Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00580/15.6BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/20/2016
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:AÇÃO POPULAR; LEGITIMIDADE; LEI N.º 83/95
Sumário:1 – Estando-se perante uma impugnação de deliberações tomadas por órgão municipal eleito, que não digam respeito à esfera jurídica ou estatutária dos seus membros, o regime contencioso vigente não lhes confere legitimidade ativa em sede de tutela ou defesa da legalidade objetiva (ação pública), pois, a mesma radica ou assiste unicamente ao MP, à pessoa do presidente do órgão colegial ou de quem o substitua e, ainda, ao chamado “autor popular” [cfr. arts. 09.º, n.º1, 55.º, n.ºs 1, als. a) e e) e 2 do CPTA e 14.º, n.º 4 do CPA].
É suposto que o eleito local, divergindo de uma deliberação submetida a votação, ou no órgão em que tem assento, ou naquele que institucionalmente superintende, vote contra a mesma ou suscite a sua alteração por via dos canais disponíveis por via administrativa, ficando, aliás, se for caso disso, isento de responsabilidade que eventualmente decorra do deliberado (cfr. arts. 28.º, n.º 2 do CPA e 93.º, n.º 3 da Lei Quadro de Competências e Regime Jurídico de Funcionamento dos órgãos dos Municípios e das Freguesias - Lei n.º 169/99, de 18/09, alterada pela Lei n.º 5-A/02, de 11/01).
2 – Possuem direito de ação popular, independentemente de terem ou não interesse direto na demanda, as associações e fundações defensoras da saúde pública, do ambiente, da qualidade de vida, da proteção do consumo de bens e serviços, do património cultural e do domínio público (artigos 1º/2 e 2º/1 LAP).
Uma associação tem legitimidade para intentar uma ação popular quando tem como fim institucional a defesa dos valores em causa na ação principal e, por conseguinte, na ação cautelar. A previsão genérica e ampla no sentido de Promover a legalidade das entidades públicas e os seus atos e competências não cria um dever de proteção de qualquer valor constitucionalmente protegido, nomeadamente, os relacionados com o ambiente e urbanismo.
Se assim fosse, qualquer associação que fizesse alusão em termos estatutários a um dever genérico de promoção da legalidade da atuação das entidades públicas teria legitimidade para intentar toda e qualquer ação popular, o que desvirtuaria o próprio regime jurídico vigente.
O exercício do direito de ação popular por associações e fundações obedece a um princípio de especialidade, na medida em que se circunscreve à área de intervenção principal destas entidades.
Com efeito, a ação popular serve para defender em juízo interesses difusos ou coletivos, referindo a lei que só têm legitimidade ativa as pessoas coletivas que, tendo personalidade jurídica, “incluírem nas suas atribuições ou nos seus objetivos estatutários a defesa dos interesses em causa no tipo de ação de que se trate” – alíneas a) e b) do artigo 3º da Lei 83/95, de 31.08.
3 - A requerente não contando entre os fins e/ou interesses prosseguidos ou a defender quaisquer valores e bens constitucionalmente protegidos, designadamente o ordenamento do território ou o urbanismo, não lhe assiste legitimidade processual ativa nos termos dos arts. 9.º n.º 2, 55.º, n.º 1, al. f) do CPTA, 1.º, 2.º e 3.º da Lei n.º 83/95.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:M... – A51...
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE PONTE DE LIMA
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I Relatório
O M... – A51... , Associação Cívica de direito privado e AAAB, devidamente identificados nos autos, tendo vindo, no EXERCÍCIO DO DIREITO DE ACÇÃO POPULAR, nos termos e para os efeitos do artigo 52º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e 12º e ss. da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto, Instaurar Providência Cautelar de Suspensão de Eficácia de Ato Administrativo e Intimação para a Abstenção de Conduta, nos termos dos Artº 112º, nº 1, nº 2 e nº 2 Alíneas a) e f) do CPTA, com pedido de Decretamento Provisório, nos termos do Artº 131º DO CPTA, Contra o MUNICÍPIO DE PONTE DE LIMA, inconformados com a Sentença proferida em 21 de dezembro de 2015, no TAF de Braga, que absolveu o Município de Ponte de Lima da instância, em decorrência da declarada ilegitimidade ativa dos Autores, vieram interpor recurso jurisdicional da referida Sentença, em 6 de janeiro de 2015.

Formulam os aqui Recorrentes nas suas alegações de recurso as seguintes conclusões:

“I. M... – A51... , Associação política cívica de direito privado sem fins lucrativos, e AAAB, Eleito Local na Assembleia Municipal de Ponte de Lima, ambos Requerentes,

II. Nos autos de processo cautelar movidos contra o Requerido MUNICÍPIO DE PONTE DE LIMA, autarquia local e pessoa coletiva de direito público, tendo sido notificados da douta sentença que julgou procedente a exceção de ilegitimidade ativa de ambos os Requerentes, para requerer a providência cautelar e tal questão obsta ao prosseguimento do processo, determinando a absolvição da Entidade Demandada da instância conforme o art.º 89.º do CPTA,

III. Mais decidiu as custas a cargo dos Requerentes, por alegadamente não ser de aplicar a isenção prevista no artigo 4.º do RCP, por nenhum dos sujeitos ativos tinha legitimidade para intentar ação popular – cf. artigo 527.º do CPC, fixando a causa no valor de 30.001,00€, por obedecer ao critério previsto no artigo 34.º do CPTA.

IV. Não se conformando com a sentença proferida que antecede e que julgou procedente a exceção de ilegitimidade ativa dos Requerentes, vêm, ao abrigo do disposto nos art.º s 140.º a 147.º, todos do CPTA, dele interpor RECURSO DE APELAÇÃO para o Tribunal Central Administrativo do Norte, devendo subir imediatamente, em separado e com efeito suspensivo, conforme o art.º 143.º e ss. do CPTA.

DO MEIO PROCESSUAL E DA LEI APLICÁVEL

V. Considerando o art.º 15.º, do Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro, a pronúncia do Tribunal Constitucional no seu acórdão n.º 124/2015, de 12 de Fevereiro, deve ser admitido o presente recurso como meio processual adequado e ser o mesmo apreciado pelo Tribunal Central Administrativo Norte.

VI. Pois argumentam os Recorrentes enquanto fundamento material de recurso, que a decisão judicial recorrida fez errado julgamento de facto e de Direito.

DO ENQUADRAMENTO

VII. No requerimento inicial dos presentes autos a 1ª Requerente apresentou-se como uma associação política denominada por M... – A51... , e o 2º Requerente como eleito local da assembleia municipal de Ponte de Lima,

VIII. Se por um lado o 2º Requerente é um membro eleito local do órgão deliberativo do Requerido desde as eleições autarquias de 2013, a 1ª Requerente é uma associação privada sem fins lucrativos com objeto social político e respetivo cae 94920, tendo sido constituída em 14-04-2014, por escritura pública e trinta outorgantes, naturais, recenseados e residentes no concelho de Ponte de Lima,

IX. Na resposta, o Requerido veio invocar nos itens iniciais a ilegitimidade dos Requerentes, questão essa que veio a merecer a concordância da douta sentença que antecede, contrariamente ao explanado pelos Requerentes.

X. Desde logo os Requerentes têm legitimidade processual nestes autos de processo cautelar porque tinham para a ação popular também instaurada, ao abrigo do direito de ação popular, considerando o art.º 52.º da CRP, a Lei de Acão Popular (LAP) e o art.º 112.º do CPTA,

XI. Foi argumentado e juntos aos autos os estatutos da associação requerente com os fins previstos na cláusula segunda dos seus estatutos:

A Associação tem os seguintes objetivos:
j) Ser uma associação cívica, independente, de serviço imparcial e permanente,
k) Contribuir para a participação cívica e abertura à sociedade civil, no âmbito local, distrital, regional e nacional;
l) Promover a cidadania, a liberdade, a democracia;
m) Apoiar e defender a família;
n) Desenvolver e concorrer, com legitimidade ativa e passiva, com candidaturas aos órgãos eleitorais, de âmbito local, distrital, regional e nacional;
o) Exercer toda a sua atividade “do povo, pelo povo e para o povo".
p) Defender a dignidade da pessoa humana e os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos;
q) Promover a transparência, democracia, informação, legalidade das entidades públicas e seus atos e competências,
r) Cooperar com entidades públicas e privadas, podendo criar protocolos com entidades terceiras, em tudo o que se torne necessário para prosseguir os seus objetivos de serviço de todos os cidadãos.

XII. … enquanto o 2º Requerente, AAAB, é eleito local e membro da Assembleia Municipal do Réu, desde as eleições autárquicas de 2013.

XIII. Pois, como vincadamente alegado no requerimento inicial, é o facto de o Requerido ter declarado o interesse público municipal de um terreno considerado em reserva agrícola nacional, com cursos de água que terão de ser desviados e fonte de água que poderá ficar prejudicada, o respetivo aglomerado construtivo é excessivo e não enquadrado com o ambiente existente, face aos atos aqui em crise, atribuindo os estatutos da 1ª Requerente legitimidade para a ação popular contra tais atos.

XIV. E isto, mesmo sabendo o Requerido que tem, atualmente, uns Paços do Concelho que sofreram amplas obras recentemente, para que o Requerido possa executar a construção de um novo edifício dos Paços do Concelho, naquele local de solo rural, em detrimento da saúde pública, da qualidade de vida, da preservação do ambiente, do património cultural,

XV. Ainda mais quando, ao nível da execução da despesa pública e do seu controlo, estamos perante uma obra, já prevista no orçamento para 2015, com o custo estimado para quatro anos, com início já no ano de 2015, de 6.008.000,00€.

XVI. Veja-se, tais atos são de tal forma atentatórios, quer de normas respeitantes ao urbanismo, ao ambiente, das autarquias locais, de ordenamento do território, e dos respetivos princípios legais,

XVII. … o Requerido já terá querido alegada e anteriormente, outro tipo de edificado, “Centro de Congressos / Pavilhão Multiusos”, naquele local, porém, esse projeto acabou por “cair por terra”, em virtude dos pareceres negativos de outros organismos e entidades públicas.

XVIII. Portanto, do supra exposto, do que aliás já se fez menção expressa no requerimento inicial, dúvidas não restarão da legitimidade ativa para instaurar os presentes autos, seja da 1ª Requerente, seja do 2º Requerente, como, aliás, a poderiam ter outras pessoas singulares ou coletivas, se assim o quisessem …

XIX. Parece-nos, salvo entendimento diverso, estarem preenchidos os pressupostos, razão pela qual os Requerentes alegam no presente recurso que:
1 – O meio processual e Lei;
2 – O enquadramento;
3 – Direito aplicável;
1.1 – Legitimidade de ambos os Requerentes;
1.1.1 – Por violação de interesses e direitos;
1.1.2 – Art.º s 55.º, al. f) e 9.º, n.º 2, do CPTA e art.º s 2.º, 9.º, 20.º e 52.º da CRP;
1.1.3 – Objeto da ação popular e princípios constitucionais;
1.2 – Legitimidade do 2º Requerente eleito local;
1.2.1 – Qualidade de eleito local e legislação aplicável;
1.2.2 – Legitimidade pelos atos dos órgãos da Requerida;
1.3 – Legitimidade da 1ª Requerente associação política;
1.3.1 – Qualidade de associação política e previsão nos estatutos;
1.3.2 – Interesses difusos defendidos pela associação política;
1.4 – Associação política enquanto representante;
1.4.1 – Em representação dos cidadãos e associados;
1.4.2 – Abaixo-assinado de 388 cidadãos de Ponte de Lima;
4 – Inconstitucionalidade;
5 – Da decisão devida;
6 – Da reforma e regime de custas;
DA LEGITIMIDADE ACTIVA DE AMBOS OS REQUERENTES
DA LEGITIMIDADE POR VIOLAÇÃO DE INTERESSES DIFUSOS

XX. Ambos os Requerentes alegam, e desejam prevenir, com este processo cautelar, a lesão dos interesses difusos do urbanismo, do ambiente, das autarquias locais, de ordenamento do território, e dos respetivos princípios legais,

XXI. Os quais são mais que diretos de todos os cidadãos, quer do requerente eleito local da assembleia municipal, quer da associação privada sem fins lucrativos,

XXII. E ainda que indiretos fossem, atente-se, em nada maculava o presente processo, pois tal está legalmente previsto, no caso dos direitos difusos, como é esta situação, na Lei da ação Popular, art.º 2.º nº 1,in fine:

“São titulares do direito procedimental de participação popular e do direito de ação popular quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos e as associações e fundações defensoras dos interesses previstos no artigo anterior, independentemente de terem ou não interesse direto na demanda, independentemente de terem ou não interesse direto na demanda”.

XXIII. Sendo que são várias as razões que militam a favor do reconhecimento da sua legitimidade ativa, sendo desde logo, uma delas, o facto de não ter de fazer a demonstração da existência de um interesse direto na demanda, conforme o art.º 2.º, n.º 1, in fine, da LAP, bastando com os pressuspostos suportados de forma indireta.

XXIV. Tudo isto também tem a ver com a defesa de Interesses Difusos, como a Primazia da Lei e a Legalidade Democrática a que todos devemos obedecer e que nos asseguram que, num estado de Direito, senão nunca se teria criada a figura da Acão Popular se fosse para o entendimento preconizado na douta sentença, pois, esta foi criada, exatamente, também para conferir poderes de defesa da legalidade, do interesse público aos cidadãos, o que em nada colide ou exclui os deveres funcionais e legais do M.P.

XXV. O que deve levar a uma interpretação consentânea da Lei Processual Civil e o Código de Processo dos Tribunais Administrativos, com a Lei da Acão Popular e, uma vez tal levado a efeito, deve ter-se por improcedente a exceção da ilegitimidade ativa dos Requerentes, com a revogação da douta sentença que antecede.

DA LEGITIMIDADE ADVINDA DOS ART.º S 55.º, N.º 1, AL. F) E 9.º, N.º 2, AMBOS DO CPTA E ART.º S 2.º, 9.º, 20.º E 52.º, TODOS DA CRP

XXVI. A legitimidade enquanto pressuposto processual exprime a relação entre a parte no processo e o objeto deste (a pretensão e o pedido).

XXVII. Nos termos do art.º 30.º do CPC (anterior art.º 26.º CPC 1961):

“1 - O autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer.

2 - O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha.

3 - Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.”

XXVIII. Sendo que considerando o art.º 31.º do CPC (art.º 26-A.º CPC 1961):

“Têm legitimidade para propor e intervir nas ações e procedimentos cautelares destinados, designadamente, à defesa da saúde pública, do ambiente, da qualidade de vida, do património cultural e do domínio público, bem como à proteção do consumo de bens e serviços, qualquer cidadão no gozo dos seus direitos civis e políticos, as associações e fundações defensoras dos interesses em causa, as autarquias locais e o Ministério Público, nos termos previstos na lei.”

XXIX. Presente o quadro factual antecedente cumpre, agora, entrar na análise das questões suscitadas em sede do disposto nos arts. 9.º, e 55.º, ambos do CPTA, invocados na douta sentença.

XXX. Outrossim no caso concreto dos Requerentes lhes assiste legitimidade processual ativa nos termos da conjugação do n.º 2 do art. 9.º e da al. f) do n.º 1 do art. 55.º ambos do CPTA, reportando-se à Lei n.º 83/95 na parte em que neste diploma [arts. 02.º e 03.º] se densifica o critério da legitimidade que apenas se mostra genericamente formulado no CPTA e depois nos arts. 13.º e seguintes daquela lei e do art.º 52.º, n.º 3, da CRP.

XXXI. Ao assim não haver concluído incorreu a decisão judicial recorrida em erro de julgamento, que importa a sua revogação com as legais consequências.

DA LEGITIMIDADE ADVINDA DO OBJECTIVO DA ACÇÃO POPULAR E DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS ADJACENTES

XXXII. Nos presentes autos visam os Requerentes obter a promoção da legalidade e a prevenção da ofensa de interesses difusos, conforme já supra referido e transcrito dos estatutos da 1ª Requerente associação.

XXXIII. No caso concreto temos na doutrina como na jurisprudência “os interesses difusos correspondem a interesses juridicamente reconhecidos e tutelados, cuja titularidade pertence a todos e cada um dos membros de uma comunidade ou de um grupo mas não são suscetíveis de apropriação individual por qualquer um desses membros – são simultaneamente interesses não públicos, não coletivos e não individuais”.

XXXIV. A tutela destes interesses é, pois, garantida pelo art.º 52.º, n.º 3, da CRP, a que a Lei n.º 83/95 dá concretização, estabelecendo no seu art.º 1.º, n.º 2, uma enumeração exemplificativa dos mesmos, em conjugação com os artº s 2.º, 3.º e 10.º todos da CRP.

XXXV. Razões pelas quais reveste as características necessárias para serem considerados interesses difusos juridicamente tuteláveis por via de ação popular que foi instaurada por apenso aos presentes autos de processo cautelar.

XXXVI. Não pode retirar-se dos Estatutos da 1ª Requerente associação que se encontre impedida de o fazer, tendo para tanto a legitimidade sob pena de ficar destituída de tutela adjetiva, o que não se pode conceber face ao disposto nos art.º s 2.º, n.º 2 e 20.º da CRP.

XXXVII. Ao contrário da douta sentença não decorre da norma legal que a definição da defesa dos interesses tenha sequer que ser de tal forma minuciosa, nem que tenha que identificar os interesses difusos em pormenor,

XXXVIII. Tal interpretação retiraria, de resto, a substância do direito previsto no art.º 2.º da LAP, vedando às diversas associações, como a Requerente Associação, a defesa judicial dos interesses difusos pertencentes ao círculo normal da sua ação estatutária.

XXXIX. Ressaltam, entre outras normas do art.º 9.º, al. c), da CRP (tarefas fundamentais do Estado: “defender a democracia política, assegurar e incentivar a participação democrática dos cidadãos na resolução do problemas nacionais (…)”, pois que o art.º 52.º, nº 3 da CRP no seu texto e espirito é meramente exemplificativo nos princípios em causa e nas áreas dos mesmos.

XL. É exatamente o caso da Ação Popular, como figura o que legitima plenamente o exercício, pelos requerentes do presente processo,

XLI. O Recorrido terá cometido uma patente ofensa aos referidos princípios com a prática duma ilegalidade e com este meio tenciona-se evitar a prática dessa ilegalidade, que é certa se não for travada e causará objetivos danos aos referidos princípios difusos e a sociedade democrática em que vivemos, pois não é estéril anunciar-se a prática duma ilegalidade, praticar-se a ilegalidade e achar-se que nada deve acontecer e que se tem esse direito.

XLII. E num Estado de Direito, como o nosso, não se pode praticar uma ilegalidade, alto e bom som, como o Requerido fez, e não se conceder aos cidadãos a possibilidade de reagirem contra tal ilegalidade.

XLIII. Ou seja, também é um direito soberano, basilar, último que o cidadão tem o direito constitucional de usar todos os meios legais para a defesa do direito universal da Primazia da Lei e do Princípio da Legalidade Democrática.

XLIV. E este exercício não pode ser coartado por nada, logo é indiferente e irrelevante para o processo, a realidade postulada doutamente na douta sentença.

XLV. Aqui trata-se da salvaguarda de direitos universais, princípios difusos intocáveis e basilares: o direito universal da Primazia da Lei e o Princípio da Legalidade Democrática, o que vai muito para além do que uma mera questão de legitimidade.

XLVI. Assim, importará considerar admissível a legitimidade nos presentes autos de processo cautelar, como naquele processo cautelar, devendo improceder a exceção de ilegitimidade ativa, com a revogação da douta sentença e prosseguimentos dos autos de processo até final.

DA LEGITIMIDADE DO 2º REQUERENTE ELEITO LOCAL

DA LEGITIMIDADE ADVINDA DA QUALIDADE DE ELEITO LOCAL

XLVII. Temos, ainda, que não assiste qualquer razão, salvo o devido respeito, à procedência da exceção de ilegitimidade do 2º Requerente por este ser eleito local da assembleia municipal do Requerido, por causa da alegada regra da proibição de Auto impugnação, conforme os art.º s 9.º, 55.º, ambos do CPTA.

XLVIII. Pois são conferidas aos eleitos locais garantias administrativas para tutela daquele seu direito e que se traduzem na possibilidade de apresentarem queixa ou denúncia da situação junto dos organismos competentes,

XLIX. Dispõe os art.º s 44.º a 62.º e art.º s 24.º a 26.º, todos da Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro.

L. Aliás não faria sentido, naturalmente, que os eleitos deixassem de poder exercer um direito atribuído a qualquer pessoa.

LI. Para além disso e em caso de afetação ou limitação do direito dos eleitos locais ao acesso e exercício das funções e que lhes foi negada assiste-lhes ainda, em nosso entendimento, a garantia contenciosa efetivável junto dos tribunais administrativos nos termos dos arts. 112.º e seguintes do CPTA, Lei da Acão Popular e art.º s 52.º, 65.º, 66.º, 84.º, 106.º, e 235.º a 241.º, todos da CRP.

LII. Por último, no mesmo sentido, não esqueçamos que à assembleia municipal órgão, ao qual o 2º Requerente eleito local pertence conforme prova nos presentes autos, compete “(…) acompanhar e fiscalizar a atividade da câmara municipal (…)” e bem assim, “(…) acompanhar, com base em informação útil da câmara, (…), a atividade desta e os respetivos resultados, nas associações e federações de municípios, empresas, cooperativas, fundações ou outras entidades em que o município detenha alguma participação no respetivo capital social ou equiparado (…)”.

LIII. E decorre do art. 4.º do Estatuto dos Eleitos Locais (cfr. Lei n.º 29/87, de 30/06, sucessivamente alterada) que: “No exercício das suas funções, os eleitos locais estão vinculados ao cumprimento dos seguintes princípios: 1) Em matéria de legalidade e direitos dos cidadãos: a) Observar escrupulosamente as normas legais e regulamentos aplicáveis aos atos por si praticados ou pelos órgãos a que pertencem; b) Cumprir e fazer cumprir as normas constitucionais e legais relativas à defesa dos interesses e direitos dos cidadãos no âmbito das suas competências; c) (…). 2) Em matéria de prossecução do interesse público: a) Salvaguardar e defender os interesses públicos do Estado e da respetiva autarquia; b) Respeitar o fim público dos poderes em que se encontram investidos; (…).”

LIV. Ressuma deste enquadramento normativo que o 2º Requerente enquanto membro da Assembleia Municipal deve exercer aquelas competências e pressupõe que cada um dos seus membros tem o direito (e o dever) de se munir dos elementos necessários para essa tarefa ou função de “acompanhamento e fiscalização”, solicitando, se for caso disso, à Câmara Municipal os documentos de que, para aqueles efeitos, careçam.

LV. Assim, este direito, que é do órgão (Assembleia Municipal), é também um direito de cada um dos membros que o compõem, devendo, também, improceder a exceção de ilegitimidade quanto ao 2º Requerente.

DA LEGITIMIDADE NA IMPUGNAÇÃO DE ACTOS DE ÓRGÃO DELIBERATIVO DA PESSOA COLECTIVA REQUERIDA

LVI. Importa, ainda, referir que a este entendimento não obsta o disposto no art. 14.º, n.º 4 do CPA, referido na douta sentença, pois, aí refere-se, desde logo, ao exercício da ação pública em termos de instauração de ações administrativas para impugnação de atos reputados ilegais e ações cautelares conexas e delas dependentes, nem o regime legal em matéria de contencioso administrativo previsto no CPTA, nem o Regime Jurídico das Autarquias Locais.

LVII. Note-se, inclusive, que o regime previsto no art. 14.º, n.º 4 do CPA não impede que os eleitos locais membros dum órgão possam de “per si” impugnar determinado ato ou procedimento que incida ou tenha por único objeto matérias que se prendam com o seu respetivo estatuto e direitos e/ou faculdades dele decorrentes, mormente, que alegadamente ofendam aqueles direitos orgânicos e estatutários.

LVIII. Com efeito, afigura-se-nos admissível a impugnação judicial daqueles atos, enquanto “atos destacáveis” do procedimento administrativo, mediante o recurso, consoante a situação, à ação administrativa impugnatória ou à ação administrativa para a condenação à pratica do ato legalmente devido, assistindo, então, clara legitimidade ativa aos eleitos locais membros do órgão autárquico para a dedução de tal meio contencioso com aquele objeto e pedido se o ato ou omissão em questão conflitue e o afete direta e pessoalmente no seu estatuto de eleito local.

LIX. O Tribunal já emitiu posicionamento neste sentido no acórdão de 09/02/2006 (Proc. n.º 00228/04.4BEPNF in: «www.dgsi.pt/jtcn»).

LX. Por tudo o exposto, também assistia e assiste legitimidade ativa ao 2º Requerente eleito local para deduzir o presente meio contencioso para tutela judicial do seu estatuto e direitos/deveres dele decorrentes, devendo ser revogada a douta sentença.

DA LEGITIMIDADE ACTIVA DA ASSOCIAÇÃO POLÍTICA 1ª REQUERENTE

DA LEGITIMIDADE ADVINDA DA QUALIDADE DE ASSOCIAÇÃO POLÍTICA E DA PREVISÃO EXPRESSA NOS OBJECTIVOS DOS SEUS ESTATUTOS

LXI. Se por um lado o 2º Requerente é um membro eleito local do órgão deliberativo do Requerido desde as eleições autarquias de 2013, a 1ª Requerente é uma associação privada sem fins lucrativos com objeto social político e respetivo cae 94920, tendo sido constituída em 14-04-2014, por escritura pública e trinta outorgantes, naturais, recenseados e residentes no concelho de Ponte de Lima,

LXII. Com os fins previstos na cláusula segunda dos seus estatutos:

A Associação tem os seguintes objetivos:

j) Ser uma associação cívica, independente, de serviço imparcial e permanente,

k) Contribuir para a participação cívica e abertura à sociedade civil, no âmbito local, distrital, regional e nacional;

l) Promover a cidadania, a liberdade, a democracia;

m) Apoiar e defender a família;

n) Desenvolver e concorrer, com legitimidade ativa e passiva, com candidaturas aos órgãos eleitorais, de âmbito local, distrital, regional e nacional;

o) Exercer toda a sua atividade “do povo, pelo povo e para o povo".

p) Defender a dignidade da pessoa humana e os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos;

q) Promover a transparência, democracia, informação, legalidade das entidades públicas e seus atos e competências,

r) Cooperar com entidades públicas e privadas, podendo criar protocolos com entidades terceiras, em tudo o que se torne necessário para prosseguir os seus objetivos de serviço de todos os cidadãos.

LXIII. Aplicar-se-á no caso concreto, da ação principal apensa de ação popular, o critério previsto para a tutela de interesses difusos, conforme o referido art.º 31.º do CPC,

LXIV. Norma essa que deverá ser conjugada com as constantes dos art.º s 2.º e 3.º da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto:

Artigo 2.º

1 - São titulares do direito procedimental de participação popular e do direito de ação popular quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos e as associações e fundações defensoras dos interesses previstos no artigo anterior, independentemente de terem ou não interesse direto na demanda. 2 - São igualmente titulares dos direitos referidos no número anterior as autarquias locais em relação aos interesses de que sejam titulares residentes na área da respetiva circunscrição.

Artigo 3.º

Constituem requisitos da legitimidade ativa das associações e fundações: a) A personalidade jurídica; b) O incluírem expressamente nas suas atribuições ou nos seus objetivos estatutários a defesa dos interesses em causa no tipo de ação de que se trate; c) Não exercerem qualquer tipo de atividade profissional concorrente com empresas ou profissionais liberais.

LXV. Finalmente deveria ser tido em conta o art.º 52.º da Constituição da República Portuguesa, que dispõe que:

“É conferido a todos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa, o direito de ação popular nos casos e termos previstos na lei, incluindo o direito de requerer para o lesado ou lesados a correspondente indemnização, nomeadamente para: a) Promover a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infrações contra a saúde pública, os direitos dos consumidores, a qualidade de vida e a preservação do ambiente e do património cultural; b) Assegurar a defesa dos bens do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais.”

LXVI. Considerando a natureza da Requerente Associação M... – M51, importa que nos seus estatutos se inclui expressamente a defesa dos interesses ligados aos pedidos e causa de pedir dos presentes autos.

LXVII. No presente procedimento cautelar e na ação popular principal que afirmam para a aferição da legitimidade processual que visam prosseguir com o objeto social e objetivos da associação requerente.

LXVIII. Afigura-se, assim, que a defesa desses interesses é de considerar manifestamente abrangida na formulação própria dos objetivos visados pela 1ª Requerente, tal como expressamente definidos nos seus estatutos, pelo que não se verifica o referido óbice à legitimidade ativa, pois, não se poderá extrair a falta de legitimidade dos Requerentes para o presente processo cautelar ou para a ação principal apensa.

LXIX. A enunciação genérica dos seus objetivos já citados, sendo esta uma providência cautelar, e porque os pressupostos da mesma devem ser aferidos à luz do contexto do requerimento inicial apenas se pode concluir que resulta com clareza a existência de um interesse em demandar contra a Requerida, município onde a Associação Requerente desenvolve os seus objetivos de cidadania e política, até onde tem a sua sede.

LXX. Sob pena de esvaziamento da própria essência do direito de ação popular conferido às associações como a Requerente.

LXXI. Devendo a douta sentença ser revogada por outra que prossiga com os presentes autos até final, com discussão do mérito dos autos.

DA LEGITIMIDADE ADVINDA DOS INTERESSES DIFUSOS DEFENDIDOS PELA ASSOCIAÇÃO

LXXII. Deve, ainda, ser considerado, para efeitos da legitimidade da associação política a liberdade de associação conforme o art.º 46.º da CRP, sendo um direito, liberdade e garantia, previsto no Título II, Capitulo I, no art. 46º e, especificamente no Capitulo II relativamente a associações e partidos políticos (art. 51º) e associações sindicais (art. 55º e 56º).

LXXIII. Também no âmbito internacional o direito de associação está consagrado, por exemplo, na Declaração Universal dos Direitos do Homem (art. 20º nº 1 e 2) e na Convenção Europeia dos Direitos do Homem (aprovada pela Lei 65/78 de 13/10, art. 11º nº 1 e 2).

LXXIV. A análise dos princípios gerais relativos ao direito de associação permite enumerar um conjunto de princípios:

Liberdade individual de constituição de associações. Direito de aderir a associações existentes, se verificados os pressupostos legais e estatutários e em condições de igualdade. Direito a não ser coagido a inscrever-se ou permanecer em qualquer associação. Proibição de intervenções arbitrárias do poder político. Proibição de associações armadas, de tipo militar, militarizadas ou paramilitares, organizações fascistas ou racistas, que promovam a violência e cujos fins sejam contrários à lei penal (art. 46º nº 1 e 4). Proibição do Estado dissolver associações ou suspender as atividades senão nos casos previstos na lei e através de decisão judicial (art. 46º nº 2). Direito a prosseguirem os seus fins livremente e sem interferência das autoridades públicas. Direito à constituição de associações independentemente de qualquer tipo de autorização ou intervenção administrativa. Direito à liberdade e autonomia interna.

LXXV. A necessidade de existência de uma vontade geral ou coletiva, confronto de opiniões para a sua determinação, distinção de maiorias e minorias e a observância do método democrático (art. 267º nº 4), bem como o direito de oposição das minorias (art. 113º nº 2) e os princípios da legalidade, universalidade, igualdade e tutela dos direitos (art. 3º nº 2, 12º, 13º, 20º e 52º), destacam-se em defesa da legitimidade das Requerentes.

DA LEGITIMIDADE ACTIVA DA ASSOCIAÇÃO ENQUANTO REPRESENTANTE DOS SEUS ASSOCIADOS

LXXVI. Por um lado, no âmbito e à luz da jurisprudência assistirá legitimidade processual ativa à requerente/recorrente, alegando estar a atuar em representação e em defesa dos interesses dos seus associados e que a constituíram, o faça deduzindo pretensão sustentada na alegação de ilegalidades/violações de normativos assacados a ato suspendendo/impugnado que contenda ou postergue aqueles interesses e, assim, se vise tutelar tais interesses.

LXXVII. Considerando a natureza e os fins prosseguidos pela 1ª Requerente associação, no escopo de representação e defesa que lhe foram estatutariamente conferidos pelos seus associados cabem os interesses coletivos dos seus associados, como, de resto.

LXXVIII. Em conformidade com os artigos 20.° e 46.°ambos da CRP a associação Requerente é parte legítima para defender os interesses coletivos dos seus associados,

LXXIX. Caso se admitisse que os associados teriam que expressamente declarar pretender ser representados em juízo nos presentes autos, então sempre haveria que promover a sanação da suposta irregularidade incorrida, sob pena de violação do disposto no artigo 411.º, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 1° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e no artigo 114°, n.° 4, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

LXXX. Por outro lado, conforme documentos juntos aos autos, a associação política foi constituída por cerca de 30 cidadãos de Ponte de Lima e foram recolhidas 388 assinaturas de cidadãos Limianos para o efeito de abaixo-assinado,

LXXXI. O que foi também aproveitado para os presentes autos de processo cautelar e para o processo de ação popular apenso.

LXXXII. Pois, em conformidade com os artigos 20.° e 46.°ambos da CRP a associação Requerente é parte legítima para defender os interesses coletivos dos subscritores do seu abaixo-assinado.

LXXXIII. Pelo que assiste efetivamente legitimidade ativa aos Requerentes, devendo ser revogada a douta sentença, com a improcedência da exceção da ilegitimidade ativa.

DA INCONSTITUCIONALIDADE

LXXXIV. Por último, deverá ainda ter-se presente que, competindo aos tribunais a administração da justiça em nome do povo, conforme o artigo 202º, n.º 1, da CRP, e passando a realização da justiça pela efetiva resolução dos litígios que lhe são colocados, a efetiva tutela jurisdicional, decorrente do princípio constitucional do acesso efetivo à justiça, conforme o artigo 20º, da CRP, sempre se imponha e impõe uma interpretação e aplicação das normas processuais no sentido de favorecer o acesso ao tribunal ou de evitar as situações de denegação de justiça, por excessivo formalismo.

LXXXV. Aliás, interpretação contrária está ferida de inconstitucionalidade por violação do princípio do acesso ao direito e aos tribunais, da tutela jurisdicional efetiva, do direito ao recurso, do princípio da igualdade de armas, do direito a um processo equitativo e do princípio pro actione, todos firmados no artigo 20.º da CRP.

DA DECISÃO DEVIDA

LXXXVI. Tendo a sentença julgada procedente a exceção de ilegitimidade ativa das Requerentes, não foram apreciados os requisitos de decretamento da providência, nos termos do disposto no artº 120º do CPTA, o que caberia a este Tribunal, nos termos do disposto no artº 149º, nº 4 do CPTA.

LXXXVII. Porém, considerando a alegação que é feita pelas Requerentes no requerimento inicial, designadamente, em relação aos pressupostos da sua legitimidade ativa, por um lado um eleito local e por outro lado uma associação política, bem como à causa de pedir e aos pedidos, será de julgar procedente o recurso, por provados os seus fundamentos, incorrendo a sentença recorrida no erro de julgamento de Direito que se mostra assacado.

LXXXVIII. Pelo que deverá ser concedido provimento ao recurso, julgando-se as Recorrentes dotadas de legitimidade processual ativa, com a revogação da decisão recorrida, na parte em que julgou procedente a exceção de ilegitimidade ativa das Requerentes e, nesta conformidade, ordenar a remessa dos autos à 1.ª instância, para que aí prossigam a sua tramitação para decisão do mérito dos autos.

QUANTO À ISENÇÃO DE CUSTAS

LXXXIX. Certamente por lapso é que a douta sentença fixou as custas a cargos dos Requerentes, não aplicando a isenção objetiva do art.º 4.º, conforme o art.º 527.º do CPC e também que com o presente recurso a douta decisão não transitou em julgado, o que deverá ser relevado quanto a custas.

DO REGIME DE ISENÇÃO E DA LAP APLICÁVEL

XC. Os Requerentes estão isentos de custas, nos termos do art.º 4.º, n.º 1, al. b), do Regulamento de Custas Processuais, em conjugação com o art.º 189.º do CPTA:

Qualquer pessoa, fundação ou associação quando exerça o direito de ação popular nos termos do n.º 3 do artigo 52.º da Constituição da República Portuguesa e de legislação ordinária que preveja ou regulamente o exercício da ação popular;

XCI. Sem prejuízo, no caso de fixação de custas, o que os Requerentes nem concebem, uma vez que não se estão a representar a si próprios mas outrossim interesses difusos da comunidade que estão inseridos,

XCII. Dispõe o art.º 20.º, n.º 2 e n.º 3 da Lei de ação popular que:

2 - O autor fica isento do pagamento de custas em caso de procedência parcial do pedido.

3 - Em caso de decaimento total, o autor interveniente será condenado em montante a fixar pelo julgador entre um décimo e metade das custas que normalmente seriam devidas, tendo em conta a sua situação económica e a razão formal ou substantiva da improcedência.

DO NÃO PREENCHIMENTO DOS PRESSUPOSTOS PARA CONDENAÇÃO EM CUSTAS

XCIII. Em virtude da aplicação das regras especiais supra referidas não será aplicável a regra geral prevista no art.º 527.º do CPC.

XCIV. Pois nem sequer ficou demonstrado o disposto no art.º 4.º, n.º 5, do RCP quanto à improcedência do pedido, outrossim ocorreu a procedência de uma exceção, sem discussão do mérito dos autos: 5 - Nos casos previstos nas alíneas b), f) e x) do n.º 1 e na alínea b) do n.º 2, a parte isenta é responsável pelo pagamento das custas, nos termos gerais, quando se conclua pela manifesta improcedência do pedido.

XCV. Pois a douta sentença apenas referiu que: “já que nenhum dos sujeitos ativos tinha legitimidade para intentar ação popular – cr. Artigo 527.º do CPC”., o que não equivale a “manifesta improcedência do pedido” conforme o art.º 4.º, n.º 5, do RCP.

XCVI. … Exigiria pois uma situação de improcedência “agravada”, mercê de ser manifesta ou evidente a improcedência de facto e de direito da pretensão formulada, não se bastando, assim, com um juízo de mera improcedência da pretensão.

DA REFORMA QUANTO A CUSTAS

XCVII. Pelo que, sempre sem prescindir, requerem a reforma quanto a custas, conforme o art.º 616.º do CPC e art.º s 1.º e 140.º do CPTA, sem prejuízo do presente recurso interposto.

TERMOS EM QUE, E NOS DO DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXªS.,

A) DEVE SER O PRESENTE RECURSO ADMITIDO E CONSIDERADOS TODOS OS FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO SUPRA MENCIONADOS QUANTO À EXCEPÇÃO DE ILEGITIMIDADE JULGADA EM 1ª INSTÂNCIA;

B) DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROVADO E PROCEDENTE E, EM CONSEQUÊNCIA, REVOGAR-SE A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA, SUBSTITUINDO-SE POR NOVA DECISÃO QUE ORDENE O PROSSEGUIMENTO NORMAL DA PRESENTE ACÇÃO CAUTELAR, POR NÃO SE VERIFICAR A ILEGITIMIDADE ACTIVA DE AMBOS OS REQUERENTES;

C) OU, SUBSIDIARIAMENTE, AD MINUS, SEM PRESCINDIR, POR MERA CAUTELA DE PATROCÍNIO, O QUE NEM CONCEBEM, SE VERIFICAR A LEGITIMIDADE ACTIVA DA 1ª REQUERENTE ASSOCIAÇÃO, TUDO COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS;

D) SEM PRESCINDIR, DESDE JÁ, DEVERÁ SER APRECIADA A INCONSTITUCIONALIDADE SUPRA REFERIDA;

E) SEM PRESCINDIR, IMPONDO-SE, NESSA MEDIDA, A QUESTÃO DAS CUSTAS E A REFORMA DO DECIDIDO QUANTO A CUSTAS.

O Recurso Jurisdicional foi admitido por Despacho de 29 de janeiro de 2016.

O Recorrida/Município não veio a apresentar contra-alegações de Recurso.

O Ministério Público junto deste Tribunal, veio a emitir Parecer em 12 de abril de 2016, no qual, a final, se pronuncia no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.

Com dispensa de vistos prévios (art.º 36º, nº 2, do CPTA), cumpre decidir.

II - Questões a apreciar
As questões a apreciar e decidir prendem-se predominantemente com a necessidade de verificar a legitimidade ativa dos Autores da Ação, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Do Direito
O Autor, aqui recorrente, no exercicio do direito de Ação Popular, nos termos e para os efeitos do artigo 52º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e 12º e ss. da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto, apresentou Providência Cautelar de Suspensão de Eficácia de Ato Administrativo e Intimação para a Abstenção de Conduta , nos termos dos Artº 112º, nº 1, nº 2 e nº 2 Alíneas a) e f) do CPTA, com pedido de Decretamento Provisório, nos termos do Artº 131º do CPTA, Contra o MUNICÍPIO DE PONTE DE LIMA, tendente, em sintese, à suspensão de eficácia dos atos de preparação e execução da construção do novo edificio dos Paços do Concelho.

Em termos de legitimidade foi invocado pelos então Requerentes que a providência era apresentada “para os efeitos previstos nos artigos 9º, 10º e ss. do CPTA e nos termos do artigo 52º, n.º 3, da CRP e artigo 2º da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto, … por legitimidade própria, titulares do direito de Acção Popular, direito que lhes é reconhecido também no artigos 9º, nº 2 e 10º, ambos do CPTA, e que exercem neste momento e por esta via.”

Enquadremos então e desde já, normativamente a controvertida questão:
O artigo 52º, nº3 alínea a), da CRP, sob a epígrafe «Direito de petição e direito de ação popular», refere o seguinte:
«É conferido a todos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa, o direito de ação popular nos casos e termos previstos na lei, incluindo o direito de requerer para o lesado ou lesados a correspondente indemnização, nomeadamente para:
a) Promover a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infrações contra a saúde pública, os direitos dos consumidores, a qualidade de vida e a preservação do ambiente e do património cultural».

Já o artigo 2º, nº1, da Lei nº83/95, de 31.08 [LAP - Lei da Ação Popular, refere que:
«São titulares do direito procedimental de participação popular e do direito de ação popular quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos e as associações e fundações defensoras dos interesses previsto no artigo anterior [designadamente a saúde pública, o ambiente, a qualidade de vida, a proteção do consumo de bens e serviços, o património cultural e o domínio público], independentemente de terem ou não interesse direto na demanda».

Correspondentemente, refere o artigo 31º do CPC [CPC/2013] que «Têm legitimidade para propor e intervir nas ações e procedimentos cautelares destinados, designadamente, à defesa da saúde pública, do ambiente, da qualidade de vida, do património cultural e do domínio público, bem como à proteção do consumo de bens e serviços, qualquer cidadão no gozo dos seus direitos civis e políticos, as associações e fundações defensoras dos interesses em causa, as autarquias e o Ministério Público, nos termos previstos na lei».

O artigo 9º, nº2, do CPTA estabelece que «Independentemente de ter interesse pessoal na demanda, qualquer pessoa, bem como as associações e fundações defensoras dos interesses em causa, as autarquias locais e o Ministério Público, têm legitimidade para propor e intervir, nos termos previstos na lei, em processos principais e cautelares destinados à defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos, como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais».

Efetivamente, a legitimidade constitui um pressuposto processual, na medida em que a apreciação do mérito da causa e o proferimento da decisão depende de estarem no processo partes legítimas.

A legitimidade destina-se a trazer a juízo os titulares da relação material controvertida, sendo que a legitimidade ativa se traduz na possibilidade de iniciar um processo destinado a fazer valer uma pretensão em juízo, ou, nas palavras de Vieira de Andrade “a legitimidade ativa (…) implica a titularidade do direito (potestativo) de ação”.

O artigo 9º/1 CPTA estabelece que o autor é considerado parte legítima quando alegue ser parte na relação material controvertida, ou seja, quando alegue ser titular de um direito ou interesse legalmente protegido (legitimidade ativa direta).

Já o artigo 9º/2 CPTA admite um conceito de legitimidade mais amplo no âmbito da ação popular, nos termos do qual, independentemente de terem interesse pessoal na demanda, certos sujeitos têm legitimidade para intervir em processos principais e cautelares destinados à defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos, como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais, assim como para promover a execução das correspondentes decisões jurisdicionais. Através da análise do critério de legitimidade consagrado no artigo 9º/2 CPTA, conclui-se que um sujeito pode ser parte legítima no processo sem que seja titular das posições substantivas que se visa tutelar no processo, o que significa que há uma independência do interesse processual face ao interesse substancial.

A ação popular é caracterizada por uma extensão da legitimidade processual, a qual deixa de ser aferida em função da titularidade de um interesse direto, pessoal e legítimo na demanda. Como refere Mário Aroso de Almeida, o artigo 9º/2 CPTA consagra um alargamento da legitimidade processual ativa a quem não alegue ser parte na relação material controvertida. Para o referido académico, o artigo 9º/2 CPTA desempenha duas funções:
i) dar expressão ao direito de ação popular no âmbito do contencioso administrativo e
ii) atribuir legitimidade ativa a determinados sujeitos.

No âmbito da ação popular, foi consagrado um conceito de legitimidade ativa difusa, indireta ou impessoal, uma vez que a legitimidade ativa na ação popular não é aferida de modo concreto e casuístico, mas antes em termos gerais e abstratos, bastando, para o autor ser considerado parte legítima, que esteja inserido em determinadas categorias de sujeitos e que atue para promover a legalidade e tutelar bens constitucionalmente protegidos.

O alargamento da legitimidade ativa no âmbito da ação popular contribui para a garantia de uma tutela jurisdicional plena e efetiva, na medida em que permite assegurar a tutela de um maior número de posições jurídicas subjetivas dos particulares.

O critério de legitimidade ativa consagrado no artigo 9º/2 CPTA é concretizado e complementado pelos artigos 2º e 3º da Lei nº83/95, que é a Lei da Ação Popular (LAP).

O artigo 2º/1 da LAP esclarece que são titulares do direito procedimental de participação popular e do direito de ação popular quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos independentemente de terem ou não interesse direto na demanda.

São igualmente titulares do direito procedimental de participação popular e do direito de ação popular as autarquias locais em relação aos interesses de que sejam titulares residentes na área da respetiva circunscrição (artigo 2º/2 LAP).

Neste aspeto, a legitimidade ativa das autarquias locais orienta-se por um princípio de territorialidade, uma vez que está limitada à prossecução da satisfação das necessidades próprias das populações respetivas.

As autarquias podem exercer o direito de ação popular sempre que a violação dos bens ocorra no seu espaço geográfico, independentemente de a matéria em causa estar dentro das atribuições da autarquia.

Têm ainda o direito procedimental de participação social e o direito de ação popular, independentemente de terem ou não interesse direto na demanda, as associações e fundações defensoras da saúde pública, do ambiente, da qualidade de vida, da proteção do consumo de bens e serviços, do património cultural e do domínio público (artigos 1º/2 e 2º/1 LAP). Para as associações e fundações serem titulares do direito de ação popular coletiva, têm de estar preenchidos os seguintes requisitos:
i) as associações ou fundações têm de ter personalidade jurídica (artigo 3º a) LAP),
ii) a defesa dos interesses em causa na ação popular tem de estar incluída expressamente nas atribuições ou estatutos das associações ou fundações (artigo 3º b) LAP) e
iii) as associações ou fundações não podem exercer qualquer tipo de atividade profissional concorrente com empresas ou profissionais liberais (artigo 3º c) LAP).

Resulta assim que o exercício do direito de ação popular por associações e fundações obedece a um princípio de especialidade, na medida em que se circunscreve à área de intervenção principal destas entidades (ex: ambiente).

Finalmente, o Ministério Público é titular do direito de ação popular, através da qual esta entidade defende a legalidade e o interesse público a título institucional, competindo-lhe a defesa, nos termos da lei, dos interesses coletivos e difusos (artigo 3º/1 e) do Estatuto do Ministério Público (EMP).

Como resulta do nº 1 do artº 112º do CPTA, ’’Quem tiver legitimidade para intentar um processo junto dos tribunais administrativos pode solicitar a adoção da providência ou das providências cautelares (...) que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse processo”.

Enquadrada sumariamente a questão controvertida do ponto de vista normativo, vejamos agora, como ponto de partida, o que ficou afirmado na decisão recorrida, no que ao “direito” concerne:
Da (i)legitimidade ativa
Dispõe-se no nº 1 do artigo 112.º que “ Quem tiver legitimidade para intentar um processo junto dos tribunais administrativos pode solicitar a adoção da providência ou das providências cautelares (...) que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse processo”.
Conjugando o citado artigo com o regime previsto na Lei n.º 83/95, de 31/08, dir-se-á que quem não tiver legitimidade para intentar junto dos tribunais administrativos ação popular também não poderá solicitar adoção de providências cautelares ao abrigo desse mesmo regime.
Sabemos que a legitimidade processual em matéria cautelar afere-se de acordo com as regras gerais do CPTA sobre a matéria de legitimidade e bem assim determina-se em função da relação material controvertida, tal como vem alegada pelo autor. Por conseguinte, a legitimidade processual ativa deve ser apreciada e determinada em função da utilidade adveniente da procedência da providência, nos termos em que foi configurado o direito invocado, a posição que os requerentes assumem na relação jurídico controvertida e a proteção os mesmos reclamam do Tribunal em prol dos interesses que irão defender no processo principal.
Assim sendo, importa aquilatar se os Requerentes podem figurar numa ação administrativa como titulares de interesses gerais difusos, de harmonia com o disposto no n.º 3 do artigo 52.º da CRP, no artigo 1.º da Lei n.º 83/95, de 31/08, e no n.º 2 do artigo 9.º do CPTA.
Por outras palavras, importa aquilatar se o M... – A51... e bem assim AAAB – ora Requerentes – encontram-se investidos de um poder de acesso à justiça para obterem tutela de situações jurídicas materiais que são insuscetíveis de uma apropriação individual – a tutela popular.
O direito de ação popular tem consagração constitucional no preceituado no n.º 3 do artigo 52.º, segundo o qual: “todos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa” têm o direito de ação popular para “promover a prevenção, cessação ou a perseguição judicial das infrações contra a saúde pública, os direitos dos consumidores, a qualidade de vida e a preservação do ambiente e do património cultural”, assim como para “assegurar a defesa dos bens do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais”.
À luz e com vista a concretizar este comando constitucional, o legislador ordinário aprovou a Lei n.º 83/95, de 31/08, que estabelece o direito de participação procedimental e de ação popular, definindo os casos e os termos em que são conferidos e podem ser exercidos o direito de participação popular em procedimentos administrativos e o direito de ação popular para a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infrações previstas no nº 3 do artigo 52º da Constituição.
É certo que a preservação do ambiente e da defesa da legalidade urbanística constituem interesses protegidos pela lei da ação popular – cf. artigo 1.º, n.º 2, da Lei n.º 83/95, de 31/08. E também é certo que a ação popular compreende o recurso contencioso com fundamento em ilegalidade contra quaisquer atos administrativos, além da ação para defesa dos interesses identificados nesse mesmo diploma legal – cf. artigo 12.º, n.º 1, da Lei nº 83/95, de 31/08.
Porém, a questão essencial – repete-se - prende-se, no caso dos autos, com a titularidade do direito de ação popular.
Prescreve o artigo 2.º da citada Lei: são titulares do direito de ação popular “quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos e as associações e fundações defensoras dos interesses previstos no artigo anterior, independentemente de terem ou não interesse direto na demanda”.
Acrescentando o n.º 2 do artigo 9.º do CPTA que “independentemente de ter interesse pessoal na demanda, qualquer pessoa, bem como as associações e fundações defensoras dos interesses em causa, as autarquias locais e o Ministério Público têm legitimidade para propor e intervir, nos termos previstos da lei, em processos principais e cautelares destinados à defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos, como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais”.
Na hipótese vertente, temos uma ação popular coletiva, por via do M... – A51... , aliada a uma ação popular individual, protagonizada por AAAB.
Comecemos pela análise da legitimidade ativa de AAAB.
O artigo 55.º, n.º 2, do CPTA atribui legitimidade ativa local para a tutela popular corretiva a qualquer eleitor, no gozo dos seus direitos civis e políticos, para impugnação de deliberações dos órgãos autárquicos na circunscrição em que se encontre recenseado.
Trata-se de uma legitimidade sustentada na qualidade de cidadão, permitindo-se que o autor popular local – eleitor - possa contribuir para a reposição da legalidade objetiva, através da destruição de atos/condutas ilegais (ação popular corretiva).
O interesse a proteger na ação principal reconduz-se, sem dúvida, à defesa da legalidade objetiva. Os sujeitos ativos pretendem destruir a deliberação, de 10/11/2014, da Câmara Municipal de Ponte de Lima, a deliberação, de 13/12/2014, da Assembleia Municipal de Ponte de Lima, a deliberação da Assembleia Municipal de Ponte de Lima que aprovou o plano de atividades e orçamento de 2015, atos que visaram a construção do novo edifício dos Paços do Concelho, o mesmo se diga relativamente às deliberações, de 2/2/2015, da Câmara Municipal de Ponte de Lima de abertura de procedimentos de ajuste direto para realização de trabalhos/prestação de serviços relacionados com a construção desse mesmo edifício.
Sucede, porém, que AAAB não alegou/provou que é eleitor, ou seja, que se encontra recenseado em Ponte de Lima, antes resulta dos autos que reside na Póvoa de Varzim.
Mais, é membro eleito da Assembleia Municipal de Ponte de Lima pelo M... – Grupo de Cidadãos Eleitores para o quadriénio 2013/2017.
Ora, existe um princípio-regra da proibição da auto-impugnação, exatamente para se evitar que posições divergentes e salutares na atividade dos órgãos, executivos ou deliberativos, se transformem em litígios judiciais.
AAAB pretende com a presente ação suspender deliberações quer do executivo camarário, quer da Assembleia Municipal, que não contendem com o seu estatuto de membro eleito à Assembleia Municipal (direitos orgânicos ou estatutários), pelo que forçoso será concluir que AAAB não tem legitimidade ativa em sede de tutela ou defesa da legalidade objetiva (ação pública), porquanto tal legitimidade encontra-se atribuída ao Ministério Público, à pessoa do presidente do órgão colegial ou de quem o substitua e, ainda, ao chamado “autor popular – os eleitores” - cf. artigos 9.º, n.º 1, 55.º, n.º s 1, als. a) e e), e 2 do CPTA e 14.º, n.º 4, do CPA (à data aplicável).
A jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores tem reiteradamente afirmado que a “legitimidade ativa para a ação pública constitui um poder-dever apenas ou unicamente conferido ao presidente de cada órgão colegial, tal como já decorria do art. 14.º, n.º 4 do CPA (…)”, tanto mais que: “seria desnecessária essa atribuição de legitimidade ao presidente se o mesmo, como membro do órgão, já dispusesse dessa faculdade, no que se traduzira numa clara redundância ou numa repetição sem nexo ou utilidade, interpretação essa que colidiria com as regras próprias da mesma e que se mostram fixadas no art. 09.º do C. Civil, mormente, no seu n.º 3. ”
Por todo o exposto, entende o Tribunal que AAAB não tem legitimidade para requerer esta providência cautelar.
Por sua vez, M... – A51... é uma associação privada sem fins lucrativos – cf. de fls. 297 e ss. dos autos.
A segunda parte do artigo 2.º da Lei n.º 83/95, de 31/08, admite que pessoas coletivas possam ter legitimidade, porém, no controlo da legitimidade, o Tribunal tem de verificar as atribuições e objetivos estatutários da organização demandante e conseguir concluir que essa pessoa coletiva segue interesses comum a certos grupos de pessoas com vista à prevenção ou cessação de infrações contra os bens que estatutariamente se propôs a proteger.
Resulta dos Estatutos do M... – A51... , que esta Associação tem os seguintes objetivos:
“(…)
a) Ser uma associação cívica, independente, de serviço imparcial e permanente;
b) Contribuir para a participação cívica e abertura à sociedade civil, no âmbito local, distrital, regional e nacional;
c) Promover cidadania, a liberdade, a democracia;
d) Apoiar e defender a família;
e) Desenvolver e concorrerem com legitimidade ativa e passiva, com candidaturas aos órgãos eleitorais, de âmbito local, distrital, regional e nacional;
f) Exercer toda a sua atividade “do povo, pelo povo e para o povo”;
g) Defender a dignidade da pessoa humana e os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos;
h) Promover a transparência, democracia, informação, legalidade das entidades públicas e os seus atos e competências;
i) Cooperar com entidades públicas e privadas podendo criar protocolos com entidades terceiras, em tudo o que se torne necessário para prosseguir os seus objetivos de serviço de todos os cidadãos. (…)”.
No caso em apreço, a Associação M 51 apenas pode sustentar a sua legitimidade para intentar esta ação popular com a alusão estatutária, de acordo com a qual cabe-lhe “promover a legalidade das entidades públicas e os seus atos e competências”.
Porém, entende este Tribunal que é manifestamente insuficiente.
Diz-se que uma associação tem legitimidade para intentar uma ação popular quando tem como fim institucional a defesa dos valores em causa na ação principal e, por conseguinte, na ação cautelar.
A previsão genérica e ampla no sentido de “Promover (…) a legalidade das entidades públicas e os seus atos e competências” não cria um dever de proteção de qualquer valor constitucionalmente protegido, nomeadamente, os relacionados com o ambiente e urbanismo.
Pois, se assim fosse, qualquer associação que fizesse alusão em termos estatutários a um dever de promoção da legalidade da atuação das entidades públicas teria legitimidade para intentar toda e qualquer ação popular.
Temos, porém, que as associações só têm legitimidade para intervir judicialmente, tanto em processos principais quanto em processos cautelares, quando esteja em causa a defesa de valores constitucionalmente protegidos e desde que tais valores se integrem expressamente nos interesses que lhes cumpre defender. Só se afigurarão legítimas as associações quando o fim institucional consista precisamente na defesa dos interesses que se discutem na ação.
Assim, o interesse da promoção da legalidade da atuação das entidades públicas – dito assim em termos gerais - não permite sustentar a alegada qualidade de Autora popular em defesa de valores do ambiente e do urbanismo. Salta à vista que a Associação M... – Associação M 51 foi criada especialmente para fins eleitorais, ou seja, para “concorrer (…) com candidaturas aos órgãos eleitorais de âmbito local, distrital, regional e nacional”, tanto mais que AAAB é membro eleito da Assembleia Municipal de Ponte de Lima, pelo M... – Grupo de Cidadãos Eleitores para o quadriénio 2013/2017 – cf. documento de fls. 360 e ss. dos autos.
Pelo exposto, entende o Tribunal que M... – Associação M 51 não tem legitimidade para requerer esta providência cautelar, questão que obsta ao prosseguimento do processo, determinando a absolvição da Entidade Demandada da instância – cf. artigo 89.º do CPTA.”

Atendendo à forma como vem recorrida a decisão do tribunal a quo, analisar-se-á globalmente a legitimidade face a cada um dos Requerentes.

Da Legitimidade do Autor AAAB:
O artigo 55.°, n.° 2, do CPTA atribui legitimidade ativa local para a tutela popular corretiva a qualquer eleitor no gozo dos seus direitos civis e políticos, para impugnação de deliberações dos órgãos autárquicos na circunscrição em que se encontre recenseado.
Trata-se de uma legitimidade sustentada na qualidade de cidadão, permitindo-se que qualquer eleitor possa contribuir para a reposição da legalidade objetiva, através da destruição de atos/condutas ilegais (ação popular corretiva).

O interesse a proteger na ação principal reconduz-se à defesa da legalidade objetiva. Os originários Autores pretendem aqui suspender os efeitos da deliberação, de 10/11/2014, da Câmara Municipal de Ponte de Lima, da deliberação, de 13/12/2014, da Assembleia Municipal de Ponte de Lima, e da deliberação da Assembleia Municipal de Ponte de Lima, que aprovou o plano de atividades e orçamento de 2015, atos que visaram a construção do novo edifício dos Paços do Concelho, bem como as deliberações da Câmara Municipal de Ponte de Lima de abertura de procedimentos de ajuste direto para realização de trabalhos/prestação de serviços relacionados com a construção desse mesmo edifício.

O Autor é membro da Assembleia Municipal de Ponte de Lima, eleito exatamente pelo M... — Grupo de Cidadãos Eleitores, para o quadriénio 2013/2017, pretendendo com a presente providência suspender deliberações quer do executivo camarário, quer da Assembleia Municipal, as quais, em bom rigor, não contendem com o seu estatuto de membro eleito à Assembleia Municipal (direitos orgânicos ou estatutários), em face do que, sem surpresa, a sentença recorrida concluiu que “AAAB não tem legitimidade ativa em sede de tutela ou defesa da legalidade objetiva (ação pública), porquanto tal legitimidade encontra-se atribuída ao Ministério Público, à pessoa do presidente do órgão colegial ou de quem o substitua e, ainda, ao chamado “autor popular – os eleitores’’ – cf. Artigos 9.°, n.° 1, 55.°, n.° s 1, als. a) e e), e 2 do CPTA e 14.°, nº 4, do CPA (à data aplicável)”.

Com efeito, tem sido esta a posição que tem vindo a ser seguida pelas instâncias superiores dos Tribunais Administrativos, por se considerar existir um tendencial princípio-regra da proibição da auto impugnação, por forma a evitar que posições divergentes dos órgãos autárquicos se convertam em litígios contenciosos.

Vejam-se neste sentido, designadamente, os Acórdãos deste TCAN de 29/11/20007, no Processo nº 00842/05BEBRG e o Acórdão de 09/02/2006, no Procº nº 00228/04BEPNF.
Neste último se refere que “(…) estando-se perante uma impugnação de deliberações tomadas em reunião do executivo camarário que não dizem, que não contendem e/ou que não incidiram diretamente com a esfera jurídica dos aqui recorrentes enquanto e na qualidade de vereadores, mormente, com o seu estatuto e direitos dele decorrentes, o regime contencioso atualmente vigente, tal como, aliás, o anterior, não lhes confere legitimidade ativa em sede de tutela ou defesa da legalidade objetiva (ação pública), pois, a mesma radica ou assiste unicamente ao MP, à pessoa do presidente do órgão colegial ou de quem o substitua e, ainda, ao chamado “autor popular” [cfr. arts. 09.º, n.º1, 55.º, n.ºs 1, als. a) e e) e 2 do CPTA e 14.º, n.º 4 do CPA].
Não estando em questão uma deliberação da Câmara Municipal que tenha por único objeto pronúncia ou omissão que alegadamente viole os chamados “direitos orgânicos ou estatutários” do vereador este não detém, enquanto membro do órgão colegial, legitimidade ativa para impugnar as deliberações do órgão de que faz parte em defesa ou prosseguindo um mero interesse de tutela da legalidade objetiva.
É que tratando-se de questão que já tinha sido objeto de discussão em sede do anterior regime de contencioso administrativo não pode deixar de ser sintomático o regime legal que veio a ser consagrado com a Reforma no art. 55.º, n.º 1, al. e) do CPTA, o qual não pode deixar, assim, de constituir um claro sinal no sentido de que a legitimidade ativa para a ação pública constitui um poder-dever apenas ou unicamente conferido ao presidente de cada órgão colegial, tal como já decorria do art. 14.º, n.º 4 do CPA, e que aquele poder não está disseminado pelos demais membros do órgão.
Será, pois, de repudiar a interpretação propugnada pelos aqui recorrentes no sentido de que idênticos poderes de controlo da legalidade objetiva estão conferidos por lei aos demais vereadores da edilidade, tanto, para mais, que seria desnecessária essa atribuição de legitimidade ao presidente se o mesmo, como membro do órgão, já dispusesse dessa faculdade, no que se traduzira numa clara redundância ou numa repetição sem nexo ou utilidade, interpretação essa que colidiria com as regras próprias da mesma e que se mostram fixadas no art. 9.º do C. Civil, mormente, no seu n.º 3.
(…) Importa ter presente que o regime decorrente do art. 14.º, n.º 4 do CPA, ora processualmente adotado no art. 55.º, n.º 1, al. e) do CPTA, constitui já uma exceção ao princípio-regra da proibição da auto impugnação, o que inviabiliza interpretação ou entendimento do qual resulte a consagração de outra exceção ao referido princípio. Aliás, atente-se na argumentação expendida a este propósito no acórdão do STA de 28/03/2001 (Proc. n.º 46890 “(…) O n.º 4 constitui, (…), uma aplicação particular do dever, atribuído ao presidente no n.º 2 do mesmo artigo, de assegurar o cumprimento das leis e a regularidade das deliberações; e não pode duvidar-se que o mencionado n.º 4, ao acolher um desvio ao princípio da proibição da auto impugnação, só faz sentido enquanto limita esse mesmo desvio à conduta possível do presidente do órgão(…)”.

O referido pressupõe, como no caso em análise, que não estejam em causa decisões e/ou deliberações que incidam sobre matérias relativas ao estatuto dos eleitos locais, pois que, sem prejuízo do exercício da ação pública movida pelo MP, neste caso sempre se mostraria admissível a impugnação judicial daqueles atos, enquanto “atos destacáveis” do procedimento administrativo.

E suposto que o eleito local, divergindo de uma deliberação submetida a votação, ou no órgão em que tem assento, ou naquele que institucionalmente superintende, vote contra a mesma ou suscite a sua alteração por via dos canais disponíveis por via administrativa, ficando, aliás, se for caso disso, isento de responsabilidade que eventualmente decorra do deliberado (cfr. arts. 28.º, n.º 2 do CPA e 93.º, n.º 3 da Lei Quadro de Competências e Regime Jurídico de Funcionamento dos órgãos dos Municípios e das Freguesias - Lei n.º 169/99, de 18/09, alterada pela Lei n.º 5-A/02, de 11/01).

Pretendendo o Autor AAAB, enquanto membro da Assembleia Municipal de Ponte de Lima, a qual tem poderes de fiscalização sobre a respetiva Câmara Municipal, impugnar por via judicial deliberações aprovadas pelos órgãos municipais, sem mais, tal subverteria toda a democraticidade e autonomia do poder local.

Mal seria que o membro de um órgão eleito pudesse ignorar esta sua qualidade, assumindo-se como mero eleitor, de modo a que, enquanto tal, intentasse uma ação de impugnação ou de suspensão de ato proferido pelo órgão de que é membro, o que constituiria uma esquizofrenia do sistema.

Como referiu o MP no seu Parecer, “permitir que o Autor possa usar o direito de ação popular corretiva ao abrigo do n.º 2 do art. 55.º para impugnar deliberação com a qual não concorda e relativamente à qual até já formalizou voto com tal sentido, será descaracterizar o próprio instituto e propósito daquele tipo de ação, podendo-se pôr mesmo em causa o próprio funcionamento da edilidade.”

Neste mesmo sentido havia já apontado o referenciado acórdão deste TCAN, nº 00228/04.4BEPNF, de 09-02-2006, em cujo sumário se refere, designadamente:
“(…)
IV. Estando-se perante uma impugnação de deliberações tomadas em reunião do executivo camarário que não dizem, que não contendem e/ou que não incidiram diretamente com a esfera jurídica dos aqui AA. enquanto e na qualidade de vereadores, mormente, com o seu estatuto e direitos dele decorrentes, o regime contencioso atualmente vigente, tal como, aliás, o anterior, não lhes confere legitimidade ativa em sede de tutela ou defesa da legalidade objetiva (ação pública), pois, a mesma radica ou assiste unicamente ao MP, à pessoa do presidente do órgão colegial ou de quem o substitua e, ainda, ao chamado “autor popular” [arts. 9º, n.º1, 55º, n.ºs 1, als. a) e e) e 2 do CPTA e 14º, n.º 4 do CPA].
V. O vereador duma Câmara Municipal goza apenas de legitimidade ativa para instaurar ação administrativa especial que tenha por objeto, por um lado, deliberação da edilidade de que o mesmo faça parte e que haja por emitido pronúncia que alegadamente viole os chamados “direitos orgânicos ou estatutários” daquele vereador ou, por outro, omissão que viole igualmente aquele estatuto.
VI. No art. 55º, n.º 2 do CPTA consagra-se a clássica ação popular local ou autárquica que se encontrava vertida no anterior art. 822º do Cód. Administrativo (também denominada “ação popular corretiva”), sendo que a legitimidade radica apenas na qualidade de eleitor, de cidadão, enquanto reflexo ou mesmo manifestação dum direito político, pelo que, nessa medida, não está em questão um interesse individual ou um interesse difuso já que a posição que o A. popular assume no processo judicial é análoga ou semelhante à do MP quando este intervém no exercício da ação pública, nada mais se lhe exigindo que não seja o de invocar um juízo de ilegalidade por referência ao ato administrativo em questão.
VII. Não permitindo a lei que um vereador duma câmara municipal instaure, nessa qualidade e para tutela da legalidade objetiva ação administrativa de impugnação de ato administrativo emitido pelo órgão de que é membro, o mesmo, despindo-se dessa veste de “eleito” e vestindo a pele de “eleitor”, não goza de legitimidade ativa para lançar mão da ação popular corretiva prevista no n.º 2 do art. 55º do CPTA.”

Alude-se ainda ao entendimento explanado por Mário Esteves de Oliveira e outros [Código de Procedimento Administrativo, 2ª edição, atualizada, revista e aumentada, páginas 148 e 149] em anotação ao artigo 14º do CPA, segundo o qual, e no que aqui releva “[…] São direitos, poderes e deveres comuns a todos os membros dos órgãos colegiais – o seu estatuto – os seguintes:
a) O direito de investidura […];
b) O direito de requerer a inclusão de assuntos na ordem do dia das reuniões;
c) O direito [e dever] de assistir às reuniões e para elas ser convocado;
d) O direito de apresentar propostas;
e) O direito de discussão;
f) O direito [e o dever] de voto;
g) O direito de requerer a recontagem dos votos;
h) O direito de declaração de voto de vencido;
i) O dever de se abster de participar e qualquer forma [propondo-a, discutindo-a ou votando-a] na deliberação em que tenha interesse;
j) O direito de acesso a todos os registos e atas do órgão, para se informar;
l) O direito de reclamar e de recorrer para o próprio órgão [se o mesmo as puder rever] das decisões do presidente que considere inconvenientes ou ilegais – mas não o direito de recorrer externamente delas, salvo no caso da alínea seguinte;
m) O direito de recorrer ou impugnar as decisões do Presidente ou do próprio órgão, que afetem qualquer um dos direitos referidos nas alíneas anteriores. […]”
Mais adiante [in ob. cit. páginas 151 e 152] reportando-se aos poderes do presidente em matéria de direção ou condução dos trabalhos referem: “[…] No plano prático, […], parece que deveria admitir-se o recurso das decisões do presidente, junto do próprio órgão colegial, no que respeita à sua competência nestas matérias.
No plano jurídico, não é assim, como resulta precisamente do facto de a lei ter sido clara ao confiar ao presidente, nunca ao órgão colegial, os interesses públicos de ‘dirigir os trabalhos’ e de ‘assegurar o cumprimento das leis e a regularidade das deliberações’, bem como o poder de ‘suspender e encerrar ou antecipar as reuniões’.
[…] E, sendo assim, ou existem disposições não revogadas a consagrar especificamente a possibilidade de sobreposição da vontade do órgão colegial à do seu presidente, no exercício das competências aqui configuradas, ou, pelo Código, tal possibilidade não existe.
É claro que o membro ou membros do órgão colegial que se sintam lesados, nos seus direitos ‘orgânicos’ ou ‘estatutários’, pelas decisões tomadas pelo presidente no exercício destas suas competências, podem recorrer de tais decisões junto dos tribunais, como se se tratasse de atos destacáveis do procedimento: não podem é pretender que seja o órgão colegial a sancionar essa lesão, pois faltam-lhe as atribuições e competências para tanto, a não ser naturalmente quando a lei o previr e pela forma nela estabelecida (…).”

Também António Cândido Oliveira [in CJA, nº 25, 2001, páginas 29 e seguintes] referiu que: “[…] O membro da assembleia municipal que deu origem ao presente recurso considerou ter sido atingido no seu direito de ser convocado em devido prazo e poderemos imaginar muitas outras situações em que os direitos dos membros dos órgãos colegiais de contribuir para a formação da vontade do órgão a que pertencem podem ser afetados de modo ilegal [não concessão da palavra, tendo direito a ela; impedimento de votar, com pretenso fundamento no artigo 44º do CPA; ter sido considerado ausente quando porventura esteve presente no momento da votação, etc.]. Ora, em todos estes casos, parece-nos que o membro do órgão tem o direito de impugnar as decisões ou deliberações em causa, porque são afetados direitos que a lei confere, e mau seria que o ordenamento jurídico depois de lhe dar direitos não lhes desse proteção adequada. […].”

Reportadamente ao regime contencioso administrativo, Pedro Gonçalves [“A justiciabilidade dos litígios entre órgãos da mesma pessoa coletiva pública”, CJA, nº35, 2002, páginas 9 e seguintes, em especial, páginas 18 a 20] refere que “[…] entende-se aqui que a deliberação do órgão que provoca uma lesão dos direitos que integram o estatuto dos seus membros pode ser impugnada por estes nos termos gerais da “ação particular”: em ação proposta contra a pessoa coletiva [artigo 10º n° 2], os autores terão de alegar a titularidade de um interesse direto e pessoal [invocando a lesão dos direitos que integram o seu estatuto de membros do órgão], no caso de pretenderem impugnar uma deliberação do órgão ou uma decisão do presidente [artigo 55° n° 1 alínea a)], ou, ainda invocando os seus direitos decorrentes da posição de membros do órgão, terão de alegar a titularidade de um direito à emissão de um ato, no caso de pretenderem obter a condenação do órgão ou do presidente à prática de um ato devido [artigo 68° n° 1 alínea a)]. O reconhecimento da legitimidade ativa dos membros dos órgãos para impugnarem deliberações que os afetem é, do nosso ponto de vista, corolário natural do carácter jurídico das relações entre o órgão e os seus membros, representando em muitos casos o único meio de se obter a proteção de direitos conferidos pela lei. É, por isso, de repudiar a doutrina segundo a qual os membros dos órgãos não têm legitimidade para impugnar deliberações que lesem aqueles direitos, com o fundamento de que se trata de “direitos orgânicos ou estatutários”, que não lhes são conferidos na qualidade de cidadãos, mas sim na de membros de órgãos. Apesar de os direitos dos membros dos órgãos não lhes serem conferidos na “qualidade de cidadãos”, nem por isso pode desconhecer-se que se trata de direitos subjetivos que lhes são conferidos; além disso, na “ação particular”, a legitimidade processual ativa não está [nem no CPTA, nem na lei processual vigente] limitada aos cidadãos, mas sim a todos os que sejam titulares de um interesse direto e pessoal [e legítimo, na lei atual].
O que falta aos membros dos órgãos colegiais — com a exceção do respetivo presidente: artigo 55° n° 1 alínea e) do CPTA, e artigo14° n° 4, do CPA — é, isso sim, a legitimidade para a propositura de ações em defesa da legalidade administrativa: quanto a este aspeto, tem razão o Supremo Tribunal Administrativo ao decidir que “não se reconhece aos membros dos órgãos colegiais [que não o presidente ou quem as suas vezes fizer], nessa qualidade e independentemente de interesse pessoal, legitimidade para impugnar as deliberações que considerem ilegais.” […].”

Em face do que precede, não se vislumbra que mereça censura a decisão recorrida ao declarar o Autor AAAB como parte ilegítima na presente ação.

Da legitimidade da A51... .
O M... – A51... é uma associação privada sem fins lucrativos, encontrando-se os seus objetivos consignados estatutariamente, de onde resulta que a sua legitimidade em concreto para intentar a ação popular em análise, poderia aparentemente advir da sua competência para “promover a legalidade das entidades públicas e os seus atos e competências”, o que, como se verá, não se concretiza.

Com efeito, e tal como decidido em 1ª instância, tal comando mostra-se insuficiente para lhe conferir legitimidade ativa.

Aí se referiu paradigmática e sintomaticamente que “(…) uma associação tem legitimidade para intentar uma ação popular quando tem como fim institucional a defesa dos valores em causa na ação principal e, por conseguinte, na ação cautelar. A previsão genérica e ampla no sentido de ‘Promover (…) a legalidade das entidades públicas e os seus atos e competências” não cria um dever de proteção de qualquer valor constitucionalmente protegido, nomeadamente, os relacionados com o ambiente e urbanismo.
Pois, se assim fosse, qualquer associação que fizesse alusão em termos estatutários a um dever de promoção da legalidade da atuação das entidades públicas teria legitimidade para intentar toda e qualquer ação popular.
Temos, porém, que as associações só têm legitimidade para intervir judicialmente, tanto em processos principais quanto em processos cautelares, quando esteja em causa a defesa de valores constitucionalmente protegidos e desde que tais valores se integrem expressamente nos interesses que lhes cumpre defender. Só se afigurarão legítimas as associações quando o fim institucional consista precisamente na defesa dos interesses que se discutem na ação.
Assim, o interesse da promoção da legalidade da atuação das entidades públicas dito assim em termos gerais – não permite sustentar a alegada qualidade de Autora popular em defesa de valores do ambiente e do urbanismo. Salta à vista que a Associação M... — Associação M 51 foi criada especialmente para fins eleitorais, ou seja, para ‘’concorrer (..,) com candidaturas aos órgãos eleitorais de âmbito local, distrital, regional e nacional”, tanto mais que AAAB é membro eleito da Assembleia Municipal de Ponte de Lima, pelo M... – Grupo de Cidadãos Eleitores para o quadriénio 2013/2017 – cf. Documento de fls. 360 e ss. dos autos”.

Como reiteradamente afirmado, possuem direito de ação popular, independentemente de terem ou não interesse direto na demanda, as associações e fundações defensoras da saúde pública, do ambiente, da qualidade de vida, da proteção do consumo de bens e serviços, do património cultural e do domínio público (artigos 1º/2 e 2º/1 LAP).

Para as associações e fundações serem titulares do direito de ação popular coletiva, nos termos legalmente estabelecidos, sempre terão de preencher os seguintes requisitos:
i) as associações ou fundações têm de ter personalidade jurídica (artigo 3º a) LAP),
ii) a defesa dos interesses em causa na ação popular tem de estar incluída expressamente nas atribuições ou estatutos das associações ou fundações (artigo 3º b) LAP) e
iii) as associações ou fundações não podem exercer qualquer tipo de atividade profissional concorrente com empresas ou profissionais liberais (artigo 3º c) LAP).

Resulta assim que o exercício do direito de ação popular por associações e fundações obedece a um princípio de especialidade, na medida em que se circunscreve à área de intervenção principal destas entidades.

Se a defesa dos valores em causa não estiver expressamente consagrada nos estatutos da associação, esta não terá legitimidade para intentar ação ou providência em defesa desses interesses.

Efetivamente, não consta dos estatutos da Associação M... , a defesa das regras ambientais e do urbanismo, tanto mais que a mesma foi criada predominantemente para fins eleitorais, de onde decorreu, aliás, a eleição do aqui coautor AAAB para a Assembleia Municipal, em representação da referida associação.

Com efeito, a ação popular serve para defender em juízo interesses difusos ou coletivos, referindo a lei que só têm legitimidade ativa as pessoas coletivas que, tendo personalidade jurídica, “incluírem nas suas atribuições ou nos seus objetivos estatutários a defesa dos interesses em causa no tipo de ação de que se trate” – alíneas a) e b) do artigo 3º da Lei 83/95, de 31.08.

Como refere Miguel Teixeira de Sousa, citado pelo Ministério Público, “Quando a função de solicitar a tutela jurisdicional desses interesses é atribuída a um órgão público (como, por exemplo, o Ministério Público), isso implica uma definição pelo poder legislativo das entidades legitimadas para o exercício dessa tutela e não concede ao tribunal da ação qualquer controlo sobre a adequação da representação assumida por estas entidades. Pelo contrário, quando essa mesma legitimidade é atribuída a cidadãos e a organizações, o tribunal tem de verificar a adequação da representação reclamada pelo particular ou pela organização e a inclusão dos interesses em causa nas atribuições e objetivos estatutários da organização demandante.”

Aqui chegados, e tal como decidido pela 1ª Instância, é manifesto que os objetivos prosseguidos pelo M... não se enquadram no pedido e causa de pedir, isto é no âmbito da defesa do urbanismo e ambiente, em linha, aliás, com o já decidido no acórdão deste TCAN nº 00125/13BEMDL, de 14-02-2014, em cujo sumário se refere que A requerente não contando entre os fins e/ou interesses prosseguidos ou a defender quaisquer valores e bens constitucionalmente protegidos, mormente, a saúde pública, o ambiente, a qualidade de vida, a proteção do consumo de bens e serviços, o património cultural, o domínio público [do Estado, das Regiões Autónomas e das Autarquias Locais], o ordenamento do território ou o urbanismo, não lhe assiste legitimidade processual ativa nos termos dos arts. 9.º n.º 2, 55.º, n.º 1, al. f) do CPTA, 1.º, 2.º e 3.º da Lei n.º 83/95.”
Na al. f) do n.º 1 do art. 55.º do CPTA confere-se legitimidade ativa para impugnação de ato administrativo às pessoas ou entidades referidas no n.º 2 do art. 9.º, preceito que dá cumprimento, em sede do contencioso administrativo, ao comando constitucional vertido no citado n.º 3 do art. 52.º da CRP.

A proteção dos interesses difusos estende-se, desta feita, a um universo de pessoas ou entidades, sem que estas careçam de demonstrar um interesse pessoal na instauração do processo judicial.

Revertendo à situação objeto de apreciação, refira-se que não se mostra assim preenchida a previsão da al. f) do n.º 1 do art. 55.º do CPTA.

Com efeito, confessadamente, e de acordo com o Artº 4º da PI, tem o M 51 estatutariamente os seguintes objetivos:
a) ser uma associação cívica, independente, de serviço imparcial e permanente;
b) contribuir para a participação cívica e abertura à sociedade civil, no âmbito local, distrital, regional e nacional;
c) promover a cidadania, a liberdade, a democracia;
d) apoiar e defender a família;
e) desenvolver e concorrer, com legitimidade ativa e passiva, com candidaturas aos órgãos eleitorais, de âmbito local, distrital, regional e nacional;
f) exercer toda a sua atividade “do povo, pelo povo e para o povo";
g) defender a dignidade da pessoa humana e os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos;
h) promover a transparência, democracia, informação, legalidade das entidades públicas e seus atos e competências;
i) cooperar com entidades públicas e privadas, podendo criar protocolos com entidades terceiras, em tudo o que se torne necessário para prosseguir os seus objetivos de serviço de todos os cidadãos.

Não se reconhece assim que a referida associação esteja investida nos termos legais dos poderes que lhe permitiriam estar legitimada para apresentar a presente Providência, não se enquadrando no pedido e causa de pedir, isto é no âmbito da defesa do urbanismo e ambiente, o que determinou a declarada falta de legitimidade da Associação.

Não surpreende pois que o tribunal a quo tenha entendido que a mais próxima das previsões constantes dos estatutos da Associação, se mostre, em qualquer caso, insuficiente para legitimar a intervenção da Associação.

Com efeito, e como sublinhado na sentença recorrida, a previsão estatutária da Associação em “Promover (…) a legalidade das entidades públicas e os seus atos e competências” não cria um dever de proteção de qualquer valor constitucionalmente protegido, nomeadamente, os relacionados com o ambiente e urbanismo.

Efetivamente, e como se disse já, se assim fosse, qualquer associação que fizesse alusão genérica, em termos estatutários, a um dever de promoção da legalidade da atuação das entidades públicas, estaria legitimada para intentar qualquer tipo de ação popular, o que seria incongruente e insustentável.

Assim, as associações só terão legitimidade para intervir judicialmente, quando esteja em causa a defesa de valores constitucionalmente protegidos e desde que tais valores se integrem expressamente nos interesses que lhes cumpre defender. Só se afigurarão legítimas as associações quando o fim institucional consista precisamente na defesa dos interesses que se discutem na ação.

O interesse da promoção genérica da legalidade da atuação das entidades públicas, não permite sustentar a alegada qualidade de Autora popular em defesa de valores do ambiente e do urbanismo, tanto mais que a Associação aqui em causa foi predominantemente constituída para se poder candidatar eleitoralmente aos órgãos de âmbito local.

A requerente não conta manifesta e estatutariamente entre os seus fins e/ou interesses prosseguidos, qualquer questão diretamente conexionada com o ordenamento do território ou o urbanismo.

É que analisados aqueles Estatutos os interesses ali afirmados e prosseguidos e pelos quais os requerentes, aqui recorrentes, deverão lutar não se descortina terem os mesmos enquadramento ou assento, designadamente, no art. 9.º n.º 2 do CPTA conjugado com os arts. 55.º, n.º 1 al. f) do CPTA, 1.º, 2.º e 3.º da Lei n.º 83/95, termos em que improcede igualmente a argumentação da recorrente assente neste fundamento, não se vislumbrando igualmente e correspondentemente qualquer indicio de inconstitucionalidade.

IV- Das custas
Suscitam ainda os Recorrentes a reforma da condenação quanto às custas, porquanto não será de aplicar a regra geral prevista no art.° 527.° do CPC, do mesmo modo que não terá ficado demonstrado a aplicabilidade do disposto no art.° 4.°, n.° 5, do RCP quanto à improcedência do pedido, tendo antes ocorrido a procedência de uma exceção, sem discussão do mérito dos autos.

Vejamos:
Decorre do art.4.º do RCP que “estão isentos de custas:

b) Qualquer pessoa, fundação ou associação quando exerça o direito de ação popular nos termos do n.º 3 do artigo 52.º da Constituição da República Portuguesa e de legislação ordinária que preveja ou regulamente o exercício da ação popular”, prevendo-se no n.º 5 do mesmo preceito que “nos casos previstos nas alíneas b) e f) do n.º 1 e na alínea b) do n.º 2, a parte isenta é responsável pelo pagamento das custas, nos termos gerais, quando se conclua pela manifesta improcedência do pedido”

Analisados os termos da sentença recorrida, e tal como defendido pelo Ministério Público, verifica-se que a pretensão cautelar deduzida foi-o ao abrigo do direito de ação popular ao que acresce a circunstância de na decisão proferida o Réu ter sido absolvido da instância por ilegitimidade ativa dos Requerentes cautelares.

Se é certo estarmos perante uma ação deduzida ao abrigo do direito de ação popular, na qual os seus autores beneficiariam potencialmente do regime de isenção de custas nos termos do art. 4.º, n.º 1, al. b) do RCP, o que é facto é que tal isenção deixará de ter razão de ser, perante a decisão proferida a final.

Assim, no caso vertente, perante a absolvição da entidade demandada por ilegitimidade ativa dos requerentes cautelares, concluiu-se assim pela manifesta improcedência do pedido, pelo que não poderão beneficiar de isenção de custas face ao que decorre da aplicação conjugada dos arts.4.º, n.ºs 1, al. b) e 5 do RCP, tal como sustentado pelo Ministério Público, em conformidade, aliás, com o decidido, designadamente, nos Acórdãos do STA de 09/10/2014, nos recursos nºs 0926/14 e 0953/14.

Refere-se no sumário do primeiro dos acórdãos referenciados (0926/14), aqui aplicavel mutatis mutandis, o seguinte:
“I - O demandante em processo judicial deduzido ao abrigo do direito de ação popular beneficia de regime de isenção de custas nos termos do art. 04.º, n.º 1, al. b) do RCP, isenção essa que deixa de ter lugar se o pedido vier a ser julgado como manifestamente improcedente (n.º 5 do referido preceito), juízo que apenas terá lugar a final e que exige uma situação de improcedência “agravada”, mercê de ser manifesta ou evidente a improcedência de facto e de direito da pretensão formulada, não se bastando com um juízo de mera improcedência da pretensão.
II - Perante juízo de manifesta improcedência de pretensão cautelar deduzida ao abrigo de direito de ação popular firmado através de decisão de rejeição liminar daquela pretensão o requerente não beneficia de isenção de custas face ao que decorre da aplicação conjugada dos arts. 04.º, n.ºs 1, al. b) e 5 do RCP, e 116.º, n.º 2, al. d) do CPTA.”

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Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, negar provimento ao recurso jurisdicional, mantendo-se a decisão originariamente proferida em 1ª instância.

Custas pelos Recorrentes

Porto, 20 de Maio de 2016
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco
Ass.: Joaquim Cruzeiro
Ass.: Fernanda Brandão