Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00552/05.9BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/16/2016
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:PROGRAMA ESTÁGIOS PROFISSIONAIS;
INSTITUTO DO EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL/IEFP
Sumário:I- A candidatura à concessão dos apoios financeiros a que a Autora concorreu obedecia a regras e/ou condicionalismos legais previamente definidos, insusceptíveis, na sua matriz, de qualquer desvio, sob pena de o aqui Recorrente estar a violar o princípio geral de actuação, a saber: o princípio da igualdade, por existência de eventual tratamento diferenciado entre as demais candidaturas apresentadas e aprovadas.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Instituto de Emprego e Formação Profissional, I.P.
Recorrido 1:D.Q.A., Gestão Organizacional e D..., Lda
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
D.Q.A., Gestão Organizacional e D..., Lda., com sede na Rua …, instaurou acção administrativa comum, com processo ordinário, contra o Instituto de Emprego e Formação Profissional, I.P., com delegação na Rua …, pedindo a condenação deste no pagamento do quantitativo de € 6.336,59, acrescido de juros, à taxa legal, desde a distribuição até integral pagamento.
Por decisão proferida pelo TAF do Porto foi julgada a acção parcialmente procedente e condenado o Réu no pagamento à Autora da soma de € 6.336,59, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, o IEFP formulou as seguintes conclusões:
28. Desde logo, não se afigura dos normativos aplicáveis ao caso em apreço, qualquer norma que obrigasse o Recorrente a notificar os beneficiários dos apoios financeiros das falhas que estavam a cometer, como condição necessária à verificação do incumprimento por parte destes.
29. Aliás é peremptória a cláusula VI, alínea n) do Termo de Aceitação que “o incumprimento injustificado do preceituado e assumido no presente Termo de Aceitação e demais legislação aplicável, condicionará os respectivos pagamentos dos montantes aprovados, podendo os mesmos serem revistos e até revogados, dando lugar à sua restituição – aos quais serão acrescidos de juros de mora cobrados à taxa em vigor – e/ou à sua cobrança coerciva”.
30. Assim, da prova produzida nos autos e da legislação aplicável não poderia seguramente o Tribunal a quo considerar que o Réu ao recusar o reembolso das despesas apresentadas pela Autora com fundamento na sua extemporaneidade violou a disciplina jurídica dessa legislação, pelo que deverá a sentença ser considerada nula.
31. A verdade é que, os factos invocados pela A. para sustentar a entrega extemporânea dos documentos em falta só à mesma poderiam ser imputados, sendo evidente que não se verificou qualquer alteração anormal de circunstâncias relevantes para efeitos da justificação do incumprimento (artº 437º do CC).
32. Assim é que, o comportamento contratual contrário às disposições vinculativas a que a A. se obrigou no Termo de Aceitação bem como das disposições legais aplicáveis, constituem desde logo a A. em incumprimento contratual, fundamento para o Recorrido decidir sobre o pagamento dos montantes aprovados podendo mesmo revê-los e até revogá-los.
33. Assim sendo, a decisão de não pagamento de parte do apoio concedido fundamentada no incumprimento por parte da A. dos deveres inerentes à atribuição das verbas em questão, limitou-se a dar cumprimento ao estabelecido legalmente, consubstanciando essa decisão um acto de carácter vinculado, não restando ao Recorrente outra possibilidade que não fosse, como sucedeu, na recusa de pagamento.
34. De resto, a Recorrente não pode alegar o desconhecimento substancial do respectivo Termo de Responsabilidade, uma vez que lhe foi entregue uma cópia aquando da assinatura do mesmo.
35. Assim, tendo-se detectado que a Recorrente não cumpriu com as suas obrigações enquanto beneficiária do apoio financeiro concedido, no escrupuloso cumprimento do princípio da legalidade, não restava ao Recorrido outra solução, sob pena de cometer grave ilegalidade, que não fosse a decisão de recusa de pagamento das verbas em questão.
36. Mais, o entendimento do Tribunal a quo, além de conclusivo, apenas se baseia na fundamentação que a Recorrida prestou na defesa apresentada no âmbito do presente processo judicial, esquecendo-se por completo que a candidatura à concessão dos apoios financeiros a que a A. concorreu obedecia a regras e/ou condicionalismos legais previamente definidos, insusceptíveis na sua matriz, de qualquer desvio sob pena de o Recorrente estar a violar um outro princípio geral de actuação, a saber: o princípio da igualdade, por existência de eventual tratamento diferenciado entre as demais candidaturas apresentadas e aprovadas.
IV - Da Dispensa de Pagamento Prévio de Taxa de Justiça Inicial e Subsequente
37. O IEFP, I.P. é um instituto público inserido no conceito da Administração Indirecta do Estado – cfr. artº 1º do Decreto Lei nº 213/2007, de 29 de Maio.
38. Assim, ao abrigo do disposto no artigo 15º, alínea a) do Regulamento das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto Lei nº 34/2008, de 26 de Fevereiro, com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei nº 43/2008, de 27 de Agosto, pelo Decreto Lei nº 181/2008 de 28 de Agosto e pela Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro, deve o IEFP, I.P. ser dispensado de pagamento prévio de taxa de justiça inicial e subsequente no presente processo.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO QUE SUPRIRÃO, DEVERÁ SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, DEVENDO A SENTENÇA SER REVOGADA, JULGANDO-SE AO CONTRÁRIO DO AÍ DECIDIDO E A ACÇÃO SER JULGADA TOTALMENTE IMPROCEDENTE,

Deverá, ainda, o Recorrido ser dispensado do pagamento prévio de taxa de justiça inicial e subsequente no presente processo.
Decidindo, pois, o Tribunal, no sentido ora exposto, consolidará a verdade dos factos, consagrará o sentido correcto do direito e fará
JUSTIÇA!

A Recorrida juntou contra-alegações, concluindo assim:
Do que antecede, resulta inexistirem fundamentos para a pretensão da Recorrente de vir a obter revogação da sentença e a acção ser julgada totalmente improcedente.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, QUE SUPRIRÃO, NÃO DEVERÁ SER DADO PROVIMENTO AO RECURSO, JULGANDO-SE DEVER SER MANTIDA NA SUA íntegra A DECISÃO RECORRIDA.

O MP, notificado nos termos e para os efeitos do artº 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
i) A A. é uma sociedade comercial que se dedica à prestação de serviços de gestão organizacional e D....
ii) No âmbito da sua actividade, enquanto entidade de direito privado com fins lucrativos, e na qualidade de entidade promotora, em 1991 apresentou junto da delegação de Matosinhos da R., 3 candidaturas ao Programa Estágios Profissionais definidos na Portaria 268/97 de 18 de Abril, com as alterações introduzidas pelas Portarias 1271/97, Portaria 814/98 e a última redacção que lhe foi dada pela Portaria 286/2002 de 15 de Março.
iii) O 1° processo foi autuado com o n° 77/01 cujo estágio decorreu no período compreendido entre 20/0712001 e 19/07/2002, e que resultou na criação de um posto de trabalho efectivo através de celebração de contrato individual de trabalho sem termo.
iv) O 2° processo foi autuado com o n° 114/01, cujo estágio decorreu no período compreendido entre 15/10/2001 e 14/10/2002, e que resultou na criação de um posto de trabalho efectivo através de celebração de contrato individual de trabalho sem termo.
v) O 3° processo foi autuado com o n° 125/01, cujo estágio decorreu no período compreendido entre 01/11/2001, que não resultou na integração da estagiária por motivos de inadaptação ao posto de trabalho.
vi) O processo n° 77/01 encontra-se concluído e a A. foi reembolsada das quantias a que tinha direito nos termos do disposto no art° 14 da Portaria 268/97 com a redacção que lhe foi dada pela Portaria nº.6/2002 de 15 de Março.
vii) O mesmo não aconteceu com os processos n°114/01 e 125/01.
viii) A Autora não recebeu, nem logra receber voluntariamente do R., o reembolso das despesas suportadas nos processos nº. 114/01 e 125/01, melhor referenciadas a fls. 46 a 86 (114/01) e 35 a 63 (125/01) do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
ix) A Autora procedeu à entrega junto do Réu dos elementos [relativos às despesas suportadas nos processos nº. 114/01 e 125/01] que fazem fls. 48 a 86 (114/01) e 35 a 63 (125/01) do PA apenso
x) Procedimento que teve lugar no dia 19/02/2003, na Delegação de Matosinhos da R., que os recepcionou.
xi) A A. jamais foi notificada de qualquer irregularidade, desconformidade ou omissão quanto aos documentos juntos com o pedido de reembolso.
xii) No dia 20/02/2003 a A. remeteu à R. o seu NIB de identificação para crédito das quantias em reembolso relativos aos processos de estágio n°114/01 e 125/01.
xiii) No dia 26/03/2003 a A. recebe um ofício no qual lhe é comunicado que o reembolso das verbas não poderia ser efectuado, porquanto as verbas relativas ao ano de 2002 tinham sido encerradas em 31/12/2002 e os pedidos de reembolso tinham de ter sido solicitadas até ao dia 20/01/2003.
xiv) Na sequência daquela comunicação, e da carta resposta da A., esta, em 18.03.2003, manteve uma reunião com a então legal substituta do Director dos Serviços das Delegação de Matosinhos da R., questionando o fundamento da argumentação, nomeadamente, quanto aos alegados prazos.
xv) A R. sustentou que o pagamento não tinha sido efectuado porquanto a documentação entregue em 19/02/2003 com o pedido de reembolso deu entrada nos serviços de forma extemporânea.
xvi) Para fundamentar aquela decisão, foi então alegado pela R. que teria sido por si transmitido a todos os promotores, por fax de 23/12/2002, que os mapas do saldo intermédio teriam de ser remetidos ao Centro de Emprego até ao dia 20/01/2002.
xvii) A A. jamais recebeu tal fax.
xviii) Foi ainda referido pela R. que o prazo de entrega consta do Regulamento e Termo de Aceitação de Aprovação assinado pela empresa.
xix) Por sugestão da própria R., a A. endereçou à Direcção do IEFP uma exposição, no sentido de ser reapreciado o pedido de reembolso.
xx) Em 20/09/2004 a R. responde nos mesmos termos referidos no sobredito ponto xiii).
xxi) Dá-se por reproduzido o teor dos documentos constantes de fls. 13 a 23, 118 a 227, 244 a 442, 513 a 534, 552 a 614 dos autos e, bem assim, os documentos que integram os processos de candidatura apenso.
X
DE DIREITO
Está posta em causa a decisão do TAF do Porto que julgou parcialmente procedente a acção.
Na óptica do Recorrente, que não questiona a factualidade apurada, aquela
não fez uma correcta interpretação e aplicação dos normativos legais pertinentes.
Cremos que lhe assiste razão.
Antes, atente-se no discurso jurídico fundamentador da sentença sub judice:
Conforme emerge do respectivo libelo inicial e alegações escritas, a Autora mantêm a firme convicção do seu direito ao reembolso das despesas de formação suportadas [no âmbito do programa de estágios profissionais definidos na Portaria 268/97, de 18 de Abril, com as alterações introduzidas pelas Portarias 1271/97, Portaria 814/98, e a última redacção que lhe foi dada pela Portaria 286/2002 de 15 de Março] com os processos nº. 114/01 e 115/01.
Alega, para tanto, em substância, que a “R. não detêm fundamento legal para recusar o reembolso das despesas de formação (…)” suportadas nos processos de estágio visado nos autos.
Quid iuris?
De forma a enquadrar a questão a dirimir do ponto de vista normativo e permitir uma mais eficaz visualização do aqui controvertido, vejamos o que rezam os artigos 1º, 9º e 19º da referida PORTARIA nº. 268/97.
“(…)
1.º
Objecto
1 - O presente diploma tem por objecto estabelecer as normas de funcionamento e definir o regime de concessão de apoios técnicos e financeiros da medida Estágios Profissionais, promovida pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional, adiante Designado por IEFP.
2 - No âmbito do presente diploma, considera-se estágio profissional aquele que vise a inserção de jovens na vida activa, complementando uma qualificação preexistente, através de uma formação prática a decorrer em contexto laboral.
3 - Não são elegíveis no âmbito do presente diploma os estágios que tenham como objectivo a aquisição de uma habilitação profissional requerida para o exercício de determinada profissão nem os estágios curriculares de quaisquer espécies de cursos.
(…)
9.º
Termo de aceitação da decisão de aprovação
As entidades beneficiárias devem, no prazo máximo de 15 dias consecutivos contados a partir da data da assinatura do aviso de recepção da correspondente decisão de aprovação, assinar o termo de aceitação da decisão de aprovação, a elaborar pelo IEFP, ao qual se anexará, dele fazendo parte integrante, o respectivo plano individual de estágio.
(…)
19.º
Pagamento dos apoios
1 - O pagamento dos apoios processa-se através de um adiantamento inicial e reembolsos das despesas efectuadas, pagas e devidamente comprovadas.
(…)”
Veja-se ainda o que nos diz o TERMO DE ACEITAÇÃO da decisão de aprovação dos estágios visados nos autos no tocante ao processamento do pagamento financeiro para a realização do programa de estágio.
“(…)
A aceitação pelas entidades beneficiárias do financiamento pela presente decisão de aprovação confere-lhe o direito à percepção de financiamento para a realização das acções previstas neste documento, sendo que o pagamento financeiro se processo por ano civil, sob a seguinte forma:
(…)
Saldo final:
No prazo de 45 dias contados em dias de calendário, após a conclusão das acções, as entidades titulares de pedidos de financiamento ficam obrigadas a apresentar todos os elementos necessários à regularização do saldo final, nos termos previstos na regulamentação aplicável, incluindo o mapa de execução física e financeira que se encontre em falta.
V.
As entidades ficam obrigadas à apresentação dos seguintes documentos e prazos:
V.a) mapa reportado a 30 de Junho, até ao dia 20 de Julho;
V.b) Mapa referente ao ano civil que não tenha anteriormente sido apresentado até ao dia 20 de Janeiro do ano civil seguinte quando a conclusão do projecto não coincida com o terminus do ano civil, para apuramento de saldo intermédio.
V.c) Mapa relativo à totalidade do período de realização das acções que não tenha sido anteriormente apresentado, no prazo de 45 dias, após a conclusão do projecto, para apuramento de saldo final.
(…)”
Mais se declara:
(…)
(k) que se assume o compromisso de apresentar, devidamente preenchidos, o mapa de execução física e financeira, nas condições previstas nos pontos III, IV e V e em conformidade com a decisão de aprovação.
(…)
(n) que se tem perfeito conhecimento que o incumprimento injustificado do preceituado e assumido no presente Termo de Aceitação e demais legislação aplicável, condicionará os respectivos pagamentos dos montantes aprovados, podendo os mesmos serem revistos e até revogados, dando lugar à sua restituição (…)”
A leitura concatenada dos normativos e disposições ora transcritas revela-nos que a decisão de aprovação dos estágios profissionais em análise está sujeita à aceitação [por parte da entidade titular da candidatura ao programa de estágios profissionais] de um termo [o qual se anexará, dele fazendo parte integrante, o respectivo plano individual de estágio], que, por sua vez, prevê que a percepção do financiamento para a realização das acções aí referidas está sujeita, para o que ora nos interessa, à apresentação de um “(…) mapa referente ao ano civil que não tenha anteriormente sido apresentado até ao dia 20 de Janeiro do ano civil seguinte quando a conclusão do projecto não coincida com o terminus do ano civil, para apuramento de saldo intermédio.”.
Revela-nos ainda que o incumprimento injustificado desta obrigação condicionará os respectivos pagamentos dos montantes aprovados, podendo os mesmos serem revistos e até revogados, dando lugar à sua restituição.
Encerrando aqui o enquadramento normativo da questão a dirimir nos autos, e revertendo, agora, ao caso sujeito, temos que a Autora apresentou no dia 19.02.2003 um pedido de reembolso das despesas de formação por si suportadas no âmbito dos processos de estágios nº. 114/01 e 125/01, o qual foi objecto de recusa por parte do Réu com fundamento na extemporaneidade na apresentação do referido pedido de reembolso.
Perante o quadro legal supra traçado, constitui convicção firme deste Tribunal que o Réu, ao actuar da forma supra descrita [recusa do reembolso das despesas de formação suportadas pela Autora nos processos de estágio visado nos autos com fundamento na sua extemporaneidade], violou a disciplina jurídica, quer da PORTARIA 268/97, de 18 de Abril, com as alterações introduzidas pelas Portarias 1271/97, Portaria 814/98 e a última redacção que lhe foi dada pela Portaria 286/2002, de 15 de Março, quer do TERMO DE ACEITAÇÃO que faz fls. 584 a 587 dos autos, porquanto, previamente à decisão de recusa e/ou concessão do reembolso solicitado, impunha-se-lhe que apurasse do eventual incumprimento injustificado da obrigação em análise, actuação essa que não se mostra minimamente adquirida nos autos.
Sublinhe-se, no entanto, que a conclusão ora patenteada não significa que o réu esteja sempre impedido de recusar o reembolso com fundamento na extemporaneidade, apenas e tão só que está legalmente impedido proceder a essa recusa de forma automática, pois, se, quando confrontado com esta situação, o réu optar por notificar a parte para justificar o seu incumprimento e/ou para apresentar o mapa em falta, sob pena de recusa do reembolso, e este não cumprir, aquele [réu], atento o efeito cominatório associada à notificação em causa, está mais que legitimado para recusar o reembolso das despesas em questão.
Este, contudo, não é o caso dos autos, até porque se mostra perfeitamente demonstrado que a Autora não foi notificada de qualquer irregularidade, desconformidade ou omissão quanto aos documentos juntos com o pedido de reembolso, nem, bem assim, recebeu o fax de 23/12/2002 supostamente enviado para todos os promotores a alertar que os mapas do saldo intermédio teriam de ser remetidos ao Centro de Emprego até ao dia 20/01/2002.
Tem-se, pois, por assente que actuação da entidade demandada, supra descrita, é contrária à disciplina jurídica pela qual se regem os processos de estágio visados nos autos.
Importa agora apurar as consequências daí advindas, maxime em sede pretensão jurisdicional formulada nos autos.
Conforme flui do probatório, a Autora procedeu à entrega junto do Réu dos elementos relativos às despesas suportadas nos processos nº. 114/01 e 125/01, no dia 19/02/2003, na Delegação de Matosinhos da R., que os recepcionou.
Ora, no que a estas [despesas] se refere, verifica-se que o Réu, em momento algum, questionou e/ou pôs em crise a existência das despesas em questão e respectivo valor [3.058,73 (114/01) e 3.063,06 (125/01)], pelo que se tem as mesmas como devidas e o seu valor por assente.
Por sua vez, no que tange à invocada extemporaneidade, já vimos que tal motivo nunca poderá obviar à recusa do reembolso das despesas visadas nos autos sem que antes a Administração diligencie junto da entidade beneficiária no sentido do apuramento do seu incumprimento injustificado.
A este particular propósito [incumprimento injustificado], julga-se ser de relevar o facto da Autora não ter recebido o fax de 23/12/2002 enviado para todos os promotores a alertar que os mapas do saldo intermédio teriam de ser remetidos ao Centro de Emprego até ao dia 20/01/2002, que se presume que, em condições normais, constituiria condição bastante para obviar no atraso verificado na entrega dos elementos solicitados, até porque era do interesse da Autora o recebimento das quantias reclamadas.
Por outro lado, convém não olvidar que a Autora não foi notificada de qualquer irregularidade, desconformidade ou omissão quanto aos documentos juntos com o pedido de reembolso, o que, conforme resulta grandemente do já expendido, denota uma aceitação por parte do Réu da validade das despesas em analise nos autos.
Destarte, por tudo o quanto ficou exposto, é de considerar o pedido jurisdicional formulado pela Autora nos presentes autos.”
X
Já se viu que o Tribunal a quo julgou a acção parcialmente procedente, por entender, em síntese, que:
-a leitura concatenada dos normativos e disposições ora transcritas revela-nos que a decisão de aprovação dos estágios profissionais em análise está sujeita à aceitação (por parte da entidade titular da candidatura ao programa estágios profissionais) de um termo (o qual se anexará, dele fazendo parte integrante, o respectivo plano individual de estágio), que, por sua vez, prevê que a percepção do financiamento para a realização das acções aí referidas está sujeita, para o que ora nos interessa, à apresentação de um”(…) mapa referente ao ano civil que não tenha anteriormente sido apresentado até 20 de Janeiro do ano civil seguinte quando a conclusão do projecto não coincida com o terminus do ano civil, para apuramento de saldo intermédio.”;
-a Autora apresentou no dia 19.02.2003 um pedido de reembolso das despesas de formação (…) o qual foi objecto de recusa por parte do Réu com fundamento na extemporaneidade na apresentação do referido pedido de reembolso;
-perante o quadro legal supra traçado, constitui convicção deste Tribunal que o Réu, ao actuar da forma supra descrita (…) violou a disciplina, quer da Portaria 268/97, de 18 de Abril (…) quer do Termo de Aceitação (…), porquanto, previamente à decisão de recusa e/ou concessão do reembolso solicitado, impunha-se-lhe que apurasse do eventual incumprimento injustificado da obrigação em análise (…)
-sublinhe-se, no entanto, que a conclusão patenteada não significa que o réu esteja sempre impedido de recusar o reembolso com fundamento na extemporaneidade, apenas e tão só que está legalmente impedido de proceder a essa recusa de forma automática, pois, se, quando confrontado com esta situação, o réu optar por notificar a parte para justificar o seu incumprimento e/ou para apresentar o mapa em falta, sob pena de recusa do reembolso, e este não cumprir, aquele (réu), atento o efeito cominatório associado à notificação em causa, está mais que legitimado para recusar o reembolso das despesas em questão.
Ora, tal como advogado pelo Recorrente, nem a prova produzida nos autos nem as disposições legislativas regulamentares, comunitárias e nacionais aplicáveis, legitimam este entendimento do Tribunal recorrido.
Aliás, o Tribunal a quo ignorou a aplicação ao caso do regime jurídico dos apoios à formação profissional a conceder no âmbito do FSE.
De facto, o Programa Estágios Profissionais foi co-financiado pela União Europeia, através do Fundo Social Europeu, no âmbito do QCA III, sendo que compete aos Estados-membros conforme determina o Regulamento (CE) nº 1260/1999, definir as prioridades e os critérios de concessão destes apoios, tendo em vista a execução do QCA, aprovado pela C.E..
Nessa medida, foi fixado, a nível nacional, o regime jurídico dos apoios à Formação Profissional a conceder no âmbito do FSE bem como o sistema de gestão e controlo dos mesmo, consubstanciados, Designadamente, no DL 54-A/2000, de 7 de abril, Dec. Regulamentar 12-A/2000, de 15 de setembro, Portaria 799-B/2000, de 20 de setembro, e Desp. Normativo 42-B/2000, de 20 de setembro, pelo que, não pode ser indiferente a conjugação sistemática das normas da Portaria que regulamenta o Programa Estágios Profissionais, conforme o próprio preâmbulo da mesma, e as disposições dos normativos comunitários.
Ora, resulta dos citados diplomas, nomeadamente, da Portaria 799-B/2000, de 20 de setembro - artº 23º sob epígrafe “Revogação da decisão” nº 1 al. c) - que um dos fundamentos para a revogação da decisão de aprovação do pedido de financiamento é precisamente a “Não apresentação atempada dos formulários relativos à execução e aos pedidos de saldo, salvo nos casos em que a eventual fundamentação invocada para este incumprimento venha a ser aceite pelo gestor”.
Ainda, no que atende ao prazo para apresentação do saldo final o regime jurídico que respeita à concessão de apoios no âmbito do Fundo Social Europeu, também determina, nomeadamente o artº 27º/7 do Dec. Regulamentar 12-A/2000, de 15 de setembro e artº 11º/1 da Portaria 799-B/2000, de 20 de setembro, que este deverá ser apresentado ao Gestor nos 45 dias subsequentes à data de conclusão do projecto.
In casu, a Autora não cumpriu esta obrigação, conforme arguiu o Recorrente nas suas alegações.
Assim, não se vislumbra em face da legislação aplicável, qualquer norma que obrigasse o Recorrente a notificar os beneficiários dos apoios financeiros das falhas que estavam a cometer, como condição necessária à verificação do incumprimento por parte destes; de salientar que nem a Recorrida invoca quaisquer preceitos a esse respeito. Ademais, resulta de forma clara e inequívoca do Termo de Aceitação da Decisão assinado pela Autora, aqui Recorrida, o conhecimento que a mesma tinha da obrigatoriedade de proceder à entrega do “mapa referente ao ano civil que não tenha anteriormente sido apresentado até ao dia 20 de Janeiro do ano civil seguinte (…)” (cláusula V - V.b) do mesmo), dispondo, ainda, o mesmo Termo de Aceitação da Decisão que “As entidades ficam obrigadas à apresentação dos seguintes documentos e prazos:
(…)
V.c) Mapa relativo à totalidade do período de realização das acções que não tenha sido anteriormente apresentado, no prazo de 45 dias, após a conclusão do projecto, para apuramento do saldo final.”. Obrigação esta que a Autora também não cumpriu, pelo que, contrariamente ao alegado pela Recorrida, o Tribunal a quo não podia dar cobertura ao seu incumprimento injustificado.
Como bem assinala o Recorrente, a Autora, ao assinar o Termo de Aceitação da Decisão expressamente declarou que tinha perfeito conhecimento que “o incumprimento injustificado do preceituado e assumido no presente Termo de Aceitação e demais legislação aplicável, condicionará os respectivos pagamentos dos montantes aprovados, podendo os mesmos serem revistos e até revogados, dando lugar à sua restituição - aos quais serão acrescidos de juros de mora cobrados à taxa em vigor - e/ou à sua cobrança coerciva”.
De salientar que a própria Autora admite esse incumprimento na carta de resposta ao Recorrente datada de 18 de março de 2003 (doc. 4 junto à p.i.), onde a mesma dá conta dos motivos do seu incumprimento sustentando, nomeadamente, o seguinte:
“(…) o facto da nossa contabilidade ser realizada por uma empresa externa, e a periodicidade de entrega/recepção de documentos ter por base a liquidação do IVA, i.e., ser trimestral;
a sazonalidade do trabalho que desenvolvemos, a qual se traduziu num pico que abrangeu os últimos meses do ano de 2002 e Janeiro de 2003;
não termos recebido da Vossa parte qualquer alerta - telefone/fax/carta - para a importância do cumprimento deste prazo e as suas possíveis implicações, ao contrário do referido na V/ carta referência 0670.”, sendo que, através dessa comunicação feita pela aqui Recorrida ficou o Recorrente a saber dos motivos do incumprimento tendo daí concluído que os mesmos não o justificavam.
Ora, competia ao incumpridor provar que o incumprimento se justificava.
É que, como ensina o Prof. Antunes Varela em Obrigações 2ª ed. 2º, 97, aqui trazido pela parte recorrente, resulta do artº 799º do CC que o ónus da prova da ausência de culpa pertence ao devedor, incumbindo ao credor a prova do facto ilícito do não cumprimento, aplicando-se à responsabilidade contratual os critérios da fixação da inimputabilidade do artº 488º, o princípio de que a culpa se mede em abstracto (artº 487º/2), tendo como padrão a diligência típica do bom pai de família, incluindo a negligência não só a falta de diligência, a deficiência da vontade, mas também a falta de qualidades, aptidões ou de discernimento exigíveis ao devedor.
Sucede que os autos atestam que a Autora/Recorrida conhecia as condições em que foi aprovado o apoio financeiro, bem como as consequências legais decorrentes do incumprimento dessas condições, uma vez que foram por si aceites para efeitos de atribuição do mesmo.
Deste modo, sabendo a mesma que não entregou os documentos comprovativos dentro dos prazos a que estava contratualmente obrigada, só se pode concluir como o fez o Recorrente, que a conduta da aqui Recorrida é culposa, uma vez que esta não demonstrou que o incumprimento em que incorreu não procede de factos que não lhe podem ser imputados.
Pelo que, não é a referida carta nem o facto de eventualmente o Recorrente não ter alertado a Autora para a importância do cumprimento do prazo e as suas possíveis implicações que pode justificar o incumprimento nem obstar à recusa do pagamento das verbas em questão.
Não pode, pois, manter-se na ordem jurídica a sentença recorrida que partiu erradamente do entendimento de que não assistia ao Réu/Recorrente o direito a decidir o incumprimento em causa e de recusar os pagamentos em apreço à Autora sem previamente a notificar das suas falhas por estar legalmente impedido de proceder a essa recusa de forma “automática”, quando o Termo de Aceitação expressamente determina que o incumprimento injustificado de qualquer das obrigações estabelecidas - sendo uma delas o cumprimento dos prazos - conferia ao Recorrente o direito de decidir sobre o pagamento dos montantes aprovados podendo mesmo revê-los e até revogá-los.
Termos em que, conforme alegado, a sentença recorrida não fez a melhor leitura e aplicação dos normativos legais aplicáveis.
Procedem, pois, as conclusões da alegação, mormente a de que a candidatura à concessão dos apoios financeiros a que a Autora concorreu obedecia a regras e/ou condicionalismos legais previamente definidos, insusceptíveis na sua matriz, de qualquer desvio, sob pena de o Recorrente estar a violar um outro princípio geral de actuação, a saber: o princípio da igualdade(1), por existência de eventual tratamento diferenciado entre as demais candidaturas apresentadas e aprovadas.

DECISÃO
Pelo exposto, concede-se provimento ao recurso, revoga-se a decisão sob escrutínio e julga-se improcedente a acção.
Custas pela Recorrida.
Notifique e DN.

Porto, 16/12/2016
Ass.: Fernanda Brandão
Ass.: Frederico Branco
Ass.: Rogério Martins
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(1) Como é sabido, na definição aristotélica de igualdade, discernir casos similares e diferentes é crucial: só os casos iguais devem ser tratados de forma igual, devendo os casos diferentes ser tratados de forma desigual na proporção da sua diferença.
Como sublinham Gomes Canotilho e Vital Moreira, em Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., o princípio da igualdade "exige positivamente um tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes", o que se traduz, afinal, numa proibição do arbítrio. No mesmo sentido se afirma no Ac. do STA de 26/09/2007, proc. 1187/06, “o princípio da igualdade traduz-se numa proibição do arbítrio, impondo, na consideração das suas dimensões igualizante e diferenciante, um tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes".