeito existam dúvidas.

II - Não obstante a verificação de erro na forma do processo, o princípio da tutela jurisdicional efectiva não impõe que a pretensão do recorrente seja conhecida.

III - A forma processual consagrada na lei e adequada a cada tipo de acção a propor é uma garantia do cidadão pelo que a convolação de uma forma eleita erradamente para a forma devida se impõe ao juiz, sempre que por qualquer motivo se não mostre inviável.

IV - A convolação de uma forma processual imprópria, na adequada ao pedido e à causa de pedir, só pode efectuar-se se ocorrer a tempestividade da acção a convolar e os fundamentos invocados correspondam à forma processual adequada.

V - Se os fundamentos invocados correspondem a pedidos distintos e diferentes formas processuais torna-se inviável a convolação, já que o juiz está impedido de optar por qualquer uma delas.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:A.
Recorrido 1:Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P.
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A., contribuinte fiscal n.º (…), com domicílio fiscal na Rua (…), interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em 07/05/2020, que julgou procedente a excepção dilatória de erro na forma de processo e, consequentemente, absolveu o Exequente, Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., da presente instância de impugnação judicial.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
“1. A sentença proferida nos presentes autos que julgou a ação improcedente, por considerar verificada nos autos a exceção de erro na forma do processo, absolvendo a Fazenda Pública do pedido formulado pelo Impugnante.
2. O ora Recorrente, enquanto responsável subsidiário das sociedades “A. & CA LDA.”, e “U., LDA.”, veio deduzir impugnação judicial peticionando a declaração de nulidade da instauração dos processos de execução instaurados contra as responsáveis subsidiárias, a declaração de falta de citação das sociedades, com a anulação de todo o processado, e extinção dos processos executivos e levantamento das penhoras que incidem sobre os seus bens.
3. Para o efeito, o Recorrente alega os fundamentos pelos quais, no seu entendimento, se verificou a nulidade das formalidades legais atinentes à formação do acto tributário e passíveis de integrarem fundamento de impugnação, nomeadamente, a nulidade de citação das devedoras originárias.
4. A sentença ora recorrida enferma de nulidade, porquanto, assenta numa errónea interpretação e aplicação do direito que, salvo devido respetivo, levou à emanação de uma decisão desprovida de fundamento e que prejudicou gravemente os direitos e interesses legítimos do Recorrente.
5. Nos presentes autos, o ora Recorrente arguiu a falta de citação das devedoras originárias perante o OEF, e na falta de resposta formou-se a presunção de indeferimento tácito.
6. O meio de defesa perante o acto de indeferimento tácito é a impugnação judicial conforme decorre diretamente do artigo 57º, nº5 da LGT, o qual dispõe que findo o referido prazo de quatro meses, ocorre o indeferimento tácito do pedido para efeitos de recurso hierárquico, recurso contencioso ou impugnação judicial.
7. Assim, atenta a data da formação do indeferimento tácito, dispõe o Impugnante do prazo de três meses para apresentar o seu meio de defesa, nomeadamente, através de impugnação judicial, ao abrigo do disposto no artigo 102º, nº1, al. d) do CPPT.
8. O processo de impugnação judicial, que é a via processual adequada para atacar e/ou anular o acto tributário, bem como, as formalidades legais passíveis de integrarem fundamento de impugnação são apenas as atinentes à formação do acto tributário.
9. Considera a Recorrente que para a formação do acto tributário de liquidação, foi violado o direito de defesa das devedoras originárias, porquanto, a sua citação não foi efetuada no âmbito dos processos executivos, verificando-se falta de citação.
10. A falta de citação é enquadrável na alínea a) do n.º 1 do art. 165.º do C.P.P.T. e, por isso, só constituiu nulidade insanável do processo de execução fiscal, invocável a todo o tempo, se a falta prejudicar a defesa do citado.
11. Neste sentido, dispõe o douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 09-03-2017, sobre o processo nº 2788/16.8BELRS e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 10/27/2016, no âmbito do processo nº02356/08.8BEPRT.
12. O Tribunal a quo julgou erroneamente os factos levados a juízo, porquanto, no caso previsto para o exercício do direito de reclamação a que alude o artigo 267º e seguintes, a verificar-se, sempre teria que ser contabilizado a partir da data em que se verificou o indeferimento tácito do requerimento apresentado pela Recorrente, no dia 26/09/2018, junto do Serviço da Secção de Processo Executivo I, Porto, do Instituto da Segurança Social.
13. O Tribunal a quo ao ter considerado verificada a exceção de erro na forma do processo, preconizou, destarte, uma violação do direito de defesa das devedoras originárias, que consubstancia um preceito constitucionalmente previsto no artigo 20º da CRP, porquanto, fica assim estabelecido que não podem sindicar o acto do OEF nem se defenderem de qualquer forma – o que é inadmissível.
14. A Fazenda Pública não contestou, o que apesar de não consubstanciar a confissão dos factos, leva a crer que assiste razão à pretensão do Impugnante e verifica-se, efetivamente, falta de citação das devedoras originárias.
15. A falta de citação obsta à formação do acto tributário, pelo que, o fundamento cabe nos âmbitos dos argumentos admissíveis pelo artigo 99º do CPPT, nomeadamente, o disposto na al. d) deste preceito normativo quanto à preterição de outras formalidades legais.
16. Em suma, a prova carreada para os autos, nomeadamente, a reclamação apresentada pelo Recorrente em 26/09/2018 e que não teve qualquer resposta por parte da Secção de Processo Executivo, na qual foi junta prova que evidencia de forma clara que as devedora originárias não foram citadas para as execuções contra si instauradas, conjugadas com a falta de contestação nos presentes autos por parte da Fazenda Pública, impunham, necessariamente que a presente impugnação judicial fosse considerada pelo tribunal a quo, sob pena de ser negado ao Impugnante o direito à sua defesa.
17. De tudo quanto ficou exposto, resulta que, a decisão proferida nos presentes autos
- preconizou uma interpretação errónea do disposto no artigo 193º do CPC, do artigo 99º al. d) e artigo 165º, nº1, al. a) ambos do CPPT;
violou o direito de acesso ao direito e aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva, previstos no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.
Nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis, deverá a douta sentença recorrida ser integralmente revogada e substituída por outra que julgue a anulação do acto tributário impugnado.
Assim se fazendo justiça!”
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O Recorrido contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões:

“A) Que o artigo 276.º do CPPT é o meio processual correto para reagir a uma decisão do órgão de execução fiscal;
B) Que, in casu, incorreu em erro na forma do processo, sem possibilidade de convolação;
C) E que a decisão recorrida deve ser mantida.
Termos em que, devem V. Exas negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida. Assim fazendo a desejada justiça!”
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, ao considerar verificar-se erro na forma do processo e não ter convolado o processo para a forma processual adequada.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“FACTOS PROVADOS
1. O Impugnante, A., Contribuinte Fiscal nº (…), em 26/9/2018, apresentou na Segurança Social o requerimento que consta a fls. 12/23, na qualidade de revertido nos processos de execução instaurados contra as sociedades comerciais “A. e CA. Lda.”, Contribuinte Fiscal nº (…), e “U,., Lda.”, Contribuinte Fiscal nº (…), no qual invocou a nulidade da citação daquelas sociedades.
2. O Impugnante foi citado, na qualidade de revertido nos processos de execução instaurados contra as sociedades identificadas em 1, em 30/11/2015.
3. A presente impugnação foi apresentada em 17/04/2019 Alteração/rectificação, nos termos do artigo 662.º, n.º 1 do CPC, pois, certamente por lapso, foi assente a data de apresentação da petição inicial como tendo sido em 26/09/2018, quando o foi, antes, na data do registo do envio dos CTT, Correios, em 17/04/2019 – cfr. documento ínsito nos autos a fls. 41 do processo físico..

FACTOS NÃO PROVADOS
Nada mais se provou com interesse para o conhecimento da questão prévia suscitada.”

2. O Direito

O presente recurso tem por objecto a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que absolveu da presente instância de impugnação judicial o exequente, com fundamento na verificação de erro na forma do processo.
Para assim decidir, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto foi aduzida a seguinte fundamentação: «(…) Prescreve o artigo 99º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, “Constitui fundamento de impugnação qualquer ilegalidade, designadamente:
a) Errónea qualificação e quantificação dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais e outros factos tributários;
b) Incompetência;
c) Ausência ou vício da fundamentação legalmente exigida;
d) Preterição de outras formalidades legais.”.
Como decorre do normativo transcrito, o processo de impugnação visa a anulação, total ou parcial, de actos tributários, designadamente da liquidação - declaração de vontade da Administração que define o quantum a exigir ao contribuinte - mediante a invocação dos fundamentos exarados no artigo 99º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Ora, o pedido formulado na petição inicial apresentada consiste na declaração de nulidade da instauração dos processos de execução, declaração de falta de citação das sociedades, com a anulação de todo o processado, e extinção dos processos executivos e levantamento das penhoras, actos que se situam no âmbito de um processo de execução fiscal, e, portanto, estão para além do acto tributário em si.
Como ensina JORGE LOPES DE SOUSA, “Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado”, em anotação ao artigo 99º daquele diploma “(…) o processo de impugnação será de utilizar quando o acto a impugnar é um acto de liquidação ou um acto administrativo que comporta a apreciação de um acto desse tipo e, relativamente a actos de outro tipo, quando a lei utilizar o termo “impugnação” para referenciar o meio processual a utilizar”.
“In casu”, é manifesto que não está em causa, imediata ou mediatamente, qualquer acto de liquidação de tributo, como também se não está perante outro tipo de actos para os quais a lei utilize o termo “impugnação” para referenciar o meio processual a utilizar (como sucede casos referidos nas alíneas a) a g) do nº 1 do artigo 97º e no artigo 143º, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário).
Assim sendo, o meio processual próprio para reagir contra a alegada nulidade da instauração da execução e/ou falta de citação, no âmbito de uma execução fiscal, é a reclamação prevista no artigo 276º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, facultada ao executado, ou a terceiro, com vista à defesa dos seus direitos e interesses legítimos em face das decisões proferidas pelo órgão de execução fiscal, ou a dedução de oposição ao abrigo do disposto no artigo 204º, alínea i), do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
O erro na forma de processo ocorre sempre que a forma processual escolhida não corresponde à natureza ou ao valor da acção e constitui nulidade de conhecimento oficioso (artigos 193º e 196º do Código de Processo Civil, “ex vi” artigo 2º, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário).
O erro na forma de processo afere-se pelo pedido ou pretensão que o autor pretende obter do tribunal com o recurso à acção, e constitui vinculação temática para o tribunal, pois é dentro dele que o tribunal se move (artigo 615º, nº 1, alínea e), do Código de Processo Civil).
O pedido é o efeito jurídico que se pretende obter com a acção, ou seja, a finalidade, o resultado, a providência que se quer alcançar (artigo 581º, nº 3, do mesmo diploma).
O erro na forma de processo afere-se essencialmente pelo pedido ou pretensão que o autor pretende obter do tribunal com o recurso à acção.
Ora, quer em relação aos pedidos formulados quer em relação à causa de pedir a forma processual correcta não é a impugnação judicial mas antes a reclamação a que aludem os artigos 276º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Destarte, o Impugnante incorreu em erro na forma de processo.
Face ao preceituado no artigo 97º, nº 3, da Lei Geral Tributária, e artigo 98º, nº 4, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, importa averiguar da possibilidade de convolação dos autos em processo de reclamação.
Nos termos do artigo 193º do Código de Processo Civil, as consequências resultantes do erro na forma de processo poderão divergir, consoante se possam ou não aproveitar os actos já praticados, tendo em vista as garantias do réu: se da errada forma processual resultar diminuição das garantias do réu, deverão anular-se todos os actos posteriores; caso contrário, anular-se-ão apenas os que não possam ser aproveitados, praticando-se os necessários para que o processo se aproxime da forma estabelecida na lei.
No caso em apreço, não se vislumbra tal diminuição de garantias.
Contudo, os autos não podem ser aproveitados. Efectivamente, na hipótese de se ordenar o prosseguimento dos autos como reclamação impor-se-ia desde logo a sua rejeição liminar por manifesta extemporaneidade dado que a citação do revertido ocorreu em 30/11/2015 e a presente impugnação foi instaurada em 18/4/2019.
Destarte, mostra-se largamente ultrapassado o prazo de 10 dias a que alude o artigo 277º, nº 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
De resto, o articulado apresentado não se adequa à nova forma processual, porquanto, além do mais, não contém conclusões, nem alegação fáctica relativa à existência de prejuízo irreparável.
Por outro lado, como acertadamente refere o Ministério Público, não podem cumular-se na reclamação actos praticados contra duas pessoas colectivas distintas sem que os correspondentes processos de execução estejam apensados, sob pena de cumulação ilegal de pedidos.
Assim sendo, a ordenar-se tal convolação, incorrer-se-ia na prática de um acto inútil e proibido por força do disposto no artigo 130º do Código de Processo Civil.
De igual modo também não pode convolar-se os autos em oposição, ao abrigo do disposto no artigo 204º, alínea i), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, uma vez que estão em causa processos de execução referentes a duas entidades distintas e não apensados entre si.
O erro na forma de processo constitui nulidade, de conhecimento oficioso, nos termos do disposto nos artigos 193º e 196º do Código de Processo Civil, que, não sendo sanada, impõe a anulação de todo o processado e conduz à absolvição da instância, em conformidade com o vertido nos artigos 278º, nº 1, alínea b), e 577º, alínea b), do Código de Processo Civil.
Deste modo, a procedência desta excepção obsta ao conhecimento do mérito da causa, impondo ao tribunal que se abstenha de conhecer do pedido e absolva o Réu da instância, em obediência às normas legais citadas. (…)
DECISÃO
Pelo exposto, julga-se procedente a excepção dilatória de erro na forma de processo, e consequentemente absolve-se o Exequente da instância. (…)»

Avancemos, então, para a apreciação desta decisão recorrida, que se prende, num primeiro momento, em saber se enferma de erro de julgamento, ao ter detectado o erro na forma do processo.
O erro na forma do processo, nulidade decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, afere-se pelo pedido e não pela causa de pedir, conquanto esta possa ser utilizada como elemento de interpretação daquele, quando a esse respeito existam dúvidas.
Observando o pedido nos presentes autos, verificamos que o Impugnante pede a declaração de nulidade da instauração das execuções fiscais em causa, a declaração da falta de citação das devedoras originárias e a extinção dos processos executivos que correm contra si, na qualidade de responsável subsidiário, com a declaração de extinção das dívidas exequendas revertidas contra o impugnante e o levantamento imediato das penhoras que decorrem contra si.
Por outro lado, da análise da petição inicial, resulta que o impugnante, executado por reversão, invoca, como fundamentos da sua pretensão, a nulidade da citação das devedoras originárias, implicando a anulação de todo o processado subsequente nos processos de execução fiscal.
Nestes termos, as causas de pedir parecem consentâneas com cada um dos pedidos que identificámos, não residindo dúvidas que se peticionam duas pretensões a que correspondem formas de processo diferentes: nulidade/falta da citação – reclamação do acto de citação junto do órgão de execução fiscal, nos termos do artigo 276.º e seguintes do CPPT; e extinção da execução – processo de oposição, nos termos do artigo 203.º e seguintes do CPPT. Conforme correctamente foi julgado na decisão recorrida.
É, também, inequívoco que em nenhum momento da peça processual em análise se teve em vista a impugnação de qualquer acto de liquidação ou se tivessem invocado causas de pedir nessa direcção, que pudessem suscitar dúvidas quanto ao sentido dos pedidos formulados. Queremos com isto significar que, mesmo não existindo quaisquer reservas quanto aos reais pedidos apresentados, a interpretação que efectuamos das causas de pedir indicam-nos o singular caminho da declaração de nulidade da citação e o efeito jurídico de extinção da execução.
É verdade que o responsável subsidiário em processo de execução tem legitimidade para deduzir impugnação judicial do acto de liquidação do imposto em causa. Contudo, não vislumbramos, em nenhuma passagem da petição inicial, que tal tenha sido efectuado, tanto mais que a conclusão final remete para os fundamentos antes apontados.
É nossa convicção que o Recorrente bem sabe que não utilizou o meio processual adequado, pois interpretando a causa de pedir e pedido formulados, deve concluir-se que o Recorrente visa a extinção da execução que contra si se reverteu, sendo que, para tanto, encontrou problemas a montante nos processos de execução fiscal – a falta de citação prévia das devedoras originárias.
Nesta conformidade, o tribunal recorrido aferiu a (in)adequação do meio processual aos pedidos que se pretendem fazer valer de forma consentânea com a jurisprudência de todos os tribunais da nossa jurisdição – cfr., a título de exemplo, Acórdão do STA, de 19/10/2016, proferido no âmbito do processo n.º 0346/16 e Acórdão do STA, de 22/03/2018, proferido no âmbito do processo n.º 0714/15.
Ora, o meio processual adequado para impugnar uma decisão relativa à reversão da execução fiscal (“instauração de execuções fiscais contra o impugnante enquanto responsável subsidiário”, segundo palavras da petição inicial), com fundamento na circunstância de a devedora originária não ter sido primeiro/antes citada, é a oposição à execução fiscal, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT. Lembramos, contudo, que o instituto da reversão produz no processo de execução fiscal uma modificação subjectiva da instância, que opera pelo chamamento do revertido (alguém que não é o devedor que figura no título) à execução, a fim de ocupar nela a posição passiva de executado. Mas, legalmente, apenas se permite o início do procedimento de reversão depois de a executada originária ser chamada à execução fiscal, de lhe ser dada a possibilidade de pagamento da dívida exequenda e, na sua falta, realizar-se-á a penhora dos seus bens – cfr. artigo 215.º, n.º 1 do CPPT. Todavia, na situação em apreço, não é claro que o impugnante tenha feito uso do meio processual para impugnar o acto de reversão, dirigindo, antes, a impugnação judicial ao acto de indeferimento tácito que terá recaído sobre pedido de nulidade de citação formulado junto do órgão de execução fiscal. Observamos, portanto, que o Recorrente não colocou a questão da falta de citação das devedoras originárias de forma incidental, mas principal, pois insurge-se directamente contra o referido acto tácito.
A reclamação graciosa e o processo de impugnação judicial, a que os revertidos também podem recorrer na sequência da sua citação no processo de execução fiscal, nos termos do n.º 4 do artigo 22.º da LGT, destinam-se a atacar a legalidade da liquidação visando obter a sua anulação ou a declaração da sua nulidade ou inexistência (arts. 70.º, n.º 1, 99.º e 124.º do CPPT). Por outro lado, por força do preceituado no n.º 1 do artigo 151.º do CPPT, todas as questões relacionadas com os pressupostos da responsabilidade subsidiária deverão ser apreciadas em processo de oposição, sendo que os vícios do despacho que ordena a reversão, mesmo de carácter formal, constituem fundamentos enquadráveis na alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT – cfr. neste sentido, Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e Processo Tributário anotado, 6ª ed., vol. III, pag. 479 e 499, e Lei Geral Tributária Anotada, Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, 4ª edição, Encontro da Escrita, pag. 275/276. Sendo este o entendimento da doutrina, que subscrevemos, no mesmo sentido se tem pronunciado a jurisprudência da Secção de Contencioso Tributário do STA, de que são exemplo os Acórdãos de 27/01/2016, recurso n.º 1353/15, de 29/06/2005, recurso n.º 0501/05, de 14/07/2007, recurso n.º 0172/07, de 27/05/2009, recurso n.º 448/09, de 09/02/2011, recurso n.º 845/2010, de 02/05/2012, recurso n.º 300/2012, de 12/09/2012, recurso n.º 453/12, de 06/03/2014, recurso n.º 639/13 e de 08/04/2015, recurso n.º 715/14.
A oposição, que tem a natureza de uma contestação, visa, em regra, a extinção da execução fiscal, enquanto a nulidade da citação apenas pode determinar a repetição do acto com suprimento das irregularidades que determinaram a anulação e a repetição dos actos subsequentes que, porque dependentes da citação anulada, tenham sido também anulados. Assim, porque a nulidade da citação não tem como efeito a extinção da execução fiscal não pode ser erigida, em circunstância alguma, em fundamento de oposição à execução fiscal – cfr., neste sentido, entre outros, o Acórdão do STA, de 07/05/2014, proferido no âmbito do processo n.º 283/14.
É, assim, por este motivo que, in casu, estamos perante dois pedidos a que correspondem duas formas de processo diferentes. Teríamos que a forma adequada seria, como se deixou dito, a reclamação do acto tácito que terá recaído sobre o requerimento de arguição de nulidade dirigido ao órgão de execução fiscal e o processo de oposição para o pedido de extinção das execuções.
Logo, o meio de defesa perante um acto tácito de indeferimento poderá ser a impugnação judicial, desde que esse acto não tenha sido proferido num processo de execução fiscal e não tenha as características do acto impugnado nos presentes autos; pelo que, in casu, não vislumbramos qualquer interpretação errónea do disposto no artigo 193.º do CPC, nem dos artigos 99.º e 165.º, ambos do CPPT.
Nesta conformidade, bem andou a sentença recorrida ao decidir verificar-se o erro na forma do processo.

Na medida em que o Recorrente neste recurso insiste na adequação do meio processual escolhido, não questionou expressamente a parte decisória recorrida relativa à impossibilidade de convolação dos presentes autos em processo de oposição e em reclamação de acto do órgão de execução fiscal.
No entanto, não podemos deixar de alertar que, para esses meios processuais - cfr. o n.º 3 do artigo 97.º da LGT e o n.º 4 do artigo 98.º do CPPT - não será possível, todavia, convolar esta impugnação judicial deduzida, dado que foram formulados dois pedidos a que correspondem formas de processo distintas.
Neste ponto, acolhemos, mais uma vez, jurisprudência dos tribunais superiores. A título exemplar, remetemos para o julgamento realizado no Acórdão do STA, de 13/04/2016, proferido no âmbito do processo n.º 01068/14:
“(…) Há assim na mesma petição inicial dois pedidos distintos a que correspondem acções diferentes.
E também fundamentos invocados correspondentes a esses distintos pedidos.
Ora nesta situação em que há cumulação de causas de pedir e pedidos correspondentes a duas formas processuais diferentes o juiz não pode optar por uma delas.
A convolação torna-se inviável como bem decidiu o mº juiz.
Verifica-se assim erro na forma do processo. (…)”
Do que fica dito, resulta ser de todo impossível o aproveitamento da petição inicial, tendo lugar a absolvição do Recorrido da instância, conforme julgado em primeira instância.

Na conclusão 13.ª das alegações do recurso, o Recorrente sustenta que o Tribunal a quo, ao ter considerado verificada a excepção de erro na forma do processo, violou o direito de acesso ao direito e aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva, previstos no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Inexiste violação do direito à tutela jurisdicional efectiva, uma vez que a interpretação dos artigos aplicados na decisão recorrida está em conformidade com o sistema fiscal e com a ilicitude da prática de actos inúteis. Na verdade, é mesmo ilógico corrigir um defeito de ordem processual quando subsiste outro defeito ao nível dos pressupostos processuais.
É nossa convicção que, não obstante esse erro na forma do processo, o princípio da tutela jurisdicional efectiva não impõe que a pretensão do Recorrente seja conhecida (cfr. conclusões 9 e 10 das alegações do recurso).
Na verdade, esse princípio está consagrado na CRP (artigo 268.º, n.º 4), mas a sua efectivação não é anárquica, está sujeita a regras a estabelecer pelo legislador ordinário, tais como, por exemplo, a do uso do meio processual adequado, do estabelecimento de prazos para esse exercício, ou da necessidade de prévia utilização de meios graciosos.
A respeito do meio processual adequado, estabelece o artigo 2.º, n.º 2 do CPC que "A todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da acção."
No âmbito do contencioso tributário, o meio processual adequado erigido pelo legislador ordinário para reagir contra decisão do órgão de execução fiscal, que seja lesiva do executado ou de terceiro, foi a reclamação (para o tribunal tributário de primeira instância), prevista nos artigos 276.º e seguintes do CPPT, só quando esse meio não assegurar a tutela jurisdicional efectiva dos direitos do contribuinte é legítimo o recurso a outros meios processuais. Como vimos, também, o meio adequado perante o pedido de extinção do processo de execução fiscal quanto ao revertido é a oposição, prevista nos artigos 203.º e seguintes do CPPT.
Pelo que, tendo sido considerado, in casu, que os meios adequados, perante a pluralidade de pedidos, eram a reclamação de actos do órgão de execução fiscal e a oposição e que a forma utilizada era de todo inadequada para prosseguir como essa forma de processo, o recurso jurisdicional tem necessariamente de soçobrar.
Posição contrária, no sentido de que o uso da impugnação judicial tutelava eficazmente os direitos do Recorrente, equivaleria à eliminação pura e simples do princípio do uso do meio processual adequado, o que não é de admitir, tanto mais que, na base dessa eliminação, estava o incumprimento de mais um princípio basilar do nosso contencioso administrativo e tributário - a existência de prazos para fazer uso do processo - com o que se pretende alcançar a segurança jurídica (na oposição – 30 dias a contar da citação; na reclamação de acto do órgão de execução fiscal – 10 dias a contar, no caso, do indeferimento tácito do requerimento apresentado pelo Recorrente a esse órgão).
Ora, na situação em análise, manifestamente, o Recorrente não fez uso dos meios adequados ao seu dispor no sistema fiscal, nos prazos legalmente previstos.
Conclui-se, assim, que o direito à tutela judicial efectiva se mostra assegurado através de meios judiciais próprios e adequados; sendo imputável ao Recorrente o facto de não ter utilizado esses meios previstos legalmente de forma tempestiva.

Pelo exposto, urge concluir pela improcedência de todas as conclusões de recurso, negando provimento ao mesmo, e julgando prejudicado o conhecimento detalhado da eventual tempestividade da petição inicial (7.ª conclusão das alegações de recurso), pois apenas relevaria perante a possibilidade de convolação, que, desde logo, não se coloca in casu.

Conclusões/Sumário

I - O erro na forma do processo, nulidade decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, afere-se pelo pedido e não pela causa de pedir, conquanto esta possa ser utilizada como elemento de interpretação daquele, quando a esse respeito existam dúvidas.
II - Não obstante a verificação de erro na forma do processo, o princípio da tutela jurisdicional efectiva não impõe que a pretensão do recorrente seja conhecida.
III - A forma processual consagrada na lei e adequada a cada tipo de acção a propor é uma garantia do cidadão pelo que a convolação de uma forma eleita erradamente para a forma devida se impõe ao juiz, sempre que por qualquer motivo se não mostre inviável.
IV - A convolação de uma forma processual imprópria, na adequada ao pedido e à causa de pedir, só pode efectuar-se se ocorrer a tempestividade da acção a convolar e os fundamentos invocados correspondam à forma processual adequada.
V - Se os fundamentos invocados correspondem a pedidos distintos e diferentes formas processuais torna-se inviável a convolação, já que o juiz está impedido de optar por qualquer uma delas.

IV Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
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Custas a cargo do Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.
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Porto, 28 de Janeiro de 2021


Ana Patrocínio
Cristina Travassos Bento
Celeste Oliveira