Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01493/06.8BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/15/2018
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:MÉTODOS INDIRECTOS, PRESSUPOSTOS, ÓNUS DA PROVA, IMPOSSIBILIDADE DE DETERMINAÇÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL POR MÉTODOS DIRECTOS, FUNDAMENTAÇÃO, QUANTIFICAÇÃO
Sumário:
I - Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação (artigo 74.º, n.º 3 da LGT).
II - No domínio de utilização de métodos indirectos, a actuação da Administração Tributária não se limita à demonstração da ocorrência dos respectivos pressupostos, antes se lhe impõe que fundamente, ainda e também, os critérios de que venha a lançar mão na quantificação da matéria tributável. Contudo, do ponto de vista do erro na quantificação, as insuficiências no método são sempre substanciais, isto é, devem evidenciar um excesso de quantificação.
III - O “método presuntivo eleito” mostra-se racional e fundamentado em factos concretamente apurados, não estando a Administração Tributária impedida de a ele recorrer, pois que nada impede que a Administração conjugue vários dos “elementos” que o n.º 1 do artigo 90.º da LGT indica que “poderá ter em conta” na avaliação indirecta, pois que lhe cabe, dentro dos limites da lei, eleger o critério que repute mais adequado à determinação da matéria tributável, cabendo ao Tribunal verificar a sua correcta interpretação e aplicação em caso de litígio entre a Administração Tributária e o sujeito passivo.
IV - O n.º 4 do artigo 77.º da LGT determina que a decisão da tributação pelos métodos indirectos especificará os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directas e exacta da matéria tributável e bem assim indicará os critérios utilizados na avaliação da matéria tributável, exigências estas satisfatoriamente cumpridas no relatório de inspecção e na decisão do pedido de revisão, sendo claro e esclarecedor o motivo do recurso a tais métodos e bem assim o critério eleito para a avaliação indirecta e a forma como se determinaram os valores corrigidos.
V - Estando definitivamente decidido que, no caso, a Administração Tributária demonstrou a ocorrência dos necessários pressupostos legais à utilização de métodos indirectos, por um lado e, por outro, apresentando-se adequadamente fundamentados os critérios de que a Administração Tributária se serviu na tarefa de quantificação, era à impugnante que se impunha demonstrar que a utilização de tais critérios conduziu, sem margem para dúvidas fundamentadas, a um resultado final sem qualquer aderência à realidade, demonstração essa que não logrou fazer, sem olvidar que, mesmo a subsistir qualquer dúvida, o que se postula por comodidade de raciocínio, ela sempre teria de desfavorecer a recorrente. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:DG&I, Lda.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório
DG&I, Lda., melhor identificada nos autos, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, proferida em 12/09/2014, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IRC do ano de 2003 e respectivos juros compensatórios, no valor total de €6.514,59.
A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
1) Deve ser dado como provado, que não estão aos autos e consequentemente não existem os talões de venda.
2) Deve ser dado como provado, que o sistema informático, da impugnante, não trabalhava em Excel, e consequentemente as listagens juntas pela Administração Tributária podem ter sido manipuladas e adulteradas.
3) Deve ser dado como provado, por as testemunhas apresentadas pela impugnante, assim o terem expresso, que os montantes das listagens, sob a designação de talões de venda, eram “encomendas” de clientes.
4) Alterada a prova em conformidade, deve ser alterada de direito, a sentença.
5) Os talões de venda não existem e também não são de venda.
6) A sentença não explicitou e devia-o ter feito, se os motivos indicados pela Autoridade Tributária eram ou não causa, de per si, ou conjuntamente, para a conclusão e se no final impossibilitava ou não o recurso aos métodos diretos, o que constitui erro de julgamento por não ter especificado os fundamentos de facto e de direito da decisão, cf. Art.º 125.º do CPPT.
7) Todavia, existe falta de fundamentação, Art.º 77.º da LGT, na liquidação.
8) Pois, primeiro, não indica, a omissão de contabilização de outros custos inerentes à produção e comercialização das mercadorias vendidas;
9) Depois, quais as informações suficientes e credíveis, acerca da movimentação de meios monetários nas contas bancárias de Depósitos à Ordem, que faltava na contabilidade?
10) Quais os valores dos movimentos financeiros que não constam na contabilidade?
11) Em que medida os movimentos financeiros são elementos determinantes para determinar a matéria tributável, quando o lucro é determinado pela diferença entre proveitos e os custos?
12) Quais as informações suficientes e credíveis que permitem validar o rácio de rendibilidade fiscal declarado, para apurar o volume de negócios supostamente em falta?
13) As supostas omissões de volume de negócios, em 2003, foram determinadas por método direto ou por método indirecto?
14) Em que medida impossibilita a determinação direta e exata do rendimento?
15) Pelo que existe erro de julgamento, e a escrita comercial e fiscal deve manter a presunção de verdade, cf. Art.º 75.º da LGT.
16) Na quantificação, a AT aplicou um rácio de rendibilidade fiscal sem explicar se o mesmo era ou não aderente à recorrente.
17) Pelo que também nesta parte, existe vício de fundamentação, Art.º 77.º da LGT.
18) Finalmente, existiu preterição de formalidade legal, ao entregar uma cópia extraída dos ficheiros da Administração Tributária, quando devia ser dos ficheiros da recorrente, pois só assim se assegurava a fiabilidade e integralidade dos dados.
19) Não existem, quer os pressupostos, quer a impossibilidade, para a AT abrir mão dos métodos indirectos, cf. Art.º 75.º da LGT.
Nestes termos;
Deve a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que elimine o indeferimento liminar e que aprecie os vícios e erros alegados, com efeitos na anulação das liquidações impugnadas e com todas as consequências legais, para que assim se faça JUSTIÇA.”
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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa analisar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito ao decidir estarem verificados os pressupostos para aplicação de métodos indirectos e inexistir errónea quantificação da matéria tributável, ajuizando do alegado erro de julgamento da sentença recorrida quanto aos vícios do acto por falta de fundamentação e por preterição de formalidade legal.
III. Fundamentação
1. Matéria de facto
Da sentença prolatada em primeira instância, consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
3.1 Matéria de facto dada como provada.
Com base nos documentos juntos aos autos e no processo administrativo (PA) apenso, bem como na (a)posição das partes e nos depoimentos das testemunhas inquiridas, considera-se provada a seguinte matéria de facto, com relevância para a decisão:
1. A agora Impugnante, DG&I, LDA., nipa 50…47, tem como objecto social a “confecção de vestuário e comercialização do mesmo em mercados e feiras” – fls. 54/55 do PA;
2. Trata-se de uma empresa que produz principalmente vestuário de senhora, de gama média, que possui uma marca registada própria denominada – “OM…” – fls. 3 do Relatório, não impugnado, a fls. 28 do PA;
3. A confecção da roupa é feita maioritariamente a feitio, por subcontrato, sendo as matérias-primas adquiridas principalmente no mercado nacional - fls. 3 do Relatório, não impugnado, a fls. 28 do PA;
4. Nas instalações usadas pela Impugnante, em S..., encontram-se centralizados os escritórios, a criação de modelos de vestuário e uma pequena unidade fabril onde se procede ao corte das peças e se procede a alguma confecção, bem como um armazém para as matérias-primas usadas e para o produto acabado – fls. 3 do Relatório, não impugnado, a fls. 28 do PA;
5. Para a comercialização do vestuário produzido a agora Impugnante possui uma rede de armazéns de comércio por grosso: na Quinta M… (S…), no GC de V…C… (VNF…), no Centro GPF de A… (P…) e em AV…, e tinha ainda um ponto de venda na feira grossita de E… - fls. 3 do Relatório, não impugnado, a fls. 28 do PA;
6. As instalações usadas pela agora Impugnante são arrendadas - fls. 3 do Relatório, não impugnado, a fls. 28 do PA;
7. Relativamente às vendas efectuadas na sede, em S…, e nos armazéns de F…, S… e na feira de E… a agora Impugnante emite “talões de venda ao balcão”, além de outros documentos comerciais - fls. 5 do Relatório, a fls. 29 do PA;
8. Em 2/2/2005 a administração tributária recebeu uma carta, subscrita por denunciante identificado, segundo a qual:
“PELA PRESENTE VENHO EXPOR A V.EXª., OS SEGUINTES FACTOS, QUE INDICIAM E CLARAMENTE SÃO UMA CONTINUADA FUGA AO FISCO, POR PARTE DA FIRMA DG&I LDA, CONTRIBUINTE N° 5…47, COM SEDE EM: RUA P…, 4505-645 S…, COM VÁRIOS ARMAZÉNS DE REVENDA, NOMEADAMENTE O ARMAZÉM N° 3, SITUADO NO G… EM M… - VC… — 4760-762 VNF…, E VÁRIOS LOCAIS DE REVENDA NOMEADAMENTE NA FEIRA DE REVENDA DE E… ONDE SE ENCONTRAM SEMANALMENTE, COM PELO MENOS 2 LOCAIS DE REVENDA.
1— A REFERIDA FIRMA, QUE SE DEDICA À CONFECÇÃO E REVENDA DE VESTUÁRIO, POSSUI, NA LOJA DO G… E POR PRESSUPOSTO EM TODAS AS OUTRAS E LOGICAMENTE NA SUA SEDE, UM SISTEMA INFORMÁTICO, COM DUAS BASES DE DADOS.
2— NUMA BASE DE DADOS, SÃO INSERIDOS E MOVIMENTADOS OS VALORES REAIS, NOMEADAMENTE ENTRADA DE STOCKS, E VENDAS A CLIENTES, SENDO ESTAS VENDAS EFECTUADAS ATRAVÉS DA EMISSÃO DE TALÕES SEM IDENTIFICAÇÃO DA FIRMA FORNECEDORA (ARTIGOS QUE NÃO SERÃO TIDOS EM CONTA EM TERMOS CONTABILÍSTICOS), RESIDINDO AQUI A FUGA AO FISCO.
3- NA OUTRA BASE DE DADOS, FUNCIONA A PARTE VISÍVEL DOS MOVIMENTOS, E DA QUAL SÃO EMITIDAS AS VENDAS, CONSOANTE O INTERESSE DO CLIENTE E, NO CASO DO CLIENTE ESTAR INTERESSADO EM FACTURA. DE CONTRARIO, NÃO SERÁ EMITIDA FACTURA, SENDO O VALOR DO IVA, JÁ INCLUÍDO NO PREÇO, DESTINADO AO “SACO AZUL”.
4- RESULTAM DAQUI, DOIS FACTOS:
A)-POR UM LADO UMA FUGA GENERALIZADA, QUE RONDARÁ SEM EXAGEROS, OS 70% (SÓ NA LOJA DO G…).
B)-POR OUTRO LADO, UMA AUTÊNTICA BURLA AOS CLIENTES QUE POR NÃO QUEREREM FACTURA DÃO ORIGEM A QUE ESTA EMPRESA, META NO " SACO AZUL " OS 19% DO IVA QUE COBROU APESAR DE NÃO TER FACTURADO.
5- DE REFERIR QUE, NA LOJA DO G… EXISTEM DUAS IMPRESSORAS (UMA PARA A FACTURAÇÃO LEGAL E UMA OUTRA PARA A EMISSÃO DOS TALÕES).
6- ESTA PRÁTICA CONTINUADA DE FUGA AO FISCO, RESULTA NUM ENRIQUECIMENTO À CUSTA DA FUGA DELIBERADA AOS DEVERES FISCAIS, QUE SERÃO FÁCEIS DE CONSTATAR, BASTANDO PARA TAL UMA VISITA A UM DOS VÁRIOS PONTOS DE VENDA DESTA FIRMA.
SENDO ESTA UMA PEQUENA AMOSTRAGEM, ESTOU CERTO DE QUE A FUGA AOS IMPOSTOS (IVA E IRC) SERÁ MUITO VASTA E MERECERÁ DA PARTE DE V.EXªS., UMA RIGOROSA INVESTIGAÇÃO.
PERANTE TODOS ESTES ELEMENTOS, JULGO ESTARMOS PERANTE UM AUTÊNTICO CRIME FISCAL, QUE MERECERÁ DE V.EXªS, CERTAMENTE UMA FISCALIZAÇÃO EXAUSTIVA.” - fls. 506 do PA;
9. Ao abrigo da ordem de serviço nº OI200501015, de 24/5/2005, a administração tributária levou a cabo acção de inspecção à actividade da agora Impugnante, visando os anos de 2003 e 2004 e abrangendo as obrigações de IVA e IRC – Relatório de fls. 26 a 33 do PA;
10. No âmbito dessa inspecção, a administração tributária teve acesso aos dados constantes no sistema informático da agora Impugnante, relativos ao programa de gestão comercial designado “Gespos”, de que fez cópias e entregou uma delas à Impugnante – Anexo 9 do Relatório, a fls. 275 do PA;
11. Pelo ofício nº 8317582, de 19/8/2005, da Direcção de Finanças de Aveiro, enviado sob registo postal nº RO077962345PT de 23/8/2005, a administração tributária remeteu à agora Impugnante cópia do projecto de Relatório da inspecção e notificação para exercer direito de audição – fls. 493 a 497 do PA;
12. Com data de 16/9/2005 foi elaborado Relatório final da inspecção, no qual se relatam os factos em que assentou a decisão de proceder à correcção da matéria tributável do IRC do ano 2003, com recurso à aplicação de métodos indirectos, no montante de € 18.808,94 – Relatório de fls. 26 a 33 do PA;
13. Com base na comparação entre os dados registados na contabilidade e os dados constantes dos ficheiros do programa “Gespos” verifica-se que, relativamente ao ano 2003, a agora Impugnante emitiu “talões de venda ao balcão” na sede (S…) e nos armazéns de F…, S… e na feira de E…, no valor de €602.850,78 (acrescido de IVA à taxa legal), e que esses talões de venda não se encontram registados na sua contabilidade - fls. 5 e 10 e anexo 7 do Relatório, a fls. 29, 45 e 145 a 211 do PA;
14. Consta do ficheiro do programa “Gespos” acima aludido que a cada venda ao balcão corresponde um documento identificado por código do tipo “VB/20..” e indicação do respectivo meio de pagamento do valor recebido (“Dinheiro”) – anexo 7 do Relatório de fls. 145 a 211 do PA;
15. A administração tributária notificou a agora Impugnante para apresentar os seguintes elementos: talões de venda ao balcão emitidos informaticamente durante os anos de 2003 e 2004 nos estabelecimentos da sede em S..., F..., SC...e nas feiras; guias de transporte e guias de remessa emitidas informaticamente durante os anos 2003 e 2004; documentos comprovativos de “outros custos” suportados pelo sujeito passivo durante os anos 2003 e 2004 que não tenham sido registados e declarados para a prossecução das vendas omitidas segundo resulta dos talões de venda ao balcão não registados; fotocópia dos extractos bancários de todas as contas da sociedade inspeccionada relativos aos anos 2003 e 2004; autorizar ou facultar a consulta da documentação que originou os movimentos das contas bancárias antes referidas – anexo 13 do Relatório, a fls. 284 e 285 do PA;
16. A Impugnante respondeu que não tem os referidos talões nem as guias de transporte e de remessa, que não pode apresentar outros custos porquanto não recorda a identificação dos fornecedores, juntou cópias dos extractos de contas bancárias relativos ao ano 2004 mas solicitou uma derrogação do prazo para a apresentação do extractos do ano 2003 e declarou entender “não ser necessária a autorização/consulta dos cheques e depósitos efectuados, porquanto como apresentamos os extractos bancários e temos contabilidade organizada, cremos ser fácil a verificação respectiva” – fls. 285 do PA;
17. Posteriormente, a agora Impugnante apresentou à administração tributária extractos bancários de uma conta de depósitos à ordem na Caixa Geral de Depósitos - Fiães, com o nº 21…30, utilizada para alguns movimentos financeiros nos anos 2003 e 2004 que não se encontram evidenciados na contabilidade – anexos 15 a 17 do Relatório, de fls. 286 a 457 do PA;
18. Por desconhecer o valor dos custos, que não estavam registados na contabilidade, imprescindíveis à obtenção do rendimento correspondente às vendas efectuadas através dos talões de venda cujo registo foi omitido à contabilidade, a administração ficou impossibilitada de determinar directa e exactamente o valor da matéria tributável real do IRC do ano 2003 – presunção judicial assente em regras de experiência comum;
19. Para correcção do resultado fiscal declarado em 2003 (€16.020,69) a administração tributária usou a “margem de rentabilidade fiscal sobre as vendas” inerente a esse resultado, de 3,12%, e apurou o resultado fiscal estimado de € 34.829,63 – fls. 12 do Relatório, a fls. 32-verso do PA;
20. Notificada do Relatório final, a agora Impugnante requereu a abertura do procedimento de revisão da matéria tributável do IRC de 2003 apurada através de métodos indirectos e em 30/1/2006 realizou-se a reunião de peritos das partes sem que tivesse sido alcançado acordo entre eles, tendo o procedimento sido decidido através do “termo de resolução (artº 92º, nº 6, da Lei Geral Tributária – LGT)” de 5/5/2006, na qual o Director de Finanças de Aveiro resolveu, com base no “parecer” anexo, “manter os valores inicialmente fixados” no Relatório final da inspecção – fls. 4 a 13 e 34 a 101 do PA;
21. Pelo ofício nº 900232, de 22/5/2006, da Direcção de Finanças de Aveiro, enviado sob registo postal cujo aviso de recepção foi assinado em 23/5/2005 – fls. 34-verso do PA;
22. Em 24/5/2006 a administração tributária procedeu à liquidação de IRC de 2003 com o nº 8310033430, na qual, alterando a matéria colectável de € 16.020,69 para € 34.829,63, apurou IRC a pagar adicionalmente no montante de € 3.959,76, a que acresce Derrama no montante de € 1.044,89 e juros compensatório no montante de € 307,63, no total de € 5.312,28 – fls. 15 dos autos;
23. Em 7/6/2006 a administração tributária procedeu à demonstração da liquidação dos juros compensatórios, indicando o período de tributação e o documento base, o nº da liquidação, valor base, período de incidência de juros, taxa e valor calculado – fls. 17 dos autos;
24. Em 7/6/2006 a administração tributária procedeu à demonstração do acerto de contas relativo à compensação nº 2006 00000902059 ao IRC de 2003, na qual se apurou o montante global a pagar, até 17/7/2006, de € 6.514,59 – fls. 16 dos autos;
25. Em 4/10/2006 deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu a petição inicial da presente impugnação – fls. 2 e 3 dos autos;
3.2 Matéria de facto dada como não provada:
Com relevância para a boa decisão das questões a apreciar consideram-se não provados os seguintes factos:
1. Na época a que se refere a inspecção, a agora Impugnante não emitia “talões de venda” relativos a vendas efectuadas nos seus armazéns grossitas - facto não mencionado nos articulados mas sustentado pelas testemunhas arroladas pela Impugnante;
2. A listagem em excel relativa aos documentos reputados como “talões de venda” refere-se, na realidade, a notas de encomenda que não se concretizaram integralmente em vendas e aquelas que se concretizaram em vendas encontram-se registadas na contabilidade ao abrigo de facturas ou outros documentos equivalentes – facto não mencionado nos articulados mas sustentado pelas testemunhas arroladas pela Impugnante;
3. Os dados da listagem de excel, a que se refere o anexo 7 do Relatório, relativa aos documentos reputados como “talões de venda” divergem dos dados constantes do exemplar da cópia efectuada pela administração tributária a partir dos computadores da Impugnante e entregue a esta nos termos do auto de ocorrência que consta do anexo 9 do Relatório, a fls. 275 do PA – artigos 25 e 26 da p.i.;
4 – Motivação de facto
No essencial, a convicção do tribunal teve por base o confronto das posições das partes assumidas nos respectivos articulados e a análise global dos documentos juntos aos autos e ao processo administrativo que, por não estarem impugnados, se dão como integralmente reproduzidos.
Além disso, o Tribunal deu como não provada a tese sustentada pelas testemunhas arroladas pela Impugnante, segundo a qual os elementos que a administração tributária (AT) qualifica como “talões de venda ao balcão”, não registados na contabilidade, referem-se a notas de encomenda que não traduzem necessariamente correspondentes vendas (factos 1 e 2 de 3.2 supra).
Do conjunto da prova carreada para os autos resultou a convicção de que a Impugnante produz e vende roupa diversa, maioritariamente de senhora, tendo, para isso, diversos pontos de venda, a retalho (feiras) e por grosso.
Nessa actividade usa um sistema informático de facturação e gestão comercial, designado “Gespos”, no qual consta que a Impugnante emitiu no ano em causa “talões de venda ao balcão”, relativas a vendas a consumidores finais que pagaram essas transacções em dinheiro corrente.
As vendas correspondentes a esses “talões”, ou melhor, os respectivos valores, não se encontram registados na contabilidade da Impugnante em contas adequadas de “proveitos” e não influíram na determinação do resultado fiscal de IRC do ano 2003.
A Impugnante aceita a inexistência de tal registo, mas defende que não existem tais talões.
As testemunhas inquiridas disseram inovatoriamente que a AT confundiu “encomendas” com vendas ao balcão.
Porém, os talões a que alude a AT não se confundem com notas de encomenda, como pretendem fazer crer as testemunhas arroladas pela Impugnante.
Por um lado, a base de dados informática em causa refere, para cada documento designado pelo código “VB/200..”, que logo remete para as iniciais de “Venda ao Balcão”, que o respectivo valor foi pago a “dinheiro”. Ora essa referência coerente com as vendas ao balcão e não com “notas de encomenda”. Além disso, confrontada com essa qualificação desde o projecto de Relatório (de Agosto de 2005 – facto 8 de 3.1 supra) nunca a agora Impugnante referiu que esses documentos não se referem a vendas mas a encomendas. Não informou nesse sentido o funcionário inspector (depoimento da terceira testemunha), não invocou tal circunstância em direito de audição antes do relatório final, não o disse no procedimento de revisão da matéria colectável e não o invocou na petição inicial da presente impugnação. Tal tese é usada, inovatoriamente, apenas em 2010, pelas testemunhas arroladas pela Impugnante, que não merecem qualquer credibilidade na medida em que existe o indicado desfasamento temporal, são ambas sócias da Impugnante e, portanto, têm manifesto interesse patrimonial directo no desfecho da acção, e ocorre a acima apontada incompatibilidade resultante da existência de pagamento em dinheiro.
Por outro lado, suscitada fundadamente essa questão pelos elementos trazidos aos autos pela AT, poderia e deveria a Impugnante ter exibido todos ou alguns (desde que representativos) documentos comprovativos das notas de encomenda feitas pelos seus clientes coincidentes com as informações constantes do aludido ficheiro reputado como “vendas ao balcão”. Essa inércia probatória, porque extremamente denunciadora, dada a titularidade do ónus e a facilidade e simplicidade do seu cumprimento, tem de ser valorada contra a Impugnante.
Finalmente, mas nada despiciendo, acresce que a versão dos factos relatados e documentados pela AT se ajusta perfeitamente aos factos denunciados por terceiro, estranho à Impugnante e à AT, conforme consta no facto 8 de 3.1 supra, e esta afronta directamente a versão das testemunhas da Impugnante.
Quanto a este assunto, notificada a agora Impugnante para fornecer ao funcionário inspector a cópia dos talões de vendas ao balcão, esta limitou-se a informar que “não temos os referidos talões”, nada mais acrescentando (factos 15 e 16 de 3.1 supra). E confrontada com a prova da eventual existência de outros custos não contabilizados inerentes às vendas ao balcão omitidas ao registo limitou-se a informar que “não pudemos apresentar outros custos, porquanto não recordamos a identificação dos fornecedores e outros” (idem). Ou seja, nessa altura (5/8/2008), a Impugnante não negou a existência de vendas ao balcão e respectivos custos referidos pela AT.
E agora, na presente impugnação, a Autora nega a existência de talões (17 e 21 da p.i.) mas não contradita a tese da AT, limitando-se a atribuir o ónus dessa prova à AT e a insinuar a falsidade do conteúdo da “relação desses supostos talões de venda” (25 a 32 da p.i.), que poderá, hipoteticamente, ter sido manipulado (supostamente, pela AT, com intenção de alterar a verdade dos factos).
Ora, a AT lavrou “auto de ocorrência” no qual consta que efectuou cópia dos ficheiros informáticos e entregou à Impugnante “CD” (compact disk) contendo cópia dos elementos retirados do computador encontrado na empresa inspeccionada (facto 10 de 3.1 supra).
A AT alega que a relação dos “talões de venda” foi retirada dos elementos constantes dessa cópia. Para provar que não é assim, se fosse o caso, bastaria a Impugnante remeter para a cópia do CD que a AT lhe entregou, conforme auto de ocorrência acima referido. Essa inércia probatória resolve-se, mais uma vez, contra a Impugnante.
Voltaremos ao assunto, quanto ao ónus da prova, no ponto seguinte, na fundamentação de direito.
Na determinação da matéria tributável corrigida, a AT confrontou-se com o desconhecimento dos custos inerentes à obtenção dos rendimentos correspondentes às vendas omitidas. Solicitou elementos informativos, os quais foram negados, como já se viu, com o seguinte fundamento: “não pudemos apresentar outros custos, porquanto não recordamos a identificação dos fornecedores e outros” (factos 15 e 16 de 3.1 supra).
Assim, não obstante ter elementos que permitiam fazer a correcção técnica dos proveitos de 2003, a AT viu-se compelida a estimar, com recurso a presunções, o valor dos custos inerentes à produção e comercialização dos bens cuja venda foi omitida à contabilidade, também ele omitido, e, em conformidade, recorreu a métodos indirectos de avaliação da matéria tributável do IRC do ano 2003.”
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2. O Direito
A Recorrente começa por solicitar a alteração do probatório, pretendendo aditar à decisão da matéria de facto a matéria vertida nas conclusões 1 a 3 das alegações de recurso:
1) Deve ser dado como provado que não estão nos autos e consequentemente não existem os talões de venda.
2) Deve ser dado como provado que o sistema informático, da impugnante, não trabalhava em Excel, e consequentemente as listagens juntas pela Administração Tributária podem ter sido manipuladas e adulteradas.
3) Deve ser dado como provado, por as testemunhas apresentadas pela impugnante assim o terem expresso, que os montantes das listagens, sob a designação de talões de venda, eram “encomendas” de clientes.
Quanto ao julgamento da matéria de facto, importa ter presente que o poder de cognição deste Tribunal sobre a matéria de facto ou controlo sobre a decisão de facto prolatada pelo tribunal “a quo” não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto – cfr. artigo 690.º-A do CPC, que regula esta matéria antes da alteração introduzida pelo D.L. n.º 303/07, de 24-08 (actual artigo 640.º a partir da Lei n.º 41/2013, de 26-06), porquanto, por um lado, tal possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados e desde que cumpra os pressupostos fixados no artigo 690º-A nºs 1 e 2 do CPC, e, por outro lado, o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade (vide sobre esta problemática A.S. Abrantes Geraldes in “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. II, págs. 250 e segs.).
Daí que sobre o recorrente impende um especial ónus de alegação quando pretenda efectuar impugnação com aquele âmbito mais vasto, impondo-se-lhe, por conseguinte, dar plena satisfação às regras previstas no artigo 690.º-A do CPC.
É que ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no artigo 712.º, n.º 1 do CPC, incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
Ora, como já ficou claro, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, o que significa que o recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão, sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida, sendo que a Recorrente, “in casu”, não cumpre com o referido ónus, pois que, embora indique nas suas alegações a matéria de facto que pretendia ver incluída no probatório e identifique os pontos dos factos não provados que estariam incorrectamente julgados (1 e 2), cumprindo desse modo o primeiro dos ónus que lhe é imposto na lei, já o mesmo não acontece quanto ao segundo ónus, uma vez que não indica para cada ponto concreto da matéria de facto os concretos elementos probatórios, sendo que a indicação dos meios probatórios é feita genericamente, remete para a ausência de documentos nos autos e para os depoimentos das testemunhas, sem os identificar um a um e sem os relacionar com cada um dos pontos da matéria de facto, de modo que, não tendo a Recorrente cumprido o determinado na norma citada, o recurso nesta parte é rejeitado, o que obsta a que este Tribunal proceda ao reexame de tal matéria de facto.
Mas, ainda assim, sempre se dirá que não é pelo facto de os talões de venda não estarem nos autos que se poderá concluir que os mesmos inexistem ou, também, diremos nós, que não tenham existido. Afigura-se-nos, por isso, adequada a factualidade vertida nos pontos 15 e 16 da decisão da matéria de facto, dado que perante a solicitação pela AT de apresentação dos talões de venda ao balcão, a Recorrente afirmou que não os tinha. Caberá ao tribunal retirar as ilações deste facto.
O mesmo diremos da eventualidade de as listagens juntas pela Administração Tributária poderem ter sido manipuladas e adulteradas; tratar-se-ia de uma conclusão de facto ou mesmo de um juízo de valor, insusceptível de ser levado ao probatório.
O recurso dirige-se ainda ao segmento decisório recorrido que apreciou de forma improcedente o vício de falta de fundamentação. Sustenta a Recorrente que o acto praticado padece de vício de violação de lei por falta de fundamentação, ficando-se sem saber por que foi aplicado um rácio de rendibilidade fiscal, sem explicar se o mesmo era ou não aderente à Recorrente.
Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 85.º da LGT a avaliação indirecta é uma forma subsidiária da avaliação directa de determinação do lucro tributário dos contribuintes, apenas podendo ser aplicada aquela primeira forma de avaliação nos casos expressamente previstos na lei e quando estejam reunidos os pressupostos legalmente estabelecidos para o efeito (cfr. artigo 81.º, n.º 1 da LGT).
O recurso a métodos indirectos de determinação da matéria colectável é uma ultima ratio, apenas podendo ser aplicado quando não seja possível que esta avaliação seja feita por via da avaliação directa, em conformidade com o princípio constitucional segundo o qual a tributação das empresas recai fundamentalmente sobre o seu rendimento real (cfr. artigo 104.º, n.º 2 da CRP).
Dito de outra forma, tendo a avaliação indirecta carácter subsidiário em relação à avaliação directa (cfr. artigo 85.º, n.º 1, da LGT) e excepcional (cfr. artigo 81º da LGT, n.º 1 da LGT), cabe à Administração Tributária (AT) a demonstração da verificação dos pressupostos do recurso à avaliação indirecta da matéria tributável, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação (cfr. artigo 74.º, n.º 3, da LGT) – vide, entre outros, o Acórdão do STA, de 17/03/2010, processo n.º 01211/09.
A Recorrente não se conforma com o método de avaliação indirecta da matéria tributável utilizado, questionando quais as informações suficientes e credíveis que permitem validar o rácio de rendibilidade fiscal declarado para apurar o volume de negócios supostamente em falta, não alcançando se essa rendibilidade fiscal se ajusta à sua realidade comercial e à sua actividade.
Assim, à fase dita qualitativa sucede uma outra fase, a de quantificação, designada deste modo por se reportar à escolha de um método de quantificação da matéria colectável, bem como à demonstração dos resultados correspondentes.
Nesta sede de avaliação indirecta, o ónus da AT não se consome na necessidade do elencar, e provar, das razões que lhe subjazem, enquanto conduta vinculada que lhe está imposta. Na realidade, o ónus que impende sobre a AT, em tais casos, para além do da demonstração dos necessários e legais pressupostos do recurso à avaliação indirecta, exige, ainda e também, que, simultânea e complementarmente, fundamente adequada e criteriosamente as circunstâncias em que faça suportar a matéria tributável que, no uso daqueles, vier a quantificar.
Efectivamente, sendo embora, em tais casos, opção do legislador abdicar de um grau de certeza na tributação, por falta de colaboração do contribuinte, como única solução de evitar a evasão fiscal e de fazer repartir, na medida do possível, a carga fiscal entre todos que revistam, casuisticamente, a qualidade de sujeitos passivos, não deixa, a actuação da AT, neste domínio, no entanto, de ter como baliza o princípio de que a metodologia em causa há-de permitir alcançar, na medida do possível, a tributação daquele pelo seu lucro real/efectivo.
Apelando, à jurisprudência do TCA Sul, nomeadamente, do acórdão de 18/06/2002, proferido no âmbito do recurso n.º 6.388/02 - ainda que por reporte ao artigo 81.º do CPT, mas com aplicabilidade ao preceituado no artigo 84.º/3 da LGT - “(...) cabendo à AF o ónus de provar os pressupostos da tributação por métodos indiciários, é a ela que cumpre demonstrar que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, competindo-lhe, por isso, especificar os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria colectável e indicar os critérios utilizados na sua determinação, fazendo assentar o volume da matéria colectável presumida em dados objectivos, racionais e fundamentados, aptos a inferir os factos tributários [...].
Na verdade, tendo a determinação da matéria tributável por métodos indiciários de ser feita por aproximação à realidade que se procura apurar, é necessário que se demonstre que teve por suporte elementos de facto possíveis e prováveis, extraídos de parâmetros gerais e comuns, adequados à situação. E, por isso, a AF tem de utilizar elementos de facto conhecidos que, segundo as regras da experiência, pautadas por critérios de razoabilidade e de normalidade e tendo em linha de conta as especificidades próprias da actividade do contribuinte, conduzam à extrapolação dos factos conhecidos ou à aproximação da realidade que se procura alcançar.
A AF tem, assim, de indicar e justificar os critérios que utiliza na determinação da matéria tributável por métodos indiciários, por forma a que o contribuinte deles fique ciente e apto a discutir a valorimetria aplicada, isto é, para que possa provar que os critérios utilizados são desadequados e/ou inadmissíveis para a sua actividade, que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada. (…)” Permitindo, assim, extrapolar uma adequada ponderação da decisão.
Só, então, passará a caber ao contribuinte, e como acima referido, demonstrar a falta de aderência à realidade da matéria colectável que veio a ser fixada, e sendo caso disso, a medida em que tal sucedeu, sob pena de a dúvida sobre tal matéria se ter de revelar desfavorável à sua pretensão, já que, como é axiomático a sua existência não será, então, mais do que o resultado de uma conduta violadora do princípio da colaboração, que lhe está imposto, com transparência e verdade e que, nessa medida, a tornam infundada – cfr., no mesmo sentido, o acórdão do TCA Sul, de 15/07/2009, proferido no âmbito do processo n.º 02834/09, e o acórdão do TCA Norte, de 11/06/2013, no processo n.º 6122/12.
Reiterando esta ideia de fundamentação subjacente ao presente recurso, por facilidade, passamos a transcrever parcialmente o acórdão do TCA Sul, de 16/03/2010, proferido no âmbito do processo n.º 3543/09:
“(…) Isto porque, como acima se deixou dito, a actuação da AF não se pode ficar pela demonstração da ocorrência dos pressupostos legitimadores do recurso à metodologia indiciária, antes se lhe impõe, ainda e também, que, desde logo do ponto de vista substancial, fundamente os critérios de que venha a lançar mão naquela tarefa de quantificação se apresentem como os mais adequados ao alcançar da matéria tributável mais próxima da realidade, sem embargo de, o que se vem de dizer, não invalidar que, nesta matéria mas a jusante, ser sobre o contribuinte que recai um ónus de prova positivo de que a matéria tributável fixada pela AT não tem aderência à efectivamente verificada. (…)”
A avaliação indirecta propriamente dita integra a escolha de um dos métodos de quantificação enunciados no artigo 90.º, n.º 1, da LGT ou outro que, em concreto, se revele mais adequado a uma efectiva aproximação à verdadeira situação tributária do sujeito passivo. Entendemos, portanto, que os factores quantitativos propostos naquele normativo não têm carácter taxativo, pois ali se diz que a determinação da matéria tributável por métodos indirectos «poderá» ter em conta aqueles elementos, e não que «só poderá» ter em conta aqueles elementos. Por outro lado, a própria finalidade da tributação indirecta explica a não taxatividade dos critérios: se o objectivo é a maior aproximação possível à verdade fiscal daquele contribuinte e existe um método que se revele, em concreto, mais adequado a viabilizar essa aproximação, deverá ser esse o método a utilizar pela A.T., ainda que não conste do elenco do artigo 90.º da LGT.
O erro sobre a escolha do método de quantificação ou sobre a sua aplicação que conduza a um excesso de quantificação pode gerar, portanto, o vício de violação de lei, por erro na quantificação.
No entanto, e como tem sido entendido, de forma uniforme, pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, do ponto de vista do erro na quantificação, as insuficiências no método são sempre substanciais, isto é, devem evidenciar um excesso de quantificação. Dito de outro modo: não é pelo facto de no método de quantificação não se levar em conta este ou aquele item que fica demonstrado o erro na quantificação, a não ser que resulte daí ipso facto que os resultados apurados sejam excessivos.
Importa, por isso, que o sujeito passivo venha ao processo demonstrar a interferência sensível destes factores no resultado da quantificação.
Não bastará, assim, alegar a ininteligibilidade do método de quantificação adoptado ou que a AT não utilizou todos os dados ao seu dispor para alcançar a tributação real ou mais próxima da realidade económica, importando que se demonstre que a AT podia ter ido mais longe e reduzido, por alguma forma, a margem de erro que estas formas de avaliação sempre comportam. Isto porque, sabendo-se as dificuldades objectivas que sempre são encontradas pela AT nesta quantificação, há necessidade, tão-só, de uma aproximação feita através de elementos possíveis e prováveis, ou seja, aceita-se um juízo de probabilidade em substituição do convencimento sobre a respectiva realidade.
No caso sub judice, como referimos, está em causa a fundamentação da decisão de tributação por métodos indirectos.
O artigo 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa dispõe que os actos administrativos carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos.
O artigo 77.º, n.º 1 da LGT determina que a fundamentação deve consistir, no mínimo, numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão, ou numa declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas.
Por força do n.º 2 do mesmo artigo, a fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
O artigo 125.º, n.º 1 do CPA determina que a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão, neste caso, parte integrante do respectivo acto, equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
Ora, é sabido que a consagração constitucional deste dever de fundamentação expressa, integrado nas chamadas garantias dos administrados, tem em vista assegurar a quem seja afectado nos seus direitos ou interesses, o direito de conhecer as razões que terão determinado a adopção da decisão administrativa que lhe diz respeito.
A jurisprudência e a doutrina têm consagrado o entendimento de que um acto se encontra suficientemente fundamentado quando dele é possível extrair qual o percurso cognoscitivo seguido pelo agente para a sua prática – cfr., entre muitos outros, o acórdão do STA, de 23/05/2012, proferido no âmbito do recurso n.º 0870/11. Ponto é, portanto, que a fundamentação responda, às necessidades de esclarecimento do contribuinte, informando-o do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto de liquidação, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática.
Acresce transcrever o julgado no acórdão do STA, de 11/12/2007, no âmbito do recurso n.º 615/04, «(…) o grau de fundamentação há-de ser o adequado ao tipo concreto do acto e das circunstâncias em que o mesmo foi praticado, de molde a satisfazer a divergência existente entre a posição da Administração Fiscal e a do contribuinte».
E, o vício da falta de fundamentação dos actos administrativos, como vem sendo salientado pela doutrina e pela jurisprudência, é de natureza formal e não substancial, enfermando o acto de falta ou insuficiência de fundamentação quando não externa de modo claro, suficiente e congruente, as razões de facto e de direito que o determinaram e o seu sentido decisório.
Do que prescreve o artigo 77.º, n.º 1 da LGT decorre que a fundamentação do acto tributário pode basear-se em várias peças do processo administrativo; posto é que elas sejam expressamente identificadas.
No caso dos autos, fundamentam-se as liquidações de IRC no relatório de inspecção tributária e na decisão do pedido de revisão, referidos nos pontos 12 a 20 do probatório, os quais, a nosso ver, preenchem as exigências legais de fundamentação, sendo perceptível para qualquer leitor do mesmo quais foram as razões das correcções efectuadas.
A sentença recorrida considerou justificado o recurso à avaliação indirecta nos seguintes termos:
“(…) A Impugnante começa por alegar que a AT deveria ter indicado os motivos da impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável (artigos 1 a 7, 41 a 44 da p.i.), vício que também inquina o acto de liquidação (artigos 62 a 74 p.i.).
Na verdade, basta analisar o Relatório para verificar que o texto fundamentador indica claramente que o facto que, da perspectiva formal, justificou a necessidade incontornável de aplicar métodos indirectos consiste no reconhecimento da existência de outros custos inerentes à produção e comercialização das mercadorias vendidas ao abrigo dos “talões de venda ao balcão”, cujos proveitos foram omitidos ao registo contabilístico, e que a AT não conseguiu determinar directa e exactamente o valor desses custos, mesmo depois de notificar a agora Impugnante para que esta fornecesse os elementos indispensáveis à correcção técnica.
Dispensa qualquer prova a evidência de que sendo o resultado fiscal um valor que depende da diferença entre o valor dos proveitos sujeitos a imposto e dos respectivos custos dedutíveis (artigo 17º do CIRC), a impossibilidade de determinação directa e exacta de algum deles implica necessariamente que a matéria colectável terá de ser apurada com recurso a métodos indirectos.
Neste caso, a AT (não se discute, por ora, se o fez mal ou bem) entendeu fundadamente que terão existido custos não contabilizados cujo valor se mostrou impossível de determinar directa e exactamente.
Pelo que, nesta parte, não se reconhece o invocado vício da fundamentação formal.
Acresce que a Impugnante alega que a acta do procedimento de revisão da matéria tributável não se encontra fundamentada porque não permite uma justa reconstituição do itinerário valorativo da quantificação e o perito da AT não levou em conta os argumentos do perito da Impugnante (artigos 78 a 83 p.i.).
No entanto, o procedimento de revisão, tal como está configurado pelos artigos 91º e 92º da Lei Geral Tributária (LGT) tem natureza paritária e traduz-se num debate contraditório em igualdade de partes. O perito da AT apenas tem a responsabilidade adicional de “conduzir” o procedimento (isto é, de promover o agendamento das reuniões necessárias e elaboração da respectiva acta) – nº 2 do artigo 92º da LGT.
Por isso, a reunião de peritos e a respectiva acta não são imputáveis exclusivamente à AT; são actos conjuntos das partes intervenientes. A acta é o documento escrito no qual se faz registo sintético, mas tão fiel quanto possível, das ocorrências verificadas durante as reuniões. Não traduzindo um “acto administrativo”, um acto unilateral contendo uma decisão autoritária da administração (artigo 120º do CPA), a acta da reunião de peritos não é susceptível de padecer do vício de fundamentação, já que esta apenas é exigível aos actos administrativos (artigo 77º do CPPT).
De qualquer modo, a Impugnante não concretiza qualquer facto ocorrido na reunião que não esteja referido na acta.
Pelo que improcede, nesta parte, o vício invocado. (…)”
Confirma integralmente este tribunal o assim decidido.
Por outro lado, mostra-se concretizado o modo de determinação da matéria colectável, identificando o critério utilizado, especificando e demonstrando a forma do respectivo cálculo (cfr. ponto V do relatório final de inspecção tributária).
Determina o n.º 4 do artigo 77.º da LGT, para o que aqui importa, que a decisão da tributação pelos métodos indirectos especificará os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directas e exacta da matéria tributável e bem assim indicará os critérios utilizados na avaliação da matéria tributável, exigências estas satisfatoriamente cumpridas no relatório de inspecção, sendo claro e esclarecedor o motivo do recurso a tais métodos (cfr. o ponto IV do relatório inspectivo) e bem assim o critério eleito para a avaliação indirecta e a forma como se determinaram os valores corrigidos (cfr. o ponto V do referido relatório).
Continua a sentença recorrida quanto ao vício de falta de fundamentação da seguinte forma:
“(…) Prossegue a Impugnante alegando que o Relatório não indica as razões que justificam o recurso ao rácio de rentabilidade fiscal já que é irracional e contraditório coligir-se a rendibilidade fiscal declarada ao volume de negócios supostamente em falta (artigos 88 a 93 da p.i.).
De facto, resulta claramente do Relatório que, na falta de elementos que permitissem o cálculo exacto e directo dos custos inerentes às “vendas ao balcão” omitidas à contabilidade, a AT determinou a taxa de rentabilidade fiscal sobre as vendas declaradas (como a Impugnante bem sabe ou tem obrigação de saber: Rentabilidade fiscal = Lucro tributável/Volume Vendas). Ou seja, a AT partiu dos elementos declarados e apurou o quociente entre o resultado fiscal declarado (€ 16.020,69) e o valor das vendas declaradas (€ 513.976,01), pelo que, por simples operação aritmética, concluiu que a taxa de rentabilidade fiscal implícita na declaração do contribuinte é igual a 3,12%.
Ora, na falta de outro critério apropriado, afigura-se que é razoável e adequado presumir, como fez a AT, que se as vendas declaradas tiveram uma taxa de rentabilidade fiscal de 3,12% também terá sido essa a taxa obtida com as vendas consideradas omitidas à contabilidade.
É isso mesmo que consta clara, expressa e sucintamente no ponto V.1.1, a pág. 12 do Relatório e fls. 32 verso do PA.
Por isso, ao aplicar essa taxa ao valor previamente determinado das vendas consideradas omitidas a AT não violou o dever de fundamentação formal, uma vez que não se reconhece a apontada incongruência ou irracionalidade.
Ainda sem prescindir, a Impugnante alega que desconhece as bases por onde a AT considerou que os supostos factos mencionados nas relações de “talões de venda ao balcão” já continham o IVA incluído (artigos 94 a 96 p.i.).
Ora, se a AT demonstra, através do anexo 7 do Relatório que o valor das vendas efectuadas através dos aludidos “talões de venda ao balcão”, relativas ao ano 2003, somam a quantia total de € 717.392,42, só é possível concluir que esse valor de venda já inclui o IVA à taxa legal, pelo que o valor líquido da base tributável é €602.850,78 (facto 13 de 3.1), conforme resulta da fórmula: base tributável = valor das vendas/ 100 + taxa do IVA, conforme resulta do artigo 49º do CIVA. Ou seja: 717.392,42/ 119% = 602.850,78.
Se assim não fosse, a tributação teria de incidir sobre € 717.392,42, em vez de incidir sobre € 602.850,78 como pretende a AT. Nessa tese, que se subentende na argumentação da Impugnante, deveria haver aumento de tributação relativamente ao valor agora impugnado, que pecaria por defeito.
Ora, a liquidação não pode ser impugnada com fundamento em erro por defeito, já que a Impugnante teria falta de interesse em agir nesse sentido.
Uma vez que, em face do exposto, não havia outra alternativa senão concluir como concluiu a AT, entende-se que também nesta parte não ocorre o vício invocado pela Impugnante. (…)”
Reiteramos que, do ponto de vista formal, a decisão impugnada, tendo em conta tudo o que expusemos supra, não enferma do vício de falta de fundamentação.
Vejamos, contudo, a abordagem efectuada na sentença recorrida do ponto de vista substancial, quanto ao recurso a métodos indirectos:
“(…) A Impugnante alega que a decisão impugnante incorre em erro sobre os pressupostos de facto ou direito, de que resultou erro na determinação, qualificação e quantificação da matéria colectável fixada por métodos indirectos e na determinação do imposto (artigos 34 a 40, 52 a 58 e, 85 a 87 da p.i.).
A Impugnante começa por alegar que desconhece quais os movimentos financeiros terão sido omitidos à contabilidade e qual a sua relevância para o apuramento da matéria tributável, e sustenta que a AT poderia ter efectuado meras correcções técnicas já que conhecia o valor exacto das vendas supostamente omitidas.
De facto, da simples análise do Relatório (pág. 11 e 12) verifica-se que ali consta que “conforme já foi relatado nos pontos anteriores, o sujeito passivo omitiu (ao registo contabilístico dos proveitos) vendas de produtos nos anos de 2003 e 2004…”, que foram solicitados os comprovativos dos custos inerentes a esses proveitos e que a Impugnante disse não os poder apresentar por não se recordar da identificação dos fornecedores e que “Ainda, através da análise da contabilidade do sujeito passivo nos anos de 2003 e 2004, verifica-se, como já foi referido no ponto III.1., que não constam registos de contas bancárias de Depósitos à Ordem, apesar de terem sido verificados documentos constantes na contabilidade comprovativos da utilização de contas bancárias, nomeadamente pagamentos por cheque, transferências e recebimentos por multibanco (Anexo 18), tendo ainda sido obtidas cópias dos extractos bancários de uma conta de depósitos à ordem da Caixa Geral de Depósitos utilizada nesses anos (ver Anexo 15).
Por este facto, verifica-se também que a contabilidade não reflecte todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo, nomeadamente no que se refere aos movimentos financeiros.
Apesar do sujeito passivo ter sido notificado para apresentar diversos documentos imprescindíveis para o apuramento do seu lucro tributável real (ver Anexos 13,14 e 16), apenas foram apresentados os extractos bancários de 2003 e 2004.
Do exposto, verifica-se assim a impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria tributável nos termos da alínea a) do n i do artigo 88° da Lei Geral Tributária (LGT), devido à insuficiência d e elementos de contabilidade (…)”.
Como sobressai das afirmações transcritas (com sublinhado nosso), qualquer destinatário normal, colocado na concreta circunstância da agora Impugnante, tem elementos mais do que suficientes para perceber qual o sentido e relevância dessa omissão.
O que a AT afirma, em rigor, é o seguinte: a sociedade inspeccionada omitiu o registo contabilístico de vendas (efectuadas ao abrigo de “talões de venda ao balcão”), cujo valor exacto foi apurado com base em elementos constantes (recolhidos/copiados) no computador da agora Impugnante; no entanto, existem custos inerentes a esses proveitos, também eles omitidos à contabilidade, cujo valor é impossível de determinar exactamente. Além disso, a AT verificou “ainda que não constam registos de contas bancárias de Depósitos à Ordem, apesar de terem sido verificados documentos constantes na contabilidade comprovativos da utilização de contas bancárias, nomeadamente pagamentos por cheque, transferências e recebimentos por multibanco (Anexo 18), tendo ainda sido obtidas cópias dos extractos bancários de uma conta de depósitos à ordem da Caixa Geral de Depósitos utilizada nesses anos (ver Anexo 15)”, o que confirma que existem irregularidades contabilísticas, do ponto de vista dos registos de operações financeiras (que se sabe terem existido), que inviabilizam a aferição do quantum dos proveitos e dos custos omitidos.
Ora, claramente, tudo isso releva para a invocada “impossibilidade” de determinação directa e exacta da determinação da matéria tributável (uma vez que esta consiste, grosso modo, na diferença entre os proveitos e os custos). O que justifica o recurso a métodos indirectos de avaliação.
Uma vez que a AT estava impossibilitada de conhecer o valor dos custos, o que é manifesto e não está concretamente impugnado, tem de se reconhecer é correcta, lógica e fundamentada a decisão administrativa de proceder à determinação da matéria tributável, em vez de meras correcções técnicas referidas pela Impugnante.
Prossegue a Impugnante sustentando que a AT não cumpriu o ónus da prova da falta de credibilidade dos elementos contabilísticos inspeccionados já que o seu raciocínio não levou em conta “as situações particulares em que a impugnante desenvolveu a sua actividade comercial” e que não se verificam os pressupostos da tributação por métodos indirectos (52 a 58 e, 85 a 87 da p.i.). (…)
Em qualquer inspecção da situação tributária do sujeito passivo a AT parte do princípio, nos termos do artigo 75º da LGT, de que as declarações e a contabilidade gozam da presunção de verdade, enquanto não demonstrar que essa presunção não é merecida.
Portanto, a dinâmica da relação jurídico-tributária, na fase procedimental da determinação da matéria colectável, desenvolve-se em dois momentos essenciais.
No primeiro momento, cabe ao sujeito passivo o dever de cooperação activa que abrange, fundamentalmente, deveres declarativos, avaliativos e organizativos, nos quais de incluem os deveres de avaliar rigorosamente os factos comerciais com reflexos tributários e de os registar correctamente de acordo com as leis contabilísticas e fiscais e de os declarar tempestiva e integralmente, pagando os tributos que daí resultarem nos termos da lei.
Nesta fase, a AT tem o poder-dever de fiscalizar (artigo 63º da LGT) o cumprimento dos deveres de colaboração pelo sujeito passivo e, quando for o caso, promover a sua correcção, reprimindo os abusos ou meros desleixos, atendo a o dever fundamental de pagar impostos (a que se refere José Casalta Nabais, Almedina 2004, colecção Teses) e, assim, contribuir para obtenção do Estado dos meios financeiros que lhe permitam cumprir as suas obrigações internas e internacionais, sem prejuízo dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos e do respeito pelos princípios de actuação da administração.
Portanto, pressuposto fundamental da presunção da verdade da declaração dos contribuintes é que os deveres de colaboração sejam escrupulosamente cumpridos.
Nos casos em que esse cumprimento se verifique não se justifica, em princípio, qualquer tributação correctiva.
O Impugnante alega que não ocorre qualquer motivo para aplicação de métodos indirectos, ou seja, que cumpriu escrupulosamente o dever de colaboração (se a contabilidade não merece críticas formais).
No entanto, a A.T. não está, ainda assim, impedida de desencadear procedimento de fiscalização tributária com vista à confirmação dos dados declarados e dos registos em que a declaração se funda. É o que resulta do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 27º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), que prevê que a identificação dos sujeitos passivos a inspeccionar tenha por base a aplicação de métodos aleatórios, o que dispensa qualquer violação do dever de colaboração pelo contribuinte.
O que sucede é que, nestas situações, a A.T. terá que demonstrar – como entendeu ocorrer no presente caso – que aquela colaboração era meramente aparente e que os dados afinal fornecidos não reflectem a sua verdadeira situação tributária.
O que conduz, então, ao segundo momento desta relação jurídica tributária.
Se a A.T. se depara fundadamente com o incumprimento ou com o cumprimento defeituoso dos deveres de colaboração, nomeadamente porque a sua contabilidade apresenta anomalias, incorrecções ou incongruências (previstas no artigo 88º da LGT) que permitem, por si só, duvidar objectivamente dos dados nela insertos, cessa a presunção de verdade da declaração e emerge uma nova presunção: a presunção de verdade das informações prestadas pela própria A.T. (a inscrever, no caso da inspecção tributária, num Relatório, nos termos do artigo 62º do RCPIT), desde que devidamente fundamentada e baseada em dados objectivos – artigo 76.º da L.G.T.
Neste segundo momento, porque estão em causa “presunções legais”, a parte contra a qual estas se formaram pode ilidi-las mediante prova em contrário (artigos 349º e 350º CC). Nesse sentido, desde que devidamente fundamentada a opção, a AT pode/deve fazer as correcções que resultem da aplicação da lei fiscal, através de métodos directos ou indirectos de avaliação.
As situações mais graves que justificam a aplicação de métodos indirectos, previstas no referido artigo 87º da LGT (passagem à segunda fase da relação tributária a que vimos aludindo) traduzem-se em anomalias ou incorrecções imputáveis ao contribuinte a título de dolo, que revelam a intenção de não colaborar com a A.T. e de ocultar a verdade fiscal, inviabilizando a cabal aferição da sua capacidade contributiva, como sucede no caso de ser recusada a exibição da escrita depois de a sua apresentação lhe ser exigida pela A.T., no caso de terem sido falsificados ou viciados os suportes documentais da escrita ou quando existam diversas contabilidades.
Além disso, para que seja legítima a aplicação de métodos indirectos, é ainda imprescindível que os factos descritos inviabilizem a determinação directa e exacta da matéria tributável (corpo do artigo 88º da LGT).
No caso dos autos, a AT acusa o Impugnante de falsificação ou viciação da contabilidade em resultado da omissão de registo nela de alguns proveitos (vendas ao balcão) e dos custos inerentes a essas vendas, de que resultou a impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria tributável.
O ónus da prova que impende sobre a AT refere-se, justamente, à existência das referidas omissões e consequente impossibilidade (primeira parte do nº 1 e primeira parte do nº 3 do artigo 74º da LGT).
No caso dos autos, a AT logrou arrolar factos, que descreve de forma clara, suficiente e congruente, susceptíveis de sustentar a convicção de que a sua tese corresponde à verdade.
A partir de então, passa a constituir ónus da Impugnante a prova de factos que criem convicção contrária (parte final do nº 2 do artigo 74º da LGT), demonstrando o erro ou inadequação da decisão impugnada e que isso conduziu a excesso de quantificação (nº 3 do artigo 74º da LGT e, por exemplo, Ac. STA de 16/11/2011, processo 0247/11, em www.dgsi.pt).
A impugnante limita-se a insistir que a sua contabilidade não merece críticas e que das correcções efectuadas resulta tributação excessiva. Todavia, não logrou provar factos (que nem sequer concretiza) que ponham em causa a decisão impugnada.
Por isso, improcede o vício sob análise. (…)”
Não assiste, assim, razão à Recorrente, designadamente, na sua conclusão 6 das alegações, dado que a sentença explicitou que os motivos indicados pela Autoridade Tributária eram causa para a necessidade de aplicação de métodos indirectos, na medida em que existia uma impossibilidade de recurso aos métodos directos, mostrando-se devidamente especificados os fundamentos de facto e de direito da decisão recorrida.
E, na verdade, assim é, pois a Autoridade Tributária explicou o motivo por que não poderia, simplesmente, apoiar-se no elenco constatado informaticamente de vendas omitidas de produtos (adoptando um método directo de determinação da matéria tributável), concretizando que a Recorrente não facultou custos que tenha suportado para a prossecução das vendas omitidas segundo os talões de venda ao balcão. Acrescentou que, caso não tivesse em conta outros custos face a essas vendas omitidas, seria apurado um resultado fiscal de €618.871,47 em 2003, o que determinaria um rácio de rentabilidade fiscal muito elevado, chegando mesmo a simular, em quadro elaborado no relatório de inspecção tributária, esse rácio que, no exercício de 2003, chegaria a 55,41%. Por forma a não prejudicar o sujeito passivo, a Autoridade Tributária optou por calcular o resultado fiscal das vendas omitidas considerando o rácio da Rentabilidade Fiscal sobre as Vendas [(Resultado Fiscal/Vendas)x100] declarado pela Recorrente, tendo obtido 3,12%.
Entendemos que o “método presuntivo eleito” se mostra racional e fundamentado em factos concretamente apurados, não estando a Administração Tributária impedida de a ele recorrer, pois que nada impede que a Administração conjugue vários dos “elementos” que a lei indica que “poderá ter em conta” na avaliação indirecta, pois que lhe cabe, dentro dos limites da lei, eleger o critério que repute mais adequado à determinação da matéria tributável, cabendo ao Tribunal verificar a sua correcta interpretação e aplicação em caso de litígio entre a Administração Tributária e o sujeito passivo (cfr. ANA PAULA DOURADO, «Manifestações de Fortuna», in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano II, n.º 4 (Inverno), p. 278) – cfr. Acórdão do STA, de 05/12/2012, proferido no âmbito do processo n.º 0477/12.
Julgamos, pois, que o método adoptado pela AT para a determinação da matéria tributável por métodos indirectos se apresenta razoável na situação concreta, não se mostrando, em abstracto, ostensivamente inadequado. Não ocorre, pois, vício de falta de fundamentação do acto, tanto mais que não impediu o contribuinte de alegar eventual resultado excessivo.
Reiteramos, então, que mesmo que o critério eleito possa conduzir a um excesso na quantificação da matéria colectável apurada, o certo é que cabe ao contribuinte o ónus da prova do excesso da quantificação (cfr. a parte final do n.º 3 do artigo 74.º da LGT).
Ora, no que ao eventual excesso na quantificação da matéria tributável respeita, as alegações da Recorrente são inexistentes e, mesmo na petição inicial, a invocação limita-se à afirmação de que não omitiu à sua escrituração os volumes de negócios que se encontram na relação em anexo ao relatório de inspecção, pelo que existe manifesto excesso da capacidade contributiva. Nestes termos, a insuficiência do alegado nem seque permite suscitar a dúvida sobre se haverá algum excesso, não sendo, de todo o modo, reitera-se, suficiente para criar a convicção de que o valor apurado para a matéria tributável é efectivamente excessivo.
Saliente-se que, in casu, não resulta ipso facto que os resultados apurados sejam excessivos, nem sequer se afigura evidente para este Tribunal que o eventual excesso na quantificação resulte das regras da experiência comum ou seja manifesto, notório ou ostensivo em face da míngua de factos alegados pela Recorrente e constantes do probatório.
Por último, a Recorrente diz que os elementos que sustentam a ilação de que existiram omissões nas vendas podem ter sido manipulados e alterados.
Na sentença recorrida concluiu-se inexistir preterição de formalidade legal pelo facto de a cópia entregue à Recorrente desses elementos resultar de extracção dos ficheiros da AT e não dos seus ficheiros.
A Recorrente insiste na alegação de preterição de formalidade legal, pois que, com o acontecimento referido, tudo é possível quanto à falta de autenticidade e integridade dos documentos. Somente mediante cópia extraída dos ficheiros da Recorrente a AT asseguraria a fiabilidade dos dados.
Vejamos o julgamento efectuado pelo Tribunal Recorrido:
“(…) A Impugnante alega que ocorre preterição de formalidades legais, na medida em que a cópia da relação de “talões de venda ao balcão”, que constitui anexo 7 do Relatório, foi extraída do computador das finanças e não do computador da sociedade (artigos 8 a 27 e 52 da p.i.).
Em rigor não se trata verdadeiramente de uma preterição de formalidades legais.
Considera-se que só haverá preterição de formalidade legal quando a administração omita uma formalidade procedimental expressamente prevista na lei ou quando pratique uma formalidade proibida por lei.
No caso concreto, a Impugnante pretende insinuar que a AT falsificou o conteúdo da aludida relação. No entanto, conforme já se explicitou no ponto 4 supra, o ónus da prova dessa falsificação incumbe à Impugnante (nº 1 do artigo 74º da LGT) e, para tanto, bastaria confrontar o conteúdo material da aludida relação com os elementos que constam do CD que a AT copiou do computador encontrado nas instalações da Impugnante, conforme consta do anexo 9 do relatório, a fls. 275 do PA. O que não está em causa. Portanto, não tendo logrado provar que a dita relação (anexo 7 do relatório) diverge do conteúdo existente no seu próprio computador, cai por terra a aludida insinuação. (…)
Portanto, não se reconhecem as invocadas preterições de formalidades legais. (…)”
Ora, independentemente da qualificação jurídica efectuada ou que devesse ser realizada, a verdade é que a Recorrente se limita a lançar uma suspeição sobre a AT ter falsificado o conteúdo da relação informática dos “talões de venda” a que se refere o anexo 7 do Relatório de Inspecção Tributária. Mas a verdade é que a Recorrente não alega nem prova qualquer razão material que suporte tal alegação.
Nestes termos, o que resta é ter a AT realizado uma análise ao sistema informático de Gestão Comercial da Recorrente, que, para proceder ao controlo da sua actividade comercial, utiliza o programa informático de gestão integrado “Gespos” em todos os seus pontos de venda.
Através da análise dos registos contabilísticos da Recorrente relativos a 2003, nomeadamente no que se refere ao registo das vendas na sede em S..., nos Armazéns Grossistas em F... e SC...e na Feira Grossista, a AT verificou que apenas foram contabilizados e declarados em sede de IRC os valores constantes das facturas, facturas-recibo, notas de crédito e vendas a dinheiro emitidas nesse ano, pelo que os diversos talões de venda emitidos nesses pontos de venda não foram contabilizados e declarados.
Não tendo sido validamente colocado em causa, mantém-se o constante do Relatório de Inspecção Tributária, referindo-se que, através da análise das bases de dados do sistema informático da Recorrente, foi feita uma cópia desses ficheiros na integra para o disco do computador portátil dos Serviços Inspectivos; posteriormente, foi feita a cópia em duplicado de ficheiros gravados no disco do computador dos Serviços para discos CD, tendo uma dessas cópias sido entregue ao sujeito passivo, conforme o auto de ocorrência efectuado no dia 01/08/2005 (Anexo 9 ao RIT).
Toda a análise foi efectuada com base na totalidade dos ficheiros informáticos obtidos da Recorrente e copiados para o disco do computador portátil dos Serviços Inspectivos.
Perante alguma irregularidade ou adulteração, seria fácil à Recorrente demonstrar divergências em relação aos seus próprios ficheiros informáticos; o que não logrou efectuar.
Por isso, improcede, também, a conclusão do recurso quanto a este vício invocado.
Conforme resulta do probatório, quanto aos factos relatados pela AT, a Recorrente foi notificada para fornecer aos serviços de inspecção a cópia dos talões de vendas ao balcão, tendo esta somente informado não ter os referidos talões, nada mais acrescentando. Quando instada a apresentar prova da eventual existência de outros custos não contabilizados e inerentes às ditas vendas ao balcão omitidas ao registo, limitou-se a informar que não podia apresentar outros custos, porquanto não recordava a identificação dos fornecedores e outros. Ou seja, à data da inspecção tributária, a Recorrente não negou a existência de vendas ao balcão omitidas à contabilidade (unicamente não tinha cópia dos respectivos talões) e respectivos custos referidos pela AT (somente não podia documentar outros custos por não se recordar de quais seriam os fornecedores).
A Recorrente não invocou factos ou apresentou documentos comprovativos capazes de contrariar a factualidade apurada, face à cessação da presunção da veracidade declarativa de que goza a declaração da mesma, sujeitando-se, por isso e pelos motivos já explanados supra, à aplicabilidade de métodos indirectos para determinação da sua matéria tributável no exercício de 2003.
Nesta conformidade, na improcedência de todas as suas conclusões, forçoso é negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
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Conclusões/Sumário
I - Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação (artigo 74.º, n.º 3 da LGT).
II - No domínio de utilização de métodos indirectos, a actuação da Administração Tributária não se limita à demonstração da ocorrência dos respectivos pressupostos, antes se lhe impõe que fundamente, ainda e também, os critérios de que venha a lançar mão na quantificação da matéria tributável. Contudo, do ponto de vista do erro na quantificação, as insuficiências no método são sempre substanciais, isto é, devem evidenciar um excesso de quantificação.
III - O “método presuntivo eleito” mostra-se racional e fundamentado em factos concretamente apurados, não estando a Administração Tributária impedida de a ele recorrer, pois que nada impede que a Administração conjugue vários dos “elementos” que o n.º 1 do artigo 90.º da LGT indica que “poderá ter em conta” na avaliação indirecta, pois que lhe cabe, dentro dos limites da lei, eleger o critério que repute mais adequado à determinação da matéria tributável, cabendo ao Tribunal verificar a sua correcta interpretação e aplicação em caso de litígio entre a Administração Tributária e o sujeito passivo.
IV - O n.º 4 do artigo 77.º da LGT determina que a decisão da tributação pelos métodos indirectos especificará os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directas e exacta da matéria tributável e bem assim indicará os critérios utilizados na avaliação da matéria tributável, exigências estas satisfatoriamente cumpridas no relatório de inspecção e na decisão do pedido de revisão, sendo claro e esclarecedor o motivo do recurso a tais métodos e bem assim o critério eleito para a avaliação indirecta e a forma como se determinaram os valores corrigidos.
V - Estando definitivamente decidido que, no caso, a Administração Tributária demonstrou a ocorrência dos necessários pressupostos legais à utilização de métodos indirectos, por um lado e, por outro, apresentando-se adequadamente fundamentados os critérios de que a Administração Tributária se serviu na tarefa de quantificação, era à impugnante que se impunha demonstrar que a utilização de tais critérios conduziu, sem margem para dúvidas fundamentadas, a um resultado final sem qualquer aderência à realidade, demonstração essa que não logrou fazer, sem olvidar que, mesmo a subsistir qualquer dúvida, o que se postula por comodidade de raciocínio, ela sempre teria de desfavorecer a recorrente.
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IV. Decisão
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo da Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.
Porto, 15 de Novembro de 2018
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Pedro Vergueiro