Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:03202/04 - Aveiro
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/08/2018
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Mário Rebelo
Descritores:PRINCÍPIO DA CONFIANÇA
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
Sumário:1. A administração deve actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé.
2. O princípio da boa fé é concretizado em dois subprincípios sendo um deles o da tutela da confiança legítima.
3. Só haverá lugar à tutela da confiança do contribuinte na actuação da Administração de acordo com os ditames da boa fé quando o princípio da legalidade seja assegurado.
4. Ou seja, o princípio da confiança não tem força invalidante quando a AT exerce a sua função subordinada ao princípio da legalidade.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:J...
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

RECORRENTE: Autoridade Tributária e Aduaneira
RECORRIDO: J...
OBJECTO DO RECURSO: Sentença proferida em 20/4/2015 pela MMª juiz do TAF de Aveiro que julgou procedente a liquidação impugnada (IRS de 1997, 1998 e 1999)
CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES:
A. Na sequência de recurso interposto pela Fazenda Pública, a sentença então proferida pelo Tribunal a quo, em 19.06.2013, foi declarada nula por este Venerando Tribunal por Acórdão de 13.11.2014, o qual ordenou a remessa dos autos à primeira instância a fim de que seja proferida nova decisão que ao caso couber, suprindo as nulidades apontadas.
B. No referido douto aresto, entre os vários vícios assacados à sentença recorrida e que determinaram a declaração de nulidade, destacam-se dois:
i. “Mas foram efectivamente alegados factos relevantes para a decisão que não mereceram qualquer pronúncia por parte do MMº juiz «a quo», como é o facto alegado no art. 6.° da contestação que não mereceu pronúncia da MM juiz «a quo».”
ii. “Para além disso, constam do PA elementos factuais relevantes que, junto com todos os restantes, possibilitam ao julgador uma conjugação mais alargada de toda a prova, habilitando-o a decidir suportado na maior amplitude factual (relevante) possível para o caso (referimo-nos, por exemplo, o anexo F entregue pelo impugnante em 29/4/1994 -fls. 45 do PA.”
C. No seguimento do douto Acórdão do TCA Norte, foi prolatada nova sentença que voltou a julgar procedente a impugnação, anulando as liquidações sindicadas nos presentes autos.
D. Esta nova sentença não acatou as directrizes delineadas por este Venerando Tribunal, quando de forma clara identificou factos relevantes para decisão que não mereceram qualquer pronúncia na primeira decisão declarada nula.
E. Com efeito, no que concerne à matéria constante no artigo 6.° da contestação, o Ilustre Julgador, não emitiu qualquer pronúncia, limitando-se a acrescentar aos factos dados como assentes que «dão-se aqui por reproduzidos os recibos de renda emitidos em 1999 e 2000 para A…., Lda e constantes do PA a fls 33 e 34.» (cfr. ponto 9 dos factos da dados como provados).
F. Subjacente à materialidade fáctica evidenciada neste artigo 6.° está, na óptica da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), a intenção do Impugnante reduzir o volume de rendimentos sujeitos a tributação em sede de IRS, viabilizada pela fruição de um especial regime de imputação de custos e amortizações, por força do enquadramento dos rendimentos obtidos com o arrendamento do imóvel na Categoria C do IRS e a consequente aplicação das regras de determinação do rendimento colectável estabelecidas no CIRC, atento o preceituado no art. 31.º do CIRS, na redacção (e numeração) em vigor à data dos factos tributários.
G. À luz dos factos invocados no referido artigo 6.° e agora levados ao probatório no ponto 9., a ausência de uma real intenção de exercer uma actividade comercial, materializada na construção e venda de pavilhões industriais, manifesta-se, designadamente, no facto de o Impugnante ter emitido à arrendatária os recibos utilizados num vulgar arrendamento particular, sem qualquer timbre comercial.
H. Conforme deriva dos elementos vertidos no processo administrativo, o Impugnante desenvolveu a título principal a actividade de perito avaliador, sendo, por isso, sujeito passivo de IVA, enquadrado no regime normal trimestral (cfr. fls. 17 do processo administrativo que corresponde à página 5 do Relatório Final de Acção Inspectiva lavrado em 07.05.2002; fls. 28 que corresponde à Declaração de Início de Actividade apresentada em 23.04.1987).
I. E em 01.08.1994, quando declarou que a sua actividade principal era a construção de edifícios para venda e rendimentos, manteve a qualidade de sujeito passivo de IVA (cfr. fls. 30 do processo administrativo que corresponde à Declaração de Inscrição no Registo/Início de Actividade apresentada em 01.08.1994).
J. Não praticando operações exclusivamente isentas, o Impugnante não se encontrava abrangido pela previsão do n.° 3 do art. 28.° do CIVA, pelo que estava obrigado a emitir factura ou documento equivalente, nos termos previstos no ali. 35.° do mesmo diploma legal.
K. Pese embora este Venerando Tribunal tenha apontado esta matéria como merecedora de pronúncia, o Tribunal a quo não lhe atribuiu qualquer relevância, limitando-se a valorar os factos que, em seu entender, encerram um propósito de vender e arrendar imóveis por parte do Impugnante, sem, contudo, os confrontar com outros indícios evidenciados nos autos que, para além de estarem em contradição com este propósito, parecem sugerir uma outra intenção que passa pela aplicação das regras de determinação do rendimento colectável estabelecidas no CIRC, e com elas beneficiar de um regime de imputação de custos e amortizações capaz de assegurar a redução do volume de rendimentos passíveis de tributação, em sede de IRS.

L. Estando em confronto duas teses sobre a verdadeira intenção do Impugnante, o Tribunal a quo, de modo acrítico, valorou apenas os factos que lhe aventam o exercício de uma actividade comercial, sem que se perceba as razões que o terão levado a desvalorizar outros que, fazendo parte integrante do processo administrativo e agora também contidos no probatório, parecem apontar para uma realidade absolutamente diversa.
M. A douta sentença recorrida, ressalvado o devido respeito, reedita outro vício também anotado por este Venerando Tribunal, ao não ter em atenção que «(...) constam do PA elementos factuais relevantes que, junto com todos os restantes, possibilitam ao julgador uma conjugação mais alargada de toda a prova, habilitando-o a decidir suportado na maior amplitude factual (relevante) possível para o caso (referimo-nos, por exemplo, o anexo F entregue pelo impugnante em 29/4/1994 - fls. 45 do PA.»
N. Um desses factos relevantes, indicado a título meramente exemplificativo no douto aresto do TCA Norte, é o anexo F apresentado pelo Impugnante em 29.04.1994, levado ao ponto 10 do probatório, e em relação ao qual o Tribunal a quo também não se pronunciou.
O. No anexo F do Modelo 2, respeitante ao ano de 1993, o ora Impugnante declarou como rendas os rendimentos obtidos com o arrendamento do imóvel, facto difícil de encaixar na tese que sustenta a existência de um propósito de desenvolver uma efectiva actividade comercial.
P. Mas para além deste facto, também não descortinamos na douta sentença
recorrida qualquer exame crítico sobre um conjunto de factos dados coma provados e que, em conjugação com outros constantes no processo administrativo, não são objectivamente compatíveis com o efectivo exercício de uma actividade comercial com vista a dela retirar proveitos económicos numa perspectiva de lucro. Concretizando:

i. A factualidade dada como assente no ponto 2, segundo a qual «o prédio em questão foi edificado no terreno (...) adquirido em 13 de Março de 1989» e que «o SP em questão nunca declarou a afectação à sua actividade do terreno onde foi edificado o prédio objecto de arrendamento, menção essa que deveria constar do Anexo G da declaração de rendimentos de IRS, e tributado em categoria G - Mais-Valias (Artigo 10.° do CIRS), conforme se pode comprovar pelos prints informáticos das declarações de rendimentos apresentadas pelo Sujeito Passivo desde 1989, que fazem parte integrante da presente informação em Anexo N.° 2 constituído por sete folhas.» (sublinhado nosso);
ii. Os factos dados como provados no ponto 2 de onde ressalta que «os rendimentos constantes no Anexo 81, tributados em IRS pela categoria C, são pura e exclusivamente resultantes das rendas.» (sublinhado nosso);
iii. Os factos constantes no ponto 11, os quais evidenciam que a actividade do Impugnante ficou exclusivamente confinada à construção de um único pavilhão industrial, destinando-se o mesmo a armazém e escritório;
iv. E, por último, contrariamente ao referido no ponto 1 dos factos provados, na declaração de início de actividade apresentada no dia 01.08.1994, o Impugnante não mencionou como actividade principal a «construção de edifícios para venda e arrendamento», mas sim a «construção de edifícios para venda e rendimento», reportada ao código CAE 45211, sendo que nenhuma alusão é feita à locação de imóveis a que aliás corresponde outro código de CAE (sublinhados nossos).
Q. A fundamentação da matéria de facto ínsita à douta sentença recorrida não se pode satisfazer com a simples indicação dos meios de prova que serviram de base à formação da convicção do tribunal, pelo que, com a preterição de análise crítica à prova acabada de enunciar, fica vedado o acesso aos fundamentos e razões da decisão.
R. No caso em apreço, o pleno cumprimento do dever de motivação a que o Tribunal a quo estava obrigado, impunha, na nossa óptica, a explicitação das razões que o levaram a valorar alguns elementos probatórios em prejuízo de outros, nomeadamente porque nele estão evidenciados factos que permitem caracterizar os rendimentos auferidos pelo Impugnante como rendimentos provenientes da prática de actos de gestão de um património privado.
S. O elemento decisivo na fixação de uma noção válida, para efeitos tributários, de actividade comercial e industrial, reside na ideia de empresa, enquanto organização de pessoas e capital que prossegue determinado fim de matriz económica, tendencialmente, lucrativo.
T. Não podem constituir rendimentos de natureza comercial ou industrial actos de mera gestão de um património privado, dado que os rendimentos mencionados no n.° 1 do art. 4.° do CIRS estão inquestionavelmente reportados a verdadeiras actividades.
U. O Tribunal a quo, pese embora a única referência a uma actividade estar confinada aos factos mencionados nos pontos 1 e 11, concluiu que o «Impugnante deu início a uma actividade comercial com o objectivo de construir pavilhões, com o propósito de os vender ou arrendar.» (cfr. página 9).
V. Mas, em bom rigor, nos anos de 1997, 1998 e 1999, o exercício de uma actividade comercial cujo móbil seja o lucro, à face da factualidade dada como provada, está, em nosso entender, objectivamente circunscrita a uma simples intenção de comercializar, a qual, por sua vez, se revela exclusivamente alicerçada no depoimento de testemunhas (ponto 12) e na edificação de um único pavilhão, cuja conclusão remonta ao ano 1993 (pontos 10 e 11).
W. A factualidade dada provada é, assim, manifestamente insuficiente para amparar a conclusão a que chegou o Tribunal a quo, segundo a qual, apesar de não terem sido construídos outros pavilhões, «da actividade do Impugnante resulta, exercício de uma actividade comercial com vista a dela retirar proveitos económicos numa perspectiva de lucro.» (cfr. página 9).
X. Afigura-se-nos, deste modo, que o Meritíssimo juiz a quo, relativamente ao facto alegado no artigo 6.° da contestação e constante no ponto 9 do probatório, incorreu em omissão de pronúncia, causa de nulidade da sentença, atento o preceituado nos artigos 615.°, n.° 1 alínea d) do CPC e 125.°, n.° 1 (penúltimo segmento) do CPPT.
Y. Por outro lado, a falta de avaliação da prova constante nos pontos 1, 2, 9, 10 e 11 da factualidade dada como assente, em relação à qual não foi efectuado o mais leve exame crítico, ao arrepio do consignado no n.° 4 do art. 607.° do CPC, faz incorrer a douta sentença recorrida em erro de julgamento da matéria de facto.
Z. O Tribunal a quo, ao concluir que o Impugnante nos anos em questão desenvolveu uma actividade comercial, para além de efectuar uma incorrecta valoração dos factos provados passível de inquinar a douta sentença recorrida de erro de julgamento sobre a matéria de facto, também concretizou uma errada interpretação e aplicação do art. 40 do CIRS, pois neles não é possível descortinar, ainda que de forma indiciária, a existência de uma verdadeira actividade comercial, ou de um acto isolado capaz de originar uma actividade dessa mesma natureza, cujo móbil seja a obtenção de um lucro, susceptível de gerar rendimentos tributáveis em sede da Categoria C do IRS.
Nos termos vindos de expor e nos que V.ªs. Exªs, sempre mui doutamente, poderão suprir, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, substituir a decisão por outra que julgue a Impugnação Judicial improcedente, como se nos afigura estar mais consentâneo com o Direito e a Justiça.

CONTRA ALEGAÇÕES.
Não houve.
PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.

II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou no julgamento da matéria de facto e de direito ao julgar procedente a impugnação deduzida contra as liquidações adicionais de IRS de 1997, 1998 e 1999.

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.

III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:
1 - O impugnante apresentou declaração de início de atividade em 01.08.1994 no Serviço de Finanças de Aveiro, 1, onde mencionou como atividade principal “construção de edifícios para venda e arrendamento”, cfr. fls. 15 e 16 destes autos e que aqui se dão por reproduzidas.
2 - Em Agosto de 2001 pela Direção de Finanças de Aveiro - Divisão de Tributação/IR, foi prestada a seguinte informação no que concerne ao ora impugnante: “(...)O Sujeito passivo (...)encontra-se colectado em IRS categoria C pela actividade de Construção de Edifícios, (...) desde 1994. (...) Desde essa data apresenta as declarações de IRS mencionando no Anexo B 1 como rendimentos da categoria C os valores constantes do quadro seguinte: (...)Os montantes acima descritos são resultantes de rendas auferidas pelo arrendamento do prédio Urbano inscrito na Matriz Predial sob o artigo 3..., (...)cuja participação foi efectuada em 20/04/1994 ao qual foi atribuído o valor patrimonial de 23.040.000$00; (...) O prédio em questão foi edificado no terreno inscrito na Matriz Predial Rústica da freguesia de Esgueira (...)adquirido em 13 de Março de 1989 por J..., (...) O S.P., em questão nunca declarou a afectação à sua actividade do terreno onde foi edificado o prédio objecto de arrendamento, menção essa que deveria constar do Anexo G da declaração de rendimentos de IPS, e tributado em categoria G - Mais Valias, (...)conforme se pode comprovar pelos prints informáticos das declarações de rendimentos apresentados pelo sujeito passivo desde 1989, (...)Os rendimentos constantes do Anexo B 1, tributados em IRS pela categoria C, são pura e exclusivamente resultantes de rendas; (...)Os custos declarados pelo Sujeito Passivo, nas declarações de rendimentos apresentadas relativamente aos exercício fiscais de 1996, 1997, 1998 e 1999 são os constantes no quadro seguinte por rubrica e exercício, (..)CONCLUSÃO: (...)O sujeito passivo, (...)ao apresentar as declarações de rendimentos de IRS relativamente aos exercícios (...)mencionou incorrectamente como sendo da categoria C, rendimentos resultantes de arrendamento de um imóvel e não resultantes do exercício de uma actividade comercial.
(...) Consequentemente também os custos considerados nos termos do art° 40º do CIRS deveriam ser considerados como despesas de manutenção e conservação, pelo que os rendimentos passarão a ser os constantes nos quadros seguintes por categoria e exercício fiscal(...)”, cfr. fls. 18 e 19 destes autos e que aqui se dão por reproduzidas.
3 - Por carta datada de 13.09.2001 foi o ora impugnante notificado da alteração do rendimento líquido ao IRS, bem como para o exercício do direito de audição nos termos do art° 60º da LGT.
4 - Dá-se aqui por reproduzido o documento emitido pela Câmara Municipal de Aveiro em 26.06.1996 com o título - “Vistoria para Concessão de Licença para utilização de Edificação Nova”, e constante destes autos a fls. 24 e 25.
5 - No ano de 1994 o impugnante preencheu o mapa de reintegrações e amortizações mencionando no mesmo a amortização de um edifício industrial e a uma grande reparação, cfr. fls. 26 destes autos e que aqui se dá por reproduzida.
6 - Dá-se aqui por reproduzido o anexo Bi da declaração modelo 2 de IRS respeitante ao ano de 1994 e constante destes autos a fls. 27 e 28.
7 - Dá-se aqui por reproduzido o auto de noticia levantado em 26.09.1997 relativamente a correções decorrentes da não aceitação como custo de uma parte da amortização do edifício referido em 5) e constante destes autos a fls. 30 e 31.
8 - Dá-se aqui por reproduzida a declaração modelo 2 e seus anexos, apresentadas pelo impugnante e respeitantes ao ano de 1997 e constante do PA de fls. 68 a 74.
9 - Dão-se aqui por reproduzidos os recibos de renda emitidos em 1999 e 2000 para A…., Lda. e constantes do PA a fls. 33 e 34.
10 - Em 29.04.1994 o impugnante apresentou declaração modelo 2 de IRS respeitante ao ano de 1993, acompanhada dos anexos A, B e F (mencionado neste anexo rendas recebidas na importância de 4.000.000$00 e despesas de manutenção no valor de 600.000$00 e de conservação no valor de 800.000$00), cfr. fls. 42 a 45 do PA e que aqui se dão por reproduzidas.
11 - No âmbito da sua atividade o impugnante levou a cabo a construção de um pavilhão industrial destinando-se o mesmo a armazém e escritório, cfr. depoimento das testemunhas.
12 - A intenção do impugnante era de construir pavilhões na zona industrial com o fim de os comercializar, cfr. depoimento das testemunhas.
13 - O pavilhão identificado em 11), encontra-se inscrito sob o artº 3... e foi objeto de licença de utilização em 04.07.1996, cfr. fls. 23 destes autos e que aqui se dá por reproduzida.
*
Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração da matéria dada como assente, nos factos alegados e não impugnados e nos documentos acima identificados e não impugnados e no depoimento das testemunhas que revelaram um conhecimento direto dos factos atenta a proximidade que tinham com o impugnante.

FACTOS NÃO PROVADOS:
Com relevância para a presente decisão, inexistem.

ADITAMENTO OFICIOSO DE FACTOS.
Ao abrigo do disposto no art. 712º do CPC aditamos à matéria de facto provada o facto n.º 14 com o seguinte conteúdo:

14. A AT procedeu à correção oficiosa da declaração de rendimentos do exercício de 1995 declarado pelo sujeito passivo com a seguinte fundamentação:
a) O sujeito passivo amortizou um edifício comercial como sendo industrial e consequentemente aplicou uma taxa superior à permitida de acordo com o Dec. Reg. N.º 2/90, do que resultou uma amortização em excesso no montante de 1.380.000$ e que não é aceite como custo para efeitos fiscais nos ternos do art. 32º do CIRC.
b) O sujeito passivo considerou como custos do exercício obras efetuadas no seu edifício comercial, nomeadamente trabalhos de vedação das frestas da cobertura dos pavilhões e ainda compras de materiais, areia, cimento, tijolos, etc. para realização de obras de aumento no total de 2.248.226$00.
Estas obras, pela sua natureza não se esgotam num único exercício não podendo ser consideradas custos na totalidade. O montante aceite como custo será o correspondente à amortização uma vez que nos ternos do art. 5º do Dec.Reg. 2/90 trata-se de uma grande reparação susceptível de amortização. A taxa a considerar será a mesma do bem a que as obras respeitam e que é de 2%. Averba a considerar como custo do exercício será de 44.965$00” (fls. 34 dos autos).

IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Na sequência de inspeção efetuada ao sujeito passivo foram efetuadas correções em sede de IRS referente aos anos de 1997, 1998 e 1999 por concluir não ser de tributar pela categoria “C” mas sim pela categoria “F” os rendimentos relativos a arrendamento.
O Impugnante não se conformou e deduziu impugnação judicial contra as liquidações alegando, entre o mais, que desenvolve a atividade de construção de edifícios e aluguer e que se encontra coletado desde 1/8/94 com o código CAE 45211. Levou a cabo a construção de um pavilhão industrial, destinando-o a armazém e escritório o qual se encontra inscrito no activo da empresa individual desde 1994. Desta afetação decorre que a tributação dos rendimentos obtidos antes e após a afetação de bens ao património empresarial é diferente, dado que os rendimentos em vez de se encontrarem distribuídos pelas diversas categorias são incluídos após afetação dos bens ao património empresarial na categoria “C”. O facto de o impugnante não ter declarado no anexo “G” não constitui impedimento à tributação na categoria “C”, porque o que traduz a movimentação dos bens para o património empresarial é o seu registo contabilístico e fiscal. Além da falta de menção da afectação no anexo “G” não apresenta qualquer outro elemento que permita ao impugnante conhecer as razões e os motivos para decidir no sentido em que decidiu. Ou seja, a liquidação não está fundamentada. Além disso, as liquidações violam o art. 32º do CIRS que considera proveitos e custos no âmbito da categoria “C” os relativos a bens ou valores que façam parte do activo da empresa individual ou que se encontrem afectos a actividades por estes desenvolvidas. É de referir também que no ano de 1997 a IT analisou os elementos da escrita do impugnante e averiguou acerca da situação do imóvel em causa e não foi posto em causa que o bem fizesse parte do activo da empresa individual do impugnante, antes pelo contrário, por se partir de tal pressuposto é proposta uma correção aos custos declarados na categoria “C” por terem sido postas em causa as taxas de amortização relacionadas com o referido bem.

Por sentença de 19/6/2013 (fls. 111) a impugnação foi julgada procedente.
Interposto recurso para este TCA, foi proferido acórdão que declarou nula a sentença (por falta de fundamentação e apreciação crítica da prova) e ordenou a remessa dos autos à primeira instância para ser proferida nova decisão.

A nova decisão julgou também procedente a impugnação. Mas com ela se não conforma o Exmo. Representante da Fazenda Pública que neste recurso defende, entre o mais, que a “nova” sentença não acatou as diretrizes delineadas por este TCA quando de forma clara identificou factos relevantes para a decisão que não mereceram qualquer pronúncia na primeira decisão declarada nula (art. 6º da contestação e mais). O tribunal "a quo" incumpriu, assim, o determinado no acórdão que determinou a anulação da sentença proferida em 19/6/2013 ao não pronunciar-se explicitamente sobre o alegado no art. 6º da contestação ao anexo “F” entregue pelo impugnante em 29/4/1994.

Iniciando desde já a análise do recurso por esta questão, notamos que o TCA deu provimento à arguição de nulidade da sentença suscitada pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto que arguiu dois vícios: (i) falta de análise crítica da prova e (ii) falta de menção aos factos não provados.

No que respeita à falta de análise crítica da prova, o acórdão decidiu ser total a omissão de exame crítico da prova testemunhal, “o que conjugado com a falta de indicação de quais os factos provados com base no depoimentos das testemunhas inquina a sentença com o vício de nulidade.”

E quanto à falta de menção aos factos não provados, considerou-se, com apoio doutrinário (1) “...que a falta de discriminação dos factos não provados, como a dos provados, só será necessária relativamente a factos que possam relevar para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis de direito...”.

Com este pano de fundo, o acórdão identificou alguns factos relevantes (art. 6º da contestação e anexo “F”) que não mereceram qualquer pronúncia probatória (provado ou não provado).

Não é que se tenha ordenado a pronúncia específica sobre estes factos, ou que se tenha erigido esta matéria em “questão” a decidir, como parece defender o Exmo. Representante da Fazenda Pública, mas sim que identificando-se factos relevantes que não ficaram provados, havia que proceder à sua discriminação e isso não foi feito. Daí a nulidade da sentença.

A sentença agora recorrida mencionou que não existem factos não provados com relevância para a decisão.

A respeito de uma tão singela discriminação, tem-se entendido “que o artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, não exige uma descrição textual e exaustiva de cada facto não provado, bastando-se com uma simples remissão que permita identificar com exactidão o facto ou os factos a que respeita, por exemplo para os artigos das peças processuais, que possibilite às partes ou a qualquer destinatário da sentença apreender com facilidade os factos que o julgador considerou não provados, visto que a falta da sua descrição textual pode facilmente ser suprida pela sua leitura/visualização na peça ou documento processual para onde a remissão é feita.
Obedecendo aos cânones impostos pelo artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil a norma é passível de interpretação no sentido de que o legislador do CPPT quis autonomizar a matéria provada da não provada, não impondo que esta seja obrigatoriamente descrita, ao prescrever que “o juiz discriminará também a matéria provada da não provada” (negrito nosso). Se outra fosse a sua intenção, isto é, se o fim visado com a norma fosse a discriminação da matéria provada e não provada, então por certo que a redacção que teria sido utilizada seria esta: “o juiz discriminará também a matéria provada e a não provada”. A discriminação é, pois, entre uma e outra e não uma discriminação das duas.” (2)

Verdade seja dita que limitando-se a sentença a referir laconicamente que “com relevância para a presente decisão inexistem” factos não provados, ela também não cumpre satisfatoriamente o disposto no n.º 2 do art. 123º do CPPT. Porém, como a nulidade por falta de fundamentação só ocorre quando a mesma for absoluta, essa fórmula contém o mínimo de fundamentação que afasta tal nulidade (3).

Assim, neste contexto, não tem razão o Exmo. Representante da Fazenda Pública quando sustenta que o tribunal "a quo" não acatou as diretrizes delineadas por este TCA.

Outra questão refere-se ao facto provado n.º 9 que reza assim: “Dão-se aqui por reproduzidos os recibos de renda emitidos em 1999 e 2000 para A…., Lda. e constantes do PA a fls. 33 e 34”.

Mas como é sabido, e consta da lei (cfr. art. 607º/4 do CPC), o que deve constar dos factos provados são os factos relevantes para a decisão. Contudo, os documentos não são factos mas meios de prova de factos, pelo que não basta dar por reproduzidos os documentos, sendo que a remissão para um documento tem apenas o alcance de dar como provada a existência desse documento (4).
Embora seja uma técnica errada, ela não acarreta insuficiência factual se for possível entender-se o porquê da referência ao documento em tal enumeração.

Ora, a referência aos recibos liga-se com a matéria alegada no art. 6º da contestação segundo a qual “todos os recibos emitidos à arrendatária eram do tipo vulgar de qualquer arrendamento particular, sem qualquer timbre empresarial, o que mais uma vez denuncia que não existia propósito reiterado da construção para venda e arrendamento....”.

Descontando a matéria manifestamente conclusiva (“...denuncia que não existia qualquer propósito reiterado da construção...) podemos aceitar pela inspeção visual que os recibos eram do tipo vulgar de qualquer arrendamento particular, sem qualquer timbre empresarial.

Também podemos admitir, sem esforço, que a referência ao “tipo vulgar de qualquer arrendamento particular” encerra uma apreciação de natureza conclusiva. Mas como também se tem entendido, se o facto conclusivo for uma consequência de factos simples e apreensíveis, que não integrem matéria de direito que decida a questão, deverão ainda considerar-se matéria factual. (5)

Assim, com este enquadramento, corrigimos o facto provado n.º 6 que passará a ter a seguinte redação:

“Os recibos de renda emitidos em 1999 e 2000 para A…., Lda e constantes do PA a fls. 33 e 34 eram do tipo vulgar de qualquer arrendamento particular, sem timbre empresarial”.

Por outro lado, o Exmo. Representante da Fazenda Pública refere no ponto iv da alínea P) das conclusões que na declaração de início de actividade apresentada no dia 1/8/1994 o impugnante não mencionou como actividade principal a “construção de edifícios para revenda e arrendamento” como consta no n.º 1 dos Factos Provados, mas sim a construção de edifícios para venda e rendimento a que corresponde o CAE 45211 (sublinhado nosso).

Nestas circunstâncias, corrigimos também o Facto provado n.º 1 que terá o seguinte teor:

“- O impugnante apresentou declaração de início de atividade em 01.08.1994 no Serviço de Finanças de Aveiro, 1, onde mencionou como atividade principal “construção de edifícios para venda e rendimento”, cfr. fls. 15 e 16 destes autos e que aqui se dão por reproduzidas.

Estabilizada a matéria factual, passemos agora à questão de fundo.

Nos exercícios de 1997, 1998 e 1999 o Impugnante declarou rendimentos que integrou na categoria “C” e que são provenientes das rendas auferidas pelo arrendamento do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo n.º 3.../Esgueira, cuja participação foi efectuada em 20/4/1994 ao qual foi atribuído o valor patrimonial de Esc. 23.040.000$.
O sujeito passivo nunca declarou a afectação à sua actividade do terreno onde foi edificado o prédio objecto de arrendamento.
Os rendimentos constantes do anexo B1, tributados em sede de IRS pela categoria “C” são exclusivamente resultantes de rendas.
E também declarou no anexo B1 os respetivos custos dos exercícios fiscais em referência.

A AT considerou que os rendimentos auferidos não eram resultantes de uma actividade comercial mas sim e apenas rendimentos prediais. E assim, procedeu ao apuramento da matéria colectável em conformidade com as regeras previstas para a categoria “F”, deduzindo as despesas previstas no art. 9º do CIRS e 40º do mesmo código (na redação aplicável).

Antes de prosseguirmos, cumpre notar que o regime atual é diverso daquele à luz do qual se efetuaram as correções, concedendo atualmente a lei ao titular dos rendimentos a faculdade de optar pela categoria “B” como resulta dos arts. 4º/1-n, 8º/1, 101º/13 do CIRS.

Mas esse não era o quadro legal na data a que respeitam as correções. Mas é à luz deste que teremos de apreciar a legalidade das correções efetuadas.


Recordemos que o Impugnante defende que tal caraterização - e correção - é ilegal porque no exercício da sua atividade levou a cabo a construção de um pavilhão industrial, destinando-se a escritório e armazém inscrito na matriz sob o n.º 3.... Desde então, o imóvel encontra-se inscrito no activo da empresa individual do contribuinte. Desta afetação decorre que a tributação dos rendimentos obtidos antes e após a afetação dos bens do património privado ao património empresarial é diferente dado que os rendimentos em vez de se encontrarem distribuídos pelas diversas categorias são incluídos após afetação dos bens no património empresarial na categoria “C”. Logo, os proveitos auferidos pelo impugnante e os custos suportados definem-se no âmbito da categoria “C”.
O facto de não ter mencionado a afetação no anexo “G da declaração de rendimentos de IRS não releva, porque o que traduz a movimentação dos bens para o património empresarial é o seu registo contabilístico e fiscal e não a menção de tal facto no anexo “G” da declaração de rendimentos.
Os rendimentos recebidos pelo impugnante não se enquadram no art.º 9º do CIRS por não terem a natureza de rendimentos prediais, mas sim proveitos da actividade industrial e comercial por si desenvolvida.

Teríamos agora de reflectir sobre a questão de saber se a actividade do Impugnante se desenvolve como uma actividade incluída na categoria “F”, como decidiu a AT, ou pela categoria “C” como sustenta a o Impugnante.

Porém, sabemos que em 28/9/1997 a AT procedeu à correção dos rendimentos do Impugnante relativos a 1995 com fundamento em que
c) O sujeito passivo amortizou um edifício comercial como sendo industrial e consequentemente aplicou uma taxa superior à permitida de acordo com o Dec. Reg. N.º 2/90, do que resultou uma amortização em excesso no montante de 1.380.000$ e que não é aceite como custo para efeitos fiscais nos ternos do art. 32º do CIRC.
d) O sujeito passivo considerou como custos do exercício obras efetuadas no seu edifício comercial, nomeadamente trabalhos de vedação das frestas da cobertura dos pavilhões e ainda compras de materiais, areia, cimento, tijolos, etc. para realização de obras de aumento no total de 2.248.226$00.
Estas obras, pela sua natureza não se esgotam num único exercício não podendo ser consideradas custos na totalidade. O montante aceite como custo será o correspondente à amortização uma vez que nos ternos do art. 5º do Dec.Reg. 2/90 trata-se de uma grande reparação susceptível de amortização. A taxa a considerar será a mesma do bem a que as obras respeitam e que é de 2%. Averba a considerar como custo do exercício será de 44.965$00”.

Esta correcção à matéria colectável declarada pelo contribuinte no exercício de 1995 não pôs em causa a actividade desenvolvida pelo contribuinte. Pelo contrário, ao corrigir a reintegração em excesso e ao considerar como custo do exercício o montante correspondente à taxa de amortização (2%) das obras de aumento, aceita (pelo menos implicitamente) que que a actividade desenvolvida está corretamente inserida na categoria “C”.

O contribuinte por seu turno, sabendo que a AT corrigiu “apenas” as taxas de reintegração/amortização tem razões para confiar que a declaração de rendimentos pela categoria “C” está correta e é aceite pela AT, pelo que não tem qualquer razão para alterar a declaração de rendimentos para a categoria “F” nas declarações futuras.

A correção agora impugnada é feita sem qualquer alteração das circunstâncias de facto e de direito subjacentes às correções efectuadas no exercício de 1995. A única alteração é que a AT considerou agora, que a actividade desenvolvida pelo Impugnante não se insere na categoria “C”, mas sim na categoria “F” e procedeu às liquidações adicionais relativas aos anos de 1997, 1998 e 1999 em aparente contradição com o que anteriormente decidira. O que, no entender do Impugnante “só evidencia a fragilidade das liquidações efectuadas” (art. 48º da douta petição inicial).

Portanto, está em causa eventual violação do princípio da confiança, como subprincípio da boa fé.

Ora, nos termos do art. 266º/1 da Constituição, a administração pública prossegue o interesse público no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
E nos termos do nº 2 do mesmo preceito, os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé.
Isto “significa que a vinculação funcional da administração tributária à realização dos fins da colectividade não a dispensa de olhar os contribuintes como parceiros e sujeitos de direitos na relação jurídico tributária, designadamente aqueles que cujas situações jurídicas sejam perturbadas pela actuação administrativa” (6).

O princípio da boa fé é concretizado em dois subprincípios sendo um deles o da tutela da confiança legítima que “...se traduz na impossibilidade de a administração ou o contribuinte poderem mudar o critério da sua actuação de forma injustificada. Este subprincípio tem como pressupostos a existência de uma situação de confiança subjectiva, devidamente justificada e fundamentada em elementos objectivos, com investimento dessa confiança no desenvolvimento efectivo de actividades jurídicas” (7)

Contudo, “só haverá lugar à tutela da confiança do contribuinte na actuação da Administração de acordo com os ditames da boa fé quando o princípio da legalidade seja assegurado. Ou seja, não será merecedora de tutela a confiança suscitada nos contribuintes de uma determinada actuação ilegal da Administração. Assim, por exemplo, caso a Administração Tributária proceda todos os anos a inspeções tributárias à mesma empresa, admitindo sempre como custo determinada despesa, no ano em que alterar esta decisão, considerando que a mesma despesa não pode ser admitida como custo, há que determinar se a actuação anterior da Administração era legal ou não. Isto é, se a Administração ao considerar aquela despesa como custo estava a actuar no cumprimento da lei, não há dúvida que o contribuinte poderá invocar a ilegalidade da correção por vício de violação de lei e não por contrariedade com o princípio da boa fé. Pelo contrário, se a Administração estava a actuar ilegalmente ao considerar aquelas despesas como custos, o contribuinte não poderá invocar o princípio da boa fé, exigindo que a Administração continue a proceder de forma ilegal. O princípio da legalidade limita assim o princípio da boa-fé e da tutela da confiança dos contribuintes” (8)


O STA também já decidiu no mesmo sentido, ou seja. que o princípio da confiança não tem força invalidante quando a AT exerce a sua função subordinada ao princípio da legalidade.(9)

Por isso, uma vez que o princípio da confiança – como sub princípio da boa fé – não constitui fundamento invalidante do acto tributário, voltamos ao ponto de partida. Ou seja, teremos de indagar se é, ou não, legal a tributação pela categoria “C” da actividade do sujeito passivo, ora Impugnante.


Desde logo, cremos que a afetação do imóvel ao património empresarial não serve, ou não é suficiente, para caraterizar a sua atividade. Do mesmo modo, a inscrição da sua actividade como “construção de edifícios para venda e rendimento” (e não “construção de edifícios para venda e aluguer” como alega nos art.ºs 1º e 39º da douta petição inicial) a que corresponde o CAE 45211 não chega para concluir que a “a actividade” se insere nessa categoria.

Tanto mais que no caso concreto havia duas categorias de tributação que teoricamente podem ser chamados a regular a categoria “C” (actualmente “B”, depois da reforma de 2001) e a “F”.
Com efeito, de acordo com o n.º 1 do art. 9.º do CIRS [Rendimentos da categoria F]

1 - Consideram-se rendimentos prediais as rendas dos prédios rústicos, urbanos e mistos pagas ou colocadas à disposição dos respectivos titulares.

(...)

E nos termos do Artigo 4.º do mesmo CIRS, consideram-se “Rendimentos da categoria C

1 - ...rendimentos comerciais e industriais os lucros imputáveis ao exercício de qualquer actividade comercial ou industrial.

(...)

O preceito enumera depois um conjunto de actividades, na qual não está incluída a de arrendamento (mas não sendo tal “lista” taxativa, daí não se podem retirar quaisquer consequências interpretativas).

Da articulação entre as normas do art. 4º e do art.º 9º, facilmente se conclui que o critério distintivo para ser tributado por uma ou outra categoria é o critério da “actividade”. Se não pudermos concluir que os rendimentos resultam de uma actividade comercial ou industrial então deverão ser sujeitos a tributação pela categoria “F”.

Como a tributação pela categoria “C” (atualmente “B”) exigia uma “actividade” - diferente da simples percepção de rendimentos prevista para categoria “F”, o critério também não poderia ser o estatuto societário ou moral do titular dos rendimentos, pois quer um quer outro poderiam não ter qualquer “actividade”.

Ou seja, saber, ao tempo se o titular dois rendimentos deveria ser tributado pela categoria “C” ou pela categoria “F” passa por saber se existe ou não “actividade”.

E o que será “activdade” para este efeito?

A lei tributária não define o conceito de actividade comercial ou industrial, mas a jurisprudência tem entendido que para efeitos de IRS tal “...há-de ser determinado pelo conceito económico de actividade comercial ou industrial, que abrange actividades de mediação entre a oferta e a procura e actividade de incorporação de novas utilidades na matéria, em ambos os casos com fins especulativos, ou seja, com o objectivo de obtenção de lucros”(1).

E sempre a jurisprudência tem entendido que não é suficiente para caraterizar uma “actividade” o mero recebimento de rendas, como é o caso analisado no ac. do STA n.º 0608/16 de 22-11-2017 (11) e no ac. do TCAN n.º 00325/04 de 20/1/2005 (12)
Contudo, é apenas por isso - por receber rendas - que o Impugnante defende exercer uma actividade comercial, pois que nenhuma outra “actividade” se provou exercer, uma vez que - após a edificação do “primeiro” pavilhão - a preconizada construção de pavilhões com o fim de os comercializar se quedou pela mera intenção (facto provado n.º 12).

Ou seja, a “actividade” de construção de pavilhões não existe. E o único “pavilhão” existente (tanto quanto sabemos) foi construído em 1993 (factos provados n.º 11) antes de em 1994 ter declarado a respetiva actividade.

Depois de declarar o início de actividade “Construção de edifícios para venda e rendimento” não exerceu nenhuma actividade com esta descrição.

Continuou a receber rendas, é certo. Mas o mero recebimento de rendas é insuficiente para caraterizar uma “actividade” no sentido que distinga a categoria “C” da categoria “F”.

Aliás, na declaração de rendimentos referente a 1993, apresentada em 29/4/1994, o Impugnante declarou o rendimento auferido como pertencendo à categoria “F” (facto Provado n.º 10).

Se perguntarmos o que é que mudou depois para que tais rendimentos fossem incluídos na categoria “C”, a resposta seria “nada” a não ser a declaração de início de actividade de “construção de edifícios para venda e rendimento” e afetação do imóvel à “actividade comercial” do impugnante. Mas nenhuma destas “mudanças” constitui, em rigor, nenhuma actividade, pelo menos no sentido acima apontado.

Também não colhe o argumento de que as liquidações impugnadas violam o art. 32º do CIRS (na redação aplicável) que considera proveitos e custos no âmbito da categoria “C” os relativos a bens ou valores que façam parte do activo da empresa individual ou que se encontrem afectos a actividade por estes desenvolvidas (13), porque dá por assente (actividade e tributação pela categoria “C”) o que não está demonstrado.

Alega ainda o Impugnante que além da falta de menção da afectação no anexo “G” a AT não apresenta qualquer outro elemento ou procedimento que lhe permita conhecer as razões e os motivos para decidir no sentido em que decidiu e não em qualquer outro. Defende, por isso, que o acto não está devidamente fundamentado.
Mas como resulta do facto provado n.º 2, além da omissão de declaração no anexo “G” da afetação à actividade do imóvel, a AT refere ainda que “Os rendimentos constantes do Anexo B 1, tributados em IRS pela categoria C, são pura e exclusivamente resultantes de rendas; (...)Os custos declarados pelo Sujeito Passivo, nas declarações de rendimentos apresentadas relativamente aos exercício fiscais de 1996, 1997, 1998 e 1999 são os constantes no quadro seguinte por rubrica e exercício, (..)CONCLUSÃO: (...)O sujeito passivo, (...)ao apresentar as declarações de rendimentos de IRS relativamente aos exercícios (...)mencionou incorrectamente como sendo da categoria C, rendimentos resultantes de arrendamento de um imóvel e não resultantes do exercício de uma actividade comercial.

(...) Consequentemente também os custos considerados nos termos do art° 40º do CIRS deveriam ser considerados como despesas de manutenção e conservação, pelo que os rendimentos passarão a ser os constantes nos quadros seguintes por categoria e exercício fiscal”

Resulta do exposto que a AT enunciou claramente as razões do seu agir, cumprindo o dever de fundamentação que o art. 77º LGT lhe impõe. E resulta ainda claramente que o Impugnante bem compreendeu as razões invocadas pela AT contrariando todos os fundamentos invocados para a liquidação, mobilizando os seus argumentos em defesa da tese da ilegalidade da correção.


Em suma, devemos concluir que o recurso merece provimento e a sentença deverá, por isso ser revogada.

V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em conceder provimento recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a impugnação.
Custas pelo Impugnante em 1ª instância.
Porto, 8 de março de 2018.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina da Nova
Ass. ​Bárbara Tavares Teles



(1) Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado, 2011, pp. 358
(2) Ac. do TCAN n.º 01744/07.1BEPRT de 24-01-2017 Relator: Ana Patrocínio
(3) Ac. do TCAS n.º 07160/13 de 30-01-2014 Relator: BENJAMIM BARBOSA
Sumário:
i O actual Código de Processo Civil impõe, no seu art.º 607.º, n.os 3 e 4, que na elaboração da sentença o juiz discrimine os factos provados e declare quais os factos que não foram provados.
ii A declaração dos factos não provados pode ser feita por remissão, desde que seja possível identificar com exactidão o facto ou os factos a que respeita.
iii Este regime é idêntico ao que já vigorava para o processo tributário, em que a formulação legal do art.º 123.º, n.º 2, do CPPT, aponta no sentido da autonomização da discriminação dos factos provados em relação aos factos não provados, os quais se bastam com uma mera referência declarativa.
iv Não cumpre essa exigência de forma satisfatória a sentença que se limita a referir que “para a decisão da causa, sem prejuízo das conclusões ou alegações de matéria de direito produzidas, de relevante, nada mais se provou”.
v Porém, como a nulidade por falta de fundamentação impõe que a mesma seja absoluta, essa fórmula contém o mínimo de fundamentação que afasta tal nulidade.
(4) Ac. do TCAN n.º 00944/04.0BEPRT de 30-04-2013 Relator: Catarina Almeida e Sousa
Sumário: I. Nos termos do artº 712º do CPC, quando se revele indispensável a ampliação da matéria de facto, o TCA pode determinar tal ampliação, não estando tal faculdade dependente da iniciativa do Recorrente, bastando que o Tribunal ad quem se confronte com uma objectiva falta de selecção de factos relevantes.
II. A anulação oficiosa da decisão de 1ª instância apenas deve ser decretada se do processo não constarem todos os elementos probatórios relevantes, pois que se os mesmos estiverem disponíveis o TCA deve proceder à sua apreciação e introduzir na decisão da matéria de facto as modificações consideradas oportunas.
III. Os documentos não são factos mas meios de prova de factos, pelo que não basta dar por reproduzidos os documentos, sendo que a remissão para um documento tem apenas o alcance de dar como provada a existência desse documento.
IV. Todavia, a remissão feita no probatório para o conteúdo de certo documento não traduz insuficiência factual, desde que elaborada de modo a entender-se o porquê da referência ao documento em tal enumeração.
V. Não ocorre omissão relevante de factos com consequências anulatórias se estes, não obstante não terem sido especificamente autonomizados na decisão da matéria de facto, se encontram referenciados e analisados na discussão jurídica da causa
(5) Ac. do TRP n.º 400/09.0PAOVR.C1.P1 13-03-2013 Relator: EDUARDA LOBO
Sumário: III - Os factos conclusivos são ainda matéria de facto quando constituem uma consequência lógica retirada de factos simples e apreensíveis, apenas devendo considerar-se não escritos se integrarem matéria de direito que constitua o thema decidendum.
(6) José Maria Fernandes e outros, in "Lei Geral Tributária" anotada, Almedina, 2015, pp. 600.
(7) José Maria Fernandes e outros, op. cit. pp. 602. O outro subprincípio referido pelo mesmo autor, é o subprincípio da materialidade subjacente que consiste num exercício de posições jurídicas assentes na verdade material, com desvalorização dos formalismos jurídicos excessivos.
(8) Serena Cabrita Neto e Carla Castelo Trindade in "Contencioso Tributário", Almedina 2017, Vol. I, pp. 163 e 164.
(9) Ac. do STA n.º 017626 de 26-10-1994 Relator: SANTOS SERRA
Sumário: I - A Administração exerce um poder público e, na prossecução de interesses a seu cargo, tem de respeitar princípios e de observar regras.
II - Desde logo, está sujeita ao princípio da legalidade, por força do qual só pode actuar com fundamento na lei e dentro dos limites por ela traçados.
III - E, para além de outros, terá ainda de respeitar os princípios gerais de direito, entre eles o da boa fé, por via do qual o órgão ou agente administrativo está impedido de actuar, com utilização de artifícios ou qualquer outro meio, por forma a enganar o particular.
IV - Este princípio, porém, só assumirá relevo quando a Administração age com poderes discricionários, pois, quando ela actua com poderes vinculados, o respectivo acto será legal, ou legal, consoante respeite, ou não, o quadro rigorosamente desenhado na lei.
V - Por isso, a verificar-se a alegada ofensa do princípio da boa fé, tal facto, aliado aos demais pressupostos legais da responsabilidade civil extracontratual, poderá acarretar para a Administração Fiscal a obrigação de indemnzar o lesado, mas nunca poderá determinar a pretendida anulação do acto que, praticado no exercício de poderes vinculados, se apresenta em total conformidade com a lei ao caso aplicável.
(10) Ac. do TCAS n.º 05413/12 de 22-01-2015 Relator: CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Sumário: II - “O conceito jurídico de actividade comercial ou industrial, para efeitos de IRS, há-de ser determinado pelo conceito económico de actividade comercial ou industrial, que abrange actividades de mediação entre a oferta e a procura e actividade de incorporação de novas utilidades na matéria, em ambos os casos com fins especulativos, ou seja, com o objectivo de obtenção de lucros”.
(11) Ac. do STA n.º 0608/16 de 22-11-2017 Relator: FRANCISCO ROTHES
Sumário: I - Aquele que ocupa a posição de locatário no âmbito de um contrato de locação financeira de um imóvel e (devidamente autorizado pelo locador) dá este imóvel de arrendamento, no apuramento dos rendimentos prediais (categoria F) para efeitos de tributação em IRS, não pode deduzir às rendas que aufere enquanto senhorio as rendas que paga enquanto locatário financeiro, dedução que apenas seria possível se os referidos contratos tivessem sido celebrados em desenvolvimento de uma actividade económica e, por isso, os respectivos rendimentos fossem subsumíveis à categoria B.
II - Não pode invocar-se a favor da pretendida dedução o disposto na alínea c) do n.º 2 do art. 8.º do CIRS, pois, sendo certo que este artigo consagra para efeitos de tributação dos rendimentos prediais em IRS um conceito de renda mais lato do que o previsto na lei civil, aquela regra visa exclusivamente sujeitar a imposto os rendimentos auferidos pelo arrendatário quando dá o imóvel de subarrendamento por uma renda superior à por ele paga ao senhorio.
(12) TCAN 00325/04 de 20-01-2005 Relator: Valente Torrão
Sumário: Tendo o recorrente adquirido determinadas instalações para exercício de comércio (actividade hoteleira ou similar) e nunca ali tendo exercido, efectivamente, a respectiva actividade comercial, tendo cedido as mesmas instalações a terceiro, recebendo, em contrapartida determinado montante de renda, terão tais rendimentos de ser considerados como rendimentos da categoria F do CIRS e não da categoria C, uma vez que o recorrente nunca chegou a exercer nas instalações qualquer actividade comercial ou industrial.
(13) Os artigos 31º e 32º tinham a seguinte redação:
Artigo 31.º
Remissão
Na determinação do lucro tributável das actividades comerciais, industriais e agrícolas seguir-se-ão as regras estabelecidas no Código do IRC, com as adaptações resultantes dos artigos seguintes.
Artigo 32.º
Imputação
Para efeitos do disposto no artigo anterior, só são considerados proveitos e custos os relativos a bens ou valores que façam parte do activo da empresa individual do sujeito passivo ou que estejam afectos às actividades por aquela desenvolvidas