Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00145/06.3BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/10/2018
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Mário Rebelo
Descritores:REQUISITOS PARA APLICAÇÃO DO Nº 4 DO ART. 3º DO CIVA
Sumário:1. Considera-se, em geral, transmissão de bens a transferência onerosa de bens corpóreos por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade (art 3º/1 do CIVA)
2. O nº 4 do artigo 3º do Código do IVA exclui do conceito de transmissão e consequentemente da aplicação do imposto "...as cessões a título oneroso ou gratuito do estabelecimento comercial, da totalidade de um património ou de uma parte dele, que seja
susceptível de constituir um ramo de actividade independente, quando, em qualquer dos casos, o adquirente seja, ou venha a ser, pelo facto da aquisição, um sujeito passivo do imposto de entre os referidos na alínea a) do nº 1 do artigo 2º".
3. Essencial para preenchimento da 1ª parte deste n.º4 é que se transmita um património como uma unidade económica, portadora de uma individualidade própria distinta dos elementos que a integram. Ou seja, um conjunto de bens organizados com estabilidade e autonomia suficientes para a realização de uma actividade de natureza comercial ou industrial.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:M...
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

RECORRENTE: M...
RECORRIDO: Autoridade Tributária e Aduaneira
OBJECTO DO RECURSO: Sentença proferida pelo MMº juiz do TAF de Viseu que julgou totalmente improcedente a impugnação deduzida contra a liquidação adicional de IVA e juros compensatórios relativa ao ano de 1999.
CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES:
I. A decisão recorrida padece de erro de julgamento da matéria de facto e erro de julgamento da matéria de direito.
II. A douto decisão recorrida deu como provado que a recorrente com a venda do imóvel correspondente a fracção E do prédio constituído em propriedade horizontal sito na freguesia de Brifiande, concelho de Lamego inscrito na matriz predial sob o n.° 7… também transmitiu mercadorias e os moveis que ali se encontravam.
III. Na verdade não foi a venda do imóvel que determinou a venda das mercadorias e dos móveis do salão de cabeleireiro.
IV. A impugnante e ora recorrente vendeu, em 20/12/1999, as mercadorias e os móveis do estabelecimento de Cabeleireiro que explorava, deixando o partir dessa data de exercer a actividade, que cessou com referência a 31/12/1999, conforme declarou no anexo B1 apresentado conjuntamente com a declaração mod 3 apresentada relativamente ao ano de 1999.
V. Mercadorias e móveis que faziam parte do património do estabelecimento empresarial.
VI. Mercadorias e moveis que transmitiu na totalidade à adquirente R… que, de imediato, alterou o nome do estabelecimento para “Salão de Cabeleireiro R…” que por essa aquisição passou a ser sujeito passivo de IVA.
VII. O estabelecimento empresarial da impugnante encontrava-se instalado na fracção “F” do prédio acima identificado que era propriedade da impugnante e do seu marido, constituindo um bem do seu património pessoal.
VIII. Assim, as mercadorias e os móveis do salão de cabeleireiro constituíam o património empresarial da impugnante enquanto o prédio integrava o património pessoal e familiar do casal.
IX. Apesar da ocupação, pela impugnante, dessa fracção no exercício da sua actividade, o imóvel não fazia parte do activo do estabelecimento, daí que a venda deste ou dos elementos que o integravam não implicou, nem tinha de implicar, a sua transmissão.
X. Por outro lado a venda da totalidade do património que integrava o estabelecimento ocorreu muito antes da venda do imóvel, a primeira ocorreu em 20/12/1999 e a segunda em 12/04/2000.
XI. Acresce que a venda do património afecto ao estabelecimento comercial (mercadorias e moveis do salão de cabeleireiro) foi declarada como facto tributário do ano de 1999 com impacto na determinação dos rendimentos comerciais da impugnante e ora recorrente.
XII. A venda da imóvel ocorrida em 2000 foi declarada como facto tributário do ano de 2000 com impacto da determinação dos rendimentos de mais-valias do casal.
XIII. Assim há erro de julgamento sobre a matéria de facto quando como na decisão recorrida se conclui que «(...) prova-se que o impugnante, não transmitiu mais do que o seu direito de propriedade sobre a fracção ... e vendeu mercadorias e moveis ..
XIV. O que se prova, salvo o devido respeito, é que a impugnante transmitiu a totalidade do património afecto ao estabelecimento comercial de cabeleireiro em 20/12/1999
XV. E posteriormente, já em 2000, o casal constituído pela impugnante e pelo seu marido, alienaram a propriedade do imóvel, onde por ocaso, se encontrava instalado o estabelecimento comercial.
XVI. Mas não tinha de ser, ou seja, a venda da totalidade do património do estabelecimento não tinha que implicar a venda do imóvel que poderia ter permanecido na propriedade do casal.
XVII. A venda da fracção F do prédio sido na freguesia de Britiande e onde se encontrava instalado o salão de cabeleireiro é pois um acto autónomo e alheio à venda da totalidade do património afecto ao referido estabelecimento.
XVIII. Para efeitos de IVA o que está em causa é saber como era constituído o património do estabelecimento da impugnante e se a venda registada das mercadorias e dos móveis esgotou esse património.
XIX. A impugnante declarou que as mercadorias e os móveis vendidos integravam a totalidade do património do estabelecimento.
XX. Declaração que fez constar do anexo B1 apresentado conjuntamente com a declaração mod 3 de IRS do ano de 1999, ao qual juntou o mapa de imobilizado - Mod 31.1 e o mapa de mais valias mod 30 (uns e outros juntos com a p.i,).
XXI. E declarou que com essa venda deixou de exercer a actividade de Cabeleireira (CAE 93021) pela qual se encontrava colectado.
XXII. Ao contrário a AT não contestou aquelas declarações porque traduziam a realidade dos factos.
XXIII. O Tribunal a quo incorreu em incorrecta apreciação e valoração da factualidade dada como assente.
XXIV. A decisão recorrida revela deficiente selecção da matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito controvertida.
XXV. A decisão recorrida padece de errónea selecção da matéria dada como provado aos comandos normativos, designadamente do n.° 4 do art.° 3.° do CIVA.
Sem prescindir,
XXVI. A decisão recorrida padece de omissão de pronúncia sobre a interpretação de aplicação do art.° 3º n.° 4 do CIVA.
XXVII. Tendo ocorrido, como ocorreu, em 20/12/1999 a transmissão da totalidade do património da impugnante a um adquirente que por esse facto passou a ser sujeito passivo de IVA a questão a resolver é a de saber se verificados os pressupostos previstos no n.° 4 do art.° 3.° do CIVA aquela operação está ou não fora do campo do IVA (não sujeita a IVA).
XXVIII. O Tribunal não se pronunciou sobre a questão levada a sua apreciação pelo que mais do que errado julgamento da matéria de direito se verifica uma omissão de pronúncia sobre a interpretação e subsunção do facto ao direito.
XXIX. Efectivamente, o tribunal a quo centra-se no conceito de “Trespasse”, pelo que se deduz, que pretende defender que não tendo havido, no caso sub judice um trespasse, não haverá, por recurso a um exercício de mera dedução, lugar a aplicação do disposto no n.° 4 do art.° 3.° do CIVA.
XXX. O Tribunal a quo, com o devido respeito, não faz uma apreciação dos factos no sentido de concluir se estão verificados ou não os pressupostos exigidos nos termos daquela disposição.
XXXI. A transmissão do direito de propriedade que como supra se referiu e se mostra provado ocorreu no ano de 2000, o tribunal considerou que a transmissão das mercadorias e dos móveis se apresentam como actos consequentes e, não tendo havido um “trespasse” não se coloca, deduz-se, a questão da subsunção destes actos na norma acima citada.
XXXII. Daí a omissão de pronúncia sobre a questão controvertida.
XXXIII. Verificando-se como se verificou a venda da totalidade do património do estabelecimento de cabeleireiro (a totalidade das mercadorias e dos moveis) e a qualidade de sujeito passivo adquirida, pela compradora, para efeitos de IVA, por força dessa aquisição, não há dúvidas que a operação está fora do campo de incidência do IVA.
XXXIV. Relativamente a questão da liquidação do IVA sobre o valor dos bens imóveis, não afecta a subsunção do facto ao direito.
XXXV. A liquidação indevida do IVA deu lugar o obrigação da entrega nos cofres do Estado do IVA liquidado mas não afectou a qualificação jurídica do facto.
XXXVI. Não se tendo pronunciado sobre a questão da subsunção da operação (venda da totalidade do património do estabelecimento constituído por mercadorias e moveis) na norma do n.° 4 do artº 3º do CIVA, a decisão controvertida enferma do vício de omissão de pronuncia.
XXXVII. Acresce que o Tribunal a quo não observou o disposto no art° 100.° do CPPT que «sempre que da prova produzido resulte a fundada duvida sobre a existência e quantificação do facto tributário deverá o acto impugnado ser anulado»
XXXVIII. O Tribunal a quo não teve em conto no Direito aplicável designadamente o disposto nos art.°s 74º, 75º e 76° da LGT, designadamente o princípio da repartição do ónus da prova.
Nos termos expostos e nos demais que V.Exas, doutamente, suprirão deve ser concedido provimento ao recurso revogando-se Decisão recorrida com todas as consequências legais, assim se fazendo JUSTIÇA.

CONTRA ALEGAÇÕES.
Não houve.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.

II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou no julgamento da matéria de facto e de direito ao julgar improcedente a impugnação deduzida contra a liquidação adicional de IVA relativa ao ano de 1999.

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:
A. Pela declaração modelo 3 de IRS referente ao ano de 1999, a impugnante declarou a cessão da atividade de cabeleireiro – cfr. fls. 14 a 17 dos autos, que se dá por integralmente reproduzida, o mesmo se dizendo em relação às demais que seguem.
B. Com data de 20/12/1999, a impugnante emitiu a nota de lançamento n.º 14/1999, da qual resulta o seguinte:
- Venda de mercadorias 2.560.000$00
(IVA regime de isenção artº 4.º código CIVA)
- Venda móveis do salão cabeleireira 230.000$00
IVA 17% - 39.100$00
Total 2.829.100$00 a)
a) Importância constante na escritura de venda das instalações
cfr. fls. 18 dos autos.
C. Com data de 12/04/2000, a impugnante e marido, como primeiros outorgantes, celebraram escritura de compra e venda no Cartório Notarial da Régua, fls. 74 a 75 do livro número 107-A, pela qual declararam vender pelo preço de seis milhões de escudos a R… e marido, segundos outorgantes, a fração autónoma designada pela letra “F”, correspondente ao rés-do-chão, direito, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na freguesia de Britiande, concelho de Lamego, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lamego sob o número duzentos e dezoito/zero quatro sete noventa e inscrito na matriz sob o artigo 7…– cfr. fls. 77/81 dos autos.
D. Com data de 30/10/1999, a impugnante emitiu a nota de lançamento n.º 12/1999, da qual resulta o seguinte:
“- Venda mercadorias clientes diversos – 141.000$00
IVA 17% - 23.970$00
Total – 164.970$00
- cfr. fls. 90 dos autos.
E. Com data de 30/11/1999, a impugnante emitiu a nota de lançamento n.º 13/1999, da
qual resulta o seguinte:
“- Venda mercadorias clientes diversos – 75.920$00
IVA 17% - 12.906$00
Total – 88.826$00
- cfr. fls. 91 dos autos.
F. Nos termos da Ordem de Serviço n.º 27883, de 20/06/2001teve lugar a inspeção tributária à escrita da impugnante de âmbito parcial IRS e IVA aos exercícios de 1997, 1998 e 1999, no âmbito da sua atividade de “cabeleireira”, de cujo relatório resulta, no essencial e em relação à questão que importa decidir nos presentes autos, o seguinte:
“(…)
E) No exercício de 1999, da análise aos documentos internos n.ºs 12, 13 e 14, suportados por meros documentos internos, constatou-se que o s.p. vendeu mercadorias a diversos clientes.
Questionado a contribuinte perante tais vendas, veio a alegar que as clientes ao terem conhecimento que ia fechar o salão de cabeleireiro, pediram-lhe para ela lhes vender produtos de que disponha no estabelecimento.
No que respeita aos documentos n.ºs 12, 13 e 14 o s.p. liquidou e entregou o correspondente IVA nos cofres do Estado.
Relativamente ao documento n.º 14 não liquidou nem entregou nos cofres do Estado o IVA correspondente à venda de mercadorias, mencionando no documento isenção nos termos do artigo 4.º do CIVA e que esta importância consta da escritura de venda das instalações, o que não está correto isto porque através da referida escritura a contribuinte apenas vende a fração F pelo valor de 6000 contos, não englobando quaisquer mercadorias nem imobilizado, conforme escritura pública realizada em 12/04/2000 no Cartório Notarial do peso da Régua.
Por outro lado, se assim fosse, porque motivo o s.p. apenas considerou a isenção relativamente à transmissão das mercadorias e liquidou IVA referente À venda do mobiliário, conforme consta do referido doc. Interno n.º 14.
Face ao exposto, verifica-se a não liquidação e não entrega nos cofres do Estado de IVA no montante de 435.200$00, que resulta de:
2.560.000$00 x 17% = 435.200$00.
(…)
cfr. fls. do PA anexo dos autos.
G. A Administração Tributária emitiu as seguintes liquidações de IVA e Juros Compensatórios:
TRIBUTO VALOR PERÍODO N.º LIQUIDAÇÃODATA EMISSÃODATA LIMITE PAGAMENTO
IVA € 2.170,77 1999 01155470 14/08/2001 31/10/2001
JC € 219,40 9912T 01155469 14/08/2001 31/10/2001
- cfr. fls. 7 e 8 do processo de reclamação anexo.
Factos não provados
Não se mostram não provados outros factos.
Motivação da decisão de facto
A convicção do Tribunal quanto aos factos provados resultou da análise crítica e conjugada do teor dos documentos não impugnados juntos aos autos, conforme referido em cada ponto do probatório e também da posição assumida pelas partes, na parte dos factos alegados não impugnados e corroborados pelos documentos juntos, (artigo 76.º, da Lei Geral Tributária e artigo 362.º e sgs. do Código Civil) e ainda pela prova testemunhal.
A matéria de facto não provada redundou na ausência de prova produzida para o efeito.
**
IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
A Impugnante deduziu impugnação judicial (a petição deu entrada em juízo como ação administrativa especial – recurso contencioso, mas posteriormente foi convolada em impugnação judicial), alegando em síntese ter exercido a actividade de cabeleireira até finais de 1999, em estabelecimento situado em prédio próprio. Cessou a sua actividade e vendeu a totalidade das existências, a totalidade dos bens móveis e demais equipamentos utilizados no exercício da sua actividade, sem que tenha liquidado IVA por considerar a operação isenta nos termos do n.º 4 do art.º 3º do CIVA. Transmitiu a universalidade do estabelecimento (propriedade do imóvel onde se encontrava instalado o salão, totalidade das existências e a totalidade dos móveis), tendo a adquirente alterado o nome do salão, mas continuou a exercer a mesma actividade.
A decisão que indeferiu o Recurso Hierárquico alega que no caso o apreço não configura uma cedência de estabelecimento comercial” no sentido da continuidade do exercício de uma actividade, o que é falso. A adquirente deu continuidade à actividade da recorrente apenas alterando o nome do Salão de “Ros…”, nome da cedente, para “R…”, nome da cessionária.
O MMº juiz julgou improcedente a impugnação, após reflexão sobre a questão de saber a AT cumpriu o seu ónus da prova quanto à tributação e se a Impugnante transmitiu o estabelecimento de cabeleireira enquanto “um todo” ou apenas um edifício, já que quanto às mercadorias (existências) e móveis se desconhece quais sejam.

A Recorrente discorda do decidido e defende que a sentença errou no julgamento de facto e de direito ao dar como “...provado que a recorrente com a venda do imóvel correspondente a fracção E do prédio constituído em propriedade horizontal sito na freguesia de Brifiande, concelho de Lamego inscrito na matriz predial sob o n.° 7... também transmitiu mercadorias e os moveis que ali se encontravam.
Na verdade não foi a venda do imóvel que determinou a venda das mercadorias e dos móveis do salão de cabeleireiro.
O estabelecimento encontrava-se instalado na fração “F”, constituindo esta um bem do património pessoal e familiar da Impugnante
As mercadorias e os móveis do salão constituíam o património empresarial da Impugnante.
O Imóvel não fazia parte do activo do estabelecimento. Daí que a venda deste ou dos elementos que o integravam não implicou. Nem tinha que implicar a sua transmissão.
Assim, há erro de julgamento sobre a matéria de facto quando, como na decisão recorrida se conclui que “prova-se que a impugnante não transmitiu mais do que o seu direito de propriedade sobre a fração...e vendeu mercadorias e móveis”
O que se prova é que a impugnante transmitiu a totalidade do património afecto ao estabelecimento comercial de cabeleireiro em 20/12/1999
E posteriormente, em 2000, o casal constituído pela impugnante e pelo seu marido, alienaram a propriedade do imóvel, onde por ocaso, se encontrava instalado o estabelecimento comercial.
Mas não tinha de ser. A venda da totalidade do património do estabelecimento não tinha que implicar a venda do imóvel que poderia ter permanecido na propriedade do casal.
A venda do fração “F” é um acto autónomo e alheio à venda do salão de cabeleireiro.
Para efeitos de IVA o que está em causa é saber como era constituído o património do estabelecimento da impugnante e se a venda registada das mercadorias e dos móveis esgotou esse património (Conclusões I a XVIII).

Não pretende “...que seja dada ao facto uma dada qualificação jurídica, qual seja a de trespasse do estabelecimento, de venda da totalidade do património, ou outra, o que pretende é provar e provou que em 1999 alienou o totalidade do património que integrava o seu estabelecimento empresarial e que em consequência dessa alienação deixou de exercer a actividade para que se encontrava colectado para efeitos de IRS e IVA.
E. que por forço da transmissão da totalidade do património afecto a actividade empresarial praticou actos subsumíveis no n.° 4 do art.° 3.° do CIVA e consequentemente não sujeitos o IVA porque fora do campo de sujeição deste imposto. (Alegações).

Como vemos, a Recorrente defende que a venda do imóvel não integra a venda do estabelecimento. E que a venda do estabelecimento não incluiu a venda do imóvel, mas apenas a venda de mercadorias e móveis do salão de cabeleireiro e apenas essa transmissão está isenta de IVA. Daí que, na sua perspetiva, a sentença errou ao considerar “...que a impugnante não transmitiu mais do que o seu direito de propriedade sobre a fração ....e vendeu mercadorias e móveis...”.

De facto, o MMº juiz considerou que “O que caracteriza o contrato de trespasse (pretendido pela impugnante, ora recorrente) é a cedência definitiva do estabelecimento como um todo, como uma universalidade, como uma unidade económica mais ou menos complexa.
No trespasse, na transmissão efetuada pelo cedente vai, portanto, incluído todo o somatório de elementos materiais e imateriais que integram a organização da empresa, desde os móveis e imóveis até à clientela, às patentes e segredos de fabrico, aos contratos, licenças, alvarás, etc. - cf. Antunes Varela, Revista de Legislação e Jurisprudência 100.°, p. 270; cf., ainda no mesmo sentido, Orlando de Carvalho, Critério e Estrutura do Estabelecimento Comercial, p. 447 a 475.
Na verdade, a impugnante, não consegue individualizar ou discriminar «todos os elementos» que haveria transmitido com o estabelecimento.
O que resulta do probatório é que por escritura pública celebrada em 12/04/2000, a impugnante vendeu a fração autónoma designada pela letra “F”, correspondente ao rés-do-chão, direito, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na freguesia de Britiande, concelho de Lamego, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lamego sob o número duzentos e dezoito/zero quatro sete noventa e inscrito na matriz sob o artigo 7....
E nesta escritura nada é referido quanto ao estabelecimento, ou seja, qual a utilidade de tal fração, a que se destinava se porventura naquela transmissão se incluíam outros elementos suscetíveis de compor o universo do tal estabelecimento que a impugnante diz ter trespassado.
De resto e quanto à nota de lançamento n.º 14/1999, com a data de 30/12/1999, resulta que a impugnante teria vendido mercadorias, como também teria vendido móveis do estabelecimento de cabeleireira.
Mas também emitiu as notas de lançamento n.ºs 12 e 13, de 30/10/1999 e 30/11/1999, de onde resulta que terão sido vendidas mercadorias a clientes diversos, mas tal como nesta, naquela outra nota de lançamento não especifica quais.
Para além do que não junta qualquer outro documento que comprove o negócio da alegada transmissão do estabelecimento à adquirente do imóvel.
Acresce também que a escritura de compra e venda do imóvel é de 12/04/2000 e a nota de lançamento n.º 14/1999 tem data de 30/12/1999, portanto mais de três meses antes da venda do imóvel.
E, na realidade, o que relevaria para o efeito de não tributação em IVA - como é pretendido pela impugnante, seria o facto de o estabelecimento ter sido transmitido essencialmente como totalidade ou unidade funcional com referência ao ramo de atividade que no mesmo estabelecimento vinha sendo exercida.
Ou seja, para não haver tributação em IVA, exige-se que a transmissão do estabelecimento comercial se realize como universalidade, e não apenas como lugar, ou "chave" para a abertura do estabelecimento de uma outra atividade - cf. os termos do n.° 4 do artigo 3.° do Código do IVA.
É que a impugnante apesar de alegar que ali foi instalado também um outro estabelecimento de cabeleireiro, com outra designação ou sob outra firma, a verdade é que a Impugnante não demonstra que ocorreu uma transmissão de estabelecimento como universalidade e a prova que resulta dos autos é que a impugnante vendeu uma fração autónoma e terá vendido mercadorias”.

Mas a verdade é que a primeira parte da reflexão do MMº juiz (quanto à transmissão da fração) não contém qualquer erro, quer de facto, quer de direito.
Pelo contrário, foi a Recorrente que defendeu uma tese no procedimento e na petição diferente da que agora elege neste recurso.

No procedimento de inspeção, tendo-se constatado a venda de mercadorias, suportadas por meros documentos internos (Docs. 12, 13 e 14), esclareceu a Impugnante “...que as clientes ao terem conhecimento que ia fechar o salão de cabeleireiro, pediram-lhe para ela lhes vender produtos de que dispunha no estabelecimento”.

No que respeita aos documentos internos n.ºs 12 e 13 liquidou e entregou o respetivo IVA.
Mas quanto ao documento n.º 14 não liquidou nem entregou IVA relativo à venda de mercadorias, mencionando no mesmo “...isenção nos termos do artigo 4º do CIVA” e que “esta importância consta da escritura de venda das instalações.”

Na Reclamação Graciosa, alega que “Em 1999 negociou a cedência do estabelecimento que incluiu o imóvel, a totalidade das existências e do imobilizado afeto à exploração bem como do aviamento, tudo pelo preço global de 7.500 contos” (artigo 2º - sublinhado nosso).
(...)
“De facto, pelo preço de 7.500 contos foi negociada a totalidade dos bens- existências, imobilizado, imóvel e aviamento, tendo sido fixado para o “trespasse” o valor de 1.500 contos e para os restantes bens – imóvel, existências e imobilizado afeto à exploração os restantes 6.000 contos” (artigo 9º - sublinhado nosso)

E na petição inicial alega também
“A verdade é que a Recorrente transmitiu a universalidade do estabelecimento de “cabeleireiro” denominado “Salão Ros…”, transmitindo:
a) a propriedade do imóvel onde se encontrava instalado o “Salão Ros…”;
b) a totalidade das existências;
c) a totalidade dos móveis” (art. 12º)
(...)
“A AF com subterfúgios vários procura confundir a questão controvertida, qual seja a de saber se a transmissão da totalidade das existências operada no momento em que se transmitiu a universalidade dos elementos que integravam o “Salão Cabeleireira” denominado “Salão Ros…”, tais como a propriedade do imóvel onde se encontrava instalado o “Salão Cabeleireira” e os móveis para com o “conjunto” ser dada continuidade à actividade de “Cabeleireira” que ali vinha sendo desenvolvida é subsumível na previsão do n.º 4 do art.º 3º do CIVA”. (artigo 20º da petição inicial sublinhado nosso).

Do exposto, parece relativamente claro que a Impugnante defendeu que a venda do estabelecimento incluiu as mercadorias (2.560.000$) os móveis (230.000$) no valor global de € 2.829.100$ bem como a venda da fração onde estava instalado o Salão, tudo pelo preço de 6.000 contos, a que acrescia o valor € 1500,00 pelo “trespasse”

Portanto, quando o MMº Juiz decidiu com base na prova (facto provado C) que não houve transmissão do estabelecimento com a venda da fração porque em relação esta a Impugnante “...não transmitiu mais que o seu direito de propriedade sobre a fração que resulta escritura pública celebrada e em que alegadamente vinha funcionando o seu estabelecimento comercial...”, pois “... nesta escritura nada é referido quanto ao estabelecimento, ou seja qual a utilidade de tal fração, a que se destinava se porventura e se porventura naquela transmissão se incluíam outros elementos susceptíveis de compor o universo de tal estabelecimento que a Impugnante diz ter trespassado” está a analisar a questão nos termos e com os factos alegados pela Impugnante.
Sem que, por isso, lhe possa ser apontado qualquer erro de facto.

É agora em sede de recurso que a Recorrente “abandona” a tese (e rejeita-a mesmo) de que a venda da fração faça parte da transmissão do estabelecimento. Defende que a venda dos móveis e mercadorias em 20/12/1999 (NL n.º 14) constitui a totalidade do património estabelecimento, deixando, concomitantemente, de exercer a atividade de cabeleireira para a qual se encontrava colectada.
É certo que alguns dos factos alegados na petição inicial também apontam para a possibilidade de apenas estar em causa a transmissão dos bens móveis. Não estaria tanto em causa a transmissão do estabelecimento, mas apenas a transmissão dos bens móveis os quais, por si só, alega, seriam susceptíveis de constituir um ramo de actividade independente.
Nos artigos 25º, 26 e 28º alega que
“No caso dos presentes autos, a recorrente cedeu a título oneroso a totalidade das existências afectas ao exercício da sua actividade. O adquirente, por força dessa aquisição, passou a ser um sujeito passivo de imposto.
(...)
A “cessão” das existências efetuada pela aqui recorrente à adquirente do estabelecimento “que nele continuou a exercer a sua actividade profissional de cabeleireira, passando a ser sujeita passiva de IVA cai no âmbito da disposição atrás referida, não sendo por isso considerada como uma “transmissão” para efeitos de IVA.

Ora a nota de lançamento de 20/12/1999 corresponde à nota de lançamento n.º 14 e a sua data é de 30/12/1999.(1) Esta NL diz o seguinte:
- Venda de mercadorias 2.560.000$00
(IVA regime de isenção artº 4.º código CIVA)
- Venda móveis do salão cabeleireira 230.000$00
IVA 17% - 39.100$00
Total 2.829.100$00 a)
a) Importância constante na escritura de venda das instalações

É com base nesta nota de lançamento que a Impugnante pretende demonstrar ter transmitido a totalidade de um património, ou de uma parte dele que seja susceptível de constituir um ramo de actividade independente e assim beneficiar da isenção de IVA nos termos do n.º 4 do art. 3º do CIVA.

Com efeito, nos termos previstos no artigo 3º n.º 1 do CIVA, "considera-se, em geral, transmissão de bens a transferência onerosa de bens corpóreos por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade".

Mas o n.º nº 4 do artigo 3º do Código do IVA exclui do conceito de transmissão e consequentemente da aplicação do imposto "...as cessões a título oneroso ou gratuito do estabelecimento comercial, da totalidade de um património ou de uma parte dele, que seja
susceptível de constituir um ramo de actividade independente, quando, em qualquer dos casos, o adquirente seja, ou venha a ser, pelo facto da aquisição, um sujeito passivo do imposto de entre os referidos na alínea a) do nº 1 do artigo 2º".

Este preceito constitui uma norma de delimitação negativa da incidência do imposto. Abrange as cessões a título definitivo de um estabelecimento comercial, que poderão englobar apenas a cedência de elementos corpóreos ou incorpóreos, justificando-se como medidas de simplificação, cujo objectivo é não criar obstáculos (mediante pré-financiamentos avultados) à transmissão de empresas no seu todo ou pelo menos dos seus elementos destacáveis como unidades independentes.

Esta norma é legitimada quer pela continuidade do exercício da actividade transferida quer pela total irrelevância ao nível da economia do imposto, isto é, sendo o adquirente um "sucessor" do transmitente o imposto que viesse a ser liquidado seria de imediato deduzido pelo adquirente.

Assim, para que uma operação seja enquadrável no âmbito da norma de delimitação negativa da incidência do imposto torna-se necessário a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:
(i) Transmissão a título oneroso ou gratuito dum património global, integrando bens e direitos, ou de uma parte dele susceptível de constituir um ramo de actividade independente;
(ii) O adquirente seja ou venha a ser pelo facto da aquisição, um sujeito passivo de imposto dos referidos na alínea a) do nº 1 do artigo 2º.

Incidindo a nossa reflexão sobre a primeira parte da norma, devemos concluir que a transmissão do estabelecimento não pressupõe necessariamente a transmissão do local onde ele está instalado. Pode bem suceder que o titular de um estabelecimento, sendo dono do local, transmita o estabelecimento sem o local, ou que não sendo seu proprietário, transmita o estabelecimento sem o direito ao arrendamento do local (2).

É até possível e lícita a exclusão da transmissão de um ou mais elementos que integram o estabelecimento, desde que fique salvaguardada a sua autonomia e funcionalidade e que sejam transmitidos os elementos que asseguram o funcionamento do estabelecimento.
Pelo menos os que sejam susceptíveis de constituir um ramo de actividade independente.


Essencial para preenchimento da 1ª parte do n.º4 do art.º 3 do CIVA é que se transmita um património como uma unidade económica, portadora de uma individualidade própria distinta dos elementos que a integram. Ou seja, um conjunto de bens organizados com estabilidade e autonomia suficientes para a realização de uma actividade de natureza comercial ou industrial.

Ora, reportando-nos ao caso em análise, com a alegada transmissão das mercadorias (existências e móveis) documentada pela nota de lançamento n.º 14/1999 não se vê como dela se pode extrair que as mesmas correspondem ao estabelecimento ou que são uma parte do seu património susceptível de constituir um ramo de actividade independente.

Desconhecendo-se que móveis foram alienados ou que mercadorias foram transmitidas ninguém está em condições de poder afirmar a sua susceptibilidade de constituir um ramo -qualquer que seja - de actividade independente.

Os documentos não o dizem e não é possível saber-se pois a Impugnante nem sequer inventários tinha.
E tão pouco poderá dizer-se que alienou todo o imobilizado constante do mapa junto com a pi, pois não se sabe se há coincidência entre a NL e o mapa do ativo imobilizado.

Embora o importante seja, neste caso, saber que bens foram transmitidos e se com eles se poderia constituir um ramo de actividade independente, devemos notar que as notas de lançamento n.ºs 12 e 13 com datas de 30/10 e 30/11, referem também “venda de mercadorias a clientes diversos” o que significa não ter vendido a totalidade do património à adquirente, ao contrário do que alega.

O MMº juiz também referiu que “... quanto à nota de lançamento n.º 14/1999, com a data de 30/12/1999, resulta que a impugnante teria vendido mercadorias, como também teria vendido móveis do estabelecimento de cabeleireira.
Mas também emitiu as notas de lançamento n.ºs 12 e 13, de 30/10/1999 e 30/11/1999, de onde resulta que terão sido vendidas mercadorias a clientes diversos, mas tal como nesta, naquela outra nota de lançamento não especifica quais.
Para além do que não junta qualquer outro documento que comprove o negócio da alegada transmissão do estabelecimento à adquirente do imóvel.”

Por conseguinte, concluindo esta parte do recurso, quer a alegada transmissão do estabelecimento tenha sido acompanhada da fração, como alegou, quer tenha ocorrido “apenas” a transmissão das mercadorias e móveis através da nota de lançamento n.º 14/1999 não se prova, em nenhuma circunstância, a transmissão de um património ou parte dele que seja susceptível de constituir uma actividade independente.

E assim, não pode reclamar a isenção do dever de liquidar IVA nos termos do n.º 4 do art. 3º do CIVA.

Nem pode a Recorrente invocar em seu benefício a presunção de veracidade das suas declarações, uma vez que tal presunção apenas opera quando a contabilidade está organizada de acordo com a legislação comercial e fiscal (art. 75º/1 LGT) e desde que não evidencie omissões, erros ou inexactidões que não refletem a matéria real do sujeito passivo (art. 74º/2-a) LGT), como é o caso dos autos.

Por fim, alega a Recorrente que a sentença incorreu em nulidade por omissão de pronúncia sobre a interpretação de aplicação do art. 3º n.º 4 do CIVA.

Isto porque tendo “...ocorrido a transmissão da totalidade do património da Impugnante a um adquirente que por esse facto passou a ser sujeito passivo de IVA, a questão a resolver é a de saber se verificados os pressupostos previstos no n.º 4 do art. 3º do CIVA aquela operação está ou não fora do campo do IVA”
“O tribunal a quo centra-se no conceito de “Trespasse”, pelo que se deduz, que pretende defender que não tendo havido, no caso sub judice um trespasse, não haverá, por recurso a um exercício de mera dedução, lugar a aplicação do disposto no n.° 4 do art.° 3.° do CIVA” (Conclusões XXVII e segs).

Não há qualquer omissão de pronúncia. É certo que o tribunal “a quo” apreciou a questão, em primeiro lugar, como uma operação de “trespasse” do estabelecimento na qual também era transmitido o imóvel correspondente à fração “F”, pelas razões que referimos.

Mas não deixou também de reflectir sobre a inidoneidade da NL para comprovar “o negócio da alegada transmissão do estabelecimento à adquirente do imóvel”, uma vez que nela não se especifica quais os bens (existências e imobilizado) que foram objecto de transmissão.

O facto de o MMº juiz se referir à transmissão do estabelecimento quando, nesta perspectiva, o que estaria em causa seria apenas a transmissão de património susceptível de constituir um ramo de actividade independente não inquina a decisão. Pois sem especificação dos bens transmitidos, não é possível afirmar-se que os mesmos constituíam um ramo de actividade independente.

O Recurso não pode, pois, proceder.

V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Porto, 10 de maio de 2018.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina da Nova
Ass. Bárbara Tavares Teles



(1) O erro, que consideramos irrelevante, consta também do facto provado B.
(2) Com interesse, embora a propósito de questão diversa, veja-se o Ac. do STJ n.º 363/07.7TVPRT-B.S1de 21-05-2009 Relator: ALBERTO SOBRINHO
Sumário :
1. Não se tratando de bens de equipamento, a posição do locatário financeiro pode ser transmitida nos termos previstos para a locação.
Então, a cessão desta posição contratual a um terceiro é permitida, mas desde que se esteja perante um contrato bilateral, com prestações recíprocas, e o contraente cedido consinta nessa transmissão, antes ou depois da celebração do contrato.
Através deste negócio opera-se apenas uma modificação subjectiva num dos vértices da relação contratual inicial, que permanece a mesma relação, só que com um novo titular. O efeito normal da cessão é precisamente a transmissão da posição do cedente para o cessionário, que passa a encabeçar os direitos e correlativos deveres inerentes à relação contratual.
Já assim não acontecerá se o imóvel integrar um bem de equipamento, caso em que não é exigida autorização prévia do locador para transmissão da posição do locatário, no caso de trespasse do estabelecimento comercial ou industrial.
2. O legislador, ao estabelecer uma diferença de regime entre bens considerados de equipamento e bens não considerados como tal, deixou claro o princípio de que nem todos os bens que integram um estabelecimento comercial são de equipamento.
Apesar da lei não definir este tipo de bens, entendemos que se poderão classificar como de equipamento todos os bens necessários ao exercício das actividades produtivas da empresa; quando esses bens se apresentem como imprescindíveis à actividade desenvolvida na organização mercantil.
O imóvel, onde a actividade mercantil é desenvolvida, apenas permite, em regra, que esses bens se agrupem em vista da sua organização produtiva, mas ele próprio não é, nesses casos, mais que isso mesmo, um elemento aglutinador dos bens produtivos, mas não constituindo um bem de equipamento.
Mas o imóvel não é sempre apenas e tão só um pólo aglutinador dos elementos produtivos, assim como não integra sempre um dos equipamentos imprescindíveis à actividade da respectiva unidade produtiva. Um dos exemplos mais ilustrativos em que essa ligação à economia produtiva existe é a exploração de um campo de golfe, apresentando-se o imóvel como elemento imprescindível ao exercício da respectiva actividade.
Haverá, caso a caso, que averiguar da efectiva ligação do imóvel com a actividade produtiva da organização mercantil em que se integra.

E também o Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra n.º 221/09.0TBCDN.C1 de 17-04-2012 Relator:
HENRIQUE ANTUNES
Sumário: I – O estabelecimento comercial é um conjunto de coisas, corpóreas e incorpóreas, devidamente organizado para a prática do comércio. O estabelecimento comercial compreende, portanto, elementos da mais variada natureza que, em comum, têm apenas o facto se encontrarem interligados para a prática do comércio.
II - No tocante ao activo o estabelecimento compreende coisas corpóreas e incorpóreas: No que toca a coisas corpóreas ficam abarcados os direitos relativos, por exemplo, a móveis – mercadorias, matéria primas, maquinaria, mobília, instrumentos de trabalho – portanto, todas as coisas que, estando no comércio, sejam pelo comerciante afectas a esse exercício. No tocante a coisas incorpóreas pode-se distinguir, por exemplo, o direito ao uso exclusivo da insígnia, do nome do estabelecimento, das marcas, patentes de invenção e os direitos a prestações provenientes de posições contratuais – contratos de trabalho, contratos com fornecedores, contratos de distribuição, de publicidade, de concessão comercial, de agência, de franquia e mesmo contratos relativos a bens vitais (v.g. água, electricidade, gás, telefone) e, bem assim, os direitos provenientes de licenças concedidas pela administração.

III - Como critério puramente orientador, pode dizer-se que para que haja estabelecimento comercial ele deve ter um conteúdo mínimo necessário para que, em face do ramo de actividade a que se destine, possa prosseguir esse escopo. Deverá, por isso, ter, necessariamente, alguns elementos – bens materiais ou imateriais ou certas posições jurídicas – uma designação e um objectivo, que dêem corpo ao escopo fundamental de qualquer estabelecimento: a realização de uma função produtiva, a que se pode chamar de aviamento, o qual englobará, pela ordem natural das coisas, a clientela.

IV - O estabelecimento pode ser objecto de transmissão definitiva ou temporária. Trata-se, de resto, do ponto mais significativo do seu regime: a possibilidade da sua negociação unitária, através de trespasse – se essa transmissão for definitiva – ou cessão de exploração - se a cedência do estabelecimento for meramente temporária (artºs 1109º e 1112º, nº 1, a) do CC).

V - O trespasse é apenas uma transmissão definitiva do estabelecimento. Só por si, não nos diz a que título. Quer isso dizer que pode operar por via de qualquer contrato, típico ou atípico, que assuma eficácia transmissiva: compra e venda, dação em pagamento, sociedade, doação ou outras figuras diversas. O regime do trespasse dependerá, portanto, do acto que, concretamente, estiver na sua base.

VI - A locação de estabelecimento comercial é um negócio de transmissão a título temporário e oneroso de um estabelecimento - ao contrário do trespasse, é um negócio de transmissão do gozo, e não da propriedade do estabelecimento.

VII - Ao passo que o trespasse implica uma transmissão do domínio do estabelecimento, a locação envolve apenas a transmissão da fruição da sua exploração, ou seja, diferentemente do trespassário, que é investido num direito real de propriedade sobre o estabelecimento, o locatário é titular de um mero direito obrigacional de gozo, que lhe permite explorar em seu nome e por sua conta o estabelecimento, permanecendo o locador como proprietário – caso o seja - desse mesmo estabelecimento.

VIII - Do contrato de locação ou de cessão de estabelecimento emerge para o locatário este fundamental direito: o de usar e fruir plenamente o estabelecimento locado, explorando-o e fazendo seus os eventuais lucros resultantes dessa exploração. Mas dele emerge também, para essa mesma parte, este fundamental dever: o de pagar, pontualmente, a remuneração convencionada.

IX - Um problema para o qual o legislador não disponibilizava uma solução expressa era a de saber se a cessão de exploração de estabelecimento podia ser livremente ajustada pelo arrendatário sem o consentimento do locador. A questão não recebia da doutrina e da jurisprudência uma resposta acorde, dividindo-se, ambas, em duas orientações: uma que sustentava a necessidade dessa autorização do senhorio; outra – maioritária - que defendia a solução oposta. A razão estava com este último modo de ver. Por um argumento de maioria de razão: se na negociação definitiva do estabelecimento se dispensa o consentimento do senhorio, deve admitir-se a mesma solução quando não está sequer em causa a transmissão da posição do arrendatário, mas simplesmente o gozo do prédio onde está instalado o estabelecimento.

X - O problema está ultrapassado: a lei nova é terminante na declaração de que a cessão de exploração de estabelecimento não carece de autorização do senhorio (artº 1109º, nº 2, 1ª parte, do Código Civil, na redacção que lhe foi conferida pelo artº 3 da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro).