Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02535/13.6BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/08/2018
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Mário Rebelo
Descritores:REFORMA DE ACÓRDÃO.
Sumário:Se a decisão admitir recurso ordinário, a parte que queira a reforma não basta fazê-lo em requerimento autónomo, antes deverá interpor obrigatoriamente recurso e, nas conclusões (que delimitam o objecto do recurso) argumentar e requerer o reforma em causa.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:F...
Decisão:Indeferido o pedido de reforma do acórdão
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

REQUERENTE: F…
REQUERIDA: Autoridade Tributária e Aduaneira
OBJECTO DA REFORMA: Acórdão proferido neste TCA em 7 de dezembro de 2017 que concedeu provimento ao recurso interposto pela AT, revogou a sentença recorrida e julgou improcedente a intimação.
FUNDAMENTO DO PEDIDO: O seguinte conteúdo “...uma vez que houve dois despachos a conceder a indemnização – um datado de 4/4/2011 e outro que o revogou, mas que também concedeu o direito, proferido em 29/2/2012 – a decisão revogatória de 19/6/2012 recai sobre este último, porque era o que estava em vigor na ordem jurídica.
Por conseguinte, a revogação operada pelo despacho de 19/6/2012 não ultrapassou o prazo previsto no art. 141º/1 do CPA – correspondente ao atual art. 168º/2 CPA (cujo prazo é de um ano, por força do disposto no art. 58º/2-a) do CPTA), pelo que revogação de tal despacho, ainda que constitutivo de direitos poderia, pelo menos teoricamente, ser efectuada com base em ilegalidade. “ configura um manifesto erro na qualificação jurídica dos factos e no direito aplicável porquanto os documentos constantes dos autos determinariam necessariamente um entendimento diverso. O despacho de 19/6/2012 da Sra. Diretora de Finanças não procede a qualquer revogação, expressa ou implícita, de qualquer dos despachos proferidos pelo Chefe de Finanças da Maia. “Daí que as asserções contidas no douto Acórdão e supra transcritas, laborem em manifesto erro na qualificação jurídica dos factos e na determinação da norma aplicável aos mesmos, em face dos documentos juntos aos autos”. Acresce que a competência para a decisão do pedido de indemnização pela prestação de garantia, previsto no artigo 53º da Lei Geral Tributária, é do Chefe do Serviço de Finanças onde correu termos a execução fiscal em que a garantia foi prestada. Aliás, a AT nunca invocou a revogação do despacho do Chefe do Serviço de Finanças de 29/2/2012, nem invocou a sua invalidade.

Assim sendo, diz a Requerente, “...não poderia ter sido considerado no douto Acórdão não estar definida a omissão do dever de prestar a indemnização em causa nos autos, que fundamentou o pedido de intimação formulado pela requerente”.

A Requerida defendeu não existir fundamento para a reforma e que a Requerente visa a reapreciação do mérito a pretexto de um pretenso erro ou lapso na apreciação da qualificação jurídica dos factos e no direito aplicável. O despacho de 4/4/2011 que deferiu o pedido de Requerente, quer quanto aos encargos suportados com a garantia bancária quer quanto ao pagamento de juros indemnizatórios foi revogado pelo despacho de 29/2/2012 determinando apenas o pagamento dos encargos suportados com a garantia bancária desconsiderando o pagamento de juros indemnizatórios.

O despacho de 19/6/2012, apesar de não referir explicitamente a revogação do despacho de 29/2/2012, revela claramente que se está perante os mesmos factos, tendo por base o requerimento da requerente datado de 15/3/2011, apreciando os pressupostos de atribuição da indemnização, concluiu não ser de atribuir o valor de € 11.357,16 em virtude de não se encontrarem preenchidos aqueles pressupostos. Assim, é evidente que sobre a mesma matéria, o mesmo pedido, o mesmo requerente, existem duas decisões diferentes, prevalecendo a que foi proferida em data posterior, ou seja, em 19/6/2012. Este, sendo o último a figurar na ordem jurídica, procede a uma revogação substitutiva do despacho anterior – de 29/6/2012.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto acompanhou a resposta do Exmo. Representante da Fazenda Pública, devendo indeferir-se o pedido de reforma do acórdão.

Dispensados os vistos face à simplicidade da decisão, vêm os autos à conferência para deliberação (cfr. arts. 657º/4 e 666º/2, ambos do CPC).

*

Apreciando e decidindo:

Uma vez proferido o acórdão, imediatamente se esgota o poder jurisdicional do Tribunal relativo à matéria da causa (cfr. art. 613º/1 "ex vi" do art.º 666º/1, do CPC). Excecionando-se a possibilidade de retificação de erros materiais, suprimento de alguma nulidade processual ou a sua reforma quanto a custas ou multa (art.º 614º/1 do CPC).

A possibilidade de dedução do incidente de reforma do acórdão visa satisfazer a preocupação de realização efectiva e adequada do direito material e o entendimento de que, será mais útil à paz social e ao prestígio e dignidade que a administração da Justiça envolve corrigir, do que perpetuar um erro juridicamente insustentável, cfr. acórdãos do STA de 24/02/2011, rec.400/10; STA de 19/10/2011, rec.497/11; TCA Sul de 09/04/2013, proc.5073/11; TCA Sul de 03/10/2013, proc.6579/13; e Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6ª. Edição, II Volume, Áreas Editora, 2011, pág.388 e seg.

A lei admite o incidente de reforma nos termos das disposições combinadas dos arts. 616º/2-a), b) e 666º, do CPC, (na redacção da Lei 41/2013, de 26/6 aplicáveis ao processo judicial tributário ex. vi do artº.2, al. e), do CPPT), quando, não admitindo a decisão judicial recurso, tenha ocorrido manifesto lapso do juiz na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos ou, igualmente, quando constar do processo prova documental com força probatória plena (cfr. art. 371º do Código Civil) ou quaisquer elementos que, só por si, impliquem, necessariamente, decisão diversa da proferida e que o juiz, por lapso manifesto, não haja tomado em consideração.

Em face do exposto, conclui-se que no presente processo e com estes pressupostos, a reforma de acórdão sob apreciação deveria ter sido arguida como fundamento de eventual recurso ordinário a interpor pelo Requerente, sob pena de a decisão transitar em julgado e o vício em causa se considerar sanado.

Por outras palavras, se a decisão admitir recurso ordinário, a parte que queira a reforma não basta fazê-lo em requerimento autónomo, antes deverá interpor obrigatoriamente recurso e, nas conclusões (que delimitam o objecto do recurso) argumentar e requerer o reforma em causa, tudo conforme se encontra actualmente consagrado no artº. 616/2, do CPC, e já se encontrava anteriormente previsto no art. 669º/2 do CPC (cfr.ac. STA de 19/03/2013, rec.1214/09; ac. STA de 10/07/2013, rec.205/12).

O acórdão exarado a fls. 200 e segs. dos autos é passível de recurso ordinário - como seja o recurso por oposição de acórdãos previsto no art. 284º do CPPT e o recurso de revista consagrado no art. 150º do CPTA.

Tendo a Requerente interposto recurso nos termos do art. 150º do CPTA nele deveria ter suscitado a presente questão.

Veja-se sobre este assunto o acórdão do TCA Sul de 13/11/2014 com o nº 06995/13, ao qual aderimos na integra e onde se pode ler que:

“3. Sendo o acórdão objecto do presente incidente passível de recurso ordinário, portanto recurso que deve ser interposto antes do trânsito em julgado da decisão (cf. recurso por oposição de acórdãos previsto no art. 284º do CPPT recurso de revista consagrado no art.150º do CPTA) a alegada nulidade de acórdão ou o pedido da sua reforma deve ser arguida como fundamento de eventual recurso ordinário a interpor pelo requerente, sob pena de a decisão transitar em julgado e o vício em causa se considerar sanado (cfr.arts.615º, nº.4, e 616, nº.2, do CPC).

Não obstante o exposto, numa breve análise do que vem pedido, dir-se-á o seguinte:

A Requerente, invoca disposto no art. 616º nº 2 do CPC no entendimento de que o acórdão proferido errou na qualificação jurídica dos factos e o direito aplicável porquanto os documentos constantes dos autos determinariam necessariamente decisão diversa.

Isto é, ao contrário do que ficou dito no acórdão, o despacho de 19/6/2012 da Sra. Diretora de Finanças não procedeu a qualquer revogação, expressa ou implícita, de qualquer dos despachos proferidos pelo Serviço de Finanças da Maia, designadamente do despacho de 29/2/2012.

Ora, como deixámos dito, e tal como reiteradamente vem salientando a jurisprudência do STJ, a hipótese de reforma da sentença ou acórdão funda-se em lapso manifesto do tribunal na legalidade do julgado, contende com uma situação de carácter excecional e, apenas se verifica quando o juiz incorra em erro grosseiro, juridicamente insustentável, por lapso manifesto, na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos – vd. Ac. STJ, de 24/02/2015, proc.º4578/07.

Não serve o incidente da reforma para manifestar discordância com o julgado, ou tentar demonstrar error in judicando que é, no fundo, aquilo que a Requerente pretende sob pretexto de erro manifesto em que incorreu o acórdão.

Com efeito, a Requerente transcreveu apenas a parte do acórdão que poderia sustentar a tese de erro manifesto, omitindo o que consta algumas linhas acima que contextualizam a parte que selecionou – mas que também fazem parte do acórdão.

Impõe-se por isso, a transcrição da parte do acórdão que contextualiza (e esclarece) o segmento destacado pela Requerente, para concluirmos não ter razão quanto à requerida reforma:

“O reclamado direito à indemnização baseia-se no despacho do Exmo. Chefe do Serviço de Finanças de 4/4/2011 que lhe reconheceu tal direito.

Mas este despacho foi revogado por outro despacho de 29/02/2012, que ao revogar o despacho “proferido em 2011-04-04....” determinou ele também o “ pagamento da quantia de € 11.357,16 (onze mil trezentos e cinquenta e sete euros e dezasseis cêntimos) nos termos do n.º 1 do artigo 53º da LGT”.

Ou seja, o despacho de 4/4/2011 foi revogado pelo despacho de 29/02/2012 o qual por sua vez, simultaneamente, determinou o pagamento da mesma quantia, apenas suprimindo a referência “à devolução dos juros indemnizatórios” que naquele se fazia.

Depois foi proferido o despacho de 19/6/2012 pela Exma. Diretora de Finanças Adjunta indeferiu o pedido com os “fundamentos da presente informação”.

A informação referida em parte nenhuma faz referência aos despachos anteriores proferidos pelos Chefes de Finanças da Maia que reconheceram o direito à indemnização requerida.

Procedendo ao indeferimento do pedido por não ser “este” o “...meio próprio para o requerido, nem se considerando verificados os pressupostos para a atribuição da indemnização”, poder-se-ia configurar que o despacho de 19/6/2012 operou uma revogação substitutiva dos despachos do Exmo. Chefe do Serviço de Finanças que lhe outorgaram o direito à indemnização requerida (1) (sublinhado atual nosso).

E uma vez que houve dois despachos a conceder a indemnização – um datado de 4/4/2011 e outro que o revogou, mas que também concedeu o direito, proferido em 29/2/2012 – a decisão revogatória de 19/6/2012 recai sobre este último, porque era o que estava em vigor na ordem jurídica.

Por conseguinte, a revogação operada pelo despacho de 19/6/2012 não ultrapassou o prazo previsto no art. 141º/1 do CPA – correspondente ao atual art. 168º/2 CPA (cujo prazo é de um ano, por força do disposto no art. 58º/2-a) do CPTA), pelo que revogação de tal despacho, ainda que constitutivo de direitos poderia, pelo menos teoricamente, ser efectuada com base em ilegalidade”.

O acórdão não diz em parte nenhuma que o despacho de 19/6/2012 proferido pela Exma. Diretora de Finanças Adjunta procedeu a revogação expressa do despacho de 29/2/2012.

O que diz é que “Procedendo ao indeferimento do pedido por não ser “este” o “...meio próprio para o requerido, nem se considerando verificados os pressupostos para a atribuição da indemnização”, poder-se-ia configurar que o despacho de 19/6/2012 operou uma revogação substitutiva dos despachos do Exmo. Chefe do Serviço de Finanças que lhe outorgaram o direito à indemnização requerida.

E uma vez que houve dois despachos a conceder a indemnização – um datado de 4/4/2011 e outro que o revogou, mas que também concedeu o direito, proferido em 29/2/2012 – a decisão revogatória de 19/6/2012 recai sobre este último, porque era o que estava em vigor na ordem jurídica”. (destaque e sublinhado atuais nossos)

Como o indeferimento operado pelo despacho de 19/6/2012 extinguiu os efeitos de despacho anterior configurou-se a hipótese de (com tal indeferimento) se operar a revogação (substitutiva) do despacho de 29/2/2012, por ser o que estava em vigor na ordem jurídica.

O acórdão é claro e não se descortina qualquer erro manifesto na qualificação jurídica dos factos e no direito aplicável, pelo que não estão reunidos os requisitos de que depende a reforma do acórdão ao abrigo artº.616º "ex vi" do art. 666º/1 do CPC.


DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em indeferir a requerida reforma de acórdão.

Custas pela Requerente, fixando-se a taxa de justiça em 3 ucs.

Porto, 8 de março de 2018.

Ass. Mário Rebelo

Ass. Cristina Travassos Bento

Ass. ​Paula Maria Dias de Moura Teixeira


(1) Ac. do TCAS n.º 02893/09 de 24-03-2009 Relator: EUGÉNIO SEQUEIRA
Sumário: 1.A intimação para um comportamento constitui uma forma processual subsidiária, apenas logrando aplicação quando os restantes meios processuais previstos no CPPT não sejam os mais adequados para assegurar a tutela plena, eficaz e efectiva dos direitos ou interesses em causa;
2. E apenas pode ter lugar quando exista por parte da Administração Tributária um dever de qualquer prestação jurídica susceptível de lesar direito ou interesse legítimo em matéria tributária;
3. Tendo o interessado obtido um deferimento tácito em reclamação graciosa sobre a qual, mais tarde, foi proferido indeferimento expresso sem lhe fazer referência, ocorre uma revogação substitutiva daquele deferimento tácito por este indeferimento expresso, tendo aquele deixado de existir na ordem jurídica;
4. Em tal caso, a forma de processo para o interessado fazer valer os seus invocados direitos de ilegal retenção na fonte de imposto, é a impugnação judicial ou o recurso hierárquico, a interpor contra tal deferimento expresso e respectiva liquidação, por este mantida.