Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:03172/15.0BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/15/2021
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Helena Canelas
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO
Sumário:I – Se os factos apurados nos autos não permitem constatar a violação, culposa e ilícita, por parte do ESTADO PORTUGUÊS de deveres que sobre ele lhe incumbissem, tem que claudicar a responsabilidade delitual que lhe foi imputada pela autora na ação.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:S.
Recorrido 1:ESTADO PORTUGUÊS
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:N/A
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

I. RELATÓRIO

S. (devidamente identificada nos autos), autora na ação que instaurou no Tribunal Judicial de Braga contra o réu ESTADO PORTUGUÊS – na qual, peticionou a condenação deste a pagar-lhe a quantia total de 170.299,49€, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, decorrentes da perda e detioração de bens e que na sequência da decisão de incompetência em razão da matéria (jurisdição), veio a ser remetido para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, inconformada com a sentença de 18/12/2019 (fls. 348 SITAF) deste Tribunal, que julgou improcedente a ação, absolvendo o Estado Português do pedido, dela interpôs o presente recurso de apelação (fls. 387 SITAF), formulando as seguintes conclusões nos seguintes termos:

A - Resulta, quer do depoimento de parte da A.2m:40s a 1h:03m:50Ss quer de docs. 5 a 29 da P.I. quais os bens que foram removidos e que a douta sentença deu como não provados.,
B - Pelo que o ponto C dos factos não provados quanto os bens removidos deve ser considerado provado e retirado dos factos não provados
C - Por outro lado há evidente contradição entre o facto não provado da alínea D e os factos provados de nºs 20, onde na parte final é referido “Considera-se que quase tudo se encontra em mau estado”, nº 26 onde é dito “alguns bens que estavam guardados no armazém ficaram deteriorados”, nº 28 “A Autora sofreu grande mágoa com a destruição a inutilização de seus pertences”, nº 29 “ficando com grande tristeza….com a destruição e inutilização dos bens...”
D - Pelo que a alínea D dos factos não provados deve ser eliminada.
E - Estão verificados nos factos provados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.
F - O acto voluntário: O Estado Português como responsável pela guarda dos bens da A. não cumpriu aquilo a que estava obrigado, deixando que os bens da A. que tinha à sua guarda ficassem todos estragados e a maioria irrecuperável.
G - Só por incúria do Estado Português, os bens que ficaram à guarda no seu armazém ficaram estragados ou inutilizados.
H - É a meritíssima juíza que refere que a testemunha da A., M., foi ao armazém em 2011 com a mãe e estava tudo em mau estado, janelas quebradas, gatos, ratos, ninhadas, chovia lá dentro. Afirmou que, a mobília e os electrodomésticos estava tudo estragado e que o depoimento desta testemunha serviu para formar a convicção quantos aos factos provados de 22, 23 e de 25 a 31
I - Se o Estado Português possui um armazém para depósito de bens, tem que garantir a sua manutenção em bom estado de conservação de modo a que os bens não se estraguem, de outro modo não se justificava a existência desse armazém.
J - O Estado, por intermédio dos seus agentes, não empregou a diligência suficiente para que os bens não se deteriorassem quando guardados no armazém.
K - A ilicitude. - ora houve omissão dos funcionários e agentes que violam normas de ordem técnica ou deveres objectivos de cuidado.
L - Na verdade, foi por esse motivo que os bens da A. se deterioraram, como resulta provado dos autos, do depoimento das testemunhas e das muitas fotografias que a A. juntou aos autos sobre o estado dos bens no armazém e que não foram impugnadas.
M - A culpa – o juízo de censurabilidade pessoal da conduta do agente: o estado em face das circunstâncias do caso podia e devia ter agido de outro modo? Tendo em conta que a culpa é apreciada pela diligência razoável e que esta pode revestir a mera culpa ou negligência.
N - Ora, duvidas não restam que é devida censura aos agentes do Estado por tal conduta não corresponder à que é exigível e esperada do funcionário ou agente normal.
O - Atendendo ao estado do armazém e do tipo de bens ali guardados, naturalmente que apenas por incúria, leviandade, desleixo se deixou os bens estragar, porque o armazém não tinha condições para os receber
P - E isso resulta dos factos provados.
Q - Que houve danos, quer materiais quer morais, resulta dos autos e dos factos provados expressamente.,
R - Finalmente resulta provado dos autos que há nexo de causalidade entre os eventos – os bens da A. guardados no armazém do Estado e a sua deterioração dos mesmos bens por incúria do Estado por acção e omissão dos seus agentes.
S - Da matéria de facto provada resulta que estão, pois, verificados os pressupostos na responsabilidade extracontratual do Réu Estado.
T - Foram alegados pela A na P.I. e provados nos autos os factos integradores da ilicitude e da culpa, aqui consubstanciada na violação do dever de cuidar dos bens guardados no armazém por parte do Tribunal.
U - Tendo sido alegados e provados os factos integradores da ilicitude e da culpa e estando in casu verificados os pressupostos da responsabilidade extracontratual do Réu Estado, deve ser proferido acórdão condenatório do Réu Estado, sendo deixado para liquidação de sentença o valor dos danos materiais.
V - Já quanto aos danos não patrimoniais, que resultaram provados, deve o Réu Estado ser condenado nos valores peticionados pela A.

Termina pugnando pela revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que declare o ESTADO PORTUGUÊS culpado e responsável pelos danos peticionados, com condenação deste no pagamento dos respetivos danos à autora.

O recorrido contra-alegou (fls. 402 SITAF), pugnando pela improcedência do recurso, com manutenção da decisão recorrida, não tendo formulado conclusões.
*

Com dispensa de vistos, foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.
*

II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DOS RECURSOS/das questões a decidir

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC, ex vi dos artigos 1º e 140º nº 3 do CPTA.

Em face dos termos em que foram enunciadas pela recorrente as respetivas conclusões de recurso, são as seguintes as questões essenciais a decidir:
- saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quanto à matéria de facto, e se a mesma ser modificada nos termos propugnados pelo recorrente – (conclusões A. a D. das alegações de recurso);
- saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quanto à solução jurídica da causa – (conclusões E. a V. das alegações de recurso).
*
III. FUNDAMENTAÇÃO

A – De facto

O Tribunal a quo deu como provada a seguinte factualidade, assim vertida ipsis verbis na sentença recorrida:

1. Correu termos no extinto 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Braga sob o n.º de processo 307-C/1999, o processo de falência da sociedade comercial “N., Lda.”, que foi declarada falida por sentença proferida em 22.02.2000. – Cfr. doc. 2 junto com a contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

2. No âmbito do processo referido em 1., por despacho emanado em 08.12.2006, foi ordenada a apreensão do seguinte bem imóvel:
“Uma fracção designada pela letra “E”, correspondente é habitação no segundo andar esquerdo tipo T -TRES. alterado na sua estrutura inicial, pela credora “S.” para um tipo T-Dois, com entrada pelo n.º 53, com uma garagem e um lugar para arrumos na cave designado pelo n. º. 5, com entrada pelo numero 36, integrado no prédio urbano sito na Rua (…), inscrito na matriz sob o Artigo 1605°, descrito na Conservatória do Registo Predial (...) sob o n.º 339 – (...), aparentemente em mau estado de conservação, não sendo possível neste momento proceder à sua avaliação.”. – Cfr. docs. 1 e 7 junto com a contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

3. A Autora ocupava a fração identificada em 2. – Facto não controvertido.

4. A fração identificada em 2. integrava a massa falida de “N., Lda.”. – Cfr. doc. 2 junto com a contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

5. Em 29.01.2007, no âmbito do processo de falência da “N.” foi proferido despacho que ordenou a entrega da fração referida em 2., ao liquidatário judicial. – Cfr. doc. 3 junto com a contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

6. Em 12.02.2007, no âmbito do processo de falência da “N.”, o liquidatário judicial veio informar os autos que não procedeu à apreensão da fração referida em 2., porque a, aqui Autora, apresentava um estado de saúde débil, referindo que tinha uma infeção renal e estado febril, apesar de não ter comprovado com atestado médico, tendo sido pedido o prazo de 10 dias para proceder às diligências necessárias para a remoção dos bens e seu depósito. – Cfr. doc. 3 junto com a contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

7. Em 14.03.2007 foi realizado o seguinte Auto de Diligência de Entrega:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

– Cfr. doc. 8 junto com a contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

8. Em 29.03.2007 foi realizado o seguinte Auto de Diligência de Entrega:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

– Cfr. doc. 9 junto com a contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

9. Em 30.03.2007, foi realizado o seguinte Auto de Diligência de Entrega:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

– Cfr. doc. 10 junto com a contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

10. Em 28.06.2007, foi elaborado o seguinte Auto de Entrega:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

– Cfr. doc. 11 junto com a contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

11. A liquidatária judicial nomeada no processo de falência da “N.”, apresentou o seguinte requerimento:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

– Cfr. doc. 12 junto com a contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

12. Em 19.07.2007, a liquidatária judicial nomeada no processo de falência da “N.”, apresentou o seguinte requerimento:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

– Cfr. doc. 13 junto com a contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

13. Foi proferido o seguinte despacho:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]


– Cfr. doc. 14 junto com a contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

14. Em 04.09.2007, foi elaborado o seguinte Auto de Remoção de Bens:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]


– Cfr. doc. 15 junto com a contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

15. Em 05.09.2007, foi elaborado o seguinte Auto de Remoção de Bens:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

– Cfr. doc. 16 junto com a contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

16. Em 14.06.2011, foi elaborado o seguinte auto de entrega:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

– Cfr. doc. 19 junto com a contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.


17. Em 02.11.2011, foi elaborado o seguinte Auto de Entrega:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

– Cfr. doc. 20 junto com a contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

18. Em 11.01.2011, a Autora, no processo de falência da “N.”, requereu o levantamento dos bens de sua pertença, os quais foram retirados de sua habitação familiar para propriedade do Tribunal, por Ordem Judicial em 2007. – Cfr. doc. 21 junto com a contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

19. Em 16.01.2012, foi proferido o seguinte despacho:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

– Cfr. doc. 22 junto com a contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

20. Nos presentes autos foi elaborado o seguinte Relatório:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

– Cfr. fls. 154 do processo físico, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

21. O Escrivão Adjunto do Tribunal Judicial de Braga apresentou nos presentes autos, a seguinte informação:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

– Cfr. fls. 202 do processo físico, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

22. Apenas em abril/maio de 2011 a Autora obteve possibilidade de obter a guarda dos bens.

23. Requerida a entrega dos bens, aquando da sua entrega primeiro em junho e depois em novembro de 2011, verificou que os mesmos estavam completamente deteriorados e estragados e muitos desaparecidos.

24. A Autora apresentou nos presentes autos a seguinte informação:

“(…) S., A. nos autos ao cimo,
Vem, face à notificação que lhe foi feita dizer o seguinte:

1. Atento o número de caixotes que já foram entregues e os que foram localizados na diligência realizada no passado dia 1.12.2014 no armazém do Tribunal, foram encontrados todos os caixotes que tinham sido removidos para o armazém.
2. Mais uma vez salientar o total mau estado dos bens à guarda do Tribunal, com completa perda e sem possibilidade de recuperação, como muito bem se pode verificar pelas fotografias anteriormente juntas.”.
– Cfr. fls. 204 do processo físico, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

25. A Autora e seus filhos acondicionaram os bens que estavam na fração apreendida em 66 caixotes, tendo de seguido fechado os mesmos.

26. Alguns dos bens que estavam guardados no armazém ficaram deteriorados.

27. A Autora sabia que tinha que sair da fração identificada em 2.

28. A Autora sofreu grande mágoa com a destruição e inutilização de seus pertences, alguns com muito valor afetivo.

29. Ficando com grande tristeza, angústia, descontrole psicológico e emocional e agravamento do já seu débil estado de saúde com a destruição e inutilização dos bens, entrando mesmo em estado depressivo.

30. A Autora pessoa doente, não estava em condições de abandonar a residência, além de não dispor de qualquer outro imóvel, nem possuir meios económicos que lhe permitissem arranjar uma alternativa para residir.

31. Apesar de diversas ordens de entrega da habitação livre de pessoas e bens, nunca a Autora o pode fazer, pois que a Autora estava doente e sem condições económicas, não tinha onde guardar os bens que compunham o recheio da sua habitação.

32. A Liquidatária Judicial requereu autorização ao processo de falência da “N.” para colocar os bens móveis existentes na fração identificada em 2., no armazém do Tribunal por ser uma situação temporária, de cerca de um mês, até a Autora conseguir um local para os colocar.


E deu como não provados os seguintes factos, nos termos assim vertidos ipsis verbis na sentença recorrida:

Factos não provados:
A. No âmbito do processo de liquidação de ativo da insolvente “N.” que correu termos com o n.º 307-C/1999 correu termos pelo 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Braga, foi ordenado o despejo da Autora e sua família da sua residência na Rua (…) (...),.
B. Foi a Autora retirada da sua residência, por ordem judicial, bem como foram retirados todos os bens e pertences existentes na residência da Autora.
C. Por ordem judicial, em 4 e 5 de setembro de 2007 foram removidos todos os bens daquela que era a residência da Autora para o armazém do Tribunal sito rua (…), em Braga, a saber:
- Uma arca chinesa, lacada a preto com incrustações de madre perola, desenhos dourados, guarnições em metal e revestida no seu interior com almofadas de madeira, cobre e perfumada de canfora;
- No seu interior a referida arca tinha material de valor estimativo incalculável, como rendas, bordados, peças únicas trabalhadas à mão, linhos, sedas, cambraias, damascos, brocados, atoalhados, adereços de cama bordados à mão em tecido casquinha de ovo, colchas toalhas de mesa em algodão fino provenientes da China, India, Japão, Suíça, Madeira, França, etc;
- Um móvel estilo antigo em madeira de castanho com cristaleira na parte superior em vidros lapidados;
- Uma cristaleira em Cerejeira em estilo colonial antigo com vidro lapidado;
- Uma máquina de lavar roupa siemens; - um frigorifico combinado;
- Um forno de encastrado na modalidade de turbo com autolimpeza marca siemens;
- Um colchão de casal;
- Dois estrados;
- Uma cama em veludo rosa estilo americano com aplicações de espelhos e cromados, tablier com aparelho de radio;
- Um guarda fatos em veludo rosas a condizer com a cama;
- Uma escrivaninha em estilo colonial antigo com estante na parte superior e com vidros lapidados;
- Uma cama de ferro antiga.
- Duas cadeiras em ferro pintado de azul com napa branca;
- Uma mesinha centro de sala em madeira de cambala ceárá;
- Duas mesas de cabeceira antigas com tampo em mármore e duas cadeiras a condizer;
- Vários suportes de cortinas e cortinados;
- Duas arcas em madeira forradas no exterior a latão e o seu conteúdo todo irrecuperável,
- Um tanque de lavar roupa em fibra de vidro;
- Um estendal;
- Uma mesa e cadeira de praia;
- Uma mesa de passar a ferro;
- Duas mesas em madeira redondas;
- Um terno de sofás;
- Dois espelhos de banheiro com espelhos lapidados, aplique de luz e prateleira;
- Um aquecedor a óleo;
- Uma estante metálica com rodas de apoio à cozinha;
- Quatro cadeiras cromadas e forradas a napa;
- Um espelho de sala antigo, pai dado em moldura dourada;
- Toillet em veludo rosa, estilo americano com espelho e aplicações em cromado com mesinhas a condizer;
- Baú de couro cravejado;
- Garrafeira estilo colonial em madeira de acácia australiana;
- Guarda fatos estilo antigo em madeira maciça de cerejeira;
- Duas sapateiras, estilo rústico em madeira castanha;
- Cómoda e vitrina estilo colonial em madeira castanho com vidros lapidados;
- Uma cama estilo antigo em madeira de cerejeira;
- 3 cadeiras estilo provençal, forrada a veludo rosa;
- Mesa de máquina de costura em madeira;
- Diversos quadros a ólelo;
- Três taburets;
- Duas molduras em mogno com aplicações em prata;
- Uma estante oriental em tubos pretos com aplicações douradas;
- Uma balaustre em marmorite;
- Três candeeiros de sala do teto;
- Um colchão em latex pikolin;
- Um terno de tapetes e um do hall de entrada;
- Um cadeeiro de canto com abajour;
- Uma televisão mitsubishi;
- Um termo ventilador de coluna;
- Um grelhador de placas;
- 2 candeeiros de mesa de cabeceira;
- Um aspirador;
- Uma mesa de cozinha;
- Vários bibelots e peças de adorno antigas e de heranças;
- Recordações de família: comunhões, casamentos, batizados, de grande valor afetivo;
- Várias peças de vestuário;
- Um giradisco antigo marca phillips;
- Vários álbuns em Vinil;
- Um faqueiro em prata argentino para 12 pessoas em estojo com 2 gavetas avalaido;
- Quatro molduras com fotos da família em pau santo, com prata e porcelana;
- 2 peças de artesanato: uma conserveira e uma terrina Bordalo Pinheiro;
- Uma câmara de filmar com projetor marca canon;
- Um leitor de CD/DVD pioneer;
- Um jarro elétrico em inox marca;
- Um micro-ondas whirlpool de 20 litros;
- Uma máquina a vapor para desinfeção da habitação marca vaporeto;
- Uma máquina de café expresso marca Braun;
- Uma fritadeira elétrica marca celar;
- Um ferro com caldeira marca rowenta;
- Uma torradeira marca moulinex;
- Um desumidificador de 10 litros marca delonghy;
- Um secador de cabelo marca braun;
- Um grelhador de barbecue;
- Uma centrifugadora elétrica avaliada;
- Uma máquina de cozinha para fazer bolos;
- Uma liquidificadora marca Osterheiser;
- Um serviço de café e chá para 12 pessoas em aço com fundo de carvão;
- Um serviço de cozinha ou trem de cozinha;
- Uma panela pressão de cozinha de 20 litros;
- Um tabuleiro em aço e gravado com desenhos geométricos;
- 3 candeeiros de teto em vifor referactário francês, cristais e vitrais;
- Um serviço de copos de 84 peças em cristal da boémia;
- Uma jarra com 6 copos em cristal de Veneza vermelho;
- Uma jarra de cristal atlantis;
- Uma cataplana em cobre;
- Um quadro em tapiuz da Flandres em tecelagem antiga;
- Uma carpete persa;
- Uma árvore de natal desmontável e seus adereços;
- Diversas peças religiosas com Stª António, Sra de Fátima, S. Salvador, imagens muito importantes para a família;
- Uma floreira em Cerâmica de Viana;
- Uma bandeja em cerâmica típica de Évora;
- Um serviço de jantar para 12 pessoas em porcelana da china, trabalhada à mão com fio de prata;
- Um serviço de chã e café para 12 pessoas em porcelana da china trabalhada à mão com fio de prata;
- Dois quadros a óleo de um pintor venezuelano;
- Uma iogurteira marca tefal;
- Uma sandwicheira marca ufesa;

D. Entre os bens entregues estava tudo estragado com humidade.
E. O valor dos bens desaparecidos ascende a € 50.274,49 euros.
F. O valor dos bens deteriorados e estragados ascende a € 65.025,00 euros.
**
B – De direito

1. Da decisão recorrida

É objeto do presente recurso a sentença proferida em 18/12/2019 (fls. 348 SITAF) pelo Tribunal a quo que, apreciando o mérito da pretensão indemnizatória formulada pela autora na ação, a julgou totalmente improcedente, absolvendo o réu ESTADO PORTUGUÊS do pedido.

2. Do imputado erro de julgamento quanto à matéria de facto
(conclusões A. a D. das alegações de recurso)

2.1 A recorrente começa por impugnar o julgamento da matéria de facto no que tange às alíneas C) e D) dos factos dados como não provados, propugnando que o vertido na alínea C) dos factos não provados deva ser considerado provado, e que a alínea D) deveria ser eliminada dos factos não provados.
2.2 No que tange à alínea C) dos factos dados como não provados sustenta que do depoimento de parte da autora quer dos Docs. nºs 5 a 29 da PI resulta os bens que foram removidos e que, assim, quanto aos bens removidos deve o mesmo ser considerado provado e retirado dos factos não provados.
2.3 O facto em causa havia sido alegado pela autora no artigo 5º da Petição Inicial.
Na sua contestação o réu ESTADO PORTUGUÊS, tomando posição quanto a ele, disse, no artigo 40º daquele seu articulado, desconhecer se a remoção dos bens incidiu sobre a grande maioria daqueles que foram ali descritos. E sustentou mais à frente, nos artigos 64º, 65º e 66º da contestação, que aquando da remoção muitos bens se encontravam já acondicionados em caixotes de papelão que a autora, antes, havia lacrado com fita-cola, pelo que os caixotes foram removidos já fechados, limitando-se o Sr. Oficial de Justiça à numeração, de 1 a 66, de cada um dos caixotes.
2.4 Na sentença recorrida foi dado como não provado, sob a alínea C) da factualidade elencada não provada, o seguinte:
« C. Por ordem judicial, em 4 e 5 de setembro de 2007 foram removidos todos os bens daquela que era a residência da Autora para o armazém do Tribunal sito rua (...), a saber:
- Uma arca chinesa, lacada a preto com incrustações de madre perola, desenhos dourados, guarnições em metal e revestida no seu interior com almofadas de madeira, cobre e perfumada de canfora;
- No seu interior a referida arca tinha material de valor estimativo incalculável, como rendas, bordados, peças únicas trabalhadas à mão, linhos, sedas, cambraias, damascos, brocados, atoalhados, adereços de cama bordados à mão em tecido casquinha de ovo, colchas toalhas de mesa em algodão fino provenientes da China, India, Japão, Suíça, Madeira, França, etc;
- Um móvel estilo antigo em madeira de castanho com cristaleira na parte superior em vidros lapidados;
- Uma cristaleira em Cerejeira em estilo colonial antigo com vidro lapidado;
- Uma máquina de lavar roupa siemens; - um frigorifico combinado;
- Um forno de encastrado na modalidade de turbo com autolimpeza marca siemens;
- Um colchão de casal;
- Dois estrados;
- Uma cama em veludo rosa estilo americano com aplicações de espelhos e cromados, tablier com aparelho de radio;
- Um guarda fatos em veludo rosas a condizer com a cama;
- Uma escrivaninha em estilo colonial antigo com estante na parte superior e com vidros lapidados;
- Uma cama de ferro antiga.
- Duas cadeiras em ferro pintado de azul com napa branca;
- Uma mesinha centro de sala em madeira de cambala ceárá;
- Duas mesas de cabeceira antigas com tampo em mármore e duas cadeiras a condizer;
- Vários suportes de cortinas e cortinados;
- Duas arcas em madeira forradas no exterior a latão e o seu conteúdo todo irrecuperável,
- Um tanque de lavar roupa em fibra de vidro;
- Um estendal;
- Uma mesa e cadeira de praia;
- Uma mesa de passar a ferro;
- Duas mesas em madeira redondas;
- Um terno de sofás;
- Dois espelhos de banheiro com espelhos lapidados, aplique de luz e prateleira;
- Um aquecedor a óleo;
- Uma estante metálica com rodas de apoio à cozinha;
- Quatro cadeiras cromadas e forradas a napa;
- Um espelho de sala antigo, pai dado em moldura dourada;
- Toillet em veludo rosa, estilo americano com espelho e aplicações em cromado com mesinhas a condizer;
- Baú de couro cravejado;
- Garrafeira estilo colonial em madeira de acácia australiana;
- Guarda fatos estilo antigo em madeira maciça de cerejeira;
- Duas sapateiras, estilo rústico em madeira castanha;
- Cómoda e vitrina estilo colonial em madeira castanho com vidros lapidados;
- Uma cama estilo antigo em madeira de cerejeira;
- 3 cadeiras estilo provençal, forrada a veludo rosa;
- Mesa de máquina de costura em madeira;
- Diversos quadros a ólelo;
- Três taburets;
- Duas molduras em mogno com aplicações em prata;
- Uma estante oriental em tubos pretos com aplicações douradas;
- Uma balaustre em marmorite;
- Três candeeiros de sala do teto;
- Um colchão em latex pikolin;
- Um terno de tapetes e um do hall de entrada;
- Um cadeeiro de canto com abajour;
- Uma televisão mitsubishi;
- Um termo ventilador de coluna;
- Um grelhador de placas;
- 2 candeeiros de mesa de cabeceira;
- Um aspirador;
- Uma mesa de cozinha;
- Vários bibelots e peças de adorno antigas e de heranças;
- Recordações de família: comunhões, casamentos, batizados, de grande valor afetivo;
- Várias peças de vestuário;
- Um giradisco antigo marca phillips;
- Vários álbuns em Vinil;
- Um faqueiro em prata argentino para 12 pessoas em estojo com 2 gavetas avalaido;
- Quatro molduras com fotos da família em pau santo, com prata e porcelana;
- 2 peças de artesanato: uma conserveira e uma terrina Bordalo Pinheiro;
- Uma câmara de filmar com projetor marca canon;
- Um leitor de CD/DVD pioneer;
- Um jarro elétrico em inox marca;
- Um micro-ondas whirlpool de 20 litros;
- Uma máquina a vapor para desinfeção da habitação marca vaporeto;
- Uma máquina de café expresso marca Braun;
- Uma fritadeira elétrica marca celar;
- Um ferro com caldeira marca rowenta;
- Uma torradeira marca moulinex;
- Um desumidificador de 10 litros marca delonghy;
- Um secador de cabelo marca braun;
- Um grelhador de barbecue;
- Uma centrifugadora elétrica avaliada;
- Uma máquina de cozinha para fazer bolos;
- Uma liquidificadora marca Osterheiser;
- Um serviço de café e chá para 12 pessoas em aço com fundo de carvão;
- Um serviço de cozinha ou trem de cozinha;
- Uma panela pressão de cozinha de 20 litros;
- Um tabuleiro em aço e gravado com desenhos geométricos;
- 3 candeeiros de teto em vifor referactário francês, cristais e vitrais;
- Um serviço de copos de 84 peças em cristal da boémia;
- Uma jarra com 6 copos em cristal de Veneza vermelho;
- Uma jarra de cristal atlantis;
- Uma cataplana em cobre;
- Um quadro em tapiuz da Flandres em tecelagem antiga;
- Uma carpete persa;
- Uma árvore de natal desmontável e seus adereços;
- Diversas peças religiosas com Stª António, Sra de Fátima, S. Salvador, imagens muito importantes para a família;
- Uma floreira em Cerâmica de Viana;
- Uma bandeja em cerâmica típica de Évora;
- Um serviço de jantar para 12 pessoas em porcelana da china, trabalhada à mão com fio de prata;
- Um serviço de chã e café para 12 pessoas em porcelana da china trabalhada à mão com fio de prata;
- Dois quadros a óleo de um pintor venezuelano;
- Uma iogurteira marca tefal;
- Uma sandwicheira marca ufesa;»

2.5 Em sede de motivação quanto ao julgamento da matéria de facto, e no que respeita à globalidade dos factos elencados como não provados, a Mmª Juíza do Tribunal a quo externou o seguinte na sentença recorrida, que se passa a transcrever:

«A matéria de facto não provada redundou na ausência de prova produzida para o efeito ou de prova bastante a convencer o Tribunal.
Com efeito, os documentos juntos aos autos e os depoimentos recolhidos não permitiram sustentar os factos alegados pela Autora.
Na verdade, não houve qualquer ação de despejo nem houve qualquer despacho a ordenar a remoção de bens da Autora. O que existiu foi um despacho a ordenar a apreensão da fração que a Autora ocupava à massa falida da “N.”. Também não se conseguiu provar quais os bens que estavam dentro dos caixotes pois os mesmos estavam fechados. A Autora não conseguiu demonstrar que os bens estavam todos destruídos nem conseguiu provar o valor dos bens constante na p.i.»
2.6 Ressuma que sob a alínea C) dos factos dados como não provados o Tribunal a quo considerou não apuradas duas realidades, uma a que a remoção de bens para o armazém do Tribunal sito rua (...), não se verificou por ordem judicial, outra a de que não se encontrar demonstrado o elenco dos bens removidos, tal como tinha sido descrito pela autora no artigo 5º da Petição Inicial.
2.7 Das alegações do recurso, e em particular das respetivas conclusões, retira-se que a recorrente apenas se insurge quanto à desconsideração dos bens ali elencados, defendendo que deve ser dado como provado que os mesmos foram removidos para o armazém do Tribunal.
2.8 Ora, na sentença recorrida foi dado como provado, precisamente com suporte nos documentos juntos aos autos, em concreto os autos de remoção de bens de 04/09/2007 e de 05/09/2007, que a autora também juntou com a Petição Inicial, o que deles consta (vide pontos 14. e 15. da factualidade dada como provada). E esses autos contêm o rol de bens que foram removidos.
2.9 Naturalmente, do confronto entre os bens que estão elencados nos autos de remoção e a lista de bens que foi elencada pela autora no artigo 25º da PI constata-se que muitos desses bens estão elencados dos autos.
A incógnita incide sobre os bens que não constam dos autos.
2.10 Aqui, e quanto a eles, sempre seria necessário o recurso a outros meios de prova. Sendo certo que foram removidos um total de 66 caixotes cujo conteúdo não foi verificado pelo oficial de justiça. Poderia admitir-se que eles conteriam bens, de menores dimensões, que integravam o recheio da casa, mas efetivamente, da prova produzida – e nós procedemos à audição atenta da gravação da totalidade da audiência final, que teve lugar em 14/10/2019 (ata de fls. 341 SITAF) – não permite aferir, com um mínimo de segurança, dos concretos objetos que foram colocados e acondicionados previamente pela autora, e que não vieram a constar dos respetivos autos de remoção.
E essa dificuldade é intransponível. Sendo que as declarações de parte prestadas pela autora em sede de audiência final, não permitiram também esse esclarecimento, na medida em que se refere genericamente aos seus bens, que possuía e se encontravam na habitação que teve que entregar, ainda que particularizando alguns. Mas concatenadas as suas declarações com os depoimentos que foram prestados pelas testemunhas M. e M., ambos seus filhos, e que ali também haviam habitado, como afirmaram, resulta que nem todos os bens que se encontravam na casa foram removidos para o armazém do Tribunal, por terem sido por eles, autora e seus filhos, retirados para outro local.
2.11 Tudo significando não poder dar-se como provado como tendo sido removidos para o armazém do Tribunal outros bens para além daqueles que já constam dos autos de remoção de 04/09/2007 e de 05/09/2007, vertidos nos pontos 14. e 15. da factualidade dada como provada.
2.12 No que tange à alínea D) dos factos dados como não provados na sentença, a recorrente sustenta que há evidente contradição entre o facto ali dado como não provado e os factos provados de nºs 20, onde na parte final é referido “Considera-se que quase tudo se encontra em mau estado”, nº 26 onde é dito “alguns bens que estavam guardados no armazém ficaram deteriorados”, nº 28 “A Autora sofreu grande mágoa com a destruição a inutilização de seus pertences”, nº 29 “ficando com grande tristeza….com a destruição e inutilização dos bens...”, e que, assim, a alínea D) dos factos não provados deve ser eliminada.
2.13 Na sentença recorrida foi dado como não provado, sob a alínea D), o seguinte:
«D. Entre os bens entregues estava tudo estragado com humidade.»
E foi dado como provado, sob os pontos nºs 20, 26, 28 e 29, o seguinte:
«20. Nos presentes autos foi elaborado o seguinte Relatório:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

«26. Alguns dos bens que estavam guardados no armazém ficaram deteriorados.»

«28. A Autora sofreu grande mágoa com a destruição e inutilização de seus pertences, alguns com muito valor afetivo.»

«29. Ficando com grande tristeza, angústia, descontrole psicológico e emocional e agravamento do já seu débil estado de saúde com a destruição e inutilização dos bens, entrando mesmo em estado depressivo.»

2.13 Concatenados os factos em causa, não se vê que exista qualquer contradição entre o que foi dado como não provado sob a alínea D) e o que naqueles pontos 20, 26, 28 e 29. O que resulta é que o Tribunal a quo considerou que nem todos os bens que foram entregues à aurora, após terem permanecido no armazém do Tribunal, estavam todos estragados. Ao invés, o Tribunal a quo deu como provado que alguns desses bens ficaram deteriorados (e não todos). Acrescendo dizer que em face da prova produzida em audiência final, em particular das declarações de parte da autora, dos depoimentos das testemunhas M. e M., a que já supra nos referimos, e ainda, em certa medida, de A., oficial de justiça que acompanhou os atos de remoção e de entrega, elaborando os respetivos autos, cuja gravação ouvimos integral, decorre claramente que nem todos os bens ficaram estragados.
2.14 Pelo que não há motivo para eliminar, como propugna a recorrente, aquela alínea D) dos factos não provados.

3. Do imputado erro de julgamento quanto à solução jurídica da causa
(conclusões E. a V. das alegações de recurso)

3.1 A recorrente sustenta que estão verificados nos factos provados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual; que o Estado Português como responsável pela guarda dos bens da autora não cumpriu aquilo a que estava obrigado, deixando que os bens da autora, que tinha à sua guarda, ficassem todos estragados e a maioria irrecuperável; que só por incúria do Estado Português, os bens que ficaram à guarda no seu armazém ficaram estragados ou inutilizados; que é a Meritíssima Juíza que refere que a testemunha da autora, M., foi ao armazém em 2011 com a mãe e estava tudo em mau estado, janelas quebradas, gatos, ratos, ninhadas, chovia lá dentro, afirmando que a mobília e os eletrodomésticos estava tudo estragado e que o depoimento desta testemunha serviu para formar a convicção quantos aos factos provados de 22, 23 e de 25 a 31; que se o Estado Português possui um armazém para depósito de bens, tem que garantir a sua manutenção em bom estado de conservação de modo a que os bens não se estraguem, de outro modo não se justificava a existência desse armazém; que o Estado, por intermédio dos seus agentes, não empregou a diligência suficiente para que os bens não se deteriorassem quando guardados no armazém; que houve omissão dos funcionários e agentes que violam normas de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado; que foi por esse motivo que os bens da autora se deterioraram, como resulta provado dos autos, do depoimento das testemunhas e das muitas fotografias que juntou sobre o estado dos bens no armazém e que não foram impugnadas; que o juízo de censurabilidade pessoal da conduta do agente: o estado em face das circunstâncias do caso podia e devia ter agido de outro modo? Tendo em conta que a culpa é apreciada pela diligência razoável e que esta pode revestir a mera culpa ou negligência; que duvidas não restam que é devida censura aos agentes do Estado por tal conduta não corresponder à que é exigível e esperada do funcionário ou agente normal; que atendendo ao estado do armazém e do tipo de bens ali guardados, naturalmente que apenas por incúria, leviandade, desleixo se deixou os bens estragar, porque o armazém não tinha condições para os receber, e isso resulta dos factos provados; que houve danos, quer materiais quer morais, resultando dos autos e dos factos provados expressamente; e que também resulta provado dos autos que há nexo de causalidade entre os evento – os bens da autora guardados no armazém do Estado e a sua deterioração dos mesmos bens por incúria do Estado por ação e omissão dos seus agentes, estando, pois, verificados os pressupostos na responsabilidade extracontratual do Réu Estado; que tendo sido alegados e provados nos autos os factos integradores da ilicitude e da culpa, aqui consubstanciada na violação do dever de cuidar dos bens guardados no armazém por parte do Tribunal e verificados no caso todos os pressupostos da responsabilidade extracontratual do Réu Estado Português, deve ser proferido acórdão condenatório, sendo deixado para liquidação de sentença o valor dos danos materiais, e que quanto aos danos não patrimoniais que resultaram provados, deve o Réu Estado Português ser condenado nos valores que foram peticionados pela autora.

Vejamos.
3.1.1 Comecemos por regressar à Petição Inicial com vista a melhor cotejar a causa de pedir tal como nela a mesma foi configurada pela autora.
Ali, entre o demais, e para sustentar o pedido indemnizatório referente aos danos patrimoniais a autora sustentou que o ESTADO PORTUGUÊS, como responsável pela guarda dos bens não cumpriu aquilo a que estava obrigado, deixando que os bens da autora que tinha à sua guarda, uns desaparecessem e outros ficassem estragados e a maioria irrecuperável; que só por incúria do ESTADO PORTUGUÊS os bens que ficaram à guarda no seu armazém desapareceram ou ficaram estragados ou inutilizados; que se o ESTADO PORTUGUÊS possui um armazém para depósito de bens tem de garantir a sua segurança contra furtos de bens que lhe são confiados e a sua manutenção em bom estado de conservação de modo a que os bens não se estraguem; que de outro modo não se justificava a existência desse armazém; e que o Estado Português deve ser condenado a indemnizar os prejuízos sofridos nos termos do artigo 22º da CRP nos termos do qual “O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidárias com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por ações ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízos para outrem” – (vide, designadamente, artigos 19º, 25º, 26º, 27º e 28º da PI)
3.1.2 A sentença recorrida, depois de proceder ao enquadramento normativo da responsabilidade civil extracontratual do Estado e de discorrer abstrata e genericamente sobre os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito e culposo (a págs. 27 a 33 da sentença) passou à análise da concreta situação dos autos, aferindo da verificação, ou não, dos pressupostos da obrigação de indemnizar.
E nesse desiderato externou o seguinte, que se passa a transcrever:
«Volvendo ao caso dos autos, alega a Autora que foi ordenado o seu despejo e que por ordem judicial foram removidos todos os bens móveis da fração. Alega, ainda, que o Estado enquanto responsável pela guarda dos bens não cumpriu aquilo a que estava obrigado.
Apreciemos.
Do probatório resulta que a Autora sabia que iria ter que sair da fração que ocupava, porque tinha sido determinado por despacho judicial, a sua apreensão à massa falida da “N.”. Ficou, também, assente nos autos, que a liquidatária judicial, nomeada para realizar tal apreensão, já tinha tentado por diversas vezes efetuá-la, sem o conseguir, porque a Autora estava sempre doente. Das vezes que a liquidatária judicial se deslocou à fração para proceder à sua apreensão, informou a Autora que a mesma, tinha que ser apreendida livre de quaisquer bens móveis, sabendo, assim, a Autora que os tinha que retirar.
Resulta, ainda, dos factos provados que a Autora não tinha para onde remover os bens móveis existentes na fração e que a liquidatária judicial requereu autorização ao processo de falência da “N.” para guardá-los no armazém do Tribunal. Consta do facto provado 32. que a liquidatária judicial requereu a referida autorização porque era uma situação passageira, no máximo de um mês, até a Autora conseguir um local para colocar os bens.
Portanto, tendo em conta o que ficou provado nos autos, não existiu nenhum despacho a ordenar a remoção dos bens móveis, para apreendê-los à ordem de qualquer processo. O que sucedeu, foi que, a liquidatária judicial, por sua livre e espontânea vontade, requereu autorização nos autos de processo de falência da “N.”, para guardar os bens móveis no armazém do Tribunal, pois, a apreensão do bem imóvel é da sua responsabilidade. E, segundo a liquidatária judicial, fê-lo na convicção de que a guarda dos bens era por pouco tempo, nomeadamente, cerca de um mês, até a Autora conseguir um local para os colocar.
Acresce o facto, de que foi a filha da Autora que se constituiu como fiel depositária dos bens móveis que foram guardados no armazém do Tribunal e somente cerca de 4 anos depois é que se deslocou ao referido armazém com a Autora, para esta, ir buscar alguns bens. Ou seja, durante 4 anos, a filha da Autora, na qualidade de fiel depositária, não se interessou em ir ao local verificar como estavam os bens.
Ora, é do conhecimento comum/geral que quando os bens estão guardados durante algum tempo, deterioram-se mais, do que se estiverem a uso, sendo natural que, no prazo de 4 anos, os bens móveis que estão guardados, comecem a estragar-se.
Nesta senda, não foram alegados e provados os factos integradores da ilicitude e da culpa, aqui consubstanciados na violação do dever de cuidar dos bens guardados no armazém, por parte do Tribunal.
Atento o exposto falecem os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual em que a Autora baseia a sua pretensão indemnizatória, já que não se verifica a existência de ato ilícito, pressupostos, estes, que como se explanou, são cumulativos, não podendo a ação proceder.»
(fim da transcrição)

3.1.3 O que dizer?
Primeiro, explicitar, o que a sentença também o fez, que os bens em causa não foram penhorados ou arrestados. O que sucedeu foi que a fração autónoma identificada no ponto 2. do probatório, que constituía o apartamento onde residia a autora, integrava, nos termos que foram decididos no processo de falência da sociedade comercial “N., Lda.” (Processo 307-C/1999 do Tribunal Judicial de Braga – cfr. ponto 1. do probatório) a respetiva massa falida, processo no qual aquela fração autónoma foi apreendida e posteriormente ordenada a sua entrega à liquidatária judicial, por despacho de 29/01/2007 (cfr. pontos 2., 3. 4. e 5. do probatório). Após várias tentativas goradas, a entrega do imóvel à liquidatária judicial veio a concretizar-se em 28/06/2007 (cfr. ponto 10. do probatório). Nessa ocasião, e tal como se encontra plasmado no respetivo auto de entrega do imóvel à liquidatária judicial C., constatando-se que no seu interior se encontravam bens, foram os mesmos ali descriminados, tendo a filha da autora, M. sido constituída, naquela ocasião, fiel depositária dos mesmos (vide auto de entrega vertido no ponto 10. do probatório). E porque a autora não procedeu à desocupação do imóvel, retirando os bens que nele se encontravam, a liquidatária judicial dirigiu à Mmª Juíza do Tribunal Judicial de Braga o requerimento de 19/07/2007 (vertido no ponto 12. do probatório) solicitando autorização da guarda dos bens ainda existentes na fração e respetiva garagem, no depósito do Tribunal, justificando o requerido no facto de «a mesma não ter cumprido o prazo para total desocupação» e que só assim estaria o imóvel em condições de ser entregue ao respetivo adquirente. Requerimento sobre o qual recaiu o despacho de 20/07/2007 da Mmª Juíza daquele Tribunal (vertido no ponto 13. do probatório), determinando o auto de remoção e depósito dos bens em depósito do Tribunal.
Resulta, assim, que a liquidatária judicial solicitou ao Tribunal Judicial de Braga autorização para remoção dos bens que constituíam o recheio daquela habitação e respetiva guarda no depósito do Tribunal, o que lhe foi concedido, com vista a assegurar a imediata e efetiva entrega do imóvel ao seu adquirente, no âmbito daquele processo de falência, face à inércia da autora em removê-los ela própria, desocupando a fração.
3.1.4 Neste contexto e enquadramento, temos que aquando da entrega do imóvel à liquidatária judicial em 28/06/2007 a filha da autora, M. foi constituída, naquela ocasião, fiel depositária dos bens que se encontravam no seu interior, o que ficou consignado no respetivo auto.
O que significa que nessa ocasião os bens passaram a estar à sua guarda, enquanto depositária (cfr. artigo 1187º alínea a) do Código Civil), incumbindo-lhe zelar por eles.
3.1.5 Os bens, foram, todavia, removidos e deslocados para o depósito do Tribunal em razão do pedido efetuado pela liquidatária judicial nesse sentido, e deferido pela Mmª Juiz do processo. Situação que se considerou ser meramente temporária, de cerca de um mês, até a autora conseguir um local para os colocar (vide ponto 32. do probatório).
3.1.6 Como é sabido a figura do fiel depositário surge da necessidade de guarda de bens que estejam sob a tutela judicial. Não estando apreendidos ou penhorados, os bens encontravam-se na disponibilidade da autora. E terá sido a circunstância de a autora não se encontrar na habitação, quando foi feita em 28/06/2007 a entrega do imóvel à liquidatária judicial, que originou que tenha ficado a sua filha, então ali presente e que franqueou a entrada e possibilitou a entrega do imóvel sem necessidade de arrombamento da porta, como consta do respetivo auto, que tenha ficado como fiel depositária dos mesmos.
3.1.7 Em abstrato e de princípio quando o Estado Português apreende bens móveis e o remove para depósito seu, este, através dos seus órgãos ou agentes, tem o dever geral de conservação e cuidado quanto aos mesmos.
3.1.8 No caso, todavia, a situação é bem distinta dessa, na medida em que os bens estavam, como já se disse, na disponibilidade da autora, sendo deles fiel depositária a sua filha M.. E por sua inércia, aquela que era uma situação temporária de cerca de 1 mês, prolongou-se ao longo de 4 anos.
E isso mesmo não deixou de ser atendido, e bem, na sentença recorrida.
3.1.9 A que acresce que o probatório não revela qualquer factualidade que permita concluir pelas más condições do armazém, ou pelo menos de condições não adequadas à guarda e conservação daqueles bens.
Especialmente nada se verte ali quanto a quaisquer circunstâncias que pudessem ter causado ou contribuído para a deterioração dos bens ao longo do período em que ali se encontraram guardados.
Nem nada também é vertido no probatório quanto ao modo como os bens foram (ou não) acondicionados, de modo a preservarem-se durante todo o período de tempo que acabaram por estar ali recolhidos.
E também não se encontra especificado em que termos ou modos os diferentes bens, de diferentes tipos e natureza, foram entregues deteriorados.
O que foi motivado pela ausência de alegação na petição inicial de concretos factos concernentes a tais circunstâncias.
Sendo que, ademais, nenhum erro de julgamento quanto à matéria de facto (por omissão de factos) foi imputado pela autora no recurso.

3.1.10 Não é, assim, possível descortinar que normas de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado, consubstanciadores da ilicitude, possam ter sido violados pelos funcionários ou agentes do Estado Português (que a autora não concretizou), ou como possam não ter empregado a diligência devida, consubstanciadora da culpa, a que alude a recorrente nas suas alegações de recurso (vide, designadamente, J. e K. das alegações de recurso).

3.1.11 E se assim é, não se pode constatar a violação, culposa e ilícita, por parte do réu ESTADO PORTUGUÊS, de deveres que sobre ele lhe incumbissem, tem que claudicar a responsabilidade delitual que lhe foi imputada pela autora na ação. Isto quando nos encontramos fora do âmbito da responsabilidade pelo risco, que também não foi invocada.

3.1.12 O que inviabiliza a pretensão indemnizatória da autora, ficando concomitantemente prejudicadas as questões atinentes ao apuramento dos danos e ao respetivo nexo de causalidade, de que, assim, nos abstemos de conhecer.

3.1.13 Aqui chegados, e pelo supra exposto, deve manter-se a decisão de improcedência da ação proferida na sentença recorrida.
O que se decide.
*
IV. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
*
Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que demonstre beneficiar - artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013) e artigos 7º e 12º nº 2 do RCP (artigo 8º da Lei nº 7/2012, de 13 de fevereiro) e 189º nº 2 do CPTA.
*
Notifique.
D.N.
*
Porto, 15 de julho de 2021

M. Helena Canelas (relatora)
Ricardo de Oliveira e Sousa (1º adjunto)
João Beato (2º adjunto)