Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01054/05.9BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/29/2017
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Vital Lopes
Descritores:IRC
MÉTODOS INDIRECTOS
ÓNUS DE PROVA
PERITO INDEPENDENTE
FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DE FIXAÇÃO DOS RENDIMENTOS
Sumário:1. Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação (artigo 74.º, n.º 3 da LGT);
2. Persistindo uma situação de "non liquet" quanto ao excesso na quantificação a que chegou a Administração tributária, a dúvida terá de ser decidida em desfavor da recorrente, que não logrou provar a existência de tal excesso.
3. A prova do erro ou excesso de quantificação ou da manifesta inadequação do critério de quantificação à realidade concreta do sujeito passivo, tem de ser positiva e concludente
4. Intervindo perito independente na Comissão de Revisão da matéria tributável, não havendo acordo nesta e elaborando o perito independente o seu parecer, importa que a decisão de fixação que venha a ser tomada nos termos do n.º 6 do artigo 92.º da LGT observe o disposto no n.º 7 do mesmo artigo – que impõe que a decisão que vier a ser tomada pela Administração tributária deve obrigatoriamente fundamentar a adesão ou rejeição, total ou parcial, do seu parecer – sob pena de anulabilidade desta.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:Sociedade..., Lda.
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE

1 – RELATÓRIO

A Exma. Representante da Fazenda Pública recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela Sociedade…, Lda., do acto de liquidação n.º2005 8310000333, relativo a IRC do exercício de 2001 e respectivos juros compensatórios, no valor global de 57.103,79€.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo (fls.222).

Na sequência do despacho de admissão, a Recorrente apresentou alegações e formulou as seguintes «Conclusões:
A. Vem o recurso interposto da sentença que julgou procedente a impugnação da liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 2001 (e respetivos juros compensatórios), no segmento que imputa erro na quantificação da matéria tributável operada pela AT.
B. A referência meramente enunciativa dos vícios tipo na petição inicial não equivale à sua concreta alegação.
C. O Tribunal a quo propôs-se conhecer, como conheceu, do erro nos pressupostos para o recurso à determinação da matéria tributável por métodos indirectos, falta de fundamentação, falta de notificação da decisão da tributação por métodos indirectos, ilegalidade da fundamentação por remissão e erro na quantificação, entre outras, improcedendo as quatro primeiras questões e procedendo a quinta, ficando, em consequência, prejudicado o conhecimento das demais.
D. A sentença, decisão judicial proferida pelos Tribunais no exercício da sua função jurisdicional, no caso posto à sua apreciação, dirime um conflito de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativo-tributárias; tem por obrigação conhecer do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto.
E. O ditame, neste caso concreto, foi de que “a quantificação da matéria tributável operada pela Administração Tributária padece de erro ou manifesto excesso”, alegadamente porque “...a Administração Tributária, em momento algum refere-se às condições específicas em que a impugnante desenvolvia a atividade de produção de ovos, o que seda relevante para se aferir da razoabilidade e adequação dos dados técnicos utilizados nos cálculos efetuados. Ao que acresce o facto de não ter sido ponderada qualquer taxa de quebras4ierdas normais neste setor de atividade, o que, inelutavelmente, afeta o resultado final alcançado, tomando-o excessivo”.
F. Não alcançamos a linha de pensamento que permitiu à Meritíssima Juiza a quo tal conclusão: desde logo, por referência a que factualidade provada? E com base em que normativos legais?
G. A sentença, para além de transcrever quase integralmente o relatório inspetivo e documentos inerentes à revisão da matéria tributável, não opera verdadeiramente uma subsunção dos factos ao direito, o que induz ao erro de julgamento;
H. Afirma (pág. 37) que “a desconsideração das circunstâncias de facto elencadas nas alíneas N), O), P) e Q) do acervo factual apurado no raciocínio lógico-dedutivo empreendido pela Administração Tributária inquina necessariamente os resultados alcançados”.
I. Os valores aqui impugnados (decorrentes, apenas, de métodos indiretos) são os resultantes da decisão do órgão competente para a fixação da matéria tributável (diferem dos constantes da pág. 20 do relatório, por consideração dos inventários de ovos contabilizados pelo sujeito passivo, cfr. documento 7 anexo à PI) - alíneas G) a K) da fundamentação de facto.
J. Ocorreu intervenção de perito independente em sede de comissão de revisão, cujo parecer consta do doc. 5 anexo à PI. Como valorou (se é que o fez) a Meritíssima Juíza a quo tal parecer, face á demais prova produzida pela impugnante nos presentes autos?
K. Não valorou, não obstante chamar á colação as reservas apontadas pelo perito independente, as quais reproduz na sentença, para concluir como concluiu.
L. Sendo o perito independente sorteado entre as personalidades constantes de listas distritais, organizadas pela Comissão Nacional de Revisão e competindo à Comissão Nacional de revisão contribuir para a uniformidade dos critérios técnicos utilizados na determinação da matéria tributável por métodos indiretos, entendemos, que tal parecer mereceria, por banda da Meritíssima Juíza a quo, mais do que uma mera transcrição, antes uma verdadeira composição relativamente à demais prova produzida pela impugnante para abalar o critério de quantificação utilizado pela AT; já que critério melhorável não é sinónimo de critério ilegal.
M. O procedimento de avaliação indiciária da matéria tributável assenta em duas fases: a da qualificação e a da quantificação. A fase da qualificação traduz-se na aferição da existência ou não dos pressupostos do recurso à tributação por métodos indiciários e agrega todo o processo de validação ou invalidação dos dados disponibilizados pelo contribuinte, incluindo a avaliação da qualidade das omissões ou incorreções verificadas, do ponto de vista da sua importância e extensão e a avaliação da credibilidade da escrita face a tais omissões ou incorreções e, consequentemente, da sua capacidade de transmitir ou emanar a verdade fiscal daquele contribuinte;
N. De acordo com o parecer do perito independente (Doc 5 anexo à PI, fls. 217, item 3.11.1): “Verificou-se que o registo de aquisições de aves, o registo regular e continuo da produção diária de ovos, das quebras, dos roubos (se os houve), da variação das existências, dos consumos de ração e das vendas, nem refletem cabalmente a realidade como instrumentos de medida e informação dessa realidade (para poderem desempenhar um papel essencial como suporte na determinação do lucro tributável de modo a que a contabilidade possa servir de base a uma tributação pelo lucro real e efetivo), por não obedecer a regras elementares na sua organização de modo a permitir comprovar e quantificar o lucro real e efetivo apurado pelo sujeito passivo, nem evidenciam o cumprimento escrupuloso das regras e princípios da organização da contabilidade.
O. Do art. 84° da LGT resulta exigível que no domínio da avaliação indireta têm de ser demonstráveis tecnico-cientificamente as presunções ou estimativas que foram utilizadas no cálculo da matéria tributável, isto é, o percurso lógico seguido na avaliação para chegar ao resultado apurado terá de poder ser demonstrado integralmente de forma objetiva, quer quanto aos elementos utilizados, quer quanto ao método de cálculo que tiver sido usado.
P. Sendo a atividade da impugnante exercida em condições diversas das habituais no setor (desde logo, em pavilhões adaptados de suinicultura), optou a Sr.a Inspetora por se não socorrer dos designados rácios do setor, pois tinha ao seu dispor (ou disso estava convicta) todas as informações fornecidas pelo gerente da própria impugnante (nomeadamente no que respeita ao número de galinhas por pavilhão, quantidades de ração consumida, idades médias de postura, pesos médios das galinhas, cfr. anexos ao relatório de inspeção).
Q. Os designados rácios do setor são uma compilação de dados recolhida e tratada pela Administração Fiscal, resultante dos valores declarados pelos contribuintes; como tal, e fazendo apelo às cautelas recomendadas na sua utilização enunciadas no ponto 4.5 de fls. 4/7 do relatório pelo perito independente, têm somente em conta os dados declarados (nos casos em que o são); e o enquadramento declarado pelos contribuintes, isto é, basta que (factualmente falando) se verifique qualquer diferença no modo de exercício da atividade para que tal possa influir em termos comparativos.
R. Entendeu o perito independente “suficientemente evidenciada e comprovada pela .4T a verificação dos pressupostos da aplicação dos métodos indiretos de determinação da matéria tributável ... quanto ao Sp... podia e devia ter aproveitado para melhor carrear matéria que permitisse melhorar o procedimento utilizado pela A T no projeto de relatório e colaborado diligentemente fornecendo quaisquer outros dados que permitissem recurso a melhor métodos ou critério para atingir o objetivo da determinação da matéria tributável, provando eventual excesso na respetiva quantificação bem como outras ocorrências relevantes, mas, tendo tido essa oportunidade para o fazer, não parece tê-lo feito cabalmente nem da melhor forma…. O
itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela A T neste assunto afigura-se-me, na generalidade e na circunstância, como consequência lógica, necessária, coerente e pertinente, embora melhorável...”

S. Em sede de fundamentação fático-jurídica da sentença ora sindicada, conclui a Meritíssima Juíza a quo (que não vislumbra irregularidades na fase da qualificação) que a quantificação da matéria tributável operada pela Administração Tributária padece de erro ou manifesto excesso - mas de que erro fala? E a que manifesto excesso se reporta? Apurado por contraposição a que valores, atentas, quer as deficiências apontadas na contabilidade (existência de saldos credores de caixa, utilização da conta bancária da impugnante para efetuar pagamentos e depósitos da F... - único cliente de ovos nos anos de 200 a 2002, utilização de documentos internos para suporte de registo dos pagamentos da F..., utilização de documentos internos para suportar o registo de pagamentos a fornecedores), quer a promiscuidade de contas bancárias entre a aqui impugnante e a empresa F... (da qual era gerente comum Gil Marques da Silva Florindo), as quais impossibilitam a análise económica da empresa através dos meios financeiros por ela gerados?
T. Não cremos que a sentença esclareça. E, não esclarecendo, não vemos primeiro, que erro, em concreto, aponta ao critério de quantificação utilizado: decorre do relatório inspetivo, que nunca foi desconsiderado o facto de a impugnante não exercer a sua atividade em circunstâncias ditas normais - como já referimos supra (16°) tal determinou mesmo a opção da Sr. Inspetora por se não socorrer dos designados rácios do setor, pois tinha ao seu dispor (ou disso estava convicta) todas as informações fornecidas pelo gerente da própria impugnante (nomeadamente no que respeita ao número de galinhas por pavilhão, quantidades de ração consumida, idades médias de postura, pesos médios das galinhas, cf. anexos ao relatório de inspeção).
U. Segundo: como classificar de manifesto o excesso que não tem contraponto? Que prova, da carreada para os autos, permite aferir do excesso na quantificação, mormente se levarmos na devida linha de conta que, já em sede de comissão de revisão (cf. parecer do perito da AT, fls. 5/11 do documento 7 anexo com a PI) relativamente à desconsideração dos inventários de ovos disponibilizados pela impugnante e consequente correção (pela devida consideração) das correções propostas às vendas e alteração dos impostos em falta. Por referência a que factualidade do probatório? E qual seria o critério adequado?
V. Por definição e pela própria natureza das coisas, os métodos indiciários não são métodos exatos, apenas métodos de aproximação da realidade, sempre suscetíveis de alguma aleatoriedade, admissível desde que se não torne evidente a probabilidade de inexatidão. Assim, uma vez especificados e demonstrados os pressupostos da tributação por métodos indiciários, passa a competir ao contribuinte o ónus de prova da ilegitimidade do ato, seja por erro nos pressupostos para a avaliação por métodos indiciários, seja por erro na quantificação da respetiva matéria coletável.
W. Não desconhece a Fazenda Pública o principio da livre apreciação da prova - mas qual foi essa avaliação, posto que se não demonstra, em termos de composição do litígio (por aferição das respetivas peças processuais, pedido e causa de pedir), que factualidade concreta foi feita valer, e de que modo se impôs ao julgador como determinante de um julgamento de “manifesto excesso de quantificação”?
X. No caso em apreço, concluir pelo manifesto excesso na quantificação” é indiciador de erro no julgamento (de direito, como de facto) - posta que: excesso pressupõe, desde logo, um valor padrão - qual ele seja não ficou demonstrado.
Y. Sempre o contribuinte teria o ónus de provar a inexistência dos pressupostos legais para a tributação por métodos indiciários ou que a realidade é completamente distinta do resultado a que conduziu a utilização das regras apontadas pela fiscalização, que o critério utilizado é ostensivamente desadequado e/ou inadmissível, que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada.
Z. Mas o critério utilizado na quantificação só poderá ser posto em causa por prova suscetível de demonstrar inequivocamente que assenta em factos que não correspondem à verdade ou adota método errado; ou, nas palavras do perito independente, quando, em resultado de anomalias e incorreções na contabilidade, haja lugar a determinação do lucro tributável por métodos indiretos, “o ónus de fazer a comprovação desses elementos cabe ao contribuinte que tenha substituído o meio justificativo normal por outro, devendo, portanto, suportar as consequências inerentes” (veja-se o ponto 3.12 do relatório do perito independente).
AA. Constitui jurisprudência assente “sendo característico das situações apontadas por lei como de impossibilidade de avaliação direta da matéria tributável o aparecimento de dúvidas sobre a quantificação real, inerentes e consequentes da utilização de métodos indiretos, que, atuando indicadores, sempre e só podem alcançar um valor aproximado do que provavelmente a matéria tributável efetiva terá tido, só é viável e legalmente sustentável uma decisão no sentido da anulação do ato tributário impugnado, por alegado erro em sede de quantificação da matéria tributável, caso o impugnante, sem reticências ou necessários reparos, demonstre, comprove, a ocorrência de “erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada… não aproveita ao impugnante uma atuação processual e, sobretudo, probatória, direcionada e orientada com o objetivo de suscitar dúvida, ainda que fundada, sobre a quantificação do facto tributário. É imprescindível um desempenho pautado pela concreta e circunstanciada alegação de factos que, uma vez provados, sejam idóneos a comprovar, a demonstrar, com uma certeza adequada e passível de ampla aceitação, a aduzida errónea ou excessiva quantificação da matéria tributável”’ (Acórdão do TCAS, de 18/10/2010; P804334/10).
BB. No caso vertente, desconhecemos, por completa ausência de exame crítico das provas, os juízos probatórios que se fizeram sobre os factos alegados que levaram á conclusão que a metodologia ou critérios utilizados traduzem erro ou manifesto excesso, alias, a utilização da disjuntiva é desconcertante: verifica-se erro ou excesso? Preconizaria a Meritíssima Juíza, como pretende a impugnante, como critério de determinação do lucro tributável, o recurso aos designados rácios do setor? E como os compatibilizaria com o facto de a atividade da impugnante ser exercida em condições diversas das habituais no setor (desde logo, em pavilhões adaptados de suinicultura)?
CC. A sentença recorrida enferma, assim, de insuficiente fundamentação (de facto e de direito) e, se a fundamentação se destina a esclarecer as partes, primacialmente a vencida, sobre os motivos da decisão, não só para ficar convencida de que não tem razão, mas também porque o conhecimento daqueles é necessário ou, pelo menos, conveniente, para impugnar eficazmente a decisão em recurso ou arguir nulidades, designadamente a derivada de eventual contradição entre os fundamentos e a decisão;
DD. Então, não se mostrando a fundamentação, in casu, minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu, deverá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação; pelo que a sentença deverá ser anulada, em conformidade com o preceituado nos art.°s 123°, n°2 e 125° do CPPT.
Termos em que, nos melhores de direito e sempre com o mui Douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser dado provimento ao presente recurso, anulando-se a sentença recorrida, com as legais consequências».

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal emitiu mui douto parecer no sentido de que, tal como resulta da alegação, a sentença recorrida está inquinada de nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto, não tendo sido feito o exame crítico das provas e, em qualquer caso, não deverá manter-se na ordem jurídica por ter feito errada valoração da prova e dos factos e incorrecta interpretação e aplicação do direito.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, cumpre decidir.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado pelas conclusões da alegação apresentadas pela Recorrente (artigos 684.º, n.º3 e 685.º-A, n.º1, do CPC aplicável), o objecto do recurso reconduz-se a indagar (i) se a sentença padece de nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto e (ii) se incorreu em erro, de facto e de direito, ao concluir pelo excesso de quantificação da matéria tributável determinada por métodos indirectos.

3 – DA MATÉRIA DE FACTO

Em sede factual, deixou-se consignado na sentença recorrida:


IV. Fundamentação de facto
Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos consideram-se provados os seguintes factos:
A) A impugnante foi objeto de uma ação de inspeção, levada a cabo pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Viseu, a coberto das ordens de serviço n.º 30366, de 06/12/2002 e 33889, de 15/10/2003, de âmbito geral, a qual incidiu sobre os exercícios económicos de 2000, 2001 e 2002.
B) No âmbito da referida ação de inspeção, em 20/11/2003 foi elaborado o projeto de relatório de inspeção tributária, constante de fls. 9/19 do processo administrativo apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, destacando-se o seguinte:
- imagens omissas -
C) A impugnante foi notificada para exercer o seu direito de audição prévia sobre o projeto de relatório de inspeção a que se alude em B), pelo ofício n.º 18987 – cfr. fls. 6 e 29 do processo administrativo apenso aos autos.
D) Na sequência do exercício do direito de audição prévia, em 19/12/2003 foi elaborado o relatório de inspeção tributária, do qual consta:
- imagem omissa -
- cfr. fls. 4/8 do processo administrativo apenso aos autos.
E) As correções propostas no relatório de inspeção foram sancionadas superiormente – cfr. fls. 4 do processo administrativo apenso aos autos.
F) Através do ofício n.º 2991, de 26/02/2004, a impugnante foi notificada do ato de fixação do lucro tributável/imposto/volume de negócios referente aos anos de 1999, 2000 e 2001 e para, querendo, apresentar pedido de revisão da matéria tributável, nos termos do artigo 91.º da LGT - cfr. fls. 98 dos autos e 61 do processo administrativo apenso.
G) Em 29/03/2004, a impugnante apresentou pedido de revisão da matéria tributável nos termos e com os fundamentos constantes de fls. 83/97 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
H) Em 03/06/2004 realizou-se a reunião dos peritos do sujeito passivo, da Fazenda Pública e do perito independente, tendo sido lavrada a ata n.º 18/04, da qual consta,
- imagem omissa –
[…]
- cfr. fls. 58/59 do processo administrativo apenso aos autos.
I) Em 07/06/2004 foi emitido parecer pelo perito independente – cfr. fls. 31/36 do processo administrativo apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
J) Em 08/06/2004 foi emitido parecer pelo perito da Administração Tributária – cfr. fls. 105/106 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
K) Em 14/06/2004, o substituto legal do Sr. Diretor de Finanças de Viseu proferiu decisão com o seguinte teor:
- imagem omissa -
- cfr. fls. 56/57 do processo administrativo apenso aos autos.
L) Na sequência da ação inspetiva e subsequente do procedimento de revisão da matéria tributável foi emitida a liquidação n.º 2005 8310000333, referente a IRC do exercício de 2001 e respetivos juros compensatórios, no valor global de 57.103,79 € - cfr. fls. 37 dos autos.
M) A liquidação mencionada na alínea que antecede foi notificada à impugnante por ofício expedido por correio registado com aviso de receção assinado em 13/05/2005 – cfr. fls. 37 e 139 dos autos.
Mais resultou provado que:
N) Os pavilhões da impugnante antes de serem reconvertidos estavam afetos à suinicultura, são cobertos de lusalite, não têm ar forçado ou sistema de aquecimento/refrigeração, o que faz com que o ambiente vivido no seu interior seja demasiado quente no Verão e demasiado frio no Inverno, condicionando o desempenho das poedeiras. – cfr. depoimentos das testemunhas P… e L….
O) As baterias onde se encontravam alojadas as galinhas eram muito antigas – cfr. depoimento da testemunha P….
P) Existem ovos que se partem e outros que não saem em condições de serem comercializados – cfr. depoimento da testemunha P....
Q) A recolha dos ovos existentes nos pavilhões era feita manualmente, originando a quebra de ovos durante a recolha e posterior acondicionamento - cfr. depoimentos das testemunhas P... e L....
R) Com data de 24/05/2000, a sociedade M..., Lda, emitiu em nome da sociedade F..., Lda., a fatura n.º 303477/1, referente a “pintos femeas” na quantidade de “22750”, no valor total de, incluindo IVA, 2.149.875$00 – cfr. fls. 100 dos autos.
S) Com data de 30/02/2001, a sociedade F..., Lda, emitiu em nome da impugnante, a Venda a Dinheiro n.º 015, com a designação “Venda de Galinhas que vieram por engano facturadas à F..., mas que foram para a Soc….”, no montante 27.825.000, incluindo IVA – cfr. fls. 101 dos autos.
T) O rácio para o setor de avicultura, do distrito de Viseu [unidade orgânica 18], CAE 01240, rentabilidade fiscal da atividade RFVENDAS, no exercício de 2001, foi de 2,05 % - cfr. fls.118/125 dos autos.
Factos não provados
Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa.
Motivação da matéria de facto
A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto provada resultou, essencialmente, do exame crítico dos documentos e informações constantes dos autos, os quais não foram impugnados, bem como dos depoimentos das testemunhas, tudo conforme se encontra especificado em cada um dos pontos do probatório.
No que concerne à prova testemunhal, o Tribunal considerou os depoimentos prestados pelas testemunhas P... e L... isentos, coerentes e coincidentes no seu teor, respondendo às questões que lhes foram colocadas, sem hesitações que fizessem o Tribunal duvidar da consistência das suas declarações.
As referidas testemunhas, que trabalharam na sociedade impugnante no período em referência nos autos, revelaram conhecimento direto e concreto da atividade de avicultura desenvolvida pela impugnante e das condições físicas da exploração.
Referiram que os pavilhões foram adaptados da atividade de suinicultura para a de avicultura. A testemunha P... concretizou que os pavilhões eram cobertos de lusalite, não têm ar forçado ou sistema de aquecimento/refrigeração, o que faz com que o ambiente vivido no seu interior seja demasiado quente no Verão e demasiado frio no Inverno.
Mais referiram que existiam desperdícios, pois os ovos partidos e sujos não estavam em condições de serem comercializados e que o processo de recolha dos ovos era manual, o que originava uma maior quebra de ovos.
Por sua vez, a testemunha A…, ROC e perito nomeado pela impugnante no âmbito do procedimento de revisão da matéria tributável, em essência, referiu que a Administração Tributária construiu um modelo que não se refletia na realidade da atividade desenvolvida pela impugnante, pois não existiam na exploração as condições ótimas para se alcançar os resultados apurados pela inspeção tributária. Acrescentou que os resultados apurados eram muito excessivos, evidenciando um desvio muito grande relativamente à média do setor de atividade.
O Tribunal não valorou positivamente o depoimento da testemunha F…, TOC da impugnante entre 2002 e 2006, porquanto, apesar de ter acompanhado a ação inspetiva, o seu conhecimento dos factos decorre, essencialmente, do manuseamento dos documentos que lhe foram apresentados a posteriori.
Por sua vez, a testemunha M… nada referiu com relevo acerca da factualidade alegada.
Por último, a testemunha Ana…, Inspetora Tributária que levou a cabo o procedimento inspetivo, no essencial, relatou o que constava do relatório de inspeção tributária que faz parte do processo administrativo apenso aos autos».

4 – APRECIAÇÃO JURÍDICA

São as conclusões que delimitam o objecto do recurso e é por elas que se apreendem as questões de facto ou de direito que o recorrente pretende suscitar na impugnação da decisão e que ao tribunal de recurso cumpre solucionar, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

A Recorrente invoca nas conclusões da alegação, nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto.

As causas de nulidade da sentença são taxativas. Nesse sentido, é firme a jurisprudência dos tribunais superiores – Ac. STJ, de 09/04/1992, BMJ, 416.º-558; Ac. STJ, de 23/03/2006, proc.º05B4325.dgsi.Net; Ac. STJ de 26/09/2012, proc.º 14127/08.7TDPRT.P1.S1; Ac. do STA, de 17/09/2015, proc.º0637/15.

Dispõe o n.º1 do art.º125.º do CPPT, em linha com o disposto no n.º1 do art.º615.º do CPC, que «Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer».

Por outro lado, nos termos do n.º2 do art.º123.º do CPPT, «O juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões».

O STA tem vindo a entender, em consonância com a doutrina, que só ocorre a nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto e/ou de direito, quando essa falta seja absoluta.

Ainda no recente Ac. do STA de 06/05/2015, tirado no proc.º01340/14, se deixou consignado, na linha da jurisprudência estabilizada daquele alto tribunal, o seguinte:
“Esta exigência de fundamentação das decisões judiciais decorre, desde logo, do nº 1 do art. 205º da CRP, nos termos do qual «As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei», sendo que, de acordo com o disposto no art. 125º do CPPT e na al. b) do nº 1 do art. 668° do CPC (a que, actualmente, corresponde o art. 615º do Novo CPC) a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Ora, sendo certo que deve distinguir-se entre falta absoluta de motivação e motivação deficiente, medíocre ou errada, também é certo e é jurisprudência assente que esta nulidade só abrange a falta absoluta de motivação da própria decisão e não já a falta de justificação dos respectivos fundamentos; isto é, a nulidade só é operante quando haja total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão – cfr., entre muitos outros, os acs. do STA, de 7/1/2009, rec. nº 800/08 e de 10/5/73, BMJ 228, 259; e o ac. do STJ, de 8/4/75, BMJ 246, 131).
A insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade - cfr. Alberto dos Reis, CPC anotado, Vol. V, 140.
Daí que, como salienta Jorge Lopes de Sousa (Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. II, 6.ª edição, Áreas Editora, 2011, anotações 7 e 8 ao art. 125.º, pp. 357 a 361.) devam «considerar-se como falta absoluta de fundamentação os casos em que ela não tenha relação perceptível com o julgado ou seja ininteligível, situações em que se está perante uma mera aparência de fundamentação», já que esta se destina «a esclarecer as partes, primacialmente a que tiver ficado vencida, sobre os motivos da decisão, não só para ficar convencida de que não tem razão, mas também porque o conhecimento daqueles é necessário ou, pelo menos, conveniente, para poder impugnar eficazmente a decisão em recurso ou arguir nulidades, designadamente a derivada de eventual contradição entre os fundamentos e a decisão», e, por isso, «quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu deverá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação», cfr. acórdão datado de 04/03/2015, recurso n.º 01939/13”.

Sobre a questão do erro ou excesso de quantificação, que levou à procedência da impugnação judicial e contra que se insurge a Recorrente, a sentença discorreu assim:

«v) Erro na quantificação da matéria tributável
Refere ainda a impugnante que existe errónea quantificação e manifesto excesso da capacidade contributiva.
Como é consabido, a operação de quantificação da matéria tributável por métodos indiretos consiste na escolha de um método de quantificação da matéria tributável que, atendendo às circunstâncias concretas de cada sujeito passivo, se revele mais adequado a uma efetiva aproximação à sua verdadeira situação tributária, bem como à demonstração dos resultantes correspondentes.
Assim, nesta fase, compete à Administração Tributária indicar os critérios utilizados na determinação da matéria tributável por métodos indiciários, os quais deverão assentar em dados objetivos, racionais e fundamentados, ou seja, em dados aptos a inferir os factos tributários, e não meras hipóteses, suspeitas ou suposições.
Deste modo, o ónus que impende sobre a Administração Tributária não se queda pela demonstração de que se verificam os pressupostos legais para o recurso aos métodos indiretos, antes exige que fundamente, adequada e casuisticamente, os critérios que sustentam a quantificação da matéria tributável. No entanto, não lhe basta indicar o critério utilizado, assim fundamentando formalmente a sua atuação, impondo-se-lhe igualmente que demonstre que esse critério constitui uma forma válida de aproximação à realidade.
Como se referiu no acórdão do TCAN de 28/02/2008, processo n.º 4634/04, “… não basta à AT indicar um qualquer critério de quantificação. Tem que demonstrar que o mesmo constitui uma forma válida de aproximação à realidade e, para tanto, terá que indicar de forma clara, precisa e suficiente, os factos conhecidos de que partiu e que lhe permitiram, à luz das regras de experiência, segundo critérios de razoabilidade e tendo em conta as concretas circunstâncias do exercício da actividade, fixar o critério de quantificação da matéria tributável e qual o raciocínio que lhe está subjacente, por forma a permitir à Contribuinte conformar-se com esse critério ou contestá-lo e ao Tribunal sindicá-lo”. [cfr. ainda o acórdão do TCAN de 29/10/2015, processo n.º 1641/04-Viseu].
Ora, como resulta do ponto V do relatório de inspeção tributária, e para o que releva para o caso concreto, a Administração Tributária utilizou os seguintes critérios:
Ano de 2000:
- apuramento do consumo total de ração;
- determinação do consumo total de ração das galinhas contabilizadas em função da idade e n.º de dias de permanência desde a data da compra até 31/12;
- consideração do consumo médio diário por galinha de 115 gramas, de acordo com os dados recolhidos na Internet;
- apuramento da quantidade estimada de galinhas omitidas, deduzindo ao consumo total de ração das galinhas contabilizadas, dividido pelo consumo diário médio;
- valorização da quantidade de galinhas omitidas com base no preço de compras das galinhas contabilizadas com 17 semanas conto consumo total de ração foi deduzido o consumo total de ração das galinhas contabilizadas, que dividido pelo consumo diário medido partiu de dados técnicos, obtidos na Internet, relativamente ao tipo de galinha registado na contabilidade [Lohmann Brown];
- dado o início de postura em setembro considerou-se que a idade das galinhas omitidas é de 21 semanas;
- relativamente à produção de ovos foram utilizados também os dados técnicos para determinação da postura da galinha alojada.
Ano de 2001
- Tendo por base os bandos de galinhas apurados no ano de 2000, fez-se o apuramento por cada galinha, tendo em conta a idade [em semanas] do total da produção de ovos, com base nos dados técnicos referidos;
- Considerando que apenas houve venda de galinhas no ano de 2002, considerou-se após as 80 semanas um mês para depena com consumo zero de ração e após a depena, a percentagem de postura às 80 semanas;
- Também foi considerada uma taxa de mortalidade da galinha de 7%, cujo valor teve por base o peso médio por galinha viva no fim da postura, que se verificou em 2002 e o peso constante das faturas de venda.
Com efeito, a Administração Tributária, considerando a falta de credibilidade da contabilidade do sujeito passivo e a inconsistência dos dados fornecidos pelo sujeito passivo, entre outros elementos, lançou mão de dados técnicos, obtidos na Internet, referentes ao tipo de galinha evidenciado na contabilidade do sujeito passivo, a galinha Lohmann Brown [cfr. anexo XI ao relatório de inspeção].
Ora, desde logo, verifica-se que a Administração Tributária não dá a conhecer os pressupostos em que terão assentado os mencionados dados técnicos, o que seria relevante para se poder aferir da fiabilidade e adequação dos critérios utilizados nos cálculos efetuados.
Por outro lado, da factualidade vertida nas alíneas N), O), P) e Q) do probatório resulta que:
- Os pavilhões da impugnante antes de serem reconvertidos estavam afetos à suinicultura, são cobertos de lusalite, não têm ar forçado ou sistema de aquecimento/refrigeração, o que faz com que o ambiente vivido no seu interior seja demasiado quente no Verão e demasiado frio no Inverno, condicionando o desempenho das poedeiras;
- As baterias onde se encontravam alojadas as galinhas eram muito antigas;
- Existem ovos que se partem e outros que não saem em condições de serem comercializados;
- A recolha dos ovos existentes nos pavilhões era feita manualmente, originando a quebra de ovos durante a recolha e posterior acondicionamento.
O que evidencia que os dados técnicos considerados pela Administração Tributária podem não ter aderência à atividade de produção de ovos concretamente desenvolvida pela impugnante, sobre a qual, aliás, a Administração Tributária nada diz.
Na verdade, a Administração Tributária, em momento algum refere-se às condições específicas em que a impugnante desenvolvia a atividade de produção de ovos, o que seria relevante para se aferir da razoabilidade e adequação dos dados técnicos utilizados nos cálculos efetuados.
Ao que acresce o facto de não ter sido ponderada qualquer taxa de quebras/perdas normais neste setor de atividade, o que, inelutavelmente, afeta o resultado final alcançado, tornando-o excessivo.
Deste modo, a desconsideração das circunstâncias de facto elencadas nas alíneas N), O),P) e Q) do acervo factual apurado no raciocínio lógico-dedutivo empreendido pela Administração Tributária inquina necessariamente os resultados alcançados.
E o facto de na contabilidade da impugnante não constarem quaisquer referências a quebras ou perdas não releva para o caso, já que o apuramento da matéria tributável não está a ser efetuado diretamente pela contabilidade, dada a falta de credibilidade desta, mas por métodos indiretos.
Como se escreveu no acórdão do TCA- Norte de 14/06/2006, processo n.º 00209/04-Viseu, “porque […] o apuramento da matéria tributável por métodos indiretos visa, ao menos tendencialmente, alcançar o rendimento real e efetivo, a sua determinação deve, nos termos da lei, basear-se em todos os elementos concretos adequados à situação, não se estabelecendo qualquer constrangimento ao modo de a AT os verificar e colher, antes se lhe impondo um esforço de aproximação com a realidade.”.
A este propósito julgamos ainda pertinente chamar à colação as reservas apontadas pelo Perito Independente no parecer emitido no âmbito do procedimento de revisão da matéria tributável:
[…]
Não vemos como se como se pode prevenir injustiça grave ou notória, no cumprimento escrupuloso da LGT, sem uma aferição final do resultado a que se chegue a partir do adequado critério eleito (qualquer que tenha sido), i.e. sem nomeadamente o recurso a, mas sem limitar à:
4.2.2.1. Comparação dos consequentes resultados traduzidos em rácios com os do sector/região/país em análise no mesmo período, permitindo na circunstância diminuir a aleatoriedade e ir ao encontro de uma dupla preocupação ora revestindo natureza fiscal (quando se tenta uma estimativa tão aproximada quanto possível da realidade) ora revestindo natureza económica (quando se tenta uma estimativa que não divirja significativamente dos valores considerados no mesmo sector de actividade económica em que o SP se insere), e
4.2.2.2. Consideração de mais do que um método na informação para efeitos de correcção (por ex., método de observação directa confrontado com o de correção das compras ou o do valor acrescentado bruto, explicando-se a eleição de um e a preterição de qualquer outro).
4.2.2.3. Ponderação das características específicas do espaço afecto à actividade em apreço (ex: localização, higiene, meios materiais e humanos afectos à exploração e à gestão, áreas, etc).
[…]
4.2.5. Compete à Comissão Nacional de Revisão contribuir para a uniformidade dos critérios técnicos utilizados na determinação da matéria tributável por recurso a métodos indirectos.
4.3. Ora, nas reuniões entre peritos que decorreram nos pretéritos dias 2004-Maio 13/25/27 e 2004-Junho 03 não foi prestada informação adicional que permitisse confirmar-se a adequacidade do “quantum” proposto pela AT face às preocupações acima referidas e ao Pedido de Revisão do SP. Pelo contrário, constatou-se que a informação disponível em termos da rentabilidade fiscal das vendas não exibe melhor do que 2,05%, o que contrasta com a rentabilidade decorrente da proposta da AT que colocaria aquele indicador em 15,3% no ano de 2000 e em 39,3% no ano de 2011 sem razão aduzida que se considere razoável nem aceitável, aparentando ser de facto exageradas face às média, medianas e 3.º Quartil Nacional e por Unidade Orgânica para o mesmo CAE.
[…]
4.5. Utilização de Rácios: é sabido que a análise de um dado rácio deve ser feita à luz de outros rácios e informações porque, isoladamente, o seu valor absoluto perde em significado, devido por ex,, às interferências de todos os factores de gestão da empresa. Por isso, apesar de serem uma “ferramenta” útil e prática, advoga-se a sua utilização com prudência. Quando se aplicam rácios a preocupação de certeza e segurança que deve nortear a sua aplicação implica saber-se que existem e foram correctamente apurados, conhecer-se e demonstrar-se sempre que necessário (por ex.) o universo do contribuinte cujos dados deram origem aos rácios, qual a informação disponível alternativa (se existe), se algum rácio indicia eventual anomalia (ou situação de excepção) nalgum valor considerado para o seu cálculo, a base de dados a que pertencem, e como são calculados. Depois, ao optar-se pelo rácio A em detrimento de outro B, importa explicitar-se o porquê da sua escolha ou de rejeição de alternativa , e justificar o recurso à média ou mediana, 1.º ou 3.º quartil, da região/distrito ou nacional, com vista nomeadamente a atenuar-se tanto quanto possível aos efeitos de aleatoriedade no método de quantificação.
4.6. Ora, salvo erro e ou omissão que a existirem são de todo involuntários, tendo coligido os dados possíveis do SP, e cruzado com a realidade observável no sector de actividade em apreço e local/região onde é exercida, com vista a atenuar tanto quanto possível os efeitos de aleatoriedade no método de quantificação, pude constatar para os devidos efeitos:
4.6.1. Comparando a produção total (dúzias de ovos) exibida nos cadernos com as vendas contabilizadas, apuram-se os seguintes desvios eventualmente a considerar em variação de stocks de ovos:
Produção “cadernos” – Vendas Contabilidade = 38.725 (2000); 48.565 (2001); - 375.920 (2002), sendo o desvio total nos 3 anos de – 288.630, i.e. vendas registadas superiores à produção em 33,1%!
4.6.2. Comparando a produção total (dúzias de ovos) exibida nos cadernos com a correspondente produção de um Modelo matemático ineficiente adequado à exploração em assunto, que presumiu + 10% de consumos na alimentação que o normal e menos 10% na produção típica de ovos consoante a idade das aves estatisticamente tratada segundo a mortalidade normal apuraram-se os seguintes desvios eventualmente a considerar em variação de stocks de ovos:
Produção Modelo – produção “Cadernos” = 1.149 (2000); 110.118 (2001); 32.915 (2002), sendo o desvio total nos 3 anos de 144.182, i.e. produção ineficiente do Modelo superior aos Cadernos em 14,2%!
Analisando neste mesmo Modelo os consumos de ração comparados com os da contabilidade
Consumo Modelo – Consumos Contabilidade = 165.646 (2000); 228.098 (2001); - 166.932 (2002), sendo o desvio total dos 3 anos de 226.812, i.e. Modelo superior à Contabilidade em 8,4% i.e. < 10%. Como os consumos estavam agravados no Modelo em 10%, abandonei este modelo e resolvi testar outro Normal sem agravar consumos nem reduzir a produção de ovos, que de seguida analiso.
4.6.3. Comparando a produção total (dúzias de ovos) exibida no Modelo Normal com as vendas contabilizadas, com uma depena em Julho/Agosto de 2001, o Modelo Normal em eficiência para a exploração em assunto, presumindo consumos normais na alimentação e normal produção de ovos consoante a idade das aves estatisticamente tratada segundo a mortalidade normal, apuraram-se os seguintes desvios eventualmente a considerar em variação de stocks de ovos:
Produção Modelo – Vendas Contabilidade = 60.388 (2000); 255.418 (2001); - 315.824 (2002), sendo o desvio total nos 3 anos de -19.558, i.e. Modelo inferior Às vendas contabilizadas em 0,8%.
De notar que este Modelo foi ajustado na entrada do 1.º bando, de 22.750 (cerca de 5 semanas mais cedo), de forma a poder haver produção de ovos em Setembro 2000 como exibido pela contabilidade e mencionado pelo SP. Perante estes resultados adoptei este Modelo Normal assim construído para aferir os ajustamentos a considerar eventualmente.
4.6.4. Sendo a actividade em análise negócio de tostões, e não de milhões, é meu entendimento, à falta de melhor explicação, que:
4.6.4.1. Ou se presumem ano a ano as Vendas e as variações de existências (de ovos , de aves poedeiras, tendo em conta as aquisições e as vendas para além da mortalidade) segundo o Modelo Normal de que junto Mapa Resumo em Anexo II, e se aplicam então Às vendas assim corrigidos os rácios respectivos de rentabilidade fiscal para se chegar ao lucro tributável, ou
4.6.4.2. Que se mantenham as vendas registadas em 2000 e 2001 re-analisando sucessivamente as aquisições como foram relevadas em cada ano e ajustando, se for o caso, suas implicações nos custos de cada ano, abates de aves em cada exercício por mortalidade, saídas por venda, e correcção das produções e existências de ovos em cada exercício conforme Modelo Normal ajustado de que junto Mapas Resumo em Anexos III e IV, transitando para o ano 2002 a eventual influência das variações de existências como decorre aliás do Anexo VII ao Projecto de Relatório a folha 51 (vendas 2002) com as Facturas N.º 189, 193 e 194.
4.6.5. De notar que, atentos os rácios relevantes do sector, a rentabilidade evidenciada pela contabilidade do SP no exercício de 2001 é por si só superior (2,58%) à maior evidenciada nos rácios.
4.6.6. Em qualquer caso, o lucro tributável assim avaliado indirectamente não deverá afastar-se em percentagem sobre as vendas, sem justificação, do rácio respectivo para o sector, região e período.
Entendo que os eventuais efeitos do referido nas Reservas que deixo expressas neste item “4” não parecem terem sido devidamente levadas em conta pela AT.
[…]
Ora, conforme expresso no item “4” acima sou levado a concluir com base nos dados e informações disponibilizadas que a decisão e fixações constantes da notificação reclamada não parecem isentas de distorções ou erros materialmente relevantes que afectem a sua conformidade com as preocupações, critérios, e princípios geralmente aceites, nos termos da legislação em cada caso aplicável, e que para garantir que a decisão e fixações sejam o mais apropriadas, verdadeiras, claras, actuais, objetivas e lícitas, pelo aduzido antes e nomeadamente expresso no item “4”, entendo que podem e devem ser melhoradas pela AT”.
Pelas razões explanadas, impõe-se concluir que a quantificação da matéria tributável operada pela Administração Tributária padece de erro ou manifesto excesso, pelo que a presente impugnação procede com este fundamento, ficando, assim, prejudicado o conhecimento das demais questões [cfr. artigo 608.º, n.º 2 do CPC, ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT]».

Como se alcança do segmento pertinente da sentença, ela não deixa de dar pronúncia sobre a questão do excesso de quantificação em termos que possibilitam uma apreensão acessível dos motivos por que se concluiu ter ocorrido o alegado excesso e que radicam no conjunto dos factos vertidos nos pontos N) a Q) da matéria assente que, a seu ver, reflectem as condições concretas da actividade da impugnante na produção de ovos que não foram tidas em conta pela AT no apuramento da matéria tributável, bem como o facto de não ter sido ponderada qualquer percentagem para quebras, o que também comprometeu o resultado da quantificação, em vista do facto vertido no ponto Q) da matéria assente. Tendo ainda contribuído para consolidar a convicção da Mma. juiz quanto ao excesso de quantificação, as reservas expressas no laudo do perito independente em sede de procedimento de revisão, que transcreve.

Salienta-se, ainda, que são indicados os instrumentos de prova que suportam a matéria assente e menciona o probatório que não há factos «não provados» com relevo para a decisão e na motivação da decisão de facto é feita referência expressa à razão de ciência das testemunhas e quais aquelas cujo depoimento o tribunal entendeu não valorar e porquê.
Assim sendo, resultam claros os motivos factuais da decisão, em termos de a Recorrente os poder apreender e tomar uma opção esclarecida de conformação ou impugnação da decisão.

Saber se a fundamentação é a correcta ou adequada já não é questão que se inclua na eventual nulidade sentença por falta de fundamentação, antes se incluindo no âmbito de eventual erro de julgamento.

Improcede, assim, a invocada nulidade da sentença, por falta de especificação dos fundamentos que justificam a decisão (art.º125º do CPPT e al. b) do n° 1 do art.º615º do CPC).

Mas será que assiste razão à Recorrente quando invoca erro de julgamento? É o que passamos a apreciar.

Dispõe o n.º3 do art.º74.º da LGT, «Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação».

A sentença deu por assente a verificação dos pressupostos do recurso a métodos indirectos.

Como assim, em vista do critério legal de repartição do ónus da prova, à impugnante cabia o ónus de demonstrar o excesso de quantificação.
Como se salienta no Ac. do STA, de 16/11/2011, proferido no proc.º0247/11, «De acordo com as regras de distribuição do ónus da prova, para pôr em causa a quantificação da matéria tributável a que a AT chegou com recurso a métodos indirectos não basta ao sujeito passivo suscitar dúvidas quanto ao resultado obtido, antes se lhe impondo que demonstre a inadequação ou errada aplicação dos critérios de quantificação utilizados (cfr. art. 74.º, n.º 3, da LGT)».

Por outro lado e como se escreveu no Ac. daquele alto tribunal de 17/03/2010, tirado no proc.º01211/09, «Persistindo a situação de "non liquet" quanto ao excesso na quantificação a que chegou a Administração tributária, a dúvida terá de ser decidida em desfavor da recorrente, que não logrou provar a existência de tal excesso, nem se afigura evidente para este Tribunal que o alegado excesso na quantificação resulte das regras da experiência comum ou que seja manifesto, notório ou ostensivo».

Ou seja, a prova do erro ou excesso de quantificação tem de ser positiva e concludente.

Regressando aos autos, o que se constata é que a sentença, embora tenha concluído que o RIT contém a fundamentação legal no que respeita à enunciação do critério de quantificação [como nela se diz, «De igual modo, no Capítulo V do relatório de inspecção enunciou e especificou os critérios de quantificação da matéria tributável em termos suficientes, precisos e sem qualquer obscuridade»], tendo julgado improcedente essa causa de pedir da impugnação judicial, na apreciação que depois veio a fazer do apontado erro na quantificação da matéria tributável acaba por referir: «Ora, desde logo, verifica-se que a Administração tributária não dá a conhecer os pressupostos em que terão assentado os mencionados dados técnicos, o que seria relevante para se poder aferir da fiabilidade e adequação dos critérios utilizados nos cálculos efectuados».

Ou seja, entendeu a sentença recorrida que a especificação das condições concretas de exploração que estão subjacentes ao modelo técnico de produção de ovos elegido pela AT como critério de quantificação não tinha de integrar a fundamentação do acto.

E a Recorrida, tendo decaído quanto a esse fundamento da impugnação (falta de fundamentação do critério de quantificação), não lançou mão do estipulado no art.º636.º do CPC que permite que o Recorrido, nas contra-alegações, requeira e deduza aí a ampliação do âmbito do recurso interposto pela parte vencida [vd. Ac. do STA (Secção do CT), de 28/09/2011, tirado no proc.º0494/11].

Como se estipula no n.º1 daquele art.º636.º do CPC, «No caso de pluralidade de fundamentos da acção ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respectiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação».

Acrescentando o seu nº2 que «Pode ainda o recorrido na respectiva alegação e a título subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas».
No caso em apreço, a Recorrida não apresentou contra-alegações nas quais tenha requerido a este tribunal o conhecimento dos fundamentos do pedido em que decaiu, não havendo, por conseguinte, a possibilidade de reabertura, em sede apelatória, da discussão sobre os fundamentos da impugnação judicial que foram por si invocados e julgados improcedentes na sentença, ainda que de tal discussão pudesse resultar uma melhor aplicação do direito.

E assente a questão da fundamentação do critério de quantificação utilizado pela AT (art.º77.º, n.º4 da LGT), a prova do erro ou excesso ou da manifesta inadequação do critério de quantificação à realidade do contribuinte, que ao impugnante incumbe fazer, tem de ser ajuizada por referência àquela existente fundamentação.

Como a sentença refere e decorre do RIT, na quantificação da matéria tributável a AT utilizou os seguintes critérios:
Ano de 2000:
- apuramento do consumo total de ração;
- determinação do consumo total de ração das galinhas contabilizadas em função da idade e n.º de dias de permanência desde a data da compra até 31/12;
- consideração do consumo médio diário por galinha de 115 gramas, de acordo com os dados recolhidos na Internet;
- apuramento da quantidade estimada de galinhas omitidas, deduzindo ao consumo total de ração das galinhas contabilizadas, dividido pelo consumo diário médio;
- valorização da quantidade de galinhas omitidas com base no preço de compras das galinhas contabilizadas com 17 semanas relativamente ao tipo de galinha registado na contabilidade [Lohmann Brown];
- dado o início de postura em setembro considerou-se que a idade das galinhas omitidas é de 21 semanas;
- relativamente à produção de ovos foram utilizados também os dados técnicos para determinação da postura da galinha alojada.
Ano de 2001
- Tendo por base os bandos de galinhas apurados no ano de 2000, fez-se o apuramento por cada galinha, tendo em conta a idade [em semanas] do total da produção de ovos, com base nos dados técnicos referidos;
- Considerando que apenas houve venda de galinhas no ano de 2002, considerou-se após as 80 semanas um mês para depena com consumo zero de ração e após a depena, a percentagem de postura às 80 semanas;
- Também foi considerada uma taxa de mortalidade da galinha de 7%, cujo valor teve por base o peso médio por galinha viva no fim da postura, que se verificou em 2002 e o peso constante das faturas de venda.

Pois bem, relativamente aos pressupostos de quantificação enunciados, o que se constata é que a impugnante não põe provadamente em causa a linhagem do bando de galinhas (“Lohmann Brown”); alega um período de depena das galinhas de dois meses, quando a AT considerou um mês, mas tal facto não consta da matéria assente; alega que a AT assumiu 39 semanas de produção quando deveria assumir 36,5 semanas de postura, mas nada consta do probatório a respeito; alega uma taxa de mortalidade de 11,7% ao invés dos 7% considerados pela AT, mas tal também não consta da matéria assente; refere que a ração era de fraca qualidade, o que afectava negativamente a produtividade das galinhas e originava um consumo de ração mais elevado, mas tal alegação não integra a matéria assente.

Ou seja, em vista da fundamentação existente, nenhum facto decisivo para colocar em crise os pressupostos da quantificação ou a adequabilidade do critério escolhido pela AT, foi demonstrado pela Recorrida, cujas alegações pertinentes não encontram apoio na matéria assente no probatório.

Os factos que a Recorrida logrou demonstrar e estão vertidos nos pontos N) a Q) da matéria assente não constituem base factual bastante para se poder concluir pelo erro, excesso ou inadequação do método utilizado pela AT na quantificação, pois relevam no quadro das condições concretas de exploração, aspecto este que não integra a fundamentação do acto, neste ponto assistindo inteira razão à Recorrente quando refere desconhecer a que elementos de comparação recorreu, afinal, a sentença para ajuizar do erro ou manifesto excesso.

Por outro lado, a circunstância de existirem outros critérios de quantificação porventura mais ajustados à realidade do contribuinte, não é fundamento para se concluir pela inadequação do critério escolhido pela AT na medida em que represente também ele um esforço de aproximação à realidade, não se podendo perder de vista que a situação real apenas se pode apreender com base nos dados da contabilidade, que o próprio contribuinte tratou de descredibilizar.

A impugnante, ora Recorrida, não se desincumbiu do ónus que sobre si impendia de demonstrar, mediante prova positiva e concludente, a existência de erro grosseiro ou manifesto excesso ou a manifesta e evidente inadequação do método de quantificação escolhido pela AT.

A sentença recorrida, que diferentemente decidiu, incorreu pois em erro de julgamento não podendo manter-se na ordem jurídica, assim se concedendo provimento ao recurso.

Passando agora ao conhecimento das questões cujo conhecimento a sentença deu por prejudicado (art.º665.º, n.º2 do CPC), são elas: a ilegalidade da decisão de fixação da matéria tributável por violação do disposto no n.º7 do art.º92.º da LGT, a falta de fundamentação da decisão de fixação dos rendimentos e a falta de notificação da liquidação no prazo de caducidade.

Começando pela primeira das questões suscitadas cujo conhecimento ficou prejudicado pela solução dada ao litígio, vejamos.

Alega a impugnante que a decisão proferida pelo Sr. Director de Finanças de Viseu no procedimento de revisão mostra-se inquinada do vício de violação de lei por infracção ao disposto no n.º7 do art.º92.º da LGT, já que, não fundamenta de forma expressa, concreta e objectiva quais os motivos que o levaram à rejeição total do parecer do Perito Independente e, outrossim, nem expressa concreta e objectivamente os motivos inscritos pelos peritos independente e do contribuinte.

Dispõe o art.º92.º da LGT:
«1 - O procedimento de revisão da matéria colectável assenta num debate contraditório entre o perito indicado pelo contribuinte e o perito da administração tributária, com a participação do perito independente, quando houver, e visa o estabelecimento de um acordo, nos termos da lei, quanto ao valor da matéria tributável a considerar para efeitos de liquidação.

2 - O procedimento é conduzido pelo perito da administração tributária e deve ser concluído no prazo de 30 dias contados do seu início, dispondo o perito do contribuinte de direito de acesso a todos os elementos que tenham fundamentado o pedido de revisão.

3 - Havendo acordo entre os peritos nos termos da presente subsecção, o tributo será liquidado com base na matéria tributável acordada.

4 - O acordo deverá, em caso de alteração da matéria inicialmente fixada, fundamentar a nova matéria tributável encontrada.

5 - Em caso de acordo, a administração tributária não pode alterar a matéria tributável acordada, salvo em caso de trânsito em julgado de crime de fraude fiscal envolvendo os elementos que serviram de base à sua quantificação, considerando-se então suspenso o prazo de caducidade no período entre o acordo e a decisão judicial.

6 - Na falta de acordo no prazo estabelecido no n.º 2, o órgão competente para a fixação da matéria tributável resolverá, de acordo com o seu prudente juízo, tendo em conta as posições de ambos os peritos.

7 - Se intervier perito independente, a decisão deve obrigatoriamente fundamentar a adesão ou rejeição, total ou parcial, do seu parecer.

8 - No caso de o parecer do perito independente ser conforme ao do perito do contribuinte e a administração tributária resolver em sentido diferente, a reclamação graciosa ou impugnação judicial têm efeito suspensivo, independentemente da prestação de garantia quanto à parte da liquidação controvertida em que aqueles peritos estiveram de acordo»


Como decorre do n.º7, à posição assumida pelo perito independente é atribuído um especial relevo, derivado da posição de isenção que assume no procedimento de revisão, pelo que a não aceitação na decisão da posição por ele assumida tem de ser obrigatoriamente fundamentada – vd. Leite de Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, “Lei Geral Tributária”, Encontro de Escrita, 4.ª ed., 2012, a pág.815.

Também o STA tem vindo a entender que «Nas situações em que o perito independente intervém no procedimento de revisão da matéria tributável (artigo 91.º, n.º 4, da LGT) e não há acordo na Comissão quanto ao valor da matéria tributável a considerar para efeitos de liquidação, a lei pretende que haja uma particular ponderação e reflexão sobre a posição assumida por esse perito, obrigando, para o efeito, a um acrescido dever de fundamentação da decisão de fixação da matéria tributável, pela enunciação das razões que levaram à adesão ou rejeição, total ou parcial, do seu parecer, independentemente do seu conteúdo (artigo 92.º, n.º 7, da LGT).
Não constando da decisão de fixação da matéria tributável a fundamentação da rejeição do parecer do perito independente, em violação do disposto no n.º 7 do artigo 92.º da LGT, ocorre vício que inquina a legalidade desse acto e de todos os actos consequentes, incluindo o de liquidação» - vd. Ac. de 30/11/2010, proferido no proc.º0512/10 e, na mesma linha decisória, o anterior Ac. de 13/10/2010, proferido no proc.º0511/10.

No caso em apreço e como se alcança do probatório e dos autos, o perito independente teve intervenção no procedimento de revisão e elaborou o extenso parecer junto aos autos a fls.31 do PA.

Ora, da decisão de fixação da matéria tributável a fls. 56 do PA, cujo teor é reproduzido no ponto K) da matéria assente no probatório, consta como única referência ao parecer do parecer do perito independente, a seguinte:

«Relativamente ao parecer do Perito Independente vai no sentido de que se encontra “suficientemente evidenciada e comprovada pela AT a verificação dos pressupostos da aplicação dos métodos indirectos de determinação da matéria tributável”, mas que “…o lucro assim avaliado indirectamente não deverá afastar-se em percentagem sobre as vendas, sem justificação, do rácio respectivo para o sector, região e período…”».

Claro está que na transcrita referência não se pode encontrar a fundamentação da decisão de rejeição do parecer do perito independente. O que se encontra nessa referência não chega, sequer, a ser a síntese daquilo que foi sustentado pelo perito independente no seu extenso e denso parecer, em que expressa reservas ao critério de quantificação e sugere critérios alternativos, a seu ver, mais ajustados à realidade do contribuinte.

Como vimos, sendo requerida, por qualquer das partes (cf. n.º4 do art.º91.º da LGT), a intervenção de perito independente e intervindo este, na falta de acordo na comissão de revisão impõe a lei não apenas que a sua posição seja tida em conta, como dispõe relativamente às posições dos peritos das partes (cf. n.º6 do art.º92.º da LGT), mas que seja obrigatoriamente fundamentada a adesão ou rejeição, total ou parcial, do seu parecer.

Não se encontrando na decisão de fixação da matéria tributável a fundamentação da decisão de rejeição do parecer do perito independente, em termos explícitos ou implícitos, mostra-se violado o disposto no n.º7 do art.º92.º da Lei Geral Tributária, sendo de anular a decisão de fixação da matéria tributável e os actos consequentes dessa decisão, incluindo o acto de liquidação impugnado.

Fica prejudicado o conhecimento das restantes questões processuais.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em:
i. Conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida.
ii. Conhecendo em substituição, julgar a impugnação judicial procedente e anular a liquidação de IRC/2001 e juros compensatórios impugnada.
Custas a cargo da Recorrente.
Porto, 29 de Junho de 2017
Ass. Vital Lopes
Ass. Cristina da Nova
Ass. Pedro Vergueiro