Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00344/12.9BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/25/2018
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA
DOCUMENTOS E INFORMAÇÕES BANCÁRIAS
SIGILO BANCÁRIO
PROCESSO CRIMINAL
Sumário:I- Na análise do caso julgado há assim que ter em conta duas vertentes que não se confundem: (i) uma, que se reporta à exceção dilatória do caso julgado, cuja verificação pressupõe o cotejo de duas decisões – estando uma delas já transitada em julgado - e uma tríplice identidade entre ambas: de sujeitos, de causa de pedir e de pedido; (ii) e, a outra respeitante à força e autoridade do caso julgado, decorrente de uma anterior decisão que haja sido proferida, designadamente no próprio processo, sobre a matéria em discussão, que se prende com a sua força vinculativa (cfr. Ac. do STJ241/07.0OTTLSB.L1.S1, de 20.6.12, disponível em www.dgsi.pt).
II. No julgamento da matéria de facto e com base nos princípios da imediação, da oralidade e da concentração, o tribunal aprecia livremente as provas, segundo a sua prudente convicção, ou seja, depois da prova produzida, o tribunal tira as suas conclusões, em conformidade com as impressões recolhidas e com a convicção que através delas se foi gerando no seu espírito, de acordo com as regras da ciência, do raciocínio, e das máximas da experiência, que forem aplicáveis, ficando afastadas as situações de prova legal que se verifiquem, por força do disposto nos artigos 350.º, nº 1, 358.º, 371.º e 376.º, todos do Código Civil, nomeadamente, da prova por confissão, por documentos autênticos, por certos documentos particulares quanto à materialidade das suas declarações e por presunções legais.
III. É jurisprudência deste Tribunal se em sede de recurso jurisdicional, o Recorrente se alheou em absoluto das razões que fundamentaram a sentença recorrida, limitando-se a repetir o que já havia dito em sede de petição inicial, não atacam o julgado, pelo que não pode o Tribunal de recurso alterar o decidido pelo Tribunal a quo, já que a tal se opõe o preceituado no nº 4 do artigo 635.º do CPC*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:M... e J...
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
Os Recorrentes, M... e J..., contribuintes fiscais n.º 1…e 1…, recorrem da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Coimbra que julgou improcedente o recurso interposto ao abrigo do artigo 146º-B do CPPT ex vi art.º 89.ºA da LGT, da decisão do Diretor de Finanças do Coimbra de aplicação da avaliação indireta da matéria coletável, tendo por fundamento a correção dos rendimentos declarados nas declarações de IRS relativa aos exercícios dos anos de 2005 a 2008, que determinou a fixação do rendimento coletável em sede da categoria G do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares respeitante aqueles anos, por avaliação indireta, em valores que totalizam € 4 936 273, 84.

1.1. Do Recurso da Sentença
Os Recorrentes não se conformaram com a sentença recorrida e interpuseram recurso jurisdicional, apresentando alegações formularam as conclusões que se reproduzem:
“(…)
i) Na senda de Vieira de Andrade, in "A Justiça Administrativa" (Lições), 2° edição, pág. S69, «há-de caber, em princípio, à Administração o ónus de prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável); em contrapartida, caberá ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados estes pressupostos».
ii) Entendeu a sentença recorrida que o montante de 4.936.273.84€, resultante dos depósitos efectuados entre 2005 a 2008 em conta bancária da empresa M..., deve constituir rendimento dos recorrentes porquanto são estes os beneficiários económicos da conta bancária, fundamentando tal conclusão nas únicas informações que são aquelas que constam dos autos, do processo instrutor e da certidão, remetida pelo Ministério Público, do processo de inquérito n.º 93/08.2IDAVR, todos contendo fotocópias simples de documentos particulares.
iii) Os documentos do processo instrutor foram legalmente impugnados, sendo que a prova das assinaturas ficou a pertencer a cargo da AT, nos termos definidos pelo n.º 2 do artigo 374.º do Código Civil.
iv) E impugnados que foram nunca poderiam constituir alicerce probatório do que quer que fosse, pois constata-se que se tratam de documentos referentes a informações bancárias dos recorrentes e extraídos de um processo crime, sem que a AT tivesse seguido o procedimento imposto pelo art.º 63º-B da LGT.
v) E o mesmo se diga da junção da certidão remetida pelo MP, que foi objecto de recurso interlocutório, não deixando de ser chocante como é que o Tribunal atende ao conteúdo da mesma, sendo conhecedor da jurisprudência do Pleno da SCT do STA.
vi) O Tribunal ao valorar tais documentos branqueou a actividade procedimental ilegal da AT, o que merece o veemente repúdio dos ora recorrentes.
vii) Os recorrentes não tiveram qualquer intervenção no processo penal onde foi obtida toda a informação sobre as contas bancárias e nessa medida não puderam exercer os seus direitos de controlo e de defesa e atacar a legalidade e legitimidade do acesso à informação bancária, o que configura violação do direito de acesso ao direito (tutela jurisdicional efectiva) e do direito à reserva da intimidade da vida privada, consagrados nos artigos 20.º n.º 1 e 2, e 26.º, n.º 1 e 2, ambos da CRP.
viii) Pese embora a AT, nos casos referidos no n.º 1 do art. 63.º-B da LGT e no âmbito de um procedimento de inspecção, possa aceder directamente à informação e documentação bancária coberta pelo dever de sigilo sem dependência do consentimento do titular dos interesses protegidos e sem necessidade de audiência prévia deste, faculdade que o legislador entendeu pertinente à descoberta da verdade (e, assim, um instrumento em ordem a permitir à AT cumprir a sua obrigação funcional de prosseguir os valores da distribuição equitativa da contribuição para os gastos públicos e do dever fundamental de pagar os impostos que informam a constituição fiscal), não poderá fazê-lo à margem do procedimento que o legislador estabeleceu no mesmo artigo, designadamente no que respeita à fundamentação da decisão de quebrar o segredo bancário e sua notificação, ao recurso dessa decisão, seu efeito e destino dos elementos de prova assim colhidos no caso de deferimento desse recurso (cfr. n.ºs 3, 5 e 6, respectivamente).
ix) A diversidade dos bens jurídicos que autorizam o afastamento da regra da reserva da informação em sede de processo criminal e em sede tributária – que determina a diversidade dos procedimentos e da competência para a derrogação do sigilo – não permite que a AT, sem mais, utilize a informação bancária obtida legitimamente no âmbito do inquérito criminal, quer lhe seja comunicada pela autoridade judiciária, quer dela tenha tido conhecimento pelo exercício de funções no âmbito das competências que lhe são delegadas no âmbito do inquérito.
x) A AT pode utilizar essa informação bancária, mas não poderá fazê-lo em prejuízo dos direitos do interessado, o que significa, para além do mais, que não fica dispensada de respeitar o procedimento previsto no art. 63.º-B da LGT, maxime dando início a um procedimento inspectivo, comunicando ao interessado a decisão fundamentada de quebra do sigilo e permitindo-lhe assim sindicar judicialmente essa decisão administrativa.
xi) Prevendo-se um procedimento administrativo sujeito ao princípio da legalidade e ao cumprimento de formalidades prévias, o que no caso a AT não fez, parece aos recorrentes que o Tribunal não pode ele próprio contribuir e incorrer na prática de uma ilegalidade ao valorar documentação/elementos extraídos do processo-crime, pois isso representa uma violação da lei, verificado que está que a AT não desencadeou o mecanismo do art.º 63º-B da LGT.
xii) Se a lei não permite que a AT, sem mais, utilize a informação bancária obtida legitimamente no âmbito do inquérito criminal, quer lhe seja comunicada pela autoridade judiciária, quer dela tenha tido conhecimento pelo exercício de funções no âmbito das competências que lhe são delegadas no âmbito do inquérito, sem que cumpra o procedimento do art.º 63º-B da LGT, também não pode o Tribunal dar esse salto e permitir ou melhor permitir-se valorar aquela informação sem o cumprimento prévio daquele formalismo.
xiii) Estamos assim perante provas ilícitas que são aquelas provas obtidas apenas por meio de violação do direito material, independentemente de a constatação da ilicitude ter ocorrido dentro ou fora da órbita processual.
xiv) A prova inadmissível é aquela que, por alguma razão, não pode ser aceite no processo. Tal prova não se vincula ao subjetivismo do magistrado, pelo contrário, sua condição é determinada por diversos elementos que independem da participação do juiz. Por não permitir a livre apreciação, a prova inadmissível é considerada por alguns espécie ou subespécie da prova ilegal.
xv) As provas ilícitas estão previstas no mandamento constitucional insculpido no art. 32º, nº 8: “São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações”.
xvi) Tal comando encontra-se inserido na parte que trata das garantias de processo criminal, não fazendo qualquer menção ao processo civil. A ausência de uma norma que vede a utilização das provas ilícitas no processo civil provoca grandes discussões acerca da sua inadmissibilidade nesse campo processual. Para muitos, essa carência normativa pode ser resolvida por meio da analogia, tendo em vista que o motivo basilar da vedação no processo criminal — qual seja a proteção aos direitos fundamentais tidos como invioláveis — é perfeitamente aplicável ao processo civil. Nesse mesmo sentido, posiciona-se o Tribunal da Relação de Lisboa no processo nº 618/11.6TMLSB-A.L1-6 86 e o Tribunal da Relação de Guimarães no processo nº 435234/09.8YIPRT-A.G187
xvii) Certo é que a ausência de dispositivo no âmbito do processo civil não pode servir de fundamento para a admissibilidade de todo e qualquer meio de prova. O facto de inexistir a proibição expressa não implica a inexistência da própria ilicitude, pelo contrário, deve subsistir o conceito de ilicitude da prova mesmo diante da falta de regulação que proíba seu ingresso no processo. No entanto, há de se considerar que a lacuna torna-se um permissivo processual no sentido de possibilitar que a decisão sobre a admissibilidade ou não das provas ilícitas no processo civil seja averiguada à luz do caso concreto, respeitando os preceitos legais das normas processuais. Ressalta-se que os tribunais portugueses têm aplicado a analogia e, por tal razão, a presente pesquisa ultrapassa a barreira da discussão sobre a incidência do art.º 32º, nº 8 da CRP no processo civil e se propõe a analisar o imperativismo do próprio dispositivo.
xviii) Assim, face ao exposto, entendem os recorrentes que prova documental em causa é ilegal nos presentes autos, razão pela qual não poderia sustentar o consequente juízo probatório.
xix) Sendo ilegal também não pode sustentar a perícia efectuada, não estando aqui em causa a perícia efectuada com base em meras fotocópias, mas sim com base em documentos cuja ilegalidade a precede. Ora, se estão subtraídos à apreciação do julgador, também não podem sustentar as conclusões da perícia.
xx) Deste modo, o julgado viola ostensivamente as disposições combinadas dos arts. 63º-B da LGT e 115, n.º 1 do CPPT.
xxi) Consequentemente devem dar-se por não provados os factos cujo juízo probatório teve por base tais documentos, nomeadamente os constantes dos pontos 6 a 11 e 12 e 13, estes últimos por impossibilidade superveniente de valoração probatória.
xxii) Subsidiariamente,
O grau de “provável” que um juízo técnico pericial atribua não é uma certeza científica ou próximo dela e nem sequer significa que seja muito provável, sendo todavia mais do que uma possibilidade; é uma plausibilidade, uma presumível realidade. A realidade do facto objeto de prova é mais provável do que o contrário; a perícia conduz a uma conclusão tecnicamente relevante de marcado pendor favorável à existência do facto. A probabilidade do facto não se confunde com a mera verosimilitude.
xxiii)É verosímil o que corresponde à normalidade de um certo tipo de condutas ou de acontecimentos. É verosímil o que corresponde ao id quodplerumque actidit. Como sintetiza Luís Filipe Pires de Sousa, além do mais, citando Michele Taruffo, “… a verosimilitude ou a inverosimilitude de um enunciado são irrelevantes do ponto de vista da verdade ou falsidade do mesmo. Só as provas podem demonstrar que o que parece verosímil é também verdadeiro, ou então falso, e o que parece inverosímil é também falso, ou então é verdadeiro.” O que é verosímil pode significar que entra numa área de operatividade de uma determinada máxima de experiência, mas não é, em si, um facto provado. O verosímil não se confunde com o provável. A probabilidade não é uma crença ou uma opinião.
xxiv) A noção de probabilidade respeita à existência de razões válidas para julgar um enunciado como verdadeiro ou como falso. Enquanto a probabilidade fornece informações sobre a verdade ou falsidade de um enunciado, a verosimilitude reporta-se apenas à eventual normalidade do que o enunciado descreve. Um enunciado é provável se se dispõe de informações que justiçam considerá-lo como verdadeiro.
xxv) Pelo que, é errada a asserção da sentença quando refere que “a conclusão de “podem ser” é ainda uma conclusão de probabilidade positiva, encontrando-se acima do resultado inconclusivo, pelo que da prova pericial realizada resulta suficientemente indiciado que as assinaturas apostas no aludido documento e impugnadas pelos Recorrentes efetivamente lhes pertencem sendo eles os efetivos beneficiários económicos da conta aberta no referido banco luxemburguês em nome de “S…, S.A.”
xxvi) Como errada continua quando refere que tal “convicção é confirmada pelos demais documentos juntos aos autos, designadamente aqueles que já constavam do relatório final do procedimento inspetivo da AT e que no âmbito desse procedimento foram apreendidos diretamente na residência dos Recorrentes. Na verdade, resulta da experiência comum que ninguém possui na sua habitação documentos com a sua assinatura sem saber se esta foi ou não por si aposta. Também é totalmente contra o senso comum que quem está identificado como beneficiário económico de uma conta bancária e possui, no seu domicílio, os respetivos extratos bancários e anotações feitas pelo contabilista das suas empresas a respeito dos movimentos dessas contas, não seja, de facto, o respetivo beneficiário económico”, aqui pelas razões supra referidas, mas também pelas seguintes: Os recorrentes possuíam na sua residência um documento que os identifica como beneficiários económicos, datada de 19.12.2001 (sendo que a busca é de 30.3.2009); Os recorrentes não tinham na sua residência quaisquer extractos bancários; Os recorrentes não tinham anotações feitas pelo contabilista das suas empresas a respeito dos movimentos dessas contas.
xxvii) E assim o que é contrário ao senso comum e diga-se mesmo ao princípio da separação de poderes, é o Tribunal dizer o que a AT não diz, sendo que os tribunais fiscais apenas têm competência para aferir se o acto tributário, tal qual se encontra recortado pelos seus fundamentos de facto e de direito alegados pela administração, padece ou não de ilegalidade (cf. quanto à função do dever de fundamentação administrativa concernente com o controlo contencioso dos actos administrativos, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 594/2008, em www.tribunalconstitucional.pt).
xxviii) Subsidiariamente,

A AT não prova que os recorrentes fossem os beneficiários económicos da sociedade «M..., SA» nos anos de 2005 a 2008, apenas tendo sido dado como provado que: do anexo n.º 4 ao relatório de inspeção referido em 7. consta fotocópia simples de uma “Declaration D’Ayant Droit Economique, Personne Morale” , relativa à conta n.º “ 22 660 M... S.A”, passada em 19-12-2001 pelo Banque ..., na qual estão identificados os aqui Recorrentes J... e de M....
xxix) Normas jurídicas violadas: 32º, n.º 8 da CRP, 63º-B e 74º, n.º 1 da LGT; 374º, n.º 2 do CC; 115º, n.º 1 do CPPT.

Termos em que e nos mais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, revogada a sentença recorrida, com todas as legais consequências. .(…)”


A Recorrida contra-alegou tendo produzido as seguintes conclusões:

”(…) a) A sentença sob recurso foi proferida em 1ª instância depois de, e em cumprimento do acórdão do TCA Norte de 21/03/2013, “serem realizadas as diligências de prova necessárias ao apuramento da identidade dos beneficiários económicos das contas existentes no “Banque…” em nome de M… S.A.” (contas nºs 22660, 22661, 22662 e 22663) seguindo posteriormente os autos a sua normal tramitação.”
b) A AT, ora Recorrida, pugna pela manutenção na ordem jurídica da sentença sob recurso por entender que a mesma fez uma correcta aplicação da lei aos factos.
c) Quanto à alegada ilegalidade da prova documental produzida nos autos, no que respeita ao acesso a informação bancária em nome dos Recorrentes, não é aplicável o regime jurídico da derrogação administrativa do dever de sigilo fiscal, previsto no art. 63º-B da LGT, uma vez que a informação em causa foi obtida por determinação judicial, no âmbito dos presentes autos, e não em sede administrativa.
d) Mais, importa atentar que as diligências praticadas pelo Tribunal “a quo” se destinaram a dar cumprimento ao aludido acórdão do TCA Norte, o qual não foi objecto de qualquer reacção recursiva por parte dos ora Recorrentes, não podendo o mesmo, nesta sede, vir de algum modo a ser atacado.
e) Por outro lado, os Recorrentes não suscitam qualquer questão que ponha em causa a necessidade, a adequação ou a proporcionalidade das diligências empreendidas pelo Tribunal “a quo” com vista ao cumprimento do acórdão do TCA Norte.
f) Assim sendo, não tem qualquer sustentação legal a pretendida ilegalidade da prova documental produzida a instâncias do Tribunal “a quo”, inexistindo qualquer violação ao disposto no art. 63º-B da LGT e 115º, nº 1 do CPPT.
g) Quanto ao juízo probatório assente na perícia efectuada às assinaturas apostas nos documentos em causa, também a ilegalidade invocada pelos Recorrentes carece de qualquer sustentação, quer quanto aos factos quer quanto ao direito.
h) Na verdade, o resultado da apreciação pericial realizada nos autos foi conjugada com os demais documentos juntos aos autos, tendo o Tribunal considerado, para a formação da convicção quanto aos factos a que os Recorrentes se opõem, o seguinte: “Na verdade, resulta da experiência comum que ninguém possui na sua habitação documentos com a sua assinatura sem saber se esta foi ou não por si aposta. Também é totalmente contra o senso comum que quem está identificado como beneficiário económico de uma conta bancária e possui, no seu domicílio, os respectivos extractos bancários e anotações feitas pelo contabilista das sua empresas a respeito dos movimentos dessas contas, não seja, de facto, o respectivo beneficiário económico” (Cfm. fls. 29 da sentença).
i) Assim sendo, também não tem qualquer sustentação legal a pretendida ilegalidade do juízo probatório assente na perícia realizada nas assinaturas apostas nos documentos controvertidos.
j) A sentença sob recurso concluiu, em face da prova produzida, que os Recorrentes são os beneficiários económicos das aludidas contas bancárias, mais considerando que “não resulta dos autos qualquer indício, ainda que ténue, de que o beneficiário económico daquelas contas seria outrem que não os Recorrentes nem estes alegaram qualquer facto donde possa resultar a dúvida fundada de que, afinal, os beneficiários económicos das contas bancárias aqui em causa era, de facto, outra pessoa que não eles (Cfm. fls. 30 da sentença.)
k) Os Autores, ora Recorrentes, não recorreram daquela decisão do TCA Norte, donde resulta que se conformaram com a mesma, não podendo agora, em resultado das diligências efectivamente praticadas, pôr em causa a legalidade daquela decisão.
l) Também não atacaram a necessidade, adequação ou proporcionalidade das diligências praticadas pelo Tribunal “a quo” com vista ao cumprimento do acórdão do TCA Norte.
m) Mais, a convicção do Tribunal quanto aos factos, devidamente suportada no probatório, não se afigura susceptível de recurso uma vez que os elementos de prova são suficientes para sustentar a convicção do Tribunal quanto aos factos que considerou provados bem como quanto à motivação que lhe está subjacente, inexistindo aspectos que sejam susceptíveis de impor decisão diversa da recorrida.
n) Conforme jurisprudência, “não basta contrapor à convicção do julgador uma outra convicção diferente, ainda que também possível, para provocar uma modificação na decisão de facto, sendo necessária uma efectiva demonstração, através da argumentação deduzida e da análise das provas convocadas, que a convicção formada pelo julgador, relativamente à matéria impugnada é impossível ou desprovida de razoabilidade” (Cfm. acórdão da Relação de Lisboa de 15-09-2015, proferido no processo nº 61/14.5).
o) Ou seja, é necessário que “dos meios de prova concretamente indicados como fundamento da crítica ao julgamento da matéria de facto deve resultar claramente uma decisão diversa” (Cf. Acórdão do ATA de 06-07-2006, no processo nº 220/06), o que, não sendo o caso dos presentes autos, impede a abertura da via recursiva.
p) Nos termos supra expostos, deve o presente recurso ser julgado improcedente, com as devidas consequências legais.

Nos termos supra expostos, deve o presente recurso ser julgado improcedente, com as devidas consequências legais. (…)”


1.2. Do Recurso de Despacho Interlocutório
Em 17.06.2015 (a fls. 767) foi proferido despacho na qual ordenava a notificação da Administração Fiscal e o Ministério Público para a junção aos autos de documentos.
Os Recorrentes não se conformaram com o despacho e dele interpuseram recurso jurisdicional, apresentando alegações nas quais formularam as conclusões que se reproduzem:

I - Pese embora a AT, nos casos referidos no n.° 1 do art. 63.°-B da LGT e no âmbito de um procedimento de inspecção, possa aceder directamente à informação e documentação bancária coberta pelo dever de sigilo sem dependência do consentimento do titular dos interesses protegidos e sem necessidade de audiência prévia deste, faculdade que o legislador entendeu pertinente à descoberta da verdade (e, assim, um instrumento em ordem a permitir à AT cumprir a sua obrigação funcional de prosseguir os valores da distribuição equitativa da contribuição para os gastos públicos e do dever fundamental de pagar os impostos que informam a constituição fiscal), não poderá fazê-lo à margem do procedimento que o legislador estabeleceu no mesmo artigo, designadamente no que respeita à fundamentação da decisão de quebrar o segredo bancário e sua notificação, ao recurso dessa decisão, seu efeito e destino dos elementos de prova assim colhidos no caso de deferimento desse recurso (cfr. n.°s 3, 5 e 6, respectivamente).
II - A diversidade dos bens jurídicos que autorizam o afastamento da regra da reserva da informação em sede de processo criminal e em sede tributária - que determina a diversidade dos procedimentos e da competência para a derrogação do sigilo - não permite que a AT, sem mais, utilize a informação bancária obtida legitimamente no âmbito do inquérito criminal, quer lhe seja comunicada pela autoridade judiciária, quer dela tenha tido conhecimento pelo exercício de funções no âmbito das competências que lhe são delegadas no âmbito do inquérito.
IH - A AT pode utilizar essa informação bancária, mas não poderá fazê-lo em prejuízo dos direitos do interessado, o que significa, para além do mais, que não fica dispensada de respeitar o procedimento previsto no art. 63.°-B da LGT, maxime dando início a um procedimento inspectivo, comunicando ao interessado a decisão fundamentada de quebra do sigilo e permitindo-lhe assim sindicar judicialmente essa decisão administrativa.
IV - Se a lei não permite que a AT, sem mais, utilize a informação bancária obtida legitimamente no âmbito do inquérito criminal, quer lhe seja comunicada pela autoridade judiciária, quer dela tenha tido conhecimento pelo exercício de funções no âmbito das competências que lhe são delegadas no âmbito do inquérito, sem que cumpra o procedimento do art.° 63°-B da LGT, também não pode o Tribunal dar esse salto e atropelar a lei.
V - Não pode agora o Tribunal ordenar a junção de tais elementos pois representaria, salvo o devido respeito, um branqueamento avalizado de uma ilegalidade/omissão procedimental da AT que está a montante e que o Tribunal em circunstância alguma deve confortar ou amparar.
VI - A AT juntou ao seu relatório os documentos que possuía e foi com base nos mesmos que também construiu o seu discurso fundamentador, para além do que foi face ao seu teor que os ora recorrentes alicerçaram e gizaram a sua defesa.
VII - Se quanto a estes os ora recorrentes não invocaram a ilegalidade da sua junção, alegando as razões constantes do supra transcrito acórdão, já quanto aqueles que o Tribunal ordenou agora a sua junção não deixam de o fazer expressamente para todos os devidos e legais efeitos, opondo-se à sua junção pelo facto do Tribunal não poder actuar em desrespeito pelo que na lei se dispõe, ou seja, porque não se mostrar cumprido o mecanismo do art.° 63°-B da LGT.
VIII - O processo criminal não prosseguiu para julgamento, conforme resulta do ponto 1. do requerimento da AT de 1.7.2015 e, por isso, não foi facultada aos interessados a possibilidade de aí sindicar os elementos de prova recolhidos no inquérito, como também, e decisivamente, porque os elementos bancários foram obtidos mediante as regras processuais penais aplicáveis no âmbito do inquérito criminal - justificadas pelos fins próprios deste processo - e não para fins tributários e ao abrigo das regras tributárias.
IX - A AT juntou ao seu relatório os documentos que possuía e foi com base nos mesmos que também construiu o seu discurso fundamentador.
X - O “conjunto (física e) juridicamente unitário, documentador do modo como se foi formando e se manifestou ou executou a vontade jurídica da Administração Pública” foi aquele que foi organizado e junto aos autos aquando da contestação, não podendo agora o Tribunal completar o que estava completo.
XI - Ao pretender completar/complementar o Processo Administrativo, o que se entende não poder fazer, o Tribunal esvazia o direito de audiência prévia legalmente reconhecido aos interessados, dado que ele se destina essencialmente a propiciar aos administrados a oportunidade para criticar o juízo de mérito feito pelo órgão competente sobre a apreciação das provas e da sua admissibilidade relativas aos factos tributários considerados.
XII - O Tribunal tem que conhecer da (i)legalidade da actuação da Administração tal como ela ocorreu e com os meios de prova transmitidos e dados a conhecer.
Termos em que e nos mais de direito, deve o presente recurso ser provido e, consequentemente, revogados os despachos recorridos, ordenando-se o desentranhamento dos documentos juntos pela AT e pelo MP em cumprimento daqueles, assim se fazendo justiça.

A Recorrida não contra-alegou.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Com dispensa dos vistos legais cumpre agora apreciar e decidir, visto que nada a tal obsta.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
As questões suscitadas pelos Recorrentes delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões (nos termos dos artigos 608.º, nº 2, 635º, nº 4 e 5 todos do CPC “ex vi” artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do CPPT) são as de saber:

1.1. NO RECURSO DA SENTENÇA RECORRIDA:
(i) Se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, ao sustentar o juízo probatório em documentos obtidos em sede de inquérito criminal, contendo informações bancárias, dos Recorrentes, sendo que as mesmas não foram obtidas através do procedimento previsto no art.º 63.º B da LGT e os Recorrentes não tiveram qualquer intervenção do processo penal, não podendo exercer os seus direitos de controlo e defesa, o que configura violação do direito de acesso ao direito (tutela jurisdicional efetiva) e do direito à reserva da intimidade da vida privada, consagrados nos artigos 20.º, n.º 1 e 2, e 26.º , n.º 1 2 ambos da CRP.
Subsidiariamente:
(ii) Erro de julgamento ao considerar que da prova pericial, que concluiu que “podem ser” dos Recorrentes as assinaturas é uma conclusão de probabilidade positiva, e da mesma resulta suficientemente indiciado que as assinaturas apostas nos aludidos documentos, efetivamente lhe pertencem sendo eles os efetivos beneficiários da conta aberta no banco luxemburguês em nome de S… S.A.
Subsidiariamente:
(iii) A Administração Fiscal não prova que os Recorrentes fossem os beneficiários económicos da sociedade “M..., SA” nos anos de 2005 a 2008, apenas tendo sido dado como provado que: do anexo n.º 4 ao relatório de inspeção referido em 7. consta fotocópia simples de uma “Declaration D’Ayant Droit Economique, Personne Morale” , relativa à conta n.º “ 22 660 M... S.A”, passada em 19-12-2001 pelo Banque ..., na qual estão identificados os Recorrentes J... e de M....

B. NO RECURSO INTERLOCUTÓRIO:
Se o Tribunal incorreu em erro, ao ordenar a junção aos autos de documentos obtidos em sede de inquérito criminal, contendo informações bancárias dos Recorrentes, sendo que as mesmas não foram obtidas através do procedimento previsto no art.º 63.º B da LGT e os Recorrentes não tiveram qualquer intervenção do processo penal, não podendo exercer os seus direitos de controlo e defesa, o que configura violação do direito de acesso ao direito (tutela jurisdicional efetiva) e do direito à reserva da intimidade da vida privada, consagrados nos artigos 20.º, n.º 1 e 2, e 26.º , n.º 1 2 ambos da CRP.

3. JULGAMENTO DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“(…)1. Nos anos de 2005 a 2008 os aqui Recorrentes eram administradores das empresas “D… Supermercados, S.A.” e “D…– Distribuição Alimentar, S. A.”- (cf. relatório de inspeção, de fls. 44 a 48 do processo físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
2. Em data concretamente não determinada, foram realizadas ações inspetivas às empresas das quais os aqui Recorrentes eram administradores nos anos de 2005 a 2008, em cuja sequência foi aberto o processo de inquérito que correu termos nos Serviços do Ministério Público junto do Departamento de Investigação e Ação Penal de Coimbra sob o número de processo 93/08.2IDAVR, designadamente porque ali se concluiu pela existência de fortes indícios da prática de crimes de natureza fiscal (cf. relatório de inspeção, de fls. 44 a 48 do processo físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
3. Em 30-03-2009, foi dado cumprimento a “Mandado de Busca e Apreensão” emitido no âmbito do processo de inquérito referido em 1., tendo sido apreendidos diversos documentos na sede daquelas empresas e na residência dos recorrentes, incluindo documentos bancários de contas particulares (cf. relatório de inspeção, de fls. 44 a 48 do processo físico e respetivos anexos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
4. Ainda no âmbito do referido processo de inquérito, havendo indícios de que as importâncias obtidas com as alegadas práticas fraudulentas praticadas pelos Recorrentes eram depositadas em contas sedeadas no território nacional e no “Banque…”, com sede no Luxemburgo, através de carta rogatória foram solicitadas informações a este Banco (cf. relatório de inspeção, de fls. 44 a 48 do processo físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
5. Em 06-02-2012, foram emitidas pela Direção de Finanças de Aveiro as ordens de serviço internas com os números OI201200582, OI201200583, OI201200584 e OI201200585, na sequência das quais foi iniciada uma ação inspetiva aos recorrentes, que incidiu sobre os exercícios de 2005 a 2008 (cf. relatório de inspeção, de fls. 44 a 48 do processo físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
6. Em 09-04-2012, foi elaborado projeto de relatório da ação inspetiva referida em 4., no qual foi proposta a correção da matéria coletável declarada pelos Recorrentes, através de métodos indiretos e ao abrigo do disposto no artigo 89.º-A, n.º 5, al. a) da LGT, para os seguintes montantes: “Ano de 2005: 1.636.762,98€; -- Ano de 2006: 1.727.614,99€; -- Ano de 2007: 533.411,33€; -- Ano de 2008: 1.038.484,54€”- (cf. projeto de relatório de fls. 44 a 48do processo físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
7. Em 04-05-2012, foi elaborado relatório final na ação inspetiva referida em 5., de fls. 96 a 102 do processo físico que se dá por integralmente reproduzida e do qual se destaca o seguinte:
“(…) analisados os referidos documentos [enviados pelas autoridades judiciais luxemburguesas], verificamos que os mesmos evidenciam a existência de outros rendimentos não tributados em sede de IRS, razão pela qual se procedeu à abertura do presente procedimento inspetivo interno.
(…)
Através da análise aos documentos enviados pelo banco de Luxemburgo, verificamos tratar-se de documentos que refletem por anos, os movimentos das diversas contas, relacionadas com as empresas «M..., SA» e «S… Holding, SA».
Esses documentos para além de fornecerem a evolução mensal de cada conta, indicam a variação da fortuna, por anos, que resulta da soma dos depósitos em numerário (fluxos de caixa) e dos resultados brutos (carteira de títulos), diminuída dos levantamentos.
Conta bancária de «M..., SA»
Relativamente aos movimentos das diversas contas, em nome de M... SA (anexo 1), verifica-se a existência de depósitos (fluxos de caixa), nos anos de 2005 a 2008, no montante total de €4.936.273,84, distribuído pelas contas identificadas no quadro seguinte:
- imagem, omissa -
Através dos elementos rececionados, verificamos que a empresa M... é uma sociedade anónima criada nas Ilhas Virgens da Islândia em 25-09-01, sendo os beneficiários económicos dos depósitos efetuados naquelas contas, os sujeitos passivos “J...” e “M...”, conforme consta do anexo 2.
(…)
Por outro lado, no âmbito das buscas, foi apreendido, na sede da empresa “D…” (…), uma folha A4, com um esquema, onde consta a inscrição manual «feito Dr. P… » (técnico de contas das várias empresas do casal), em que se verifica a relação entre as empresas pertencentes ao casal de administradores dos I... (…) e «M...», conforme se verifica através do anexo 3.
Ressalta desse esquema, que, para além da Holding Operativa (ou seja «S… Holding, S. A.»), onde o casal aplica os seus capitais, confirma-se a existência de uma outra empresa, denominada «M..., S. A.» em cuja conta bancária são efetuadas também aplicações financeiras, por parte do casal.
A sociedade «S… Holding S.A», sedeada em 16, Boulevard Emmanuel Sevai, L-2535 Luxembourg, tem como únicos beneficiários económicos da conta nº 22 650 “J...” e “M...”, a partir de 28/02/2005, conforme se verifica através do anexo 4.
Pelo que foi possível constatar, a conta 22 650, permite aos sujeitos passivos acederem ao crédito. No entanto, a avaliar pela variação dos saldos mensais, tal conta, não tem sido muito utilizada. Isto é, inicia em 01-01-2005, com um saldo devedor de €1.684.449,23 e à data de 31 de dezembro de 2008, apresenta um saldo da mesma natureza, de €2.051.908,57, conforme se verifica através anexo 5.
Assim, o saldo negativo da conta 22 650 da «S...» é garantido pela conta 22 660, em nome da «M..., SA». Isto mesmo é constatado através da correspondência trocada, entre o Banco… e o sujeito passivo «R… », onde se verifica a transferência de dinheiro entre aquelas contas (anexo 6).
Foi ainda apreendido (…) um dossier do Banco…, onde consta um resumo dos montantes em carteira, em 14 de maio de 2007, no valor de €7.364.888.33, do qual se extraiu o anexo 7.
(…) Através do saldo a 31 de dezembro de 2006, no montante de €4.596.361,81, indicado nesse dossier, foi possível fazer associação deste documento com a conta 22 660, em nome da «M..., SA», em anexo 1.
(…)
Dispõe a alínea d) do nº 1 do artigo 9º do CIRS que constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias, os acréscimos patrimoniais não justificados, determinados nos termos dos artigos 87º, 88º ou 89º-A da Lei Geral Tributária.
A alínea f) do artigo 87º da LGT estipula que a avaliação indireta pode efetuar-se no caso de existência de uma divergência não justificada, de pelo menos 1/3 entre os rendimentos declarados e o acréscimo de património ou o consumo evidenciados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação.
Assim, a avaliação indireta assentou nos extratos bancários e outros elementos recolhidos no âmbito do processo de inquérito (carta rogatória solicitada a Luxemburgo), nos termos do nº 11 do art. 89º-A da LGT, que refere que «(…) a avaliação indireta no caso da alínea f) do artigo 87º da LGT, deve ser feita num âmbito de um procedimento que inclua a investigação das contas bancárias, podendo no seu decurso o contribuinte regularizar a situação tributária, identificando e justificando a natureza dos rendimentos omitidos e corrigindo as declarações dos respetivos períodos (…)».
(…)
Ora, se por um lado, se verifica que:
- Os valores dos depósitos efetuados em contas bancárias sedeadas no território nacional, titulados pelos sujeitos passivos, ascendem a €2.111.271,40, respeitando o montante de €193.880,60 (2005); €501.086,60 (2006); €963.320,00 (2007); €359.872,26 (2008) e €93.561,94 (2009);
- Os montantes apreendidos na residência dos sujeitos passivos em 2009 ascendem a €255.500,84;
- Os depósitos efetuados em contas bancárias sedeadas no Luxemburgo, cujos beneficiários são os sujeitos passivos, ascendem a €4.936.273,84, correspondendo o montante de €1.636.762,98 (2005), €1.727.614,99 (2006), €533.411,33 (2007) e €1.038.484,54 (2008).
Por outro lado, verifica-se que:
- Os rendimentos declarados pelo sujeito passivo e cônjuge, não comportam, em cada ano, o referido acréscimo patrimonial, porquanto cingiram-se apenas ao total de €627.341,79, cabendo: €97.250,74 (2005), €100.567,20 (2006) – Rendimentos Globais Brutos – alínea d) do n.º 5 do artigo 89.º-A da LGT – redação anterior à Lei n.º 94/2009, de 1 de setembro) e €93.034,04 (2007), e €93.613,64 (2008) e €242.876,17 (2009) (Rendimentos Globais Líquidos – atual redação da alínea d) do n.º 5 do artigo 89.º-A da LGT), conforme se resume no quadro seguinte:

Questionados os sujeitos passivos, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 89.º-A da LGT, sobre a origem daqueles rendimentos, não foi prestado, até à data, qualquer esclarecimento e/ou justificação, pelo que os valores em causa, passam a constituir rendimentos auferidos pelos sujeitos passivos, integrando o seu património.
Assim, face às divergências não justificadas quando comparadas com os rendimentos declarados, estão reunidos os pressupostos para o recurso à avaliação indireta, previstos na alínea f) do artigo 87º da LGT, de molde a ser determinado o rendimento tributável dos sujeitos passivos, para os anos de 2005 a 2009.
Estes incrementos patrimoniais não justificados e determinados nos termos do artº 87º e 89º-A da LGT, constituem rendimentos da Categoria G, de acordo com o descrito na alínea d) do nº 1 do artigo 9º do CIRS.
(…)
Ora, no caso em apreço, não restam dúvidas que a titularidade dos bens (dinheiro proveniente de depósitos), correu nos períodos de tributação (2005 a 2008), em que os mesmos constam como depositados nos extratos bancários.
(…)
Reunidos que estão os pressupostos para a aplicação dos métodos indiretos, propomos os seguintes incrementos patrimoniais a tributar, no âmbito do presente procedimento inspetivo interno, correspondente aos depósitos efetuados nas contas bancárias de Luxemburgo, conforme quadro seguinte:

(…)».
8. Do anexo n.º 4 ao relatório de inspeção referido em 7. consta fotocópia simples de uma “Declaration D’Ayant Droit Economique, Personne Morale”, relativa à conta n.º “22 660 M... S. A”, passada em 19-12- 2001 pelo Banque ..., na qual estão identificados os aqui Recorrentes J... e de M... (cf. fls. 75 do processo físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
9. Do mesmo anexo n.º 4 consta ainda fotocópia simples de uma “Declaration of the Economic Beneficiary”, relativa à conta n.º “22650 S..., S. A.”, passada em 28-02-2005 pelo Banque ..., onde constam os nomes de J... e de M..., bem como quatro assinaturas, encontrando-se duas abaixo da menção “The Client A”, duas abaixo da menção “The economic beneficiary A”, uma abaixo da menção “The economic beneficiary B” e outra aposta no carimbo com a menção “CONTRÔLE SIGNATURE”(cf. fls. 77 e 78 do processo físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
10. O anexo n.º 6 do relatório de inspeção referido em 7. consiste numa comunicação dirigida “A l’attention de Madame R…, Fax: 00…”, remetida por M… e K…, na qual pode ler-se “Nous profitons de la presente, pour vous faire parvenir une instruction de transfert de M… vers S..., afin de couvrir le débit de €10.808,44 due aux intérêts du prêt déjá débiter. Je vous demande de bien vouloir la signer et nous la renvoyer par fax au nº +352 2488 8338. (…)” (cf. comunicação de fls. 89 do processo físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
11. Do anexo n.º 6, referido no ponto anterior consta ainda uma comunicação, dirigida ao Banque…, ostentando a data de 02-07-2007, na qual pode ler-se, designadamente, o seguinte (cf. comunicação de fls. 90 do processo físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido):
“Concerne: Compte nº 22 660
Messieurs,
Je vous prie de bien vouloir débiter le compte nº 22 660 de la somme de EUR 20.000,- (vingt mille euros) et créditer le compte 22 650 «S... S.A.» également ouvert en vos livres”.
12. No âmbito dos presentes autos, foi realizado exame pericial pelo Núcleo de Ciências Forenses, de fls. 1131 a 1149 que se dá por integralmente reproduzido, tendo por objeto “averiguar se a escrita não original de cinco assinaturas, que constam na reprodução de um formulário bancário, é do punho de J... ou de M...”, em que o documento contestado é indicado como DC1 e é constituído por “reprodução de formulário bancário intitulado «Declaration of the Economic Beneficiary» do «Banque… », com data de 28/02/2005, constituída por duas folhas A4 juntas a fls. 120 a 121 dos Autos (com cópia adicional a fls. 45 e 46). Nela consta a reprodução das assinaturas contestadas apostas nos campos «The Client A» (DC1.1 e DC1.2) e «The economic beneficiary A B» (DC1.3, DC1.4 e DC1.5” (cf. relatório pericial junto a fls. 2522 a 2625, cujo teor se dá por integralmente reproduzido), no qual se concluiu que «a rúbrica contestada DC1.3, reproduzida na segunda folha de DC1, [cfr. fls. 1153] pode ser do punho de J...» e que «a escrita da rubrica contestada DC1.4, reproduzida na segunda folha de DC1. pode ser do punho de M...».
13. A escala de probabilidades em que se basearam as conclusões referidas em 18. foi a seguinte (cf. relatório pericial junto a fls.1131 a 1149 do processo físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido):

*
A convicção do tribunal baseou-se no teor dos documentos referidos em cada uma das alíneas antecedentes. .(…)

4. JULGAMENTO DE DIREITO
Para compreensão da questão importa fazer uma ligeira incursão na tramitação dos autos que conduziram ao presente recurso.
Em 16.08.2012, foi proferida a sentença pelo TAF de Leiria da qual foi objeto de recurso.
Em 21.03.2013, foi proferido acórdão pelo Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), (fls. 560 a 615) no qual foi decidido: “- (…) - Julgar procedente o recurso jurisdicional interposto pelos Recorrentes e, em consequência, anular a sentença recorrida ordenando a baixa dos autos á 1.ª instância a fim de aí serem realizadas as diligências de prova necessárias ao apuramento da identidade dos beneficiários económicos das contas existentes no «Banque… » em nome da M... S.A..» (contas nºs 22660, 22661, 22662, e 22663) seguindo posteriormente os autos a sua normal tramitação.”
Após, a baixa dos autos à 1.ª instância, e em 17.05.2015, foi ordenado a junção aos autos “cópias de todos os documentos que foram enviados pelo Privée Edmond Rothchild Europe na sequência da carta rogatória enviada pelo Ministério Público. E que sustentaram o relatório inspetivo.” E foi solicitado ao Processo de Inquérito n.º 93/08.2DAV, certidão das informações obtidas através de carta rogatória, e relativas à titularidade das contas por parte de M... e J....

Os Recorrentes apresentam recurso para o Supremo Tribunal Administrativo (STA) no qual pugnam pela revogação dos despachos e o desentranhamento das informações juntas, ao processo pela Administração Tributária e pelo Ministério Público, o qual só subiu com a decisão final.

Por despacho de 28.03.2016 (fls. 987 a 989 do processo físico), foi aberto o incidente de derrogação do sigilo bancário, autuado por apenso, - 344/12-A - que por acórdão deste TCAN de 28.04.2016 (fls. 113 a 120 do apenso) decidiu não conhecer do incidente de quebra do sigilo bancário.

Em 11.12.2017, foi proferida sentença que considerou que os Recorrentes são efetivamente os beneficiários económicos das contas bancárias abertas Banque… em nome da M... S.A e S… Holding S.A., julgando improcedente o recurso e mantendo o ato recorrido.

Desta sentença vem interposto o presente recurso para o TCAN.

A instância deste Tribunal, foram os Recorrentes e Recorrido notificados, nos termos do n.º 1 do art.º 655.º do CPC, para se pronunciar relativamente à questão equacionada nas conclusões i) a xxi), no sentido que era insuscetível de conhecimento face ao decidido no acórdão do TACN n-º 344/12.9 de 21.03.2013, por eventual preclusão do direito ou e formação do caso julgado.

Os Recorrentes pronunciaram-se, após fazer o enquadramento doutrinal do caso julgado formal e autoridade de caso julgado, defenderam que a matéria levada às conclusões não tinha sido anteriormente apreciada e julgada no acórdão do TCAN.
Por sua vez, a Recorrida entende que existe formação de caso julgado relativamente àquelas questões, concluindo ter precludido e ou caducado o direito de os Recorrentes reagirem agora contra diligências praticadas pelo Tribunal à quo em cumprimento do acórdão do TCAN.

4.1. Antes de mais, importa referir que o recurso do despacho interlocutório é dirigido ao Supremo Tribunal Administrativo (STA) e o recurso da decisão final é dirigido a este Tribunal Central Administrativo Norte.
Determina o n.º 1 do artigo 285.º, CPPT que “Os despachos do juiz no processo judicial tributário e no processo de execução fiscal podem ser impugnados no prazo de 10 dias, mediante requerimento contendo as respectivas alegações e conclusões, o qual subirá nos autos com o recurso interposto da decisão final.”
Preceitua, por sua vez, o artigo n.º 1 do 280.º do mesmo diploma, que das decisões dos tribunais de 1ª instância cabe recurso para o Tribunal Central Administrativo, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que cabe recurso, para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
Relativamente à cumulação de recursos prevê o n.º 3 do artigo 285.º, que: Em caso de cumulação de impugnação do despacho interlocutório com fundamento em matéria de facto ou de facto e de direito e da impugnação judicial da decisão final com fundamento exclusivamente em matéria de direito, o recurso do despacho interlocutório é processado em separado”.
Resulta das conclusões de recurso interlocutório que o fundamento apresentado pelos Recorrentes constitui apenas matéria de direito.
Das conclusões de recurso da decisão final, também interposto pelos mesmos Recorrentes, os fundamentos são constituídos, desde logo, por matéria de facto e de direito.
Resulta do nº 3 do artigo 285.º do CPPT que apenas se preveem os casos em que o recurso do despacho interlocutório tem por fundamento matéria de facto, ou facto e direito, e apenas o recurso da decisão final tem por fundamento matéria de direito.
Como refere o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, In Código de Procedimento e de Processo Anotado e Comentado, 6ª edição 2011, IV Volume, anotação 12 ao artigo 285º, pág. 504 Na situação oposta, quando o recurso da decisão final incluir nos seus fundamentos matéria de facto e o recurso do despacho interlocutório tiver por fundamento apenas matéria de direito, não haverá este processamento em separado, sendo ambos nos recursos apreciados pelo tribunal central administrativo, territorialmente competente, que é o competente para o conhecimento daquele primeiro recurso.
Esta é a solução que o STA já vinha adoptando também para os casos em que há mais do que um recurso da decisão final e apenas um deles se inclui matéria de facto como fundamento, situação em que tem entendido que é ao tribunal de 2ª instância que cabe a competência para o conhecimento de ambos os recursos, por a intervenção do STA, com meros poderes de revista pressupor uma fixação tendencialmente definitiva da matéria de facto (…).”
Nesta conformidade, o TCA Norte é competente para conhecer ambos os recursos interpostos, pois é este Tribunal o competente para conhecer o recurso interposto da decisão final.

4.2. Atenta à similitude das questões equacionadas no recurso do despacho interlocutório e no da sentença, sendo a desta mais abrangente consumindo a questão do citado despacho, iniciaremos a apreciação pelo recurso da decisão final.

A primeira questão equacionada no recurso pelos Recorrentes, nas conclusões i) a xxi), prende-se em saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, ao sustentar o juízo probatório em documentos obtidos em sede de inquérito criminal, contendo informações bancárias dos Recorrentes, sendo que as mesmas não foram obtidas através do procedimento previsto no art.º 63.º B da LGT e os Recorrentes não tiveram qualquer intervenção do processo penal, não podendo exercer os seus direitos de controlo e defesa, o que configura violação do direito de acesso ao direito (tutela jurisdicional efetiva) e do direito à reserva da intimidade da vida privada, consagrados nos artigos 20.º, n.º 1 e 2, e 26.º, n.º 1 2 ambos da CRP.
Vejamos:
Analisada a petição inicial, bem como a sentença proferida em 16.08.2018 e o Acórdão deste TCAN de 21.03.2013, as questões equacionadas pelos Recorrentes na petição inicial foram: a falta de pressupostos para o recurso à avaliação indireta, inadmissibilidade da aferição do acréscimo patrimonial ser realizado por referência conjunta ao agregado familiar, erro nos pressupostos de direito, erro na base de cálculo da matéria tributável por ter sido efetuada por recurso aos rendimentos brutos em vez dos rendimentos líquidos, a omissão do dever de investigação, preterição de audiência de interessados e falta de fundamentação.
A sentença do TAF de Leiria, concedeu provimento ao recurso somente na parte relativa à falta de fundamentação.
Desta sentença, foram interpostos recurso pelos ora Recorrentes, e pelo Diretor de Finanças de Coimbra tendo neste recurso os Recorridos- ora Recorrentes- ampliado o objeto do recurso, pugnando por erro de julgamento: (i) ao ter entendido que o acréscimo patrimonial não justificado deve ser aferido por referência conjunta ao agregado familiar e não relativamente a cada um dos sujeitos passivos que constituem esse agregado [conclusões 1. a 13]; (ii) Ao não ter apreciado e valorado a inobservância do princípio do inquisitório pela Administração Tributária [conclusões 14, a 21]; (iii) Ao ter dado como provado que os Recorrentes eram os beneficiários económicos da M..., S.A. nos exercícios económicos de 2005 a 2008 [conclusões 21-27].
No recurso interposto pelo Diretor de Finanças de Coimbra, estava em questão saber se houve erro de julgamento do Tribunal a quo ao ter julgado procedente o vício de falta de fundamentação do ato impugnado.
No acórdão deste TCAN n.º 344/12.9BECBR de 21.03.2013, proferido neste processo foi considerado que o ato se encontrava formalmente fundamentado, uma vez que se mostrava contextualizado no Relatório sobre a qual foi proferida, cuja factualidade e fundamento jurídico acolhe, sendo estes, no mínimo, suficientemente reveladores das razões que determinaram a decisão apresentada de forma a permitir, a qualquer destinatário mediano, a sua compreensão.
E prossegue o mesmo acórdão referindo “(…)Donde, em conclusão, resulta claramente do Relatório que a Administração Fiscal investigou e recolheu elementos dos quais extraiu, bem ou mal não é apreciável neste momento, que os Recorrentes são beneficiários económicos de contas bancárias sediadas no estrangeiro em nome de uma sociedade, cujos movimentos bancários controlam e onde foram sendo depositados valores que constituem incremento patrimonial relevante para efeitos do preceituado na al. f) do n.° 1 do artigo 89° da Lei Geral Tributária o que determinou a Administração Tributária (por não terem os sujeitos passivos, nem na sequência do pedido de colaboração, nem posteriormente em sede de audiência prévia, justificado a origem daqueles rendimentos) a recorrer à determinação da matéria colectável por recurso aos métodos indirectos e á quantificação dos valores devidos a titulo de IRS.
Não há, repita-se, nada de incompreensível ou confuso nessa decisão.
O que poderia ter acontecido era a Administração Tributária não ter logrado provar os pressupostos legitimadores do recurso aos métodos indirectos.
No entanto, a sentença recorrida entendeu que os mesmos estavam preenchidos, pelo que não havendo dúvidas de que não se verifica o vício de falta de fundamentação formal e de que nesta parte a sentença é merecedora de censura, há que passar à apreciação do recurso interposto pelos Recorrentes/contribuintes. (…)”
No que concerne ao recurso dos, ora Recorrentes, o acórdão de 21.03.2013 após se desembaraçar e interpretar as questões equacionadas pelos Recorrente refere que: “(...)Delimitado, assim, o parâmetro de apreciação da questão colocada a este Tribunal, e esquecendo a incorrecção da terminologia utilizada – (…) - importa agora passar directamente ao ponto crucial da questão da impugnação do julgamento de facto realizado.
Assim, e no que tange ao anexo 3, documento do qual consta a menção «Feito Dr. P… », é manifesta a improcedência da pretensão dos Recorrentes.
(…)
Vejamos agora se deve ser atendida a impugnação que os Recorrentes também fazem do facto de ter sido dado como provado que são os beneficiários dos depósitos efectuados nas contas da “M…, S.A» com base nos documentos constantes de fls. 75, 77, 89 e 90, novamente porque o Tribunal não podia ter dado relevância probatória a tais documentos, cuja genuidade tinha posto em causa sem que a Administração Tributária tivesse logrado fazer prova do contrário.
Para tanto importa fazer notar que os documentos referidos são os anexos 2, 3, 4 e 6 do Relatório de Inspecção Tributária.
Esses anexos, como evidenciam os autos e a matéria de facto apurada, foram levados ao conhecimento dos Recorrentes pela primeira vez, pelo menos seguramente, através da certidão por estes requerida no processo de inquérito [confirmada pelos próprios no procedimento de inspecção destes autos por requerimento de 7 de Março de 2012 (cfr. relatório de inspecção, fls. 46) o que motivou até que a Administração Fiscal tivesse, com base nesse requerimento e acordo dos Recorrentes, julgado prejudicada a satisfação do pedido dos Recorrentes de terem acesso a esses mesmos elementos], depois com a sua notificação para efeitos de audiência prévia (realizada não só com o projecto de decisão e do respectivo relatório e de todos os anexos, incluindo os documentos que vimos referindo) e, por último, com o ofício de 16 de Maio de 2012, através do qual foram notificados da decisão final, do relatório integral e anexos.
E prossegue o acórdão referindo que (…) Depois, porque os Recorrentes impugnaram as assinaturas constantes dos elementos documentais enviados pela instituição bancária e através dos quais foi realizada a identificação dos beneficiários económicos das contas existentes em nome da M...S.A
Ora, nos termos do artigo 374°. n.° 2 do Código Civil. «Se a parte contra quem o documento é apresentado impugnar a veracidade da letra ou da assinatura ou declarar que não sabe se são verdadeiras, não lhe sendo elas imputadas, incumbe à parte que apresentar o documento a prova da sua veracidade», pelo que, relativamente aos documentos de fis, 75 e 77. se impunha que a Administração Fiscal tivesse feito prova da autenticidade das respectivas assinaturas, por disso depender a prova daquele facto essencial (“facto manifesto”) à determinação da matéria colectável nos termos em que foi feita (‘manifestação de fortuna”).
É certo que para o Meritíssimo Juiz a quo (como se vê da fundamentação jurídica da sentença), a prova desse facto não resultou exclusivamente daqueles documentos mas também de outros, designadamente da troca de correspondência realizada entre os Recorrentes e a referida instituição bancária, apreendida na residência daqueles e em empresas por eles administradas, apreensão que não foi posta em causa pelos impugnantes.
Contudo, para além de tais documentos também se encontrarem impugnados (
porque necessariamente se têm que entender como englobados na impugnação realizada na petição inicial), não têm por si só, força probatória bastante para provar que os Recorrentes são os beneficiários económicos das contas. Terá sido essa a razão por que os elementos documentais de fls. 75 e 77 foram solicitados pelas autoridades nacionais às autoridades luxemburguesas (que os pediram ao «Banque… ») e que o Tribunal fundou neles, e não nessa correspondência ou no esquema que constitui anexo 3, aquela prova de qualidade de beneficiários económicos.
Temos, pois, por seguro, face á posição assumida pelos Recorrentes que, no caso, se impunha que a Administração Fiscal tivesse feito prova da autenticidade das assinaturas apostas nos documentos enviados pelo Banco ou prova da informação neles referida de que os beneficiários económicos das respectivas contas bancárias são os Recorrentes.
Não o tendo feito, exigia-se que o Tribunal:
- Atenta a importância do apuramento desse facto - as entradas na conta do Luxemburgo eram o «facto manifesto», a manifestação de fortuna de cuja prova estava absolutamente dependente a verificação dos pressupostos da tributação por esta via - e estando impugnada a assinatura dos documentos que «manifestavam» o acréscimo, indagasse precisamente para verificar se estavam reunidos os pressupostos deste método indirecto e, consequentemente, ordenasse oficiosamente (ao abrigo do artigo 13° do CPPT) a realização de diligências instrutórias possíveis e adequadas ao apuramento da verdade aparentemente revelada pelos mesmos documentos, nomeadamente, recorrendo ao exame de letra e assinatura do documento ou à comprovação da identificação dos beneficiários económicos através de outros documentos, ou mesmo, da obtenção dessa informação junto da instituição bancária em referência, efectuando depois o julgamento final
(
decidindo não só de facto e de direito, como pronunciando-se também sobre a forma como os Recorrentes se defenderam dos factos que lhe são imputados, nomeadamente, na parte em que questionam a veracidade dos documentos enviados e as assinaturas que lhes são imputadas neles apostas);
- Em última instância, não sendo alcançável a formação de uma convicção próxima da certeza factual, fizesse funcionar as regras do ónus da prova, fazendo recair sobre a Administração Tributária as consequências da falta da prova do facto (cfr. arts, 342° e ss do CC).
Donde que, perante o que se expôs, forçoso é concluir que assiste razão aos Recorrentes quanto ao erro de julgamento de facto impondo-se, em conformidade, a anulação nesta parte da sentença e a remessa dos autos à 1ª instância para ai serem realizadas as diligências instrutórias necessárias à prova do facto impugnado que sejam sugeridas pelas partes ou oficiosamente determinadas pelo Tribunal. (..)”
Em cumprimento do citado acórdão foi proferida sentença em 11.02.2017, aqui recorrida, a qual deu integral cumprimento ao acórdão procedendo a diligências instrutórias necessárias e concluiu que os Recorrente eram os beneficiários económicos das contas existentes no «Banque… » em nome da M... S.A.» (contas n.°s 22660, 22661, 22662 e 22663).
Entendem agora os Recorrentes, nas conclusões i) a xxi), que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, ao sustentar o juízo probatório em documentos obtidos em sede de inquérito criminal, contendo informações bancárias dos Recorrentes, sendo que as mesmas não foram obtidas através do procedimento previsto no art.º 63.º B da LGT e que não tiveram qualquer intervenção do processo penal, não podendo exercer os seus direitos de controlo e defesa, o que configura violação do direito de acesso ao direito (tutela jurisdicional efetiva) e do direito à reserva da intimidade da vida privada, consagrados nos artigos 20.º, n.º 1 e 2, e 26.º, n.º 1 2 ambos da CRP.
Mas não tem razão, uma vez que a sentença recorrida moveu-se e atuou dentro dos termos do acórdão deste TCAN, o qual transitou em julgado.
A figura jurídico-processual do caso julgado, como decorre do disposto nos artigos 580.º, 581.º, 619.º, 620.º, 621.º e 625.º do Código de Processo Civil, pressupõe a existência de uma decisão que resolveu uma questão que se entronca na relação material controvertida ou que versa sobre a relação processual, e visa evitar que essa mesma questão venha a ser definida, mais tarde, em termos diferentes, pelo mesmo ou por outro tribunal.
O caso julgado constitui uma excepção dilatória de conhecimento oficioso, que, a verificar-se, obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e conduz à absolvição da instância (cfr. Alínea i) do art.º 577.º do CPC).
De acordo com o n.º 2 do art.º 580.º do CPC, “as excepções de litispendência e do caso julgado tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.”
Por sua vez, o n.º 1 do artigo 619.º do Código de Processo Civil, preceitua que, “[t]ransitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º”; e o subsequente artigo 620.º, com a epígrafe Caso julgado formal, estipula que “[a]s sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo” (n.º 1), salvo relativamente aos despachos previstos no artigo 630.º (n.º 2) e o artigo 621.º estabelece que ” [a] sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga […]”.
Relembre-se que, nos termos do artigo 628.º do CPC, «[a] decisão considera-se transitada em julgado, logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação”.
E como é amplamente defendido pela doutrina e jurisprudência o instituto do caso julgado encerra duas vertentes que, embora distintas, se complementam: (i) uma, de natureza positiva, quando faz valer a sua força e autoridade, que se traduz na exequibilidade das decisões; e (ii) a outra, de natureza negativa, quando impede que a mesma causa seja novamente apreciada pelo mesmo ou outro tribunal (A. dos Reis, CPC. anotado, vol. III, pág.93).
No entanto, na análise do caso julgado há assim que ter em conta duas vertentes que não se confundem: (i) uma, que se reporta à exceção dilatória do caso julgado, cuja verificação pressupõe o cotejo de duas decisões – estando uma delas já transitada em julgado - e uma tríplice identidade entre ambas: de sujeitos, de causa de pedir e de pedido; (ii) e, a outra respeitante à força e autoridade do caso julgado, decorrente de uma anterior decisão que haja sido proferida, designadamente no próprio processo, sobre a matéria em discussão, que se prende com a sua força vinculativa (cfr. Ac. do STJ241/07.0OTTLSB.L1.S1, de 20.6.12, disponível em www.dgsi.pt).
E como refere o acórdão do STJ de 20.6.2012 citando Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Volume III, páginas 60 e 61“[...]Enquanto que a força e autoridade do caso julgado tem por finalidade evitar que a relação jurídica material, já definida por uma decisão com trânsito, possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica, a excepção destina-se a impedir uma nova decisão inútil, com ofensa do princípio da economia processual”.
Quanto ao âmbito objectivo do caso julgado – seus limites objectivos – e que respeita à determinação do quantum da matéria que foi apreciada pelo tribunal, tem vindo a ser sustentado maioritariamente, na esteira da doutrina defendida por Vaz Serra (R.L.J. 110º/232), que a força do caso julgado não incide apenas sobre a parte decisória propriamente dita, antes se estende à decisão das questões preliminares que foram antecedente lógico, indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado, tudo isto “ (...) em nome da economia processual, do prestígio das instituições judiciárias e da estabilidade e certeza das relações jurídicas” (Acórdão do S.T.J. de 10/7/97 in C.J. S.T.J., V, II, 165).(…)”
Donde, a questão que agora os ora Recorrentes pretendem ver apreciada - o juízo probatório em documentos obtidos em sede de inquérito criminal, contendo informações bancárias – contende com a autoridade do caso julgado, proferido pelo TCAN de 21.03.2013, transitada em julgado que apreciou, o valor probatório atribuído aos documentos impugnados pelos Recorrente ordenando a baixa dos autos à 1.ª instância para, proceder a realização de diligências de prova.
Destarte, constata-se a existência de obstáculo legal ao conhecimento da questão da legalidade da prova obtida mediante os documentos de fls. 75, 77, 77, 89 e 90 dos autos por se ter formado caso julgado o que conduz à irrecorribilidade da decisão nesse segmento.
Nesta conformidade, e após ter sido dado cumprimento ao disposto no artigo 655.º do CPC, não se conhece do recurso, na parte sustentado nas conclusões i) a xxi).

4.3. Nas conclusões xxii) a xxvii), os Recorrentes, subsidiariamente ao pedido anterior, imputam à sentença recorrida erro de julgamento ao considerar que da prova pericial, que concluiu que “podem ser” dos Recorrentes as assinaturas é uma conclusão de probabilidade positiva, e da mesma resulta suficientemente indiciado que as assinaturas apostas nos aludidos documentos, efetivamente lhe pertencem sendo eles os efetivos beneficiários da conta aberta no banco luxemburguês em nome de S… S.A.
Vejamos:
Os Recorrentes discordam da valoração efectuada pelo Tribunal à quo do resultado da perícia efectuado à letra e assinaturas dos Recorrentes e das conclusões que o tribunal dai retirou.
O art.º 388.º do Código Civil, relativamente à prova pericial refere que “tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial”.
Por sua vez, o art.º 389.º do mesmo diploma estabelece que “ [a] força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal.
Por sua vez, o n.º 5 do art.º 607.º do CPC, preceitua que “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
No julgamento da matéria de facto e com base nos princípios da imediação, da oralidade e da concentração, o tribunal aprecia livremente as provas, segundo a sua prudente convicção, ou seja, depois da prova produzida, o tribunal tira as suas conclusões, em conformidade com as impressões recolhidas e com a convicção que através delas se foi gerando no seu espírito, de acordo com as regras da ciência, do raciocínio, e das máximas da experiência, que forem aplicáveis, ficando afastadas as situações de prova legal que se verifiquem, por força do disposto nos artigos 350.º, nº 1, 358.º, 371.º e 376.º, todos do Código Civil, nomeadamente, da prova por confissão, por documentos autênticos, por certos documentos particulares quanto à materialidade das suas declarações e por presunções legais.
O que significa é que essa análise não estar sujeita a ditames pré-estabelecidos, antes se dever sustentar num convencimento racional e alicerçado em instrumentos objetivos capazes de persuadir com uma certeza razoável acerca de cada facto.
E como reconhecem os Recorrentes, nas suas motivações das alegações de recurso, é certo que a prova pericial, em processo civil, se encontra submetida ao regime da liberdade de apreciação da prova pelo tribunal, podendo o juiz decidir de modo diferente das conclusões periciais impõe-se-lhe um dever de fundamentação especialmente prudente quando a perceção do facto implique conhecimentos especiais de perícia.
Com efeito, a sentença recorrida não decide de forma diversa das conclusões periciais, aceita o juízo pericial, embora refira que não é retumbante.
Refere a sentença recorrida que “É certo que da prova pericial apenas resulta que as assinaturas constantes da declaração de beneficiário económico analisada “podem ser” dos Recorrentes. De facto, o exame pericial à letra e à assinatura apenas conclui com base em probabilidades, não podendo apresentar conclusões de absoluta certeza ou de total impossibilidade de as assinaturas analisadas pertencerem aos recorrentes. Contudo, a conclusão de “podem ser” é ainda uma conclusão de probabilidade positiva, encontrando-se acima do resultado inconclusivo, pelo que da prova pericial realizada resulta suficientemente indiciado que as assinaturas apostas no aludido documento e impugnadas pelos Recorrentes efetivamente lhes pertencem sendo eles os efetivos beneficiários económicos da conta aberta no referido banco luxemburguês em nome de “S…, S. A.”.
Esta convicção é confirmada pelos demais documentos juntos aos autos, designadamente aqueles que já constavam do relatório final do procedimento inspetivo da AT e que no âmbito desse procedimento foram apreendidos diretamente na residência dos Recorrentes. Na verdade, resulta da experiência comum que ninguém possui na sua habitação documentos com a sua assinatura sem saber se esta foi ou não por si aposta. Também é totalmente contra o senso comum que quem está identificado como beneficiário económico de uma conta bancária e possui, no seu domicílio, os respetivos extratos bancários e anotações feitas pelo contabilista das suas empresas a respeito dos movimentos dessas contas, não seja, de facto, o respetivo beneficiário económico.
Ora, ainda que a veracidade das assinaturas apostas num desses documentos tenha sido impugnada pelos Recorrentes, tal apenas implica que esse documento não pode ter força probatória plena, não impedindo o julgador de apreciar livremente esses meios de prova, designadamente conjugando-os com outras provas coligidas no processo. “Encontrando-se perante a prova documental, o julgador pode dela retirar as ilações e inferências que julgue apropriadas e pertinentes face ao seu conteúdo, ou seja, avalia, estima e determina o seu valor probatório, fixando a materialidade adequada conforme a sua convicção (normalmente conjugada com os outros elementos probatórios produzidos).” (v. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-02-2017, Proc. n.º 2294/12.0TVLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt).”
No que concerne reexame do julgamento de facto, o tribunal ad quem reaprecia as provas e formula o seu próprio juízo probatório, ora aderindo ao antes formulado pelo tribunal a quo se achar que, no geral, a convicção se sustenta objetiva e ajustadamente nos meios de prova disponíveis, ora reconvertendo-o na medida em que ache que estes meios, seguindo idêntico critério, conduzem a distinta ilação.
O entendimento sufragado pela sentença recorrida, face às provas existentes não nos merece qualquer reparo. Pois de toda prova produzida concatenada entre si, nomeadamente, o exame pericial à letra e assinatura, constante de fls. 1131 a 1149, melhor identificado no ponto 12 da matéria de facto, e todos os restantes meios de prova existente nos autos autorizam esse julgamento.
Os Recorrentes nas suas conclusões discorrem sobre a significado do “grau de provável” tentando sustentar o erro de julgamento, não despendendo qualquer esforço no sentido de demonstrar que tal juízo é inadequado (não ajustado) a um juízo de certeza aceitável por força do art.º 346º do código civil.
Alega ainda os Recorrentes que é errada a asserção da sentença recorrida que talconvicção é confirmada pelos demais documentos juntos aos autos, designadamente aqueles que já constavam do relatório final do procedimento inspetivo da AT e que no âmbito desse procedimento foram apreendidos diretamente na residência dos Recorrentes. Na verdade, resulta da experiência comum que ninguém possui na sua habitação documentos com a sua assinatura sem saber se esta foi ou não por si aposta. Também é totalmente contra o senso comum que quem está identificado como beneficiário económico de uma conta bancária e possui, no seu domicílio, os respetivos extratos bancários e anotações feitas pelo contabilista das suas empresas a respeito dos movimentos dessas contas, não seja, de facto, o respetivo beneficiário económico”,
Alegam que possuíam na sua residência um documento que os identifica como beneficiários económicos, datada de 19.12.2001 (sendo que a busca é de 30.3.2009); que não tinham na sua residência quaisquer extratos bancários; não tinham anotações feitas pelo contabilista das suas empresas a respeito dos movimentos dessas contas.
Não tendo os Recorrentes impugnado a matéria de facto provado, nomeadamente os factos provados nos pontos 3, 7, 8, 9, 11 e 12, é lícito ao tribunal segundo as regras de experiência comum conjugadas com as regras da ciência, do raciocínio, e das máximas da experiência, extrair tais ilações.
Por fim, os Recorrentes na conclusão xxvii) alegam que a ilação retirada é contrário ao senso comum e do princípio da separação de poderes, é o Tribunal dizer o que a Administração Fiscal não diz, sendo que os tribunais fiscais apenas têm competência para aferir se o ato tributário, tal qual se encontra recortado pelos seus fundamentos de facto e de direito alegados pela administração, padece ou não de ilegalidade.
Não se vê, nem os Recorrente o dizem, quer nas suas motivações e conclusões de recurso, em que medida é contrário ao senso comum e ao princípio da separação de poderes, sendo certo que a sentença recorrida limitou-se a dar cumprimento ao acórdão do TCAN, e a analisar o ato de correção da matéria tributável, nos termos e com os limites definidos no Relatório de inspecção.
Nesta conformidade, improcedem as conclusões xxii) a xxvii).

4.4. Por fim e subsidiariamente, alegam na conclusão xxviii) que a Administração Fiscal não prova que os Recorrentes fossem os beneficiários económicos da sociedade M..., SA nos anos de 2005 a 2008, apenas tendo sido dado como provado que: do anexo n.º 4 ao relatório de inspeção referido em 7. consta fotocópia simples de uma “Declaration D’Ayant Droit Economique, Personne Morale”, relativa à conta n.º “22 660 M... S.A”, passada em 19.12.2001 pelo Banque ..., na qual estão identificados os aqui Recorrentes J... e de M....
Vejamos:
A sentença recorrida refere que “(…) Ora, ainda que a veracidade das assinaturas apostas num desses documentos tenha sido impugnada pelos Recorrentes, tal apenas implica que esse documento não pode ter força probatória plena, não impedindo o julgador de apreciar livremente esses meios de prova, designadamente conjugando-os com outras provas coligidas no processo. “Encontrando-se perante a prova documental, o julgador pode dela retirar as ilações e inferências que julgue apropriadas e pertinentes face ao seu conteúdo, ou seja, avalia, estima e determina o seu valor probatório, fixando a materialidade adequada conforme a sua convicção (normalmente conjugada com os outros elementos probatórios produzidos).” (v. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-02-2017, Proc. n.º 2294/12.0TVLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt).
Ora, da análise de todos os elementos probatórios à disposição deste Tribunal resulta a convicção de que os Recorrentes são, efetivamente, os beneficiários económicos das contas bancárias abertas no Banque… em nome de M..., S. A. e de S… Holding, S. A.. De resto, não resulta dos autos qualquer indício, ainda que ténue, de que o beneficiário económico daquelas contas seria outrem que não os Recorrentes nem estes alegaram qualquer facto donde possa resultar a dúvida fundada de que, afinal, os beneficiários económicos das contas bancárias aqui em causa era, de facto, outra pessoa que não eles.
Resolvida esta questão (única que importava apreciar) em desfavor dos Recorrentes, impõe-se concluir pela improcedência deste recurso. (…)”
Os Recorrentes não questionam a sentença recorrida, ignorando o que nela foi decidido.
Não contrariam os fundamentos e a posição sustentado pela MMª juíza na sentença, sustentando que a Administração Fiscal não prova que os Recorrentes fossem os beneficiários económicos da sociedade M..., SA nos anos de 2005 a 2008.
Importa relembrar que o objeto do recurso, nos termos do n.º 1 do art.º 627.º do CPC são as decisões judiciais e não os atos administrativos e tributários praticados pela Administração Fiscal.
O recurso jurisdicional tem como objeto a sentença recorrida e destina-se a anulá-la ou alterá-la com fundamento em vício de forma (nulidade) ou de fundo (erro de julgamento) que o Recorrente entenda afetá-la (Cfr. STA n.º 0508/13 de 15.05.2013).
O recurso terá de demonstrar a sua discordância com a decisão proferida, ou melhor, os fundamentos por que o Recorrente acha que a decisão deve ser anulada ou alterada, para que o tribunal de recurso tome conhecimento delas e as aprecie.
Os Recorrentes terão de convocar argumentos contra os vários fundamentos desfavoráveis sob pena de o decidido não poder ser alterado, na parte não impugnada.
A propósito da imposição do ónus de alegação ao recorrente já referia Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, volume V, página 357 que “(...) em vista obrigar o recorrente a submeter expressamente à consideração do tribunal superior as razões da sua discordância para com o julgado, ou melhor, os fundamentos por que o recorrente acha que a decisão deve ser anulada ou alterada, para que o tribunal tome conhecimento delas e as aprecie. (…)”.
É jurisprudência deste Tribunal se em sede de recurso jurisdicional, o Recorrente se alheou em absoluto das razões que fundamentaram a sentença recorrida, limitando-se a repetir o que já havia dito em sede de petição inicial, não atacam o julgado, pelo que não pode o Tribunal de recurso alterar o decidido pelo Tribunal a quo, já que a tal se opõe o preceituado no nº 4 do artigo 635.º do CPC (Cfr. TCAN n.º 01806/09.0BEBRG de 15-02-2012 e ac. do STA n.º 0508/13 de 15-05-2013).
Nesta conformidade, não se conhece da questão equacionada na conclusão xxviii).
Face ao decidido no ponto 4.2 deste acórdão fica prejudicado o recurso interlocutório.

4.3. E assim formulamos as seguintes conclusões:
I- Na análise do caso julgado há assim que ter em conta duas vertentes que não se confundem: (i) uma, que se reporta à exceção dilatória do caso julgado, cuja verificação pressupõe o cotejo de duas decisões – estando uma delas já transitada em julgado - e uma tríplice identidade entre ambas: de sujeitos, de causa de pedir e de pedido; (ii) e, a outra respeitante à força e autoridade do caso julgado, decorrente de uma anterior decisão que haja sido proferida, designadamente no próprio processo, sobre a matéria em discussão, que se prende com a sua força vinculativa (cfr. Ac. do STJ241/07.0OTTLSB.L1.S1, de 20.6.12, disponível em www.dgsi.pt).
II. No julgamento da matéria de facto e com base nos princípios da imediação, da oralidade e da concentração, o tribunal aprecia livremente as provas, segundo a sua prudente convicção, ou seja, depois da prova produzida, o tribunal tira as suas conclusões, em conformidade com as impressões recolhidas e com a convicção que através delas se foi gerando no seu espírito, de acordo com as regras da ciência, do raciocínio, e das máximas da experiência, que forem aplicáveis, ficando afastadas as situações de prova legal que se verifiquem, por força do disposto nos artigos 350.º, nº 1, 358.º, 371.º e 376.º, todos do Código Civil, nomeadamente, da prova por confissão, por documentos autênticos, por certos documentos particulares quanto à materialidade das suas declarações e por presunções legais.
III. É jurisprudência deste Tribunal se em sede de recurso jurisdicional, o Recorrente se alheou em absoluto das razões que fundamentaram a sentença recorrida, limitando-se a repetir o que já havia dito em sede de petição inicial, não atacam o julgado, pelo que não pode o Tribunal de recurso alterar o decidido pelo Tribunal a quo, já que a tal se opõe o preceituado no nº 4 do artigo 635.º do CPC

5. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao ambos os recursos, manter a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Porto, 26 de maio de 2018
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Ass. Fernanda Esteves
Ass. Cristina Travassos Bento