Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00616/17.6BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/29/2019
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:FUNDO GARANTIA SALARIAL; DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE; INTEGRAÇÃO DE LACUNAS
Sumário:
1 – De acordo com a declaração de inconstitucionalidade em fiscalização concreta, entendeu o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 328/2018, de 27 de Junho de 2018, no âmbito do processo n.º 555/2017, que o artigo 2.º, n.º 8 do Decreto-Lei n.º 59/2015, que define que o pagamento dos créditos laborais a cargo do FGS segundo o qual o mesmo deverá ser requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, não poderá ser interpretado no sentido de tal prazo não poder comportar a possibilidade de qualquer interrupção ou suspensão.
2 - Perante a referida decisão do Tribunal Constitucional que em fiscalização concreta declarou a inconstitucionalidade da indicada interpretação do Artº 2º nº 8 do DL n.º 59/2015, tal determinou a verificação de uma lacuna em concreto, que correspondentemente determinará a necessidade de, também em concreto, integrar a lacuna assim gerada.
3 - Perante a verificada lacuna, cabe aos tribunais, nomeadamente, criar, com alguma discricionariedade, uma norma “dentro do espírito do sistema” (nº 3 do art.º 10.º do CC), o que envolve para o caso concreto, a “construção” de uma norma segundo critérios de equidade e observância dos princípios estruturantes da ordem jurídica.
4 – Na integração da lacuna deverá ser respeitada a intenção do legislador constante do Artº 2º nº 8 do DL nº 59/2015, de limitar a um ano o prazo dentro do qual deverá ser requerido ao FGS o pagamento dos créditos reclamados, a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
5 - Importa assim colmatar a lacuna que em concreto resultou da declaração de Inconstitucionalidade do TC, aceitando o prazo de caducidade de um ano criado pelo legislador, mas criando “norma (...) dentro do espirito do sistema” conformando-a com o regime constitucional vigente, restrita ao caso concreto, permissiva da suspensão do referido prazo, em decorrência da reclamação da créditos por parte do interessado no processo judicial de insolvência, até à data em que a insolvência venha a ser, definitivamente, decretada.
6 - Assim, mostra-se legítimo, perante a referida inconstitucionalidade, declarada em concreto, da interpretação adotada pelo FGS do nº 8 do Artº 2º do DL nº 59/2015, que tornou o referido normativo inoperante, que se lhe restaure a sua operacionalidade, com recurso à interpretação que o próprio legislador, por via do novel nº 9, veio a introduzir através da Lei nº 71/2018, de 31 de dezembro.
Efetivamente legislador acolheu as críticas que o Tribunal Constitucional havia apontado ao nº 8 do Artº 2º do DL nº 59/2015, assegurando a suspensão do referido prazo de um ano para a apresentação da Ação, até 30 dias após o trânsito em julgado, designadamente, da decisão que venha a ser proferida na Ação de Insolvência.
7 - A interpretação adotada permite pois dar resposta ao facto do TC ter entendido, em concreto, que o artigo 2.º, n.º 8, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, não poderia ser interpretado no sentido de impedir que o prazo de um ano para a reclamação dos créditos laborais junto do FGS fosse insuscetível de ser interrompido ou suspenso, interpretação que se adequa ao “espirito do sistema”, comprovado no facto do próprio legislador ter criado, ainda que ex nunc, norma exatamente nesse sentido. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:APSM
Recorrido 1:ISS/Fundo de Garantia Salarial
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Revogar a decisão recorrida
Julgar a acção procedente
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no qual, a final, se pronunciou no sentido da improcedência do recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
APSM, devidamente identificada nos autos, no âmbito de Ação Administrativa que intentou contra o ISS/Fundo de Garantia Salarial, tendente à impugnação do Despacho do Presidente do Conselho de Gestão do FGS que indeferiu o pedido que havia formulado, no sentido de lhe serem pagos os créditos laborais que entendia ter direito, inconformado com a decisão proferida no TAF de Penafiel que em 10 de julho de 2018 julgou improcedente a Ação, veio recorrer jurisdicionalmente para esta instância em 2 de outubro de 2018, tendo apresentado as seguintes conclusões:
1.) Nos presentes autos, coloca-se a questão de saber se o requerimento apresentado pelo Apelante à Apelada, solicitando o pagamento dos seus créditos salariais, através do FGS, foi ou não apresentado tempestivamente considerando que o seu contrato de trabalho cessou em 04.03.2014, altura em que vigorava a Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, e o requerimento foi apresentado em 26.08.2016, já na vigência do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril, que veio fixar o prazo de um ano para esta apresentação.
2.) A decisão recorrida, ao considerar aplicável o regime do FGS previsto no Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, viola as regras de aplicação das leis no tempo estabelecidas no artigo 12.º do Código Civil.
3.) Nos termos do artigo 12.º do Código Civil, ao requerimento apresentado pelo Apelante deve ser aplicado o regime de acesso ao FGS aprovado pela Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, nos termos do qual (artigo 323.º do referido regime) a apresentação de requerimento ao FGS ao prazo de nove meses, a contar da cessação, ou seja, três meses antes do prazo de um ano fixado como prescrição do crédito laboral – cfr. artigo 319º, n.º 3 da Lei n.º 35/2004 e art. 337, do Código do Trabalho.
4.) O Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, prevê que o regime do Fundo de Garantia Salarial, antes fixado nos arts. 317º a 326º do Regulamento do Código de Trabalho, aprovado pela Lei n.º 35/2004, de 29.07, se mantivesse em vigor até à entrada em vigor do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, por via do DL n.º 59/2015, de 21.04, em 04.05.2015 – cfr. alínea o), do artigo 12º da Lei 7/2009, de 12.02.
5) O artigo 319º, n.º 3, da Lei n.º 35/2004, de 29.07, estabelece que “o Fundo de Garantia Salarial só assegura o pagamento dos créditos que lhe sejam reclamados até três meses antes da respetiva prescrição.”
6) O prazo de prescrição previsto na aludida Lei encontra-se vertido sob o artigo 337º, n.º 1, estabelecendo o prazo de um ano a contar do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
7) Por outro lado, o art. 2º, n.º 8, do Decreto-lei n.º 59/2015, de 21.05, dispõe que “o fundo só assegura o pagamento dos créditos salariais quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.”
8) O regime transitório estabelecido neste Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.05 estabelece que ficam sujeitos ao novo regime do Fundo de Garantia Salarial os requerimentos apresentados após a sua entrada em vigor – cfr. art. 3º, n.º 1
9) Ora, o contrato de trabalho do Apelante cessou em 04.02.2014, altura em que vigorava a Lei n.º 35/2004, de29 de Julho, que dispunha quanto à apresentação do requerimento, no seu artigo 323.º, o seguinte. “1 - O Fundo de Garantia Salarial efetua o pagamento dos créditos garantidos mediante requerimento do trabalhador, do qual consta, designadamente, a identificação do requerente e do respetivo empregador, bem como a discriminação dos créditos objeto do pedido. 2 - O requerimento é apresentado em modelo próprio, fixado por portaria do ministro responsável pela área laboral. 3 - O requerimento, devidamente instruído, é apresentado em qualquer serviço ou delegação do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social.”
10) O regime aqui previsto, juntamente com os artigos 316.º a 326.º, regulava o artigo 380.º do Código do Trabalho, definindo as condições de acesso ao FGS.
11) Posteriormente, o Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril veio estabelecer novas regras de acesso ao FGS, nomeadamente pela introdução de um prazo para o fazer.
12) Assim, nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 8 do regime anexo à referida Lei: “8 - O Fundo só assegura o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.”
13) O referido prazo é um prazo de caducidade, findo o qual a possibilidade do trabalhador aceder ao FGS deixa de existir. E, por isso, altera substancialmente as condições anteriormente estabelecidas.
14) Assim, se no regime anterior o prazo de caducidade para reclamar o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho dependia da data da prescrição do crédito ( até três meses antes da prescrição), no novo regime aquele prazo depende apenas da data da cessação co contrato de trabalho.
15) Desta forma, dependendo a caducidade do direito ao pagamento dos créditos da data da prescrição dos mesmos, encontra-se a prescrição sujeita às causas interruptivas e suspensivas dos artigos 18º a 327º do Código Civil, pelo que a caducidade daquele direito tanto pode ocorrer quando perfizer nove meses após a data da cessação do contrato, como pode ocorrer muito para lá da data de um ano a contar desta data – tudo dependendo da ocorrência de causas interruptivas e suspensivas e sua duração.
16) Significa isto que o Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.05 procedeu a uma alteração do prazo antes estabelecido no artigo 319º, n.º 3 da Lei n.º 35/2004, de 29.07, pelo que torna-se importante chamar à colação o disposto no artigo 297º do Código Civil, que rege a sucessão de leis quanto à matéria de fixação de prazos.
17) Ora, na interpretação que a Douta sentença recorrida faz da aplicação do novo Regime do FGS ao caso concreto, tendo este regime criado um prazo mais curto que o anteriormente existente, isso imporia ao Apelante a obrigação de, no prazo de um ano a contar da data em entrada em vigor do novo regime, requeresse os seus créditos salariais, nos termos do disposto no artigo 297.º do Código Civil.
18) Interpretação com a qual o Apelante não pode concordar desde logo porque o artigo 297.º do Código Civil é uma norma que dispõe sobre a sucessão de prazos e pressupõe a existência de um prazo mais longo a que sucede um prazo mais curto e vice-versa: “1. A lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar. 2. A lei que fixar um prazo mais longo é igualmente aplicável aos prazos que já estejam em curso, mas computar-se-á neles todo o tempo decorrido desde o seu momento inicial. 3. A doutrina dos números anteriores é extensiva, na parte aplicável, aos prazos fixados pelos tribunais ou por qualquer autoridade.”
19) A Douta sentença recorrida aplicou uma norma constante do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril, em violação do disposto no artigo 12.º do Código Civil, porque a aplicou retroativamente.
20) Nos termos do artigo 12.º do Código Civil: “1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que, lhe seja atribuída eficácia retractiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular. 2. Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.”
21) Ou seja, a norma do artigo 2.º, n.º 8 do Regime anexo ao Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril, que cria um prazo de caducidade, é uma “lei que dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos” e, por isso, só visa os factos novos, que ocorram após a sua entrada em vigor.
22) E, por essa razão, não poderá ser aplicada à situação concreta do Apelante que, à data da cessação do seu contrato, 04.03.2014, o prazo de prescrição encontrava-se interrompido por força da apresentação da entidade patronal a um PER, o qual com o n.º 1377/13.3 TBMCM, correu os seus termos pelo 1º Juízo do Tribunal do Marco de Canaveses, tendo sido nomeado em 18/10/2013 Administrador Judicial Provisório, cfr. cfr. facto provado sob n.º 3 da fundamentação de facto
23) O PER acima referido transitou em julgado, apenas em 17/02/2015, cfr. factos provados sob n.ºs 4 e 5 da fundamentação de facto
24) Desta forma, só a partir deste momento é que a prazo prescricional se iniciou relativamente ao aqui Apelante.
25) Contudo, em 20 de Março de 2015 o aqui Apelante, juntamente com outros trabalhadores apresentou junto do Tribunal do Comércio de Amarante processo de insolvência, o qual com o n.º 417/15.6T8AMT, correu os seus termos pelo Juízo do Comércio de Amarante – Juiz 2, cfr. facto provado sob n.º 6 da fundamentação de facto
26) Em 16/06/2016 foi declarada a insolvência da entidade patronal, cfr. facto provado sob n.º 7 da fundamentação de facto
27) Entretanto, conforme se encontra dado como facto provado pelo Tribunal a quo a entidade patronal do Apelante apresentou um novo PER, o qual foi admitido liminarmente em 17/12/2015, cfr. facto provado sob n.º 9 da fundamentação de facto
28) No âmbito de tal processo que com o n.º 1513/15.5T8AMT correu os seus termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Porto Este – Juízo de Comércio de Amarante – Juiz 1 foi proferido Despacho Judicial de não homologação do Plano de Revitalização apresentado pela Devedora, cfr.. facto provado sob n.º 11 da fundamentação de facto
29) Os factos acima expostos têm a virtualidade de interromper o prazo de prescrição do crédito do Apelante, inutilizando, para o cômputo da prescrição, todo o tempo decorrido anteriormente – cfr. art. 326º, n.º 1 do Código Civil.
30) Significa isto que o prazo de prescrição do crédito laboral do Apelante começou a contar em 16/06/2016, tendo apresentado junto do FGS o respetivo requerimento em 23/08/2016, tendo-o o feito em tempo, não podendo ser indeferido por extemporaneidade, Pelo que a procedência do presente recurso é manifesta.
Nestes termos, e nos melhores de Direito, que V.Exas. doutamente suprirão, deve a Douta decisão recorrida ser substituída por outra que condene o R. como peticionado, só assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”
*
O Recurso apresentado veio a ser admitido por Despacho de 26 de novembro de 2018.
*
O Recorrido/FGS não veio apresentar contra-alegações de Recurso.
*
O Ministério Público, junto deste Tribunal, em Parecer emitido em 11 de dezembro de 2018, veio a emitir Parecer em 12 de dezembro de 2018, no qual, a final, se pronunciou no sentido da improcedência do Recurso.
*
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir, designadamente, a suscitada alteração do início da contagem do prazo de prescrição adotado, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.
III – Fundamentação de Facto
Consta da decisão proferida a seguinte factualidade:
1. O autor foi trabalhador da sociedade que girava sob a firma “S… & Companhia, S. A.”, NIPC 50…22 – cf. documento de fls. 1 do processo administrativo apenso aos autos;
2. Em 04.02.2014, o autor promoveu a cessação da referida relação laboral, tendo comunicado a resolução do contrato de trabalho – cf. documentos de fls. 73 a 75 do suporte físico dos autos;
3. Com efeito, já antes, em Outubro de 2013, a dita sociedade havia requerido a instauração de PER, que correu termos no então 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Marco de Canaveses sob o número 1377/13.3TBMCN, tendo sido proferido despacho judicial de nomeação de administrador judicial provisório em 18.10.2013 – cf. documento de fls. 87 (verso) do suporte físico dos autos;
4. O autor apresentou reclamação de créditos neste PER, sendo que em 28.04.2014, no âmbito deste mesmo processo, foi proferida sentença que homologou o plano de revitalização da sociedade acima identificada, mas excluindo desse plano o crédito reclamado pelo aqui autor – cf. certidão de fls. 88/89 do suporte físico dos autos;
5. Esta decisão veio a ser objeto de recurso, sendo que em 27.01.2015 foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação do Porto, que manteve a referida sentença, não tendo este acórdão sido objeto de recurso – cf. certidão de fls. 88 e 90 a 98 do suporte físico dos autos;
6. Após o que, em 20.03.2015, o aqui autor, juntamente com outros trabalhadores, apresentou junto do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este petição inicial tendo em vista a declaração de insolvência da referida sociedade ex-entidade empregadora, tendo o processo corrido termos naquele tribunal, concretamente na Instância Central de Amarante, Secção de Comércio, J2, sob o número de processo 417/15.6T8AMT – cf. certidão de fls. 111 (frente) do suporte físico dos autos;
7. Neste processo foi proferida sentença, em 15.06.2016, que declarou a insolvência da referida sociedade – cf. documento de fls. 111 (verso) a 115 do suporte físico dos autos;
8. E este processo de insolvência veio a ser encerrado por despacho proferido em 14.03.2017, transitado em julgado a 04.04.2017 – cf. certidão de fls. 111 (frente) do suporte físico dos autos;
9. Mas já antes de ser proferida esta sentença, havia sido instaurado ainda em 2015 novo PER relativo à sociedade “S… & Companhia, S. A.” o qual correu termos igualmente na Instância Central de Amarante, Secção de Comércio, J1, sob o número de processo 1513/15.5T8AMT, no âmbito do qual foi proferido despacho em 16.12.2015 que nomeou o administrador judicial provisório – cf. documentos de fls. 13 a 15 e de fls. 99 (verso) do suporte físico dos autos;
10. O autor apresentou reclamação de créditos no âmbito deste processo, tendo sido incluído na relação provisória de credores então elaborada pelo administrador judicial provisório nomeado – cf. documento de fls. 16 a 30 do suporte físico dos autos;
11. Sendo que, em 05.05.2016, neste processo foi proferida sentença que recusou a homologação do plano de recuperação ali apresentado – cf. documento de fls. 100 (verso) a 103 do suporte físico dos autos;
12. A 23.08.2016, o aqui autor remeteu aos serviços da segurança social requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho pelo FGS – cf. documento de fls. 11/12 do suporte físico dos autos e de fls. 2 a 8 do processo administrativo apenso aos autos;
13. Este requerimento foi objeto de prévia análise pelos serviços do centro distrital do Porto da segurança social, que elaboraram informação do seguinte teor, para o que aos autos interessa:
“(…)
Da Caducidade
De acordo com a informação constante no SISS verificou-se que os requerentes cessaram os contratos de trabalho em 20/12/2013, 20/12/2013, 20/12/2013, 04/02/2014 e 29/02/2014.
Apresentaram os requerimentos para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho e sua cessação em 23.08.2016.
Analisados os documentos que instruíram o requerimento verificou-se que o requerente não requereu os créditos emergentes do contrato de trabalho dentro do prazo de 1 ano a contar do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
Sucede, porém, que o Fundo de Garantia Salarial, por força do estatuído no n.º 8, do art. 2.º, do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21/04, apenas assegura o pagamento dos créditos que lhe tenham sido requeridos no prazo de caducidade supra referido.
(…)”;
Cf. documento de fls. 18/19 do processo administrativo apenso aos autos;
14. Após o que o requerimento foi objeto de análise pelos serviços do FGS, em 16.11.2016, podendo aí ler-se o seguinte, na parte que aos autos releva:
“(…)
3 – Quanto aos requerimentos:
3.1. – Dispõe o n.º 8, do art. 2.º do Anexo, que “O Fundo só assegura o pagamento de créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.”
3.2. – Atentas as datas de cessação da qualificação e de apresentação dos requerimentos registados em SISS/FGS, conclui-se que os requerimentos são extemporâneos, porquanto foram apresentados mais de um ano e um dia após a cessação dos contratos de trabalho dos requerentes.
Uma vez que se trata de um prazo de caducidade (e não de prescrição, como no regime anterior), findo o mesmo, cessou o direito de os ex-trabalhadores da insolvente requererem a garantia dos créditos pelo FGS.
(…)”;
Cf. documento de fls. 20/21 do processo administrativo apenso aos autos;
15. Sobre esta informação recaiu despacho de concordância do presidente do conselho de gestão do FGS em 17.11.2016, no sentido de indeferir o requerimento apresentado pelo autor – cf. documento de fls. 22 do processo administrativo apenso aos autos;
16. Após notificação no sentido de informar o autor sobre a intenção de indeferimento, este apresentou requerimento escrito, tendente a pronunciar-se sobre a anunciada decisão – cf. documento de fls. 10 a 17 do processo administrativo apenso aos autos;
17. Recebida esta pronúncia, em 16.05.2017, os serviços da entidade demandada elaboraram nova informação, no sentido de manter o entendimento já perfilhado – cf. documento de fls. 25/26 do processo administrativo apenso aos autos;
18. E sobre esta informação recaiu despacho de concordância do presidente do conselho de gestão do FGS, em 17.05.2017 – cf. documento de fls. 27 do processo administrativo apenso aos autos.
*
IV – Do Direito
No que ao direito concerne, e no que aqui releva, discorreu-se em 1ª instância:
Muito recentemente, o Tribunal Constitucional veio pronunciar-se sobre a conformidade constitucional desta solução legislativa, pelo acórdão n.º 328/2018 [proferido no processo n.º 555/2017, datado de 27.06.2018], concluindo nos seguintes termos:
Julgar inconstitucional a norma contida no artigo 2.º, n.º 8, do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão”.
Sublinhe-se que esta decisão não tem força obrigatória geral, mas constitui sempre um importante subsídio interpretativo, e com impacto direto na situação concreta em discussão. E diga-se que apenas se declara inconstitucional uma determinada interpretação, e não a norma propriamente dita.
Lendo o aresto assinalado, fica patente que o Tribunal Constitucional, baseado na análise de diversa jurisprudência do TJUE sobre o assunto (recorde-se que a institucionalização do FGS decorre de obrigações europeias, e da transposição das respetivas Diretivas), considera o FGS como um dos mecanismos especiais de garantia dos créditos laborais abrangido pelo art.º 59.º, n.º 3, da CRP:
(…) ao escolher (apesar de, nessa escolha, se encontrar vinculado pelo Direito da União) instituir o FGS como uma das garantias especiais da retribuição, o legislador está vinculado à construção de um regime que lhe assegure um mínimo de efetividade, sem a qual resultaria esvaziada de sentido a norma constitucional, com respeito pela igualdade (artigos 13.º e 59.º, n.º 1, da CRP). Por outro lado, tratando-se de atribuir, no apontado contexto, um direito a uma prestação pecuniária, e de limitar no tempo a efetividade desse direito pelo não exercício, tal atribuição deve operar, na compaginação destas duas vertentes, segundo regras claras, certas e objetivas – exigência decorrente do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição).
Adiante, o Tribunal Constitucional acaba por concluir o seguinte:
Não estamos – deve sublinhar-se – perante a questão, sucessivamente apreciada pela jurisprudência europeia, de saber se o legislador pode fixar prazos mais ou menos alargados para o exercício do direito ao acionamento do FGS, sob pena de caducidade ou prescrição: ninguém aqui discute a existência de prazos nem o prazo em concreto estabelecido na norma referenciada na decisão.
O que está em causa é saber se, na contagem desse prazo, é possível incluir um período temporal (que, como vimos, pode ser assinalável) especificamente determinado e tendente à criação de um pressuposto essencial do direito ao acionamento do FGS (o período entre o pedido de declaração da insolvência e a sua efetiva declaração pelo tribunal competente), cujos termos escapam por completo ao controlo do trabalhador-credor, de tal forma que o mero decurso do tempo nessa fase processual provoque a extinção do direito. Assim se cria uma evidente antinomia: o trabalhador-credor de um empregador insolvente que queira ver tutelado o direito à prestação pelo FGS vê-se obrigado a pedir a declaração de insolvência e, a partir desse momento, as vicissitudes próprias do processo que fez nascer com essa finalidade, comprometem o exercício desse mesmo direito, sem que um comportamento alternativo lhe seja exigível – rectius, possa por ele ser adotado – no sentido de evitar essa preclusão.
(…)
Porém, não é irrelevante a pouca clareza do regime legal, espelhada na norma em causa, considerada em si mesma ou sistematicamente inserida no diploma que a contém. O elemento de incerteza deste regime (evidenciado à saciedade, nestes autos, pelas posições assumidas na decisão recorrida, nas alegações e contra-alegações de recurso e no item 2.2., supra) compromete seriamente a efetividade da tutela que corresponde ao mecanismo do FGS, apresentando-se o complexo normativo do NRFGS, ao gerar estas interpretações díspares, com uma consistência pouco definida – para não dizer insuportavelmente ambígua –, cuja interpretação muito dificilmente assumirá um sentido minimamente claro, gerador de segurança nos destinatários beneficiários do seu âmbito de proteção. Isto ao ponto destes não disporem, consistentemente, da possibilidade de, agindo com normal diligência, anteverem com suficiente segurança o comportamento que devem adotar para formular atempadamente a sua pretensão junto do FGS, assim se comprometendo as exigências mínimas de certeza decorrentes do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição).
A preocupação do Tribunal Constitucional, e que motivou o juízo de inconstitucionalidade formulado, é compreensível e ilustra-se com um exemplo concreto: suponhamos que um determinado trabalhador viu cessar o seu contrato de trabalho, sem que a entidade empregadora lhe tenha pago qualquer montante devido a título de créditos laborais; após dois meses da cessação do contrato, o mesmo trabalhador, ainda credor da entidade em causa, instaura a competente ação de insolvência; não obstante o processo ter natureza urgente, seja por dificuldades na efetivação da citação, pela circunstância de existir oposição, com produção de prova e audiências de julgamento, a sentença apenas vem a ser proferida um ano depois de instaurada a ação. Consequência: passou mais de um ano desde a cessação do contrato, e de nada valeu ao trabalhador ser mais ou menos diligente.
Pelo contrário, um qualquer colega daquele trabalhador, que se manteve ao serviço por mais seis meses, e que nada fez, fica abrangido pela proteção do FGS. O resultado é, com efeito, paradoxal.
Em todo o caso, deve dizer-se que a interpretação que o FGS faz no caso concreto revela-se desde logo inadmissível do ponto de vista legal e infraconstitucional.
Com efeito, o FGS pretende aplicar ao autor o prazo de um ano contado desde a cessação do seu contrato de trabalho previsto no art.º 2.º, n.º 8, do RFGS, quando aquela cessação ocorreu muito antes da entrada em vigor do regime que previa este prazo.
De acordo com o art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.04, o novo regime do FGS entrou em vigor a 04.05.2015. Ora, o contrato de trabalho do autor cessou a 04.02.2014, pelo que, caso fosse admitida a interpretação que o FGS pretende, o direito do autor tinha caducado com base num regime legal que ainda nem sequer existia quando o contrato cessou.
Pelo contrário, nos casos em que o contrato de trabalho cessou antes da entrada em vigor do RFGS [ou seja, em momento anterior a 04.05.2015] é de aplicar o disposto no art.º 297.º, n.º 1, do Código Civil, ou seja, o novo prazo aplica-se, mas conta-se somente depois da entrada em vigor da lei que estabelece o prazo novo e mais curto.
Em termos concretos, o que vem de dizer-se significa que o autor tinha o prazo de um ano para apresentar o requerimento, ou seja, até ao dia 04.05.2016; como só o apresentou em Agosto de 2016, forçoso se mostra concluir pela intempestividade do exercício do direito.
Acrescente-se que temos de concordar com os fundamentos expendidos pelo Tribunal Constitucional, no sentido de o art.º 2.º, n.º 8, do RFGS ser inconstitucional, se interpretado no sentido de que ali se estabelece um prazo de caducidade, sem que o mesmo fique sujeito a quaisquer causas de suspensão ou interrupção.
Mas, no caso em apreço, havemos de entender que o prazo de um ano se iniciou logo que cessou o “impedimento legal”, ou seja, a partir do momento em que o PER passou a conferir o direito de recorrer ao FGS.
De facto, o caso concreto não é sequer suscetível de se subsumir à disciplina do acórdão do Tribunal Constitucional acima citado. Pelo simples motivo de que o autor não necessitava de aguardar nem pelo segundo PER da entidade empregadora, menos ainda pela declaração de insolvência. O autor preenchia os requisitos para requerer a proteção do FGS logo com base no PER de 2013.
Explicando.
Quando foi proferido o despacho de nomeação do administrador judicial provisório no PER de 2013, em 18.10.2013, é certo que o regime legal que então vigorava não se referia, pelo menos expressamente, à possibilidade de os trabalhadores das entidades sujeitas a revitalização recorrerem ao FGS. Mas essa possibilidade foi admitida jurisprudencialmente, como se constata, por exemplo, da leitura dos acórdãos do TCA Norte de 24.04.2015, proferido no processo n.º 00419/13.7BEVIS, de 08.05.2015, proferido no processo n.º 00411/13.1BEVIS, e de 22.05.2015, proferido no processo n.º 00409/13.0BEVIS.
Com a publicação do novo regime, e constatando – dir-se-á que finalmente – a entorse decorrente da impossível conjugação do regime da insolvência com o do FGS, no Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.04, o legislador teve a preocupação de deixar claro que podiam recorrer ao FGS todos os trabalhadores cuja entidade empregadora tivesse recorrido ao PER, no período compreendido desde a entrada em vigor das normas que estabeleciam aquele processo e a entrada em vigor do novo diploma do FGS. Mais do que isso, o legislador impôs que a Administração reapreciasse oficiosamente os requerimentos que tivessem sido apresentados na vigência de um PER – cf. o art.º 3.º, n.º 3, do mencionado Decreto-Lei. Saliente-se que o n.º 1 do art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.04, dizia que o novo regime se aplicava aos requerimentos apresentados após a sua entrada em vigor, não se fazendo referência à necessidade de o PER se ter iniciado ou ter decorrido após a entrada em vigor do novo regime.
Ora, no momento em que este novo regime do FGS entrou em vigor, o autor preenchia todos os requisitos nele previstos para ser pago através deste mecanismo de proteção dos créditos laborais: (i) tinha sido proferido despacho de nomeação de administrador judicial provisório; (ii) existiam créditos de natureza laboral vencidos, em virtude da cessação do contrato de trabalho ocorrida em 04.02.2014; e (iii) esses créditos estavam vencidos no período de referência, se contado desde a prolação do despacho que nomeou o administrador judicial provisório [note-se que o autor pede remunerações de Outubro a Dezembro de 2013 e Janeiro de 2014, e a compensação pela cessação do contrato, pelo que quanto a esses créditos é seguro que se venceram nos seis meses anteriores a 18.10.2013, data da prolação do despacho, sendo que a compensação e a maior parte dos salários até se venceram depois].
Repetindo, em 04.05.2015, quando o atual regime do FGS entrou em vigor, já não existia qualquer espécie de impedimento legal de recurso ao FGS. Pelo que, a partir desse momento, reunindo o autor todas as condições legais de acesso ao FGS, tinha um ano para apresentar o requerimento – não tinha de esperar nem pelo segundo PER, menos ainda pela declaração de insolvência.
Não obstante, o autor só apresentou o requerimento em 23.08.2016 – cf. ponto 12 do elenco dos factos provados – ou seja, quando já tinha decorrido um ano desde a entrada em vigor da nova lei, ao abrigo da qual preenchia os pressupostos legais de acesso ao FGS.
O requerimento tem-se assim por intempestivo.
E não se vislumbre aqui qualquer espécie de inconstitucionalidade. Na verdade, não se antevê sequer como se poderá dizer que a interpretação do n.º 8 do art.º 2.º do RFGS no sentido de que o prazo de um ano ali previsto é aplicável a partir do momento em que o interessado preenche todos os demais requisitos de acesso ao FGS [já não a partir da cessação do contrato de trabalho] viola o princípio da segurança jurídica, na vertente da proteção da confiança. Muito pelo contrário, é a interpretação que melhor acautela a posição jurídica dos interessados, pois garante-lhe o exercício do direito apenas após a verificação dos requisitos necessários à intervenção do FGS. Entendimento limitado, claro está, aos casos, como é o dos autos, em que o interessado viu o contrato cessar antes da entrada em vigor do atual RFGS, mas em que, aquando dessa entrada em vigor, preenchia os pressupostos nele previstos para o exercício do respetivo direito.
De nada vale ter sido indicado no requerimento o processo de insolvência. Como se disse, ao contrário do que o autor pugna, era inócua a declaração de insolvência para efeitos de preenchimento dos pressupostos de acesso ao FGS: já muito antes desse momento preencheu todos os requisitos legalmente impostos.
Por fim, anote-se ainda que não obsta a este entendimento qualquer consideração em torno da necessidade de existir ou não reclamação de créditos. Na exata medida em que foi o próprio autor quem disse, e está provado, que apresentou reclamação de créditos no PER de 2013, pelo que nem por aqui se encontra qualquer impedimento no sentido de o autor dever apresentar o requerimento logo a partir da entrada em vigor da nova lei (assinalando-se, uma vez mais, que até o podia ter feito antes).
Em síntese, a conclusão obtida acaba por coincidir com a do processo n.º 311/17.6BEPNF, embora com fundamentação diversa.
Não obstante o acabado de expor em matéria de pretensão material do autor, regista-se no ato administrativo, e pelo menos, um vício de natureza material. Diz respeito à violação do art.º 297.º do Código Civil, que levou à errada interpretação e aplicação da lei, designadamente do art.º 2.º, n.º 8, do RFGS. Basicamente, e resumindo o exposto, na medida em que o contrato cessou antes da entrada em vigor do novo regime, estava a entidade demandada obrigada a observar o disposto em matéria de sucessão de prazos. E o que se regista é que a interpretação que o FGS faz até foi afastada pelo Tribunal Constitucional.
Pois bem, e em todo o caso, é de aplicar in casu o disposto na al. a) do n.º 5 do art.º 163.º do CPA, no qual se afirma que não se produz o efeito anulatório quando o conteúdo do ato anulável não possa ser outro, por o ato ser de conteúdo vinculado ou a apreciação do caso concreto permita identificar apenas uma solução como legalmente possível.
Ora, é precisamente o que sucede na situação vertente. Independentemente da análise efetuada, o que se conclui é que, à luz do quadro legal exposto, a solução jurídica é sempre a mesma: o requerimento foi apresentado fora do prazo de um ano, contado da entrada em vigor da nova lei, altura em que o autor já preenchia todos os pressupostos de acesso ao FGS.
Portanto, à luz deste quadro legal resulta que apenas existe uma solução legalmente possível: o indeferimento do pedido do autor, por intempestividade da apresentação do requerimento. Pode assim dizer-se que a entidade demandada acabou a escrever certo por linhas (muito) tortas.
Assim, é de afastar no caso dos autos o efeito anulatório que decorreria da violação do disposto no art.º 297.º do Código Civil, conjugado com o art.º 2.º, n.º 8, do RFGS: seja como for, o requerimento foi apresentado fora do prazo. A ação deve, assim, improceder in totum.
Importa agora analisar e decidir o suscitado.
Atenta a matéria de facto fixada, mas para permitir uma mais eficaz visualização daquilo que aqui está em causa, infra se esquematizará cronologicamente a principal factualidade aqui relevante:
a) Em Outubro de 2013 a empresa empregadora Requereu o PER
b) O Contrato Laboral do Trabalhador foi resolvido em 04/02/2014;
c) O Trabalhador requereu os seus créditos no PER em 28/04/2014
d) Em 20/03/2015 foi requerida a Declaração de Insolvência da Empregadora;
e) A Insolvência foi declarada em 15/06/2016;
f) Estando pendente o Processo de insolvência, o prazo de um ano para requerer rendimentos junto do FGS esteve suspenso até 30 dias após à declaração de insolvência;
g) Em 23/08/2016 o trabalhador reclamou os créditos junto do FGS;
h) O Requerido foi recusado pelo FGS por despacho de 17/11/2016
i) A decisão de indeferimento foi confirmada em 17/05/2017
j) A presente Ação foi intentada em 11/08/2017;
Vejamos:
É certo que o Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.04, atual lei reguladora do Fundo de Garantia Salarial, fixa no artigo 2.º, nº 8, um prazo de caducidade de um ano, o qual, por não ter sido excecionado (Artº 328º CC), se consubstanciaria, em princípio, num prazo insuscetível de suspensão ou interrupção.
Determina, por outro lado, o artigo 3º do mesmo Decreto-Lei n.º nº 59/2015, de 21.04 que ficam sujeitos ao novo regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado em anexo ao diploma, os requerimentos apresentados após a sua entrada em vigor.
Como se viu, o requerimento do Autor junto do FGS foi apresentado em 23/08/2016, ou seja, depois de 4 de Maio de 2015, data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º nº 59/2015, de 21.04 – artigo 5º do mesmo diploma legal -, pelo que, por força do artigo 3º do mesmo, ser-lhe-á aplicável o prazo de caducidade do novo diploma legal.
No entanto, já a anterior legislação regulamentadora do Fundo de Garantia Salarial estabelecia requisitos temporais para apresentação do requerimento junto do Fundo de Garantia Salarial, dispondo o artigo 319.º da Lei 35/2004, de 29.07, no seu n.º 3, que o Fundo de Garantia Salarial só assegurava o pagamento dos créditos que lhe fossem reclamados até 3 meses da respetiva prescrição.
A prescrição prevista no artigo 337º nº 1 do anexo da Lei nº 7/2009, de 12.02, que aprovou a revisão do Código do Trabalho dispõe:
“O crédito do empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.”
O contrato de trabalho do Autor cessou como se viu em 04/02/2014, pelo que prescreveria, se não se verificasse interrupção, seguida de alteração do prazo, em 05/02/2015.
No entanto, a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito – artigo 323º, nº 1, do Código Civil.
A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, sem prejuízo do disposto nos nºs 1 e 3 do artigo seguinte – artigo 326º nº 1 do Código Civil.
A nova prescrição está sujeita ao prazo de prescrição primitiva, salvo o disposto no artigo 311º, nos termos do disposto no artigo 326º, nº 2, ambos do Código Civil.
Estabelece o artigo 311º, nº 1, do Código Civil que o direito para cuja prescrição, ainda que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença transitada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo.
Mostrando-se provado que a aqui Recorrente reclamou os seus créditos no Processo PER em 28/04/2014, mais tendo requerido a Insolvência da Sociedade em 20/03/2015, é manifesto que se mostrava suspenso o prazo de prescrição, o que determinou que a mesma só viria a ocorrer passados vinte anos, como resulta do artigo 311º nº 1, conjugado com o artigo 309º, ambos do Código Civil.
É assim notório que à face da lei antiga faltava muito tempo para ocorrer a prescrição dos créditos cujo pagamento é requerido ao Réu e, consequentemente, sendo o prazo de caducidade da reclamação desses direitos ao Fundo de Garantia Salarial, de três meses antes da respetiva prescrição, faltariam muitos anos para ocorrer essa caducidade.
Em qualquer caso, a nova lei estabelece um prazo mais curto de caducidade – um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho - artigo 2.º nº 8 do Decreto-Lei n.º nº 59/2015, de 21.04.
Perante um prazo mais longo de caducidade ao abrigo da lei antiga e um prazo mais curto de caducidade ao abrigo da nova lei, impõe-se o recurso ao artigo 297º para determinar a contagem desse prazo.
Determina este artigo que a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.
Já vimos que segundo o artigo 319º nº 3 da Lei nº 35/2004, de 29.07, faltavam vários anos para a caducidade do direito de reclamar o pagamento dos créditos dos Autores e que segundo o artigo 2º, nº 8, do Decreto-Lei nº 59/2015, de 21.04, o prazo de um ano de caducidade só começou a contar a partir da entrada em vigor desse diploma legal – 4 de Maio de 2015, caducando em 4 de Maio de 2016.
Tendo o requerimento para pagamento dos créditos laborais dado entrada no FGS em 23/08/2016, aparentemente ter-se-ia verificado já a caducidade do direito do Autor, uma vez que o pedido não estaria dependente da declaração definitiva da insolvência da Sociedade.
Em qualquer caso, importa agora apreciar a suscitada questão à luz do Acórdão do Tribunal Constitucional, nº 328/2018, de 27 de Junho de 2018, no âmbito do processo n.º 555/2017, que veio “Julgar inconstitucional a norma contida no artigo 2.º, n.º 8 do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão.”
Aqui chegados, importa escalpelizar o expendido no referido Acórdão do Tribunal Constitucional.
Em bom rigor, o TC não põe em causa a existência do prazo de um ano “para requerer o pagamento dos créditos laborais”, a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, mas tão só o facto desse prazo ser “insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão.”
Mais se afirma no mesmo Acórdão do TC que “Cabe ao Tribunal Constitucional a última palavra sobre a inconstitucionalidade da norma em questão, não lhe cabe, porém, determinar qual a melhor interpretação do direito infraconstitucional na sequência do afastamento dessa norma (dessa construção normativa).”
Sintomaticamente afirma-se ainda no identificado Acórdão do Tribunal Constitucional que “(...) não releva, propriamente, de forma direta, a qualificação do prazo como de caducidade ou de prescrição – questão que, na ausência de uma opção legal expressa, se prefigura como de âmbito fundamentalmente doutrinário que, em todo o caso, nos aparece aqui ligada a uma opção interpretativa do direito infraconstitucional –, relevando antes a circunstância de, no contexto descrito, a contagem de tal prazo ocorrer sem qualquer suspensão ou interrupção, gerando um sinal – rectius, potenciando um efeito – de valor contrário ao próprio direito.”
O sinal dado pelo TC vai pois singelamente no sentido de, na situação em apreciação, não dever ser fixado um prazo sem que o mesmo comporte potencialmente “qualquer suspensão ou interrupção”.
O importante é que aquando da fixação de um qualquer prazo, seja o mesmo estabelecido antecipadamente, com certeza e sem ambiguidades. Como se afirmou no nº 39 do Acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de julho de 2002, Marks & Spencer (C-62/00, Colect., p. I-6325), “para cumprir a sua função de garantia da segurança jurídica, um prazo de prescrição deve ser fixado antecipadamente. Uma situação caracterizada por uma considerável incerteza jurídica pode constituir uma violação do princípio da efetividade, uma vez que a reparação dos danos causados a particulares por violações do direito comunitário imputáveis a um Estado-Membro pode, na prática, ser extremamente dificultada se estes não puderem determinar o prazo de prescrição aplicável, com um razoável grau de certeza” (acórdão de 24 de Março de 2009, Danske Slagterier, C-445/06).
Aqui chegados, e perante o referido acórdão do Tribunal Constitucional, importa verificar se ocorrerão causas interruptivas e suspensivas da caducidade do art.º 2.º, n.º 8 do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril.
Efetivamente, importará verificar se deverá ser considerada a existência de causas interruptivas e suspensivas da caducidade do art.º 2.º, n.º 8 do Decreto-lei n.º 59/2015, de 21 de Abril, designadamente o tempo que mediou entre a cessação do contrato de trabalho e a existência de um plano de insolvência, até à data em que a insolvência veio a ser, definitivamente, decretada e consequentemente declarar que o prazo de 1 (um) ano, para requerer o fundo, foi cumprido pelo recorrente.
Em decorrência da referenciada inconstitucionalidade declarada pelo Tribunal Constitucional, em termos de fiscalização concreta, cujo teor se acompanhará nos mesmos termos e condições, enquanto desaplicação de norma por inconstitucionalidade, importa encontrar solução interpretativa adequada e compatível com o declarado.
Assim, e não obstante a condicionante interpretativa imposta ao n.º 8 do artigo 2.º do DL n.º 59/2015, de 21 de Abril, pelo Tribunal Constitucional, há, em qualquer caso, que limitar no tempo o exercício do direito ao pagamento de créditos salariais pelo FGS, a um ano a contar do dia seguinte àquele em que cessou o contrato (cfr. artº 337.º, n.º 1, do CT), considerando, no entanto, as vicissitudes decorrentes da tramitação do Processo de Insolvência, junto do qual foram reclamados os créditos laborais, por forma a acautelar que os atrasos processuais e procedimentais não se venham negativamente a refletir-se na esfera jurídica do trabalhador.
Como decorre da Diretiva 80/987, não há qualquer impedimento à aplicação de um prazo de prescrição ou de caducidade de um ano (princípio da equivalência).
Todavia, compete ao órgão jurisdicional nacional apreciar se a configuração deste prazo não torna impossível na prática ou excessivamente difícil o exercício dos direitos reconhecidos pela ordem jurídica comunitária (princípio da efetividade).
Como de algum modo decorre do acórdão do Tribunal Constitucional aqui em análise, importa predominantemente que o trabalhador não veja o prazo que lhe é atribuído para recorrer ao FGS, substancialmente diminuído em resultado de questões colaterais que vão consumindo o prazo.
Independentemente da interpretação que se adote no que respeita à suspensão ou interrupção do prazo para exercício do direito, não se poderá subverter a intenção do legislador de acordo com a qual o FGS só deverá assegurar o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
O que se vem referindo, encontra acolhimento na filosofia que presidiu ao Acórdão do TC nº 257/2008 em cujo ponto 13 se afirma lapidarmente que:
“[…]
Na verdade, a retribuição da prestação laboral, quer na sua causa, quer na sua destinação típica, está intimamente ligada à pessoa do trabalhador. Ela é a contrapartida da disponibilização da sua energia laborativa, posta ao serviço da entidade patronal. Ela é também, por outro lado, o único ou principal meio de subsistência do trabalhador, que se encontra numa situação de dependência da retribuição auferida na execução do contrato para satisfazer as suas necessidades vivenciais.
É esta dimensão pessoal e existencial que qualifica diferenciadamente os créditos laborais, justificando a tutela constitucional reforçada de que gozam, para além da conferida, em geral, às posições patrimoniais ativas.
É, na verdade, esta perspetiva valorativa que levou à consagração do direito à retribuição do trabalho entre os direitos dos trabalhadores enumerados no n.º 1, alínea a), do artigo 59.º da CRP, por forma a ‘garantir uma existência condigna’ – direito este já expressamente considerado pelo Tribunal Constitucional como um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias (Acórdão n.º 379/91). Por outro lado, no n.º 3 do mesmo preceito estabelece-se que ‘os salários gozam de garantias especiais, nos termos da lei’.
Esta previsão constitucional de garantias especiais para créditos salariais seguramente que, não só justifica, como impõe, regimes consagradores da sua discriminação positiva, em relação aos demais créditos sobre os empregadores (cfr., neste sentido, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, I, 4.ª ed., Coimbra, 2007, 777).
[…]
Como a norma [da alínea a) do n.º 1] expressamente acentua – nos seus próprios termos, tem-se em vista ‘garantir uma existência condigna’ –, o reconhecimento de tal direito exprime o valor básico da dignidade da pessoa humana (artigo 1.º da CRP), constituindo, no seu específico âmbito de proteção, um instrumento do preenchimento das condições materiais da realização deste valor. E o relevo nuclear do direito à (justa) remuneração do trabalho é atestado pela vinculação do legislador ao estabelecimento de garantias especiais para os salários (n.º 3 do artigo 59.º).
[…]”.
É pois manifesto que “é pacífico na doutrina, e este Tribunal tem também afirmado, que o direito à retribuição é um direito de natureza análoga aos direitos liberdades e garantias (v., entre muitos, os Acórdãos n.ºs 620/2007 e 396/2011), que, de resto, o Estado tem o dever de proteger (cfr. artigo 59.º, n.º 2, da Constituição) ” (Acórdão TC n.º 510/2016).
Como se afirmou relevantemente no Acórdão nº 328/2018, do TC, “Não é inócua a apontada ligação entre o mecanismo do FGS e a norma do n.º 3 do artigo 59.º da CRP. Tratando-se de uma das garantias ali previstas, ao escolher (apesar de, nessa escolha, se encontrar vinculado pelo Direito da União) instituir o FGS como uma das garantias especiais da retribuição, o legislador está vinculado à construção de um regime que lhe assegure um mínimo de efetividade, sem a qual resultaria esvaziada de sentido a norma constitucional, com respeito pela igualdade (artigos 13.º e 59.º, n.º 1, da CRP). Por outro lado, tratando-se de atribuir, no apontado contexto, um direito a uma prestação pecuniária, e de limitar no tempo a efetividade desse direito pelo não exercício, tal atribuição deve operar, na compaginação destas duas vertentes, segundo regras claras, certas e objetivas – exigência decorrente do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição).
Pela sua relevância transcrevem-se ainda as seguintes passagens do referido Acórdão do Tribunal Constitucional (Sublinhados do original):
“De acordo com o sentido das normas relevante para a presente decisão (cfr. item 2.2., supra), a declaração de insolvência faz nascer o direito ao acionamento do FGS.
Sucede que a declaração judicial constitui um momento num processo judicial contraditório, de cujos termos o trabalhador tem (ou pode ter) unicamente o domínio do impulso processual inicial, sendo que, subsequentemente, o desenvolvimento do processo como que lhe “sai das mãos”, sendo muito limitada a respetiva capacidade de determinar no elemento tempo os ulteriores passos processuais até à efetiva declaração do devedor em estado de insolvência. De facto, basta pensar que, não sendo um dos casos excecionais de dispensa da audiência do devedor (artigo 12.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, doravante CIRE), há lugar à citação deste, que poderá ser mais ou menos demorada, podendo ser apresentada oposição e realizada audiência de julgamento, gerando-se uma dilação assinalável entre o pedido de declaração da insolvência e essa mesma declaração – circunstâncias das quais o caso dos autos constitui, aliás, exemplo vivo, tendo a declaração de insolvência ocorrido cerca de seis meses e meio após ter sido requerida pelo primeiro Recorrente. Ou seja, pegando precisamente no exemplo que os autos ilustram, observamos que se consumiu mais de metade do prazo de acionamento do FGS em vicissitudes processuais que o trabalhador credor da insolvente não esteve em condições de dominar, sendo certo que a declaração de insolvência foi pedida decorridos que foram menos de seis meses do prazo de um ano previsto no artigo 2.º, n.º 8, do NRFGS.
(...)
O que está em causa é saber se, na contagem desse prazo, é possível incluir um período temporal (que, como vimos, pode ser assinalável) especificamente determinado e tendente à criação de um pressuposto essencial do direito ao acionamento do FGS (o período entre o pedido de declaração da insolvência e a sua efetiva declaração pelo tribunal competente), cujos termos escapam por completo ao controlo do trabalhador-credor, de tal forma que o mero decurso do tempo nessa fase processual provoque a extinção do direito.
Assim se cria uma evidente antinomia: o trabalhador-credor de um empregador insolvente que queira ver tutelado o direito à prestação pelo FGS vê-se obrigado a pedir a declaração de insolvência e, a partir desse momento, as vicissitudes próprias do processo que fez nascer com essa finalidade, comprometem o exercício desse mesmo direito, sem que um comportamento alternativo lhe seja exigível – rectius, possa por ele ser adotado – no sentido de evitar essa preclusão.
Ao fazer nascer, ainda que potencialmente, na própria condição de realização de um direito a causa da sua extinção, à qual o respetivo titular se vê impossibilitado de obstar, o legislador deixa de conferir à retribuição – e ao “remédio” (talvez mais até ao paliativo) para a sua perda – a tutela que lhe era devida nos termos do artigo 59.º, n.º 3, da Constituição.
Sendo certo que o sistema do FGS “pressupõe um nexo entre a insolvência e os créditos salariais em dívida” (acórdão do TJUE de 28 de novembro de 2013, cfr. supra 2.3.2.3.), seria o próprio processo judicial com aptidão para estabelecer o referido nexo que constituiria causa da preclusão do direito.
Geram-se, por outro lado, diferenciações arbitrárias na concessão (na realização) daquele direito a distintos titulares, subordinado que fica este à duração maior ou menor da fase inicial dos processos de insolvência, em função de ter sido deduzida oposição, da duração das audiências de julgamento, das diferentes capacidades de resposta dos tribunais, etc. Tudo fatores alheios à vontade do trabalhador-credor e que, por isso mesmo, não suportam a afirmação de existência de algo semelhante a um “domínio do facto” por este, cujo efeito de condicionamento do respetivo direito não encontra justificação na tutela de qualquer outro valor que possamos considerar relevante no confronto com a necessidade de tutela da retribuição que se verifica no contexto apontado.
(...)
Porém, não é irrelevante a pouca clareza do regime legal, espelhada na norma em causa, considerada em si mesma ou sistematicamente inserida no diploma que a contém. O elemento de incerteza deste regime (evidenciado à saciedade, nestes autos, pelas posições assumidas na decisão recorrida, nas alegações e contra-alegações de recurso e no item 2.2., supra) compromete seriamente a efetividade da tutela que corresponde ao mecanismo do FGS, apresentando-se o complexo normativo do NRFGS, ao gerar estas interpretações díspares, com uma consistência pouco definida – para não dizer insuportavelmente ambígua –, cuja interpretação muito dificilmente assumirá um sentido minimamente claro, gerador de segurança nos destinatários beneficiários do seu âmbito de proteção. Isto ao ponto destes não disporem, consistentemente, da possibilidade de, agindo com normal diligência, anteverem com suficiente segurança o comportamento que devem adotar para formular atempadamente a sua pretensão junto do FGS, assim se comprometendo as exigências mínimas de certeza decorrentes do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição).
Aliás, em hipóteses como a dos presentes autos, pode mesmo dizer-se, tomando de empréstimo as palavras do acórdão do TJUE de 16 de julho de 2009, no caso Visciano (...), que a configuração do prazo pode tornar “[…] impossível na prática ou excessivamente difícil” o exercício do direito do trabalhador credor, além de que – como justamente se assinalou naquela decisão – “[…] uma situação caracterizada por uma considerável incerteza jurídica pode constituir uma violação do princípio da efetividade, uma vez que a reparação dos danos causados a particulares por violações do direito comunitário imputáveis a um Estado-Membro pode, na prática, ser extremamente dificultada se estes não puderem determinar o prazo de prescrição aplicável, com um razoável grau de certeza”.
(...)
A isto acresce – como segunda nota complementar acima indicada (...) a seguinte observação. Cabe ao Tribunal Constitucional a última palavra sobre a inconstitucionalidade da norma em questão, não lhe cabe, porém, determinar qual a melhor interpretação do direito infraconstitucional na sequência do afastamento dessa norma (dessa construção normativa).
Assim, na falta de uma opção legislativa expressa, caberá aos tribunais comuns a solução das questões que o presente julgamento deixa em aberto (designadamente, se deve tratar-se de interrupção ou suspensão do prazo (...)”
Assim sendo, acolhe-se o entendimento plasmado no identificado Acórdão do Tribunal Constitucional, o qual, em síntese, decidiu que o artigo 2.º, n.º 8 do Decreto-Lei n.º 59/2015, que define que o pagamento dos créditos laborais a cargo do FGS deve ser requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, não poderá ser interpretado no sentido de tal prazo não poder comportar a possibilidade de qualquer interrupção ou suspensão.
Estamos pois perante uma decisão do Tribunal Constitucional que em fiscalização concreta declara a inconstitucionalidade do Artº 2º nº 8 do DL n.º 59/2015, e que como tal determina a verificação de uma lacuna em concreto, que correspondentemente determinará a necessidade de, também em concreto, integrar a mesma, em resultado da circunstância do referido normativo ter ficado inoperacional e esvaziado, insuscetível de ser aplicado.
Com efeito, a lacuna é uma falha de legislação, na regulação de uma situação da vida que exige uma disciplina normativa.
A existência de lacunas é inevitável, pois as leis são impotentes para prever todas as situações que carecem de ser disciplinadas pelo Direito. Tal ocorre, seja pelo facto de existirem matérias não reguladas, seja porque o conteúdo da lei é incompleto pois não contempla certos domínios de uma determinada matéria, seja porque a mesma lei, abarcando os referidos domínios, não é suficientemente pormenorizada para reger determinados efeitos jurídicos que neles emirjam.
Assim, a lacuna pode envolver quer uma falha de previsão (a lei não contempla uma situação que deve ser regulada juridicamente) ou de estatuição (a lei prevê a referida situação mas não determina as correspondentes consequências jurídicas).
As razões que conduzem à existência de lacunas prendem-se a fatores tão diversos como, a intenção do legislador em não regular; falhas técnicas do legislador ou incapacidade de o mesmo encontrar uma solução jurídica adequada para uma dada situação; o aparecimento de situações imprevistas; ou, finalmente, uma declaração de inconstitucionalidade de uma norma, ainda que em apreciação concreta.
Na medida em que a lacuna é uma falha normativa que desafia exigências de completude reclamadas pelo sistema jurídico, este prevê mecanismos de integração do vazio jurídico.
A integração de lacunas pode envolver institutos normativos, como é o caso da emissão de uma lei ou o efeito automático de uma declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, que determina, de acordo com o nº 1 do art.º 282.º da Constituição, a reposição em vigor (repristinação) de uma lei revogada por aquela que foi julgada inconstitucional.
Perante a verificada situação de inoperacionalidade da norma declarada inconstitucional, os tribunais devem criar, com alguma discricionariedade, uma norma “dentro do espírito do sistema” (nº 3 do art.º 10.º do CC), o que envolve para o caso concreto, a “construção” de uma norma segundo critérios de equidade e observância dos princípios estruturantes da ordem jurídica.
É incontornável que os tribunais não podem abster-se de julgar invocando falta da lei, de acordo com o n.º 1 do art.º 8.º do CC (proibição de juízos de non liquet).
Como por outro lado se afirmou no Acórdão do STA nº 0292/16, de 08.09.2016, “Com efeito, a ideia do juiz como mero intérprete - uma espécie de “correia de transmissão do legislador” - e, portanto, sem um poder criativo da própria ordem jurídica não corresponde à realidade.
O juiz também cria Direito, designadamente, nos termos do artigo 10º, nº3, do CC, devendo nesse caso criar uma norma “dentro do espírito do sistema”. Espírito do sistema acolhe a ideia que corresponde aos “juízos de valor legais a que se referia ao artigo 110º do Estatuto Judiciário, mas aperfeiçoada. Nomeadamente, já se não limita aos juízos de valor legais, antes busca os que são próprios de todo o sistema jurídico” - OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito, Introdução e Teoria Geral, página 413.
É consensual, por outro lado, que o “julgador apreende certos elementos e decide, criativamente, em termos finais. Por certo que o quantum da criatividade não é uniforme: atingindo um máximo quando da aplicação de conceitos vazios ou da integração de lacunas rebeldes à analogia e extra-sistemáticas, ele surge reduzido perante normas rígidas ou mesmo típicas. Mas existe sempre, desde a apreensão dos factos à localização das fontes.” - MENEZES CORDEIRO, prefácio ao Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito, Claus - Wilhelm Canaris, por si traduzido, páginas CVI/CVII.
Em termos mais expressivos CASTANHEIRA NEVES, ressalta o papel do juiz, numa visão que recusa ao Direito a natureza de “[…] um simples meio técnico de quaisquer estratégias, mas validade em que a axiologia e a responsabilidade do homem se manifestem. Para se assumir e realizar esse direito, vimos como é indispensável o juiz. Por isso mesmo é eminente a sua tarefa e nobre o papel que dele se espera. […] Negar-se-á esse seu sentido se for mero funcionário, funcionalmente enquadrado e nisso comprazido, servidor passivo de qualquer legislador, simples burocrata legitimante da coação” - Entre o Legislador, a Sociedade e o Juiz, ou entre Sistema, Função e Problema - Os modelos alternativos da realização jurisdicional do Direito, Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, volume LXXIV, página 43.
“Hart acentua repetidamente a função do direito como meio de controlo social que só pode ser defendido se entrarem também no direito – ao interpretar regras jurídicas carecidas de interpretação nas suas zonas obscuras ou ao adaptá-las a relações sociais novas – ideais sociais, ou ideais éticos, que vinculem a argumentação e a decisão” - Teoria Analítica do Direito por MAZUREK, SAARBRYCKEN, Introdução à Filosofia do Direito e à Teoria do Direito Contemporâneas, pág. 378.
É de resto uma evidência, que a grande maioria das regras jurídicas carece de interpretação. Como sublinha OLIVEIRA ASCENSÃO a posição enunciada no brocardo “in claris non fit interpretatio…” é contraditória nos seus próprios termos, pois mesmo para concluir que uma deposição legal é evidente foi necessário um trabalho de interpretação, embora quase instantâneo, e é com base nele que se afirma que o texto não suscita problemas particulares”. Por isso, considera o mesmo autor, “são absurdas certas posições hermenêuticas que se repetem, do imperador Justiniano a autocratas modernos, e pelas quais se proíbe a interpretação da lei. Efetivamente, conclui o autor, “a interpretação jurídica não se destina a uma recognição de um qualquer conteúdo já pensado, mas destina-se a formular princípios para a ação, regras.” - O Direito, Introdução e Teoria Geral, páginas 345/346.
Note-se, a propósito, que “a letra da lei e o que ela exige num caso concreto podem ser perfeitamente claros; contudo, pode haver dúvidas sobre se o legislador tem o poder para legislar desse modo” - HART, o Conceito de Direito, página 161. Nestas condições o julgador, nos casos que lhe são colocados, averigua a validade constitucional da lei, de acordo com os parâmetros que racionalmente vinculam o próprio legislador, existindo, como refere o mesmo autor, “…vários tipos de raciocínio que os tribunais usam caracteristicamente, ao exercer a função criadora que lhes é deixada pela textura aberta do direito contido na lei ou no precedente” [obra citada, página 161].
Vários tipos de raciocínio e de argumentação que não se reconduzem necessariamente a uma busca de critérios objetivos da decisão, mas apelam a um paradigma justificativo que “não pretende de forma alguma encontrar princípios evidentes, mas sim descobrir, através de um trabalho de autorreflexão, as pressuposições que são indiscutíveis se desejarmos formular argumentos intersubjectivamete válidos” – ver, neste sentido, ADELA CORTINA, Ética da Discussão e Fundamentação Última da Razão, As Filosofias Políticas Contemporâneas [após 1945], página 171. A racionalidade da decisão há-de decorrer, nesta conceção, do desenvolvimento de uma argumentação séria, a qual depende de várias regras ou condições - ética da discussão: “1- Todo o sujeito capaz de falar e de agir deve poder tomar parte em discussões; 2.1. Cada um deve poder problematizar toda a afirmação, qualquer que ela seja; 2.2. Cada um deve poder fazer com que seja admitida na discussão toda a afirmação, qualquer que ela seja; 2.3. Cada um deve poder exprimir os seus pontos de vista, os seus desejos e as suas necessidades; 3. Nenhum locutor deve ser impedido por uma pressão autoritária, quer ela se exerça no interior quer no exterior da discussão de aproveitar dos seus direitos, tal como eles estão estabelecidos em 1 e 2”.
Não é, assim, possível reconduzir a função do juiz, essencialmente concretizadora e criadora da Ordem Jurídica [em maior ou menor grau] a uma função predominantemente técnica [axiologicamente neutra] face a uma necessária e sempre presente relação de compromisso ético do juiz com o Direito que interpreta, aplica em concreto, faz cumprir e, desse modo, também vai construindo. Outro entendimento contribuiria para a “deslegitimação do poder judicial”, enquanto “poder soberano” como nota ORLANDO AFONSO - Poder Judicial In Dependência, página 202. “Deslegitima-se” - diz o autor, entre outras maneiras – “quando a pretexto de apregoadas desburocratizações ou de modernizações tecnológicas se reconduz o papel do Juiz ao de um mero operador judiciário, adulterando-se-lhe a função”. Por isso o autor [nota 271] entende como deslegitimadora a tentativa de “…reduzir o Poder Judicial a uma função burocrática sem qualquer outra dimensão que não seja a da prestação de um mero serviço administrativo”.
Podemos concluir, portanto, que no pensamento jurídico atual, não é acolhido o entendimento que vê o Juiz como um mero operador judiciário, um mero prestador de serviço administrativo ou, nas palavras de Castanheira Neves, um mero instrumento técnico de legitimação da coação. Podemos afirmar com toda a segurança que as funções exercidas pelo Juiz são funções públicas, mas não são predominantemente técnicas, porque predominantemente exercem um poder público, sendo o exercício desse poder o núcleo essencial do conteúdo das respectivas funções»
A questão da desaplicação da referida norma por inconstitucionalidade, já foi tratada, desde logo na Sentença do TAF de Coimbra, proferida no Procº 585/16.0BECBR de 7 de fevereiro de 2017 que veio a determinar a declaração de inconstitucionalidade que se tem vindo a apreciar.
Na referida Sentença do TAF de Coimbra a solução resultante da verificada lacuna foi encontrada por recurso à “norma geral da prescrição dos créditos laborais, precisamente um ano a contar do dia seguinte àquele em que cessou o contrato – cf. artigo 337 nº 1 do CT – esta, sim, suscetível das interrupções constituídas pela ação laboral e pela reclamação dos créditos na insolvência, interrupções indispensáveis pata a reposição da justiça em face de um anormal atraso das decisões no processo de insolvência que são pressuposto da obrigação do Fundo.”
Já neste Tribunal a referida questão foi já tratada em diversos Acórdãos, a saber: Processo n.º 1777/17.0BEPRT de 21.12.2018; Processo n.º 61/17.3BEBRG de 11.01.2019; Processo n.º 295/17.0BEPNF de 25.01.2019; Processo nº. 232/17.2BEBRG de 21.12.2018; Processo n.º 2492/16.7BEPRT de 07.12.2018.
Nos referenciados Acórdãos do TCAN se tem afirmado que “Dispõe o artigo 282º da Constituição da República Portuguesa sob a epígrafe “Efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade”.
1. A declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado”.
Não vemos razão para não aplicar esta norma, dirigida à hipótese de “declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral” ao caso, como o presente, em que temos uma declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade ainda sem força obrigatória geral.
Na verdade é a solução que mais segurança e certeza traz para a solução de casos similares, dada a sedimentação que o antigo regime jurídico já tinha alcançado.”
Se bem que a base do entendimento jurídico que se preconizará tenha ponto de partida idêntico àquele que determinou as precedentemente referenciadas decisões deste TCAN, o sentido decisório que se adotará, passará antes pela criação no caso concreto de norma “dentro do espírito do sistema” (nº 3 do art.º 10.º do CC), “construindo-se” uma norma segundo critérios de equidade e observância dos princípios estruturantes da ordem jurídica, correspondente àquele que se presume ser a vontade do legislador.
Também no recente acórdão deste TCAN nº 662/18.2BEBRG, de 1 de fevereiro de 2019, se adotou solução que aqui, no essencial, se acompanhará, sendo que a referida decisão transitou já em julgado.
Na realidade, é incontornável que era intenção do legislador no Artº 2º nº 8 do DL nº 59/2015, limitar a um ano o prazo dentro do qual deverá ser requerido ao FGS o pagamento dos créditos reclamados, a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
Por outro lado, o próprio Tribunal Constitucional não questiona aquele prazo, apenas se “opondo”, por via de declaração concreta de inconstitucionalidade, a que esse prazo não seja suscetível de suspensão ou interrupção.
A solução a dar à controvertida questão, na “construção” de norma em observância dos princípios estruturantes da ordem jurídica, encontra-se facilitada em decorrência do facto do próprio legislador a ter introduzido, ainda que apenas ex nunc, nova norma, através da Lei n.º 71/2018, de 31/12, compatibilizando o Artº 2º nº 8 do Decreto-Lei n.º 59/2015, com o entendimento do Tribunal Constitucional estabelecido no seu Acórdão nº 328/2018 que se tem vindo a referir.
Com efeito, ainda que sem natureza interpretativa, a Lei n.º 71/2018 introduziu no Artº 2º do Decreto-Lei n.º 59/2015, um nº 9, no qual se refere que “O prazo previsto no número anterior suspende-se com a propositura de ação de insolvência, a apresentação do requerimento no processo especial de revitalização e com a apresentação do requerimento de utilização do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas, até 30 dias após o trânsito em julgado da decisão prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º ou da data da decisão nas restantes situações.”
O novel normativo permitiu assim percecionar de forma clara quais os princípios estruturantes da ordem jurídica, correspondentes à vontade do legislador.
Assim, em face de tudo quanto se expendeu, mostra-se legítimo, perante a referida inconstitucionalidade, declarada em concreto, da interpretação adotada pelo FGS do nº 8 do Artº 2º do DL nº 59/2015, que tornou o referido normativo inoperante, que se lhe restaure a sua operacionalidade, com recurso à interpretação que o próprio legislador, por via do novel nº 9, veio a introduzir através da Lei nº 71/2018, de 31 de dezembro.
Efetivamente legislador acolheu as críticas que o Tribunal Constitucional havia apontado ao nº 8 do Artº 2º do DL nº 59/2015, assegurando a suspensão do referido prazo de um ano para a apresentação da Ação, até 30 dias após o trânsito em julgado, designadamente, da decisão que venha a ser proferida na Ação de Insolvência.
A interpretação que se adotará permite pois dar resposta ao facto do Tribunal Constitucional ter entendido, em concreto, que o artigo 2.º, n.º 8, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, não poderia ser interpretado no sentido de impedir que o prazo de um ano para a reclamação dos créditos laborais junto do FGS fosse insuscetível de ser interrompido ou suspenso, interpretação que se adequa ao “espirito do sistema”, comprovado no facto do próprio legislador ter criado, ainda que ex nunc, norma exatamente nesse sentido.
Deste modo, à luz do precedentemente discorrido, uma vez que a decisão de insolvência transitou em julgado em 15/06/2016 e o requerimento a reclamar os créditos laborais junto do FGS foi requerido em 23/08/2016, é assim manifesto que o mesmo se mostrava tempestivo.
Assim, revogar-se-á a decisão recorrida, mais se determinado que o FGS proceda à reapreciação do Requerimento do aqui Recorrente à luz da sua tempestividade.
* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao Recurso interposto, revogando-se a sentença Recorrida, mais se determinando a reapreciação do Requerimento do aqui Recorrente, pelo FGS, à luz da sua declarada tempestividade.
Custas pela Entidade Recorrida, em ambas as instâncias, sem prejuízo da isenção de que goza.
Porto, 29 de março de 2019
Ass. Frederico de Frias Macedo Branco
Ass. Nuno Coutinho
Ass. Ricardo de Oliveira e Sousa