Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01801/06.1BEVIS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/17/2015
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM;
N.º 3 DO ARTIGO 19º PLANO DIRECTOR MUNICIPAL DE OB; CONSTRUÇÃO ISOLADA, EM BANDA OU GEMINADA; DISCRICIONARIEDADE; LEGALIDADE
Sumário:1. A validade do acto deve aferir-se por referência à data em que foi praticado e à lei vigente nessa data e não por referência a legislação revogada ou lei futura. Isto por imperativo lógico, face ao princípio da legalidade e de acordo com o princípio tempus regit actum.

2. Resulta do disposto no n.º 3 do artigo 19º Plano Director Municipal de OB... – preceito que se manteve inalterado – que as construções não têm uma tipologia obrigatória mas antes serão “apreciadas caso a caso pela Câmara Municipal, de forma a equilibrar a ocupação”.

3. O que significa que a Câmara Municipal goza de uma margem de discricionariedade para definir, casuisticamente, se determinado espaço urbano será ocupado com moradias isoladas, geminadas ou em banda, vinculada apenas pelo amplo parâmetro legal fixado que é o de “equilibrar a ocupação” do espaço.

4. Não existindo impedimento legal – por lei ou acto de auto vinculação da edilidade – à construção em banda ou geminada no local, mesmo aceitando os conceitos definidos pelo Decreto-Regulamentar nº 9/2009 29/05 como aplicáveis a uma moradia licenciada por acto anterior, o acto de licenciamento de uma construção em banda é legal, quando no caso a exiguidade dos terrenos não impede e até aconselha esse tipo de construção.*
*Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Município OB
Recorrido 1:JACCF
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO
Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

O Município de OB... veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL do acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, de 28.03.2014, pelo qual foi julgada procedente a acção administrativa especial intentada por JACCF e mulher, MFSFF contra o município ora recorrente e em que foram indicados como contra-interessados MAEAMS e marido, VMSS, para impugnação do despacho do Presidente da Câmara Municipal de OB..., de 20.02.2006, que aprovou o pedido de licenciamento para a construção de uma moradia unifamiliar deduzido pela contra-interessada.

Invocou para tanto, em síntese, que o acórdão recorrido violou o disposto no artigo 19º, n.º5, do Plano Director Municipal de OB..., por erro de interpretação e aplicação ao caso concreto; em todo o caso, mesmo a considerar-se violado o PDM pelo acto de licenciamento aqui em causa, não deveria ter sido declarado nulo, como foi, pela decisão ora recorrida, face à possibilidade de legalização da obra de acordo com o novo quadro jurídico em vigor e face à consolidação da situação de facto tendo em conta o tempo entretanto decorrido e dada a inexistência de interesses públicos ou privados que a tal obstem e menos ainda que imponham a demolição da obra licenciada.

Os recorridos contra-alegaram defendendo a manutenção do decidido.

O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.


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Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.

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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1. O Decreto-Regulamentar n.º 9/2009, de 29/05, que define fogo, moradia geminada e em banda, empena, edifício anexo, conceitos dos quais o Tribunal a quo se socorreu na decisão recorrida é posterior à 1ª e 2ª revisões do Plano Director Municipal de OB... (de 1999 e 2007, respectivamente) e à prática do acto impugnado (de 20.02.2006).

2. Aliás, a questão da distinção entre construções isoladas, geminadas e em banda contínua, hoje mais pacificada face à entrada em vigor e aplicação daquele decreto-regulamentar, sempre constituiu uma vexata questio, mormente quanto a saber se duas construções contíguas, encostadas (por parte de uma delas) por intermédio de um telheiro e não pela empena do edifício principal, podiam ser consideradas construção geminada (ou, bem assim, em banda, quando houvesse três construções e não duas) – ainda em 2010 tal controversa polémica foi objecto de parecer emitido pela CCDRC (Parecer n.º DSAJAL 178/10, de 07.10.2010) que veio clarificar a matéria aplicando o novo Decreto-Regulamentar 9/2009.

3. Até aí (isso mesmo decorre do Parecer), a interpretação dominante, entre os serviços municipais, era a de que existiam construções geminadas (ou em banda), para efeitos dos respectivos PDM’s, sempre que houvesse empenas encostadas, ainda que por intermédio de telheiros e independentemente de estes estarem ou não encostados ao edifício principal (podendo mesmo falar-se na existência de um precedente administrativo quanto a esta matéria, decidindo--se reiteradamente neste sentido).

4. Interpretação essa que era perfeitamente legal e legítima, como é no caso vertente, já que a diversa interpretação, decorrente da aplicação dos conceitos técnicos do Decreto-Regulamentar n.º 9/2009 não pode relevar para solucionar o caso sub judice, pois, em suma, isso resulta numa aplicação retroactiva daquele decreto regulamentar.

5. Por outras palavras, a interpretação que os serviços municipais faziam antes do Decreto-Regulamentar 9/2009, era correspondente ao sentido que o legislador quis dar, originariamente, à norma do n.º3 do artigo 19º do PDMOB, quanto aos conceitos de construções geminadas e em banda (ratio legis), estando de acordo com a realidade cadastral do concelho e tornando-se a prática administrativa reiterada.

6. Atendendo à própria norma, que na segunda parte do n.º 3 do artigo 19º do PDMOB, confere ao município uma margem de liberdade na conformação da tipologia de construção a admitir nas parcelas, de acordo com as próprias características e as das parcelas adjacentes, concatenada com o princípio geral de que ao proprietário de um prédio é lícito o seu integral aproveitamento, no caso concreto, atendendo à concreta configuração das parcelas envolvidas, às construções existentes e ao projecto apresentado para aprovação (cf. p. a.), tudo isto somado exigia que fosse feita a interpretação que os serviços municipais fizeram do que sejam construções em banda.

7. Deste modo, ao interpretar o n.º 3 do artigo 19º do PDMOB de forma diversa daquela que foi (e bem) adoptada pelos serviços municipais, com fundamento no Decreto-Regulamentar n.º 9/2009, o Tribunal a quo incorre em violação de lei, não apenas por violação da própria norma do artigo 19º, nº3 (na sua ratio legis- cf. artigo 9º, n.º1, do Código Civil), bem como dos artigos 12º, n.º1, do Código Civil e 6º, n.º1, do próprio Decreto-Regulamentar (aplicação retroactiva inadmissível do diploma), devendo a decisão recorrida ser revogada.

8. Sob outro enfoque, temos que o terreno dos contra-interessados mede, na sua estrema Norte que confina com a via pública, cerca de seis metros apenas.

9. Acresce que, aquando do licenciamento (rectius, da aprovação do projecto de arquitectura), que é o que releva, os elementos juntos ao procedimento atestavam que a edificação dos contra-interessados seria encostada à edificação de terceiros a Poente e dos autores a Nascente (cf. p. a. - pontos m), e) e ad) da fundamentação de facto do acórdão recorrido) – irrelevando as janelas dos primeiros porque ilegais (do ponto de vista público) e irrelevando o facto de a garagem/telheiro dos segundos ser ilegal, pois, caso estivesse sujeita a procedimento de controlo prévio (podendo nem estar), seria certamente legalizável.

10. Então, sempre teria e tem de se admitir que a construção dos contra-interessados, juntamente com a de terceiros a Poente e com a dos autores a Nascente, consubstancia (ou consubstanciava, conforme foi apresentada ao município para apreciação) uma construção em banda, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º3 do artigo 19º do PDMOB, na interpretação de construção em banda que defendemos.

11. Interpretação que é a única conforme com a ratio legis do n.º3 do artigo 19º do PDMOB anterior a 2009, e, assim, com o artigo 9º, n.º1, do Código Civil, bem como com os princípios da irretroactividade da lei e os artigos 12º, n.º1, do Código Civil, e 6º n.º1, do Decreto-Regulamentar n.º 9/2009, o principio tempus regit actum (artigo 60º do RJUE) e ainda o princípio de que ao proprietário de um prédio é lícito o seu integral aproveitamento (só através da construção em banda seria possível, no caso concreto, construir na parcela em causa, atenta a sua exígua largura).

12. Em suma, ao decidir conforme decidiu, pela violação do artigo 19º, n.º3, do PDMOB, o acórdão recorrido violou esta disposição legal, interpretada na sua ratio orientadora, nos termos do artigo 9º, n.º1, do Código Civil (que, aliás, tem na 2ª parte do n.º3 do artigo 19º, o mínimo de correspondência verbal exigido, ao reportar-se à largura concreta das parcelas e à concretização das tipologias de construção caso a caso), bem como os artigos 12º, n.º1 do Código Civil (princípio da não retroactividade da lei) e art.º 6º, n.º1, do Decreto-Regulamentar n.º 9/2009 (não aplicabilidade do diploma aos procedimentos anteriores à sua entrada em vigor ou não retroactividade do diploma), bem como o princípio tempus regit actum (artigo 60º do RJUE), devendo, por isso, a decisão recorrida ser revogada.

13. A este passo, parece-nos óbvio que a norma do artigo 19º, n.º5, do PDMOB (na redacção anterior à revisão do PDM) tem de interpretar-se no sentido de apenas ser aplicada às construções isoladas, isto é, às construções que não sejam em banda ou geminadas e, assim, não é pura e simplesmente aplicável ao caso presente.

14. Não obstante, sem prescindir, é irrefragável que o n.º5 do artigo 19º do PDMOB, na sua versão anterior à revisão de 2007 consagrava uma solução controvertida e incerta, desde logo porque desconforme ou não consoante com as soluções consagradas noutras normas do sistema jurídico que visavam a protecção dos mesmos interesses públicos – ou seja, a redacção da norma, na sua literalidade, afrontava a unidade ou coerência do sistema jurídico.

15. Reportando-nos designadamente aos artigos 73º do RGEU e 16º, n.º7, do Regulamento de Segurança Contra Incêndio em Edifícios de Habitação, aprovado pelo DL n.º 64/90, de 21.11, tais normas de direito público urbanístico em vigor apenas exigiam que fossem asseguradas distâncias mínimas entre edificações nos casos de existirem janelas (ou aberturas) nas fachadas laterais das mesmas, o que não sucedia no caso concreto vertente (de acordo com os elementos apresentados no projecto de arquitectura, para aprovação municipal).

16. Pelo que a solução dada pela revisão do PDMOB, quanto ao n.º5 do artigo 19º “os afastamentos laterais entre a construção e os limites do lote ou parcela são no máximo de 5 metros”, situa-se dentro dos quadros da controvérsia gerada ao abrigo da redacção anterior, na medida em que só adoptando este sentido dado à norma pela revisão do PDMOB, a mesma assume um sentido útil quanto à previsão dos 5 metros enquanto máximo, de molde a equilibrar a ocupação do espaço no caso de construções isoladas (cf. n.º3 do artigo 19º, n.º2, 2ª parte), sendo que o mínimo de 3 metros decorre já do artigo 73º do RGEU, mas apenas quando haja aberturas nas empenas que dêem para construções fronteiras, pois só nesses casos se justifica a salvaguarda dos interesses públicos referenciados no aresto citado (tudo isto e só assim em conformidade com o artigo 9º, n.º1, do Código Civil.

17. Deste modo, nada obsta a que a redacção do n.º5 do artigo 19º do PDMOB assuma carácter de lei interpretativa nos termos e para os efeitos do artigo 13º, n.º1, do Código Civil, conforme pretendeu o legislador ao efectuar a revisão do PDMOB, devendo a norma, na sua redacção actual, aplicar-se ao caso vertente (acrescendo que inexiste ainda decisão transitada em julgado nestes autos que impeça isso mesmo), o que determina que o acto impugnado não viole a norma em apreço.

18. Ao decidir diversamente, o Tribunal a quo incorre em erro de julgamento, por violação do artigo 19º, n.º5, do PDMOB, na sua versão actual, que se aplica retroactivamente ao caso dos autos e, bem assim, em violação dos artigos 9º, n.º1, e 13º, n.º1, do Código Civil, devendo a decisão proferida ser revogada.

19. Em último termo, ainda que não se considere conforme vimos de alegar, entendendo-se ser nulo o acto impugnado por ser desconforme com o PDMOB, a verdade é que a edificação em apreço nos autos é actualmente legalizável, por força da revisão do PDMOB e da nova versão do n.º5 do artigo 19º.

20. Assim, o que propugnamos, na senda da doutrina que mais se focou nesta matéria, é que, ainda que o Tribunal ad quem entenda ter havido violação do PDMOB, não deve ser declarada a nulidade do acto impugnado, atenta a mencionada alteração do quadro jurídico aplicável e a possibilidade de legalização da edificação, face à consolidação da situação de facto (edificação construída há quase uma década), operando-se assim a jurisdicização da situação de facto consolidada, na medida em que inexistem interesses públicos ou privados (dos autores ou de terceiros, sendo tal reconhecido pelo próprio tribunal a quo que obstem à solução que propomos (ou que imponham a demolição), pelo contrário.


*

II – Matéria de facto.

A) Os autores são donos e legítimos possuidores de um prédio urbano, constituído por casa de habitação de rés-do-chão, anexos e quintal, com a área coberta de 92 m2 e anexos com 32 m2, pátio com 20 m2 e quintal com 1952 m2, sito no lugar de …, em OB..., inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo n.º 1... e descrito na Conservatória do Registo Predial de OB... sob o n.º 04961/951219.

B) Os contra-interessados MAEAMS e marido, VMSS, possuem um prédio situado a Poente do prédio dos autores, acabado de mencionar, o qual confina com o mesmo desse lado, estando registado na Conservatória do Registo Predial de OB... sob o nº 07… e com a área de 700 metros quadrados, confinando ainda a poente com CAF.

C) Ambos os prédios acabados de mencionar confinam do lado Norte com a Estrada/Rua … ou Caminho Público.

D) Em 9 de Dezembro de 2005, a contra-interessada mulher, MAEAMS, requereu/solicitou à Câmara Municipal de OB..., o licenciamento ou licença administrativa para a construção de uma moradia no seu prédio, apresentando o respectivo projecto de arquitectura, tendo sido atribuído ao processo administrativo encetado na referida Câmara o n.º 1…/2005.

E) No processo administrativo n.º 160/2005 acima mencionado, os serviços de fiscalização da Câmara Municipal de OB..., informaram que existia uma construção na estrema Nascente do prédio dos contra-interessados, pertencente aos autores e implantada na estrema Poente do prédio destes.

F) Por despacho do Presidente do executivo camarário do réu Município de OB..., proferido em 20/02/06, foi deferido o licenciamento para a construção da moradia requerido pela contra-interessada, com fundamento na informação dada pelos serviços de fiscalização do mesmo réu município.

g) Em 17 de Abril de 2006 o autor marido deu entrada de um requerimento na Câmara Municipal de OB... a solicitar que fosse informado se o processo n.º 160/2005, relativo a uma construção dos contra-interessados, cumpria as normas legais do PDM em vigor no concelho, isto é, se essas normas legais do PDM eram cumpridas relativamente às estremas e afastamento à habitação existente no prédio dos autores.

h) Em face do pedido/informação solicitada pelo autor marido, os serviços de fiscalização do réu município, informaram o seguinte:

“1. O processo de licenciamento 160/05 cumpre os afastamentos previstos no Regulamento do PDM, aquando da entrada do mesmo para licenciamento dado que existia uma construção à extrema a nascente, construção esta discriminada no projecto de arquitectura e apresentada em foto na fol. N.º 13 do mesmo projecto.

2. É de referir que aquando nossa visita em 26 de Janeiro de 2006 a referida construção ainda existia.

3. Verificou-se que a edificação foi demolida recentemente, existindo um afastamento superior a 3 metros do edifício à estrema.

4. Após consulta do processo 89/90 pertencente ao Sr. JACF verificam-se diversas irregularidades, nomeadamente:

1. A edificação está habitada sem possuir licença de utilização.

2. A edificação não cumpre o projecto no que diz respeito aos alçados, bem como à implantação, facto este confirmado através da planta de implantação dos dois processos.

3. Foram detectadas diversas construções na parte posterior, que na sua totalidade, excedem 25 metros de comprimento.

4. Não foi possível anexar fotos destas construções, no entanto as mesmas estão assinaladas na planta de localização do processo 160/05, bem como uma das fotografias mostra o início dessas construções”.

I) Em 25/05/2005, foi prestada a seguinte informação técnica pelos serviços técnicos do réu município, relativamente ao processo 160/05 relativamente ao projecto de construção dos contra-interessados:

“…face ao exposto pelo requerente e o conteúdo da informação da fiscalização estes serviços informam:

1. a informação técnica referente ao processo de obras, objecto da exposição, foi elaborado com base na legislação em vigor, e tendo subjacente as condicionantes do terreno e prédios confinantes;

2. de facto, verifica-se que, à data da informação técnica, ambos os prédios confinantes tinham construções que encostavam à extrema, quer a nascente quer a poente, conforme se pode comprovar com o levantamento topográfico (24) e fotos apresentadas (folha 13);

3. o regulamento do Plano Director Municipal, permite a existência de construções em banda, nos termos dos n.ºs 3, 5 e 6 do Regulamento do PDM, tendo sido neste pressuposto que foi dada a informação técnica favorável, conforme mencionado no ponto 1;

4. por outro lado, e conforme se pode verificar no ortofotomapa anexo, no próprio terreno já existia uma construção que encostava à extrema nascente;

5. mais se informa que, o facto da construção ter sido demolida recentemente não se pode reportar a um acto que foi tomado em 2006.02.20 (despacho de licenciamento);

6. no que concerne à existência de construções sem licença no prédio confinante (PO 89/90), estes serviços são de parecer que o requerente deverá ser notificado para regularizar o seu processo”.

J) Em 20 de Maio de 2006, a contra-interessada MA, requereu na Câmara Municipal de OB..., que lhe fosse emitido o Alvará de Licença para o processo n.º 16…/05, seja relativamente à construção da sua moradia.

K) Em 2 de Junho de 2006, foi emitido pelo Sr. Presidente da Câmara Municipal o Alvará de Obras de Construção n.º 13.../06, relativamente ao processo n.º 16…/05, e solicitado pela contra-interessada, conforme consta da alínea anterior.

L) Por comunicação escrita, datada de 09/06/2006, a Câmara Municipal de OB..., notificou o autor marido, JAF, da informação técnica prestada em 25/05/2006 e acima mencionada, enviando-lhe uma cópia da mesma e, ainda, mais informando que “no âmbito do seu pedido mencionado em epígrafe, foi analisado o processo em causa, bem como todas as condições que estiveram subjacentes ao seu licenciamento”.

M) O projecto da construção dos contra-interessados e que foi licenciada pelo réu, prevê que a mesma moradia/edificação seja construída encostada às estremas poente e nascente do prédio dos mesmos contra-interessados.

N) O réu justificou o licenciamento, no respectivo processo administrativo, fundamentando-se, além do mais, também no disposto no artigo 19.º, n.º 3, do PDM em vigor à data do mesmo licenciamento.

O) A moradia/habitação propriamente dita dos autores implantada no seu prédio (lote de terreno ou parcela de terreno onde está implantada) dista da construção licenciada aos contra-interessados e aqui em causa, um pouco mais de três metros da sua estrema poente, seja do lado em que os prédios dos autores e dos contra-interessados confinam um com o outro.

P) A construção licenciada pelo réu e pertença dos contra-interessados está encostada ao muro divisório que delimita o terreno destes e que a estes também pertence.

Q) Até pelo menos à data em que os serviços de fiscalização da Câmara Municipal de OB... visitaram o local da situação do prédio dos contra-interessados, existia a construção implantada no prédio dos autores e acima mencionada, ou seja, em 26 de Janeiro de 2006.

R) Os autores, em data incerta, mas localizada entre o dia 26 de Janeiro de 2006 e 18/04/2006, demoliram a construção implantada no seu prédio e acima mencionada.

S) Esta construção, demolida pelos autores, era uma garagem ou um telheiro, não integrado na construção da moradia ou casa de habitação propriamente dita e implantada no prédio dos autores, a qual não se encontrava legalizada pelo competente ou competentes órgãos do município réu.

T) O licenciamento da habitação/moradia implantada no prédio dos autores foi obtido no processo n.º 89/80 que correu seus termos na Câmara Municipal de OB..., sendo que nesse licenciamento não foi ou se encontrava prevista a construção acabada de mencionar e, por isso, não foi licenciada a sua construção.

U) Após a demolição feita pelos autores da referida construção, na mesma estrema poente do prédio dos autores e, consequentemente, na estrema nascente do prédio dos contra-interessados existe e ficou apenas um muro com cerca de um metro de altura a delimitar ambos os prédios o qual pertence e está implantado no prédio daqueles.

V) No prédio confinante a poente com o prédio dos contra-interessados existe ou está implantada uma moradia/habitação a qual do lado nascente da mesma existem no seu alçado (alçado nascente) duas janelas gradadas e distantes ou afastadas do alçado poente da construção da moradia/habitação dos contra-interessados em cerca de 15 centímetros e, consequentemente, não se encontram estas construções encostadas nos respectivos lados.

X) A moradia/habitação dos autores existente e implantada no seu prédio, acima mencionado tem apenas um piso acima da cota soleira, enquanto a moradia/habitação dos contra-interessados e objecto do licenciamento do acto impugnado tem dois pisos acima da cota soleira.

Z) O artigo 19.º, n.º 5, do Plano Director Municipal de OB..., em vigor à data do licenciamento da construção da moradia dos contra-interessados, sob a epígrafe “Regime de Edificabilidade”, e integrado no Capítulo III sob a denominação “Uso Dominante do Solo”, sua Secção I com o título de “Espaços Urbanos”, aprovado pela resolução do Conselho de Ministros n.º 80/99, de 8/7, e publicado na I Série-B n.º 175, de 29/07/1999, do DR, dispunha o seguinte:

“Os afastamentos laterais entre a construção e o limite do lote ou parcela serão em princípio de 5 metros podendo baixar para 3 metros se as correspondentes fachadas não servirem compartimentos habitáveis ou se o número de pisos não for superior a 2”.

AA) Após revisão daquele PDM de OB... em vigor na data do licenciamento em causa, o mesmo artigo 19.º, n.º 5, do PDM, publicado na 2.ª Série do DR, de 10/12/2007, passou a ter a seguinte redacção: “Os afastamentos laterais entre a construção e os limites do lote ou parcela são no máximo de 5 metros”.

AB) Dispõe o artigo 19.º, n.º 3, do mesmo PDM “As construções serão isoladas, geminadas ou em banda contínua de acordo com a largura da parcela e das parcelas adjacentes, sendo apreciadas caso a caso pela Câmara Municipal, de forma a equilibrar a ocupação”.

AC) As construções das moradias/habitações dos autores, dos contra-interessados e dos proprietários da que se situa a Poente da destes últimos e confinante com o terreno dos mesmos, não se encontram rigorosamente alinhadas umas com as outras relativamente à via pública para a qual deitam os respectivos alçados principais, na medida em que não estão equidistantes da mesma via pública.

AD) O telheiro ou garagem demolido pelos autores, situava-se na estrema Poente do prédio dos autores, fazendo parte do mesmo uma parte do muro divisório que delimita os terrenos dos autores e dos contra-interessados e ao alçado Poente desse telheiro ou garagem seria encostado o alçado Nascente da moradia dos contra-interessados.

AE) O referido telheiro ou garagem demolido pelos autores, embora constituindo uma parte integrante do prédio urbano dos autores, essa mesma construção demolida encontrava-se fisicamente separada da moradia/habitação dos autores.


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III - Enquadramento jurídico.

1. A violação do disposto no artigo 19º nºs 3 e ou 5 do Plano Director Municipal de OB... na redacção original; Decreto Regulamentar nº 9/2009; lei interpretativa ou inovatória; moradia isolada ou geminada ou em banda contínua.

A validade do acto deve aferir-se por referência à data em que foi praticado e à lei vigente nessa data e não por referência a legislação revogada ou lei futura. Isto por imperativo lógico, face ao princípio da legalidade e de acordo com o disposto no artigo 12º, nº 1, do Código Civil. No caso concreto também face ao disposto no artigo 67º nº 1 do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16/12 – Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, com as seguintes alterações:

- Lei n.º 4-A/2003, de 19/02;

- Lei n.º 15/2002, de 22/02;

- Declaração n.º 13-T/2001, de 30/06;

- Decreto-Lei n.º 177/2001, de 4/06; e

- Declaração n.º 5-B/2000, de 29/02.

que prescreve:

“A validade das licenças ou autorizações das operações urbanísticas depende da sua conformidade com as normas legais e regulamentares aplicáveis em vigor à data da sua prática …”

A legislação que se encontrava em vigor à data em que foi licenciada a habitação dos contra-interessados, 20/02/2006:

O artigo 68º alª a) do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, que dispõe:

“São nulas as licenças ou autorizações previstas no presente diploma, que:

a) Violem o disposto em plano municipal de ordenamento do território, plano especial de ordenamento do território (…)”.

O artigo 19º, nº 3, do Regulamento do Plano Director Municipal de OB..., na sua redacção original, ratificado pela Resolução nº 80/99, publicado no DR I Série-B, nº 175, de 29/07/1999, em vigor em 20/02/2006, data do despacho impugnado, que estabelecia:

“As construções serão isoladas, geminadas ou em banda contínua, de acordo com a largura da parcela e das parcelas adjacentes, sendo apreciadas caso a caso pela Câmara Municipal, de forma a equilibrar a ocupação”.

O nº 5 do mesmo artigo, em 20/02/2006, tinha a seguinte redacção:

“Os afastamentos laterais entre a construção e o limite do lote ou parcela serão em princípio de 5 m, podendo baixar para 3 m se as correspondentes fachadas não servirem compartimentos habitáveis ou se o número de pisos não for superior a dois”.

Como facto relevante temos o facto inserto na alínea H) ponto 3 da matéria factual dada como provada:

“ (…) os serviços de fiscalização do réu município informaram o seguinte:

1. O processo de licenciamento 160/05 cumpre os afastamentos previstos no Regulamento do PDM, aquando da entrada do mesmo para licenciamento dado que existia uma construção à extrema a nascente, construção esta discriminada no projecto de arquitectura e apresentada em foto na fol. N.º 13 do mesmo projecto.

2. É de referir que aquando nossa visita em 26 de Janeiro de 2006 a referida construção ainda existia.

3. Verificou-se que a edificação foi demolida recentemente, existindo um afastamento superior a 3 metros do edifício à estrema.”

Como consta, de resto, do facto I), ponto 2, da matéria factual dada como provada:

“…de facto, verifica-se que à data da informação técnica ambos os prédios confinantes tinham construções que encostavam à extrema, quer a nascente quer a poente, conforme se pode comprovar com o levantamento topográfico (24) e fotos apresentadas (folhas 13)”.

E no ponto acrescenta-se: “ mais se informa que, o facto da construção ter sido demolida recentemente não se pode reportar a um acto que foi tomado em 2006-02-20 (despacho de licenciamento).”

Do exposto se infere que a moradia dos contra-interessados foi licenciada como moradia em banda e, como tal não se lhe aplica o disposto no artigo 19º nº 5, do Regulamento do Plano Director Municipal de OB..., mas sim o nº 3 desse mesmo artigo, que não exige afastamentos laterais entre a construção e o limite da parcela dos Autores.

Podemos questionar se a construção em banda (ou geminada) era ou não permitida para o local.

Nem o Plano Director Municipal nem outro diploma legal previam na data do licenciamento qualquer definição de construção de moradia isolada, em banda ou geminada.

A definição de moradia isolada, geminada ou em banda foi expressamente consagrada apenas no Decreto-Regulamentar nº 9/2009, de 29/05, na ficha n.º 32 do anexo deste diploma:

“ (…)

a) Moradia, quando o fogo ocupa a totalidade do edifício, a qual adopta ainda a designação de:

i) Isolada, quando o edifício está completamente separado de qualquer outro edifício (com excepção dos seus edifícios anexos).

ii) Geminada, quando os edifícios se agrupam dois a dois, justapondo-se através da empena.

iii) Em banda, quando os edifícios se agrupam em conjunto de três ou mais edifícios contíguos.

(…)”

Edifício é definido na ficha 21 desse anexo como: “uma construção permanente, dotada de acesso independente, coberta, limitada por paredes exteriores ou paredes-mestras que vão das fundações à cobertura, destinada à Habitação humana ou a outros fins.”

Edifício anexo é definido na ficha nº 22 desse anexo como: “edifício complementar e dependente do edifício principal. Assegura usos complementares necessários à utilização do edifício principal (por exemplo, garagem, arrecadação, etc.). O edifício anexo não tem, pois, autonomia desligada do edifício principal.”

Antes de mais importa referir que o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16.03.2006, no processo 01305/04, citado no acórdão recorrido como proferido numa situação semelhante à dos presentes autos, na verdade não tem aqui aplicação.

No caso em apreço naquele recurso estava em causa o licenciamento de uma moradia isolada.

Aqui discute-se precisamente se é ou não legal o licenciamento de uma moradia em banda para o local.

Trazendo de novo à colação o disposto no n.º 3 do artigo 19º Plano Director Municipal de OB... – que se manteve inalterado – resulta que as construções não têm uma tipologia obrigatória mas antes serão “apreciadas caso a caso pela Câmara Municipal, de forma a equilibrar a ocupação”.

O que significa que a Câmara Municipal goza de uma margem de discricionariedade para definir, casuisticamente, se determinado espaço urbano será ocupado com moradias isoladas, geminadas ou em banda, vinculada apenas pelo amplo parâmetro legal fixado que é o de “equilibrar a ocupação” do espaço.

No caso concreto não se vislumbra erro, menos ainda grosseiro, em permitir no local a construção de moradias em banda (ou geminadas), como sucedeu.

Pelo contrário: tendo em conta a relativa exiguidade do espaço, justifica-se mais a construção geminada ou em banda do que a construção isolada.

Constituindo a construção isolada uma restrição à construção no local, mais se justifica a opção pelas outras tipologias: entre os contra-interessados não poderem construir até ao limite da sua propriedade e tanto os autores como os contra-interessados e terceiros poderem todos construir, mostra-se mais acertada a solução de todos poderem construir.

Os próprios autores em momento algum põem em causa a legalidade da autorização de construções em banda ou geminadas no local.

Apenas invocam que a construção licenciada não respeita a distância mínima de 3 metros da estrema do seu prédio. Partindo assim do pressuposto que só pode ali ser autorizada a construção de moradias isoladas, mas não tendo como imperativo esse pressuposto.

Na verdade, o afastamento mínimo de 3 metros em relação ao terreno vizinho não faz sentido no caso de construções em banda ou geminadas que são precisamente construções agrupadas ou contíguas, duas ou duas, no caso de construções geminadas, ou mais de duas, no caso de construções em banda.

Por outro lado também não resulta dos autos que a edilidade demandada se tenha vinculado, por qualquer outro acto, a permitir apenas no local a construção de moradias isoladas.

O facto de os autores terem antes uma construção no muro de delimitação com o terreno dos contra-interessados e depois terem demolido essa construção, nada permite concluir a propósito da escolha feita pela edilidade quanto à tipologia da construção para o local.

Logo por aqui se conclui pela legalidade do acto de licenciamento em causa.

Isto independentemente de serem aplicáveis ao caso os conceitos técnicos do Decreto-Regulamentar nº 9/2009 ou não.

Não interessa ao caso o que existia ou não realmente no local ao momento do licenciamento da obra dos contra-interessados.

O que importa é saber se existia ou não impedimento legal – por lei ou acto de auto vinculação da edilidade – à construção em banda ou geminada no local, mesmo aceitando os conceitos definidos pelo Decreto-Regulamentar nº 9/2009.

E não existia, como vimos.

Acaba assim por ser irrelevante saber se é inovador ou não o Decreto-Regulamentar nº 9/2009 porque utilizando ou não os seus conceitos técnicos em momento algum a edilidade, ou os autores, puseram em causa a possibilidade de construção em banda ou geminada no local onde se inserem os dois terrenos.

Única hipótese em que o acto de licenciamento seria nulo, por violação do disposto nesse Decreto Regulamentar e no no n.º 5 do artigo 19º do PDM de OB....

2. Restantes questões suscitadas: a validade da construção face ao disposto no n.ºs 5 do artigo 19º PDMOB, na redacção introduzida em 2007; lei interpretativa ou inovatória; a jurisdicização da situação de facto consolidada, apesar da nulidade do acto.

Dado que o acto de licenciamento se mostra válido, não padecendo da nulidade que lhe foi assacada pelos autores, ao contrário do decidido pelo acórdão recorrido, e as restantes questões apenas foram colocadas em termos subsidiários pelo demandado como fundamentos, reforçados, de validade do acto, fica prejudicado o respectivo conhecimento.


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Do que ficou dito, impõe-se declarar procedente o presente recurso jurisdicional, e, consequentemente, revogar a decisão recorrida, declarando válido o despacho de licenciamento da construção dos contra-interessados impugnado.

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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em julgar PROCEDENTE O PRESENTE RECURSO jurisdicional, pelo que:

A) Revogam a decisão recorrida.

B) Julgam improcedente a acção especial intentada pelos ora recorridos, mantendo na ordem jurídica o acto impugnado porque válido.

Custas em ambas as instâncias pelos recorridos.


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Porto, 17.04.2015

Ass.: Rogério Martins
Ass.: Helena Ribeiro
Ass.: Esperança Mealha