Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01578/19.0BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/17/2020
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Nuno Coutinho
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS.CONVOLAÇÃO.
Sumário:I – Verificando-se que a situação descrita no requerimento inicial não se enquadra nos requisitos previstos no artigo 109º do C.P.T.A. para a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, deve o Tribunal, mesmo que o requerimento inicial não contenha factos que permitam, de imediato, convolar os autos em providência cautelar, convidar o Requerente a apresentar novo requerimento inicial para aquilatar da viabilidade da pretensão cautelar que vier a ser formulada.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:M.J.S.C.
Recorrido 1:Instituto de Segurança Social, I.P.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Intimação Protecção Direitos, Liberdades e Garantias (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório

M.J.S.C. intentou contra o Instituto de Segurança Social, I.P., Inspecção-Geral do Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social, Secretaria Geral do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, tendo formulado as seguintes pretensões:
i) deverá a 1.ª Requerida ser intimada a deferir a Pensão de Velhice antecipada requerida desde 31/08/2017, e ainda devem ser as Requeridas condenadas solidariamente no pagamento dos montantes vencidos desde 31/08/2017 e vincendos dessas prestações e ainda ao pagamento de indemnização de 37.500,00€ (trinta e sete mil e quinhentos euros) por danos morais e patrimoniais que o Requerente sofrera em virtude do indeferimento ilegal em causa nos autos, tudo acrescido de juros de mora desde 29/08/2017 até efectivo e integral pagamento à taxa legal em vigor;
ii) Subsidiariamente, caso se entenda não estarem preenchidos os pressupostos para o uso da intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias, requer-se a convolação da presente intimação numa providência cautelar, nos termos do disposto no artigo 110.º-A do CPTA, na qual se requer que as Requeridas sejam condenadas no mesmo pedido, embora a título provisório, feito no âmbito da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, ou noutras medidas que este Tribunal entenda mais adequadas; tudo com as devidas e legais consequências.”

Por sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga foi julgada improcedente a acção.

Inconformada com o decidido, o R. recorreu para este TCA, tendo formulado as seguintes conclusões:
“I. O Recorrente, apresentara em 06 de Setembro de 2019, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, Intimação para Protecção de Direitos Liberdades e Garantias nos termos dos Artigos 109.º e seguintes do CPTA, alegando em suma que,
II. apresentara em 29 de Agosto de 2017, junto do Centro Distrital de Braga do Instituto da Segurança Social, I.P., Requerimento de Pensão de Velhice antecipada com data de início a 31/08/2017, por Desemprego de Longa Duração nos termos do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03 de Novembro.
III. Fora o Recorrente notificado por esta entidade, do seu indeferimento,
IV. Indeferimento esse que tivera como fundamento “Não ter na data em que passou à situação de desemprego idade igual ou superior a 52 anos (n.º 3 do Art.57 do D.L. 220/2006 de 3/11)”, o que não se coaduna com a realidade,
V. Pois, o Recorrente nascera a 17/08/1955, tendo ficado desempregado a 07/03/2013, e, portanto, à data de desemprego o Recorrente teria 57 anos de idade completos,
VI. pelo que, os motivos aduzidos para indeferimento datado de 23/11/2017 sobre a pretensão deste, não poderiam, nem podem de todo colher.
VII. Atento a essa factualidade, o Recorrente, após receber a notificação desse indeferimento, apresentara junto dessa entidade supramencionada reclamação sobre o indeferimento,
VIII. aduzindo para além de outros motivos que à data de desemprego já teria completado 57 anos de idade.
IX. Não obstante a reclamação apresentada por este, a aqui 1.ª Recorrida, respondera através de notificação datada de 25/01/2018, no sentido de indeferir novamente a pretensão deste.
X. Desta vez, alega a 1.ª R. como motivo de indeferimento o facto de o Recorrente “Não possuir 22 anos civis com registo de remunerações na data em que passou à situação de desemprego (n.3 do Art.57 do D.L. 220/2006 de 3/11)”.
XI. Ora refira-se em abono da verdade que o Recorrente iniciou a sua carreira contributiva em 1977 tendo laborado durante cerca de aproximadamente 32 anos completos, conforme alegado na P.I.,
XII. tendo ficado desempregado em 07/03/2013 até aos dias de hoje.
XIII. Após tal data, requereu o Subsídio de Desemprego, inscrevendo-se ainda no IEFP, IP.
XIV. Atento à factualidade descrita, verifica-se que o Recorrente não só tivera uma carreira contributiva que preenche os 22 anos, como ainda os excede,
XV. o que por si só, torna os motivos de indeferimento elencados em notificação datada de 25/01/2018, inverosímeis pelo que nestes termos não podem colher.
XVI. Neste sentido, o Recorrente respondera em 07/03/2018, a esta notificação de indeferimento, elencando os motivos supra aduzidos no sentido de que lhe deveria ter sido atribuído o deferimento da requerida pensão.
XVII. Porém, e não obstante já várias interpelações efectuadas pelo Recorrente à 1.ª R, nunca até à presente data obteve qualquer resposta, o que por si só configura um claro desrespeito desta entidade pelos normativos legais, mormente pelo Artigo 63.º, da CRP, e o Artigo 57.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03 de Novembro,
XVIII. não restando ao Recorrente outro meio senão a Intimação apresentada, ou subsidiariamente como requerido na P.I. o decretamento de uma Providência Cautelar, para fazer valer os seus direitos perante esta entidade Administrativa.
XIX. E note-se que o Recorrente ainda se encontra em situação de desemprego, tendo recebido Subsídio de Desemprego durante cerca de 4 anos, subsídio esse que, entretanto, terminara a sua concessão ao beneficiário e aqui Recorrente a 25/03/2017,
XX. Vendo-se este obrigado a Recorrer à Medida extraordinária para desempregados de longa duração em 01/02/2018, pensão essa que fora deferida, mas que, porém, findou,
XXI. e por via disso, vira-se este, uma vez mais, obrigado a requerer presentemente o Rendimento Social de Inserção, que já fora deferido, mas que não se coaduna com as necessidades económicas do quotidiano normal do Recorrente,
XXII. tendo com isto, de recorrer a ajuda de familiares, nomeadamente para o pagamento das despesas de água, luz e alimentação, e vivendo em casa emprestada por familiares seus, (desconhecendo o mesmo até quando estes familiares o poderão ajudar).
XXIII. Pelo exposto tal indeferimento colocara e continua a colocar o Recorrente numa situação socioeconómica débil,
XXIV. e ainda para mais, verificando-se que este já alcançou os seus 64 anos de idade, e vislumbrando-se que a idade “normal” legal da reforma se atinge aos 66 anos e 5 meses, leva a que o recorrente se encontre numa situação cujo decurso do tempo, poderá levar a lesão do direito a tornar-se irremediavelmente irreversível,
XXV. Pois caso não haja uma decisão urgente, o decurso do tempo poder levar a que já não seja admissível este gozar das prerrogativas presentes no Artigo 57.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03 de Novembro, violando-se assim irremediavelmente o disposto nos Artigos 63.º e 72.º, da CRP.
XXVI. Ora, em face do exposto, o douto Tribunal a quo dera erradamente como matéria de facto provada que “Em 07 de Setembro de 2019, Mário Jorge da Silva e Cunha, ora Intimante, deu entrada, neste Tribunal, do presente processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias”,
XXVII. Erro esse que deve ser corrigido, uma vez que, a Petição Inicial fora remetida e recepcionada pelo douto Tribunal a quo em 06 de Setembro de 2019,
XXVIII. o que por si só configura um claro erro de apreciação de facto por parte do douto Tribunal a quo,
XXIX. erro esse do qual desde já se alega a sua necessidade de correcção e em consequência deve a matéria de facto dada como provada ser totalmente reapreciada pelo douto Tribunal ad quem,
XXX. Assim como, conhecer e apreciar todo o petitório presente na Petição Inicial, nos termos do Artigo 149.º, n.º 1, 2 e 3 do CPTA.
XXXI. Para mais, entendera o douto Tribunal a quo, que “não se encontram preenchidos os pressupostos da Intimação para Protecção de Direitos, Liberdades e Garantias”,
XXXII. E ainda que “não se consubstanciando os factos alegados pelo Intimante, qualquer perigo iminente nem actual, não se pode convolar – por configurar um ato inútil – os presentes autos no processo cautelar a que se alude nos n.ºs 1 e 2 do art. 110.º-A do CPTA (sendo manifesta a falta de fundamento da pretensão cautelar, em face da falta do periculum in mora, nos termos dos arts. 120.º, n.º 1, 131.º, e 116.º, n.º 2, alínea d), do CPTA) – não sendo de admitir o presente processo.”.
XXXIII. O que no entender do Recorrente, e salvo melhor e douta opinião em contrário, andou mal o Tribunal a quo em ambas as situações expostas, pelos motivos de direito que se expõem.
XXXIV. Dispõe o Artigo 109.º, n.º 1 do CPTA, que “A intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adopção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131.º.”.
XXXV. Ora, uma vez que fora invocada pelo Recorrente e devidamente comprovada documentalmente que com a presente intimação pretende-se assegurar em tempo útil o exercício do direito do Recorrente à Pensão de Velhice antecipada por flexibilização da idade de acesso à mesma, nos termos do Artigo 63.º, da CRP, e do Artigo 57.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03 de Novembro.
XXXVI. E tendo em conta os sucessivos indeferimentos sem qualquer fundamento legal, uma vez que pela aplicação dos normativos legais a única decisão aplicável ao caso do Recorrente só podia ser no sentido do deferimento,
XXXVII. Porém, tendo inclusive a 1.ª Recorrida deixado de responder aos Requerimentos e Reclamações apresentadas pelo Recorrente, estamos perante um caso gritante de violação de D,L,Gs e direitos análogos a estes.
XXXVIII. Pois veja-se que, objectivamente nos termos do Artigo 57.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03 de Novembro, é gritante o direito do Recorrente à atribuição da requerida Pensão de Velhice antecipada por desemprego de longa duração.
XXXIX. Mas, mesmo sendo tão óbvia, quanto possível nos termos da lei essa atribuição, não só a Administração decidiu indeferir a pretensão do ora Recorrente com uma incorrecta aplicação da lei, nomeadamente aplicando o n.º 3 ao invés do n.º 2 do Artigo 57.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03 de Novembro,
XL. como ainda esta mesma Administração desde 07/03/2018, nunca mais se pronunciara sobre as diversas reclamações e requerimentos apresentados oportunamente e em tempo pelo Apelante sobre esta matéria.
XLI. Por conseguinte, não restam dúvidas ao ora Apelante, que a sua situação neste momento se enquadra numa violação de não um Direito Liberdade e Garantia, ou direito análogo a estes, mas sim de diverso direitos desta suma importância,
XLII. Veja-se que primeiramente a administração, viola claramente o disposto no Artigo 63.º da CRP, sendo que, e por remição também viola o disposto no Artigo 72.º da CRP,
XLIII. Pois, conforme dispõem o Artigo 63.º da Constituição da República Portuguesa: “1. Todos têm direito à segurança social.”, “2. Incumbe ao Estado organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social unificado e descentralizado, (…).”, “3. O sistema de segurança social protege os cidadãos na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho.”, “4. Todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado.”.
XLIV. Ora, resulta claro do próprio normativo que com a sua actuação a 1.ª R. (Administração), não só negou um sistema de segurança social que protegesse o cidadão aqui Recorrente na velhice,
XLV. como também se olvidou de contabilizar todo o tempo de trabalho do ora apelante, para o cálculo a atribuição a este da pensão de velhice antecipada por desemprego de longa duração.
XLVI. Pondo a 1.ª Recorrida assim em causa o preceituado no Artigo 72.º da Constituição da República Portuguesa, onde se refere que “1. As pessoas idosas têm direito à segurança económica e a condições de habitação e convívio familiar e comunitário que respeitem a sua autonomia pessoal e evitem e superem o isolamento ou a marginalização social.”.
XLVII. Ora sem sombra de dúvidas, não fora respeitada pela 1.ª Recorrida a autonomia pessoal do Recorrente,
XLVIII. nomeadamente porque lhe fora negado ilegalmente o seu direito a receber uma pensão condigna que lhe permita ser autónomo, ao ponto de este poder prover uma habitação para si, e uma vida social condigna.
XLIX. Pois veja-se que, o Apelante tem de recorrer a ajuda de familiares nomeadamente para ter um “tecto” onde viver, quando essa situação seria evitável e desnecessária se a pensão a que tem direito lhe tivesse sido deferida e consequentemente atribuída pela 1.ª R..
L. Violando assim a administração, inclusive princípios constitucionais, como veja-se o princípio da legalidade, o princípio da proporcionalidade e ainda o princípio da igualdade.
LI. Pois a administração com tais actos, está a atentar ostensivamente contra a dignidade social e pessoal do Recorrente, que vê indeferida sucessivamente e sem qualquer resposta (nem sequer posteriormente ao tempo útil normal) a sua pretensão cuja lei é clara em atribuir, mesmo aplicando o n.º 3 do Artigo 57.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03 de Novembro, uma vez que, também estes requisitos se encontram cumpridos pelo Recorrente,
LII. vendo-se o Apelante vedado no acesso a um direito social que todos os cidadãos que cumpram tais requisitos têm (direito esse análogo a um DLG, ainda que sendo um direito social), e encontrando-se por via disso em desigualdade com os seus pares,
LIII. tendo de recorrer a ajuda de seus familiares para pagar despesas com alimentação, gás, luz e água,
LIV. e vendo-se estes seus familiares na necessidade de providenciar ao Recorrente uma habitação para este residir, sob pena de caso contrário, se ver o Apelante obrigado a dormir nas ruas,
LV. aliás, refira-se que este inclusive teve de recorrer ao Apoio Social de Medida Extraordinária de Apoio a Desempregados de Longa Duração, que, entretanto, findou como supra descrito,
LVI. e por via disso vendo-se agora à presente data obrigado a recorrer ao Rendimento Social de Inserção, mas que não é bastante para suprir as despesas necessárias a uma habitação.
LVII. Pelo que, não se compreende, nem se pode o Apelante resignar com o facto de o douto Tribunal a quo entender que tais desideratos não preencham os requisitos da Intimação apresentada por este.
LVIII. Até porque, poderemos estar numa eminência de a Administração se encontrar erradamente a indeferir outros Requerimentos de outros cidadãos (por manifesta mal aplicação da lei) que, tal como o Apelante também tenham direito a esta prestação social,
LIX. colocando com isso em causa princípios e direitos constitucionais basilares a um estado de direito democrático como a legalidade e a certeza e segurança jurídicas.
LX. Porém, sempre se dirá que também andou mal o Tribunal a quo em não determinar, pelo menos, a convolação dos presentes autos em Providência Cautelar nos termos do disposto no artigo 110.º-A do CPTA, uma vez que, indubitavelmente se encontram verificados os critérios exigidos pelo artigo 120.º, do CPTA,
LXI. As duas condições positivas de decretamento: são objectivamente o «periculum in mora» e o, «fumus boni iuris»;
LXII. Como é sabido o «periculum in mora» traduz-se no receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para o Recorrente.
LXIII. O que in casu, sucede sem sombra de dúvidas com o ora Recorrente pois não só depende de ajuda de familiares para sobreviver (quando tal não deveria ser nem sequer necessário),
LXIV. como ainda, vira-se obrigado pela sucessão de indeferimentos ilegais perpetrados pela Administração a recorrer a medidas de cariz social que muito distantes estão dos valores da prestação de pensão de velhice que este tem direito.
LXV. E ainda, veja-se, poderá dar-se o caso de este vir a atingir dentro de poucos anos a idade legal normal da Reforma, o que fará precludir o seu direito à pensão de velhice antecipada por desemprego de longa duração desde 31/08/2017 para futuro.
LXVI. O que sem sombra de dúvidas leva a que exista um receio real e claro de facto consumado, e de produção de prejuízos de difícil reparação para o recorrente que se traduz no critério do «periculum in mora».
LXVII. Já no que ao «fumus boni iuris» (“aparência do bom direito”) diz respeito, este traduz-se na avaliação, em termos sumários, da existência do direito invocado pelo Recorrente ou da(s) ilegalidade(s) que o mesmo invoca e provável procedência da acção principal;
LXVIII. Veja-se que só do teor dos documentos juntos na Petição inicial, emitidos pela própria 1.ª Recorrida, é tão clara quanto possível a existência do direito à pensão de velhice antecipada por desemprego de longa duração do Recorrente.
LXIX. Pois, veja-se que de acordo com o Artigo 57.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03 de Novembro, refere-se que, “1 - Nas situações de desemprego de longa duração devidamente comprovadas e após esgotado o período de concessão dos subsídios de desemprego ou social de desemprego inicial, os beneficiários podem aceder à pensão de velhice, por antecipação da idade, nos termos estabelecidos nos números seguintes.”, “2 - A idade de acesso à pensão de velhice é antecipada para os 62 anos aos beneficiários que preencham o prazo de garantia legalmente exigido e tenham, à data do desemprego, idade igual ou superior a 57 anos.”.
LXX. Ora resulta claro que o Recorrente requerera a referida pensão antecipada já com 62 anos,
LXXI. e após findar a concessão dos subsídios de desemprego ou social de desemprego inicial (25/03/2017 data em que findou).
LXXII. À data de desemprego já tinha este completado 57 anos de idade,
LXXIII. e ainda, também se pode comprovar através do Documento 29 junto na P.I., documento esse emitido pelo próprio portal da 1.ª Recorrida, que o Recorrente já teria na data do Requerimento apresentado em 29/08/2017 mais de 15 anos completos, que se trata do prazo legal de garantia legalmente exigido nos termos dos Artigos 12.º e 19.º do Decreto-Lei n.º 187/2007 de 10 de Maio.
LXXIV. O que pelo exposto mostra-se como verificado o requisito do «fumus boni iuris».
LXXV. Por sua vez, é exigível que se analise também o requisito negativo de deferimento da Providência Cautelar, que assenta numa ponderação de todos os interesses em presença (públicos e/ou privados),
LXXVI. sendo que, essa ponderação, deve resultar de uma proporcionalidade dos efeitos da decisão de concessão ou da sua recusa.
LXXVII. Desta feita, resulta claro que os efeitos proporcionais da decisão a proferir, são claros no presente caso, visando colmatar uma situação claramente ilegal preconizada pela Administração perante o Apelante.
LXXVIII. Assim sendo, no limite, deveria o douto Tribunal a quo ter convolado a Intimação dos autos em Providência Cautelar nos termos do disposto no artigo 110.º-A do CPTA, e pelos motivos aduzidos.

O recorrido Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social concluiu as respectivas contra-alegações do seguinte modo:
“A. Refere o n.º 1 do artigo 110.º do CPTA que a “A intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adopção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131.º”
B. Alegou o Apelante que em 29 de Agosto de 2017 apresentou junto do Centro Distrital da Segurança Social de Braga, um requerimento de pensão de velhice antecipada com data de inicio a 31/08/2017, por desemprego de longa duração, nos termos do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro, tendo sido notificado do seu indeferimento por carta datada de 23/11/2017, recepcionada em 06/12/2017, indeferimento esse que teve como fundamento “Não ter na data em que passou à situação de desemprego idade igual ou superior a 52 anos.
C. Ora, o Centro Distrital de Segurança Social é um serviço desconcentrado do ISS, I.P.
D. Terminou solicitando que a 1.ª Requerida seja intimada a deferir a Pensão de Velhice Antecipada requerida desde 31/08/2017 e ainda ser as restantes Requeridas condenadas solidariamente no pagamento dos montantes vencidos desde 31/08/2017, e vincendos dessas prestações e ainda ao pagamento de indemnização de 37.500,00 euros, por danos morais e patrimoniais que sofreu em virtude do indeferimento ilegal em causa nos autos, tudo acrescido de juros de mora desde 29/08/2017, até ao efectivo e integral pagamento à taxa legal em vigor.
E. Como se denota o Requerente, para além do pedido indemnizatório, que não pode proceder, não assaca ao MTSSS, qualquer lesão dos seus direitos liberdades e garantias que tenha por este sido praticada.
F. Logo, não pode este Ministério ser condenado numa decisão de mérito que lhe imponha a adopção de uma conduta positiva ou negativa que se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, que como vimos o Requerido não violou, sendo parte ilegítima na presente intimação.
G. No que concerne aos artigos 46.º e 47.º do Requerimento importa referir que:
H. Como consabido os institutos públicos, como é o caso do ISS, I.P., integram a administração indirecta do Estado (cfr. n.º 1 do art.º 2.º da Lei n.º 3/2004, de 15 de Janeiro).
I. Desta forma, os institutos públicos gozam de personalidade jurídica e de autonomia, tal como definido nos respectivos diplomas orgânicos, estando excluída qualquer relação de subordinação hierárquica perante o Governo (cfr. n.º 1 do art.º 3.º, da Lei n.º 3/2004).
J. Concretamente, o ISS, I.P. é um instituto público integrado na administração indirecta do Estado, dotado de autonomia administrativa, financeira e património próprio (cfr. art.º 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 83/2012, de 30 de Março).
K. Desta forma, o ISS, I.P. prossegue atribuições do MTSSS, sob superintendência e tutela do respectivo ministro - cfr. n.º 2 do art.º 1.º, do Decreto-Lei n.º 83/2012, de 30/3, conjugado com a alínea a), do n.º 1, do art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 167-C/2013, de 31 de Dezembro, e n.º 2 do art.º 22.º do Decreto-Lei n.º 251-A/2015, de 17 de Dezembro -, não se encontrando, assim, integrado na estrutura hierárquica do Estado.
L. Com efeito, estando o ISS, I.P. inserido na administração indirecta do Estado, ele não se confunde com a pessoa jurídica Estado, não tendo o membro do Governo quaisquer poderes de direcção sobre o seu Conselho Directivo, mas tão-só poderes de superintendência e tutela.
M. Ou seja, os actos praticados pelo Governo no exercício dos poderes de superintendência e tutela visam controlar e orientar a acção das entidades a elas sujeitas. Estes actos não definem, pois, a situação concreta dos particulares, em cuja esfera jurídica não produzem efeitos.
N. Efectivamente, e no que concerne, concretamente, ao poder de superintendência este consiste «no poder conferido ao Estado, ou a outra pessoa colectiva de fins múltiplos, de definir os objectivos e guiar a actuação das pessoas colectivas públicas de fins singulares colocadas por lei na sua dependência.» (cfr. Freitas do Amaral, in “Curso de Direito Administrativo”, Vol I, Almedina, 1986, a pp. 709).
O. Ou seja, esta traduz-se numa faculdade de emitir directivas (orientações genéricas, que definem imperativamente os objectivos a cumprir pelos seus destinatários, mas que lhes deixam liberdade de decisão quanto aos meios a utilizar e às formas a adoptar para atingir esses objectivos) e recomendações (conselhos emitidos sem a força de qualquer sanção para a hipótese do não cumprimento).
P. Assim, não existe qualquer relação de subordinação hierárquica entre este MTSSS e o ISS, I.P., mas tão-só a referida relação de superintendência e tutela, nos termos supra identificados, pelo que não compete ao MTSSS a fiscalização dos actos praticados pelo ISS, I.P., nem providenciar os meios técnicos e humanos necessários à realização das suas atribuições, como afirma o Apelante.
Nessa senda,
Q. A legitimidade processual deve ser aferida de acordo com a configuração que é dada à acção pelo Requerente, isto é, atendendo à posição que as partes assumem na relação material controvertida tal como é, por este, apresentada.
R. A verificação do pressuposto da legitimidade passiva relativamente à entidade requerida destina-se a averiguar se essa entidade é a titular da relação material controvertida, tal como apresentada pelo Requerente e, como tal, se está em condições de contradizer o pedido nela formulado.
S. Assim, não tem o Requerido Ministério do Trabalho, Solidariedade e da Segurança Social interesse em contradizer a presente intimação pois não vislumbra qualquer tipo de ato que possa vir a ser condenado a praticar nos presentes autos.
T. Pelo que, atendendo à relação material controvertida tal como é configurada pelo Requerente, conclui-se que o Requerido Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social não tem interesse em contradizer a presente intimação, sendo, por isso, parte ilegítima.
U. A ilegitimidade processual consubstancia uma excepção dilatória, que obsta ao conhecimento do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância (artigo 89n.ºs 2 e3, alínea e) do CPTA.
V. Em face ao exposto, afigura-se-nos proceder a suscitada excepção de ilegitimidade passiva do Requerido Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, que, em consequência, deve ser absolvido da instância.
No que concerne ao pedido indemnizatório,
W. Salvo melhor opinião, não se concebe o pedido de indeminização por danos patrimoniais e não patrimoniais.
Tanto mais que,
X. O Requerente, ao requer a indemnização por danos patrimoniais não alega nem comprova como se produziram esses danos patrimoniais.
Y. No que aos danos não patrimoniais diz respeito, o Requerido não faz prova dos mesmos nem apresenta qualquer documento que demonstre o estado psicológico e/ou emocional em que se encontrava, ou outra causa que lhe sirva de fundamento.
Face ao que precede, nestes termos e nos mais de Direito, com o mui douto suprimento de V. Exa., deverá julgar–se procedente toda a matéria vertida na presente resposta, com a consequente absolvição do Requerido MTSSS da instância;
Em sequência deve ser ainda rejeitada liminarmente a presente intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias por falta de verificação dos seus pressupostos, conforme resulta e bem da sentença da 1.ª Instância, não se convolando tal intimação numa providência cautelar, por ser evidente, como resulta da fundamentação da sentença, a inexistência dos respectivos pressupostos;
- Deverá ainda ser recusada a concessão de qualquer quantia titulo de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, por os mesmos não terem sido objecto de prova.
Assim, oferece-nos dizer que a douta sentença se mostra suficientemente fundamentada quer de facto quer de direito, mostra-se ter havido pronúncia sobre todas as questões que foram colocadas à apreciação do tribunal, concordando-se com o douto despacho de sustentação proferido pelo Tribunal de 1.ª Instância no que ao Apelado diz respeito.

O M.P emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

II – Fundamentação de facto

Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos:

1. Em 06 de Setembro de 2019, M.J.S.C. ora intimante, deu entrada, neste Tribunal, do presente processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, nos seguintes termos, a saber:
(não se reproduz, por manifestamente desnecessário dado o mesmo já constar dos autos, o teor do requerimento inicial do ora Recorrente.)



III – Fundamentação jurídica

Como primeiro fundamento do recurso referiu o Recorrente que o requerimento inicial relativo à presente providência foi remetido ao T.A.F. de Braga, não no dia 7 de Setembro, como consta da decisão recorrida, mas sim no dia 6 do mesmo mês, assistindo-lhe, quanto a este aspecto, inteira razão – cfr. 1 dos autos – pelo que se alterou a data constante do item 1) dos factos apurados.

O T.A.F. de Braga considerou não se mostrarem preenchidos os pressupostos da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, tendo referido que os factos alegados não consubstanciam qualquer perigo iminente e actual, não convolando os autos em processo cautelar por considerar ser manifesta a falta de fundamento da pretensão cautelar em face da falta de periculum in mora, decisão contra a qual se insurgiu o Recorrente.

De acordo com o artigo 109º do C.P.T.A. “a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito seja imponha à Administração a adopção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131º.”

Resulta do preceito supra transcrito que o processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias é um meio subsidiário de tutela, “…vocacionado para intervir como válvula de segurança do sistema de garantias contenciosas nas situações – e apenas nessas – em que as outras formas de processo do contencioso administrativo não se revelem aptas a assegurar a protecção efectiva de direitos, liberdades e garantias.” Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, pág. 888, 4ª edição.

A este propósito importar chamar à colação Acórdão proferido pelo T.C.A: Sul em 12/01/2017, no âmbito do Proc. 1160/16.4BELRA, do qual se retira o seguinte:
(…)
“O meio processual em uso consubstancia um processo principal, em que o tribunal é chamado a apreciar e decidir um litígio em definitivo. É este o sentido do artigo 109.º, n.º 1, do CPTA: “1 - A intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adopção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131.º”.

A lei estabelece dois pressupostos para utilização deste meio processual; a saber: i) que a emissão urgente de uma decisão de fundo seja indispensável para protecção de um direito, liberdade ou garantia; ii) que não seja possível ou suficiente o decretamento provisório de uma providência cautelar no âmbito de uma acção administrativa, comum ou especial.

Ora, tratando-se de um meio processual urgente e principal, o legislador delimitou-o para um elenco de situações mais ou menos restrito. Ou seja, estão em causa situações que exigem um especial amparo jurisdicional, por não se mostrar adequada, por impossibilidade ou insuficiência, a protecção jurídica que os demais meios urgentes conferem. Como refere Mário Aroso de Almeida, com este meio pretende-se obter, em tempo útil, uma decisão definitiva sobre a questão de fundo, sob pena de haver denegação de justiça (cfr. O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, Coimbra, 2003, p. 238). Como refere o Autor citado no seu Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos: “o processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias é, assim, instituído como um meio subsidiário de tutela, vocacionado para intervir como uma válvula de segurança do sistema de garantias contenciosas, nas situações – e apenas nessas – em que as outras formas de processo do contencioso administrativo não se revelem aptas a assegurar a protecção efectiva de direitos, liberdades e garantias”(cfr. ob. cit, Coimbra, 2005, p. 538).
Nessa medida, esta intimação veio concretizar o comando normativo contido no n.º 5 do artigo 20.º da CRP, destinando-se, em primeira linha, a assegurar a defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais. Mas ainda que se entenda que o artigo 109.º do CPTA ampliou o seu alcance para além da protecção dos direitos pessoais, não deixa de reconduzir-se sempre ao conjunto dos direitos, liberdades e garantias tipificados no Título II da Constituição e, no limite, aos direitos fundamentais de natureza análoga àqueles. Como salienta Vieira de Andrade, “esta protecção acrescida justifica-se, na sua substância, pela especial ligação destes direitos à dignidade da pessoa humana e, na sua oportunidade, pela consciência do risco acrescido da respectiva lesão (cfr. A Justiça Administrativa (Lições), 7.ª ed., Coimbra, 2005, p. 261; na jurisprudência, o acórdão do STA 6.12.2006, proc. n.º 885/06).

Em suma, o meio processual previsto no artigo 109.º do CPTA tem por escopo garantir uma tutela jurisdicional efectiva e célere quando estão em causa direitos, liberdades e garantias fundamentais, de natureza pessoal, ou de direitos de natureza análoga, na medida em que o regime dos direitos liberdades e garantias também se aplica aos direitos fundamentais de natureza análoga, como decorre do artigo 17.º da CRP, e justifica-se quando seja necessária a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adopção de uma conduta positiva ou negativa que se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, desse direito, liberdade ou garantia, ou direito de natureza análoga, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar (cfr. o recentíssimo ac. deste TCAS de 16.04.2015, proc. n.º 12003/15).

No caso em apreço, o ponto da discussão não está, sequer, na qualificação do direito invocado como direito fundamental, está na sim na existência de uma situação de urgência, sua exigência e respectiva qualificação adjectiva.

Na verdade, mesmo aceitando embora que foi concretizada na p.i. a existência de uma situação jurídica susceptível de colidir com um direito, liberdade e garantia de natureza pessoal; importava também a mesma concretização quanto ao requisito da ocorrência de uma situação, no caso concreto, de grave ameaça ou violação do direito, liberdade e garantia em causa, que só pudesse – possa – ser reparada através do processo urgente de intimação (cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª ed., Coimbra, 2010, p. 723). Como ensinam aqueles Autores: “Não releva, por isso, a mera invocação genérica de um direito, liberdade ou garantia que tenha assento constitucional; impõe-se a descrição de uma situação factual de ofensa ou preterição do direito fundamental que possa justificar, à partida, ao menos numa análise perfunctória de aparência do direito, que o tribunal venha a condenar a Administração (através de um processo célere e expedito) a adoptar uma conduta (positiva ou negativa) que permita assegurar o exercício desse direito (idem) – neste exacto sentido o recentíssimo acórdão deste TCAS de 16.12.2016, proc. n.º 1453/16.0BELSB, por nós relatado.

De resto o STA decidiu já no ac. de 30.10.2008, proc. no 878/08 que: “O processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias é um processo principal e não de um processo cautelar a que só é legítimo recorrer quando esteja em causa a lesão, ou a ameaça de lesão, de um direito, liberdade ou garantia cuja protecção seja urgente e que esta não seja possível ou não seja suficiente através da propositura de uma acção administrativa especial associada a um pedido de decretamento da correspondente providência cautelar” [sublinhado e carregado nosso]. Tal como aí se disse em posição que importa evidenciar: “(…) sem a urgência e sem a indispensabilidade desta decisão, o meio mais adequado para os referidos efeitos será a propositura de uma acção administrativa, comum ou especial, visto ela ser o meio normal de defesa contra os actos administrativos ilegais”.

Ou seja, só quando, no caso concreto, se verifique que a utilização das vias não urgentes de tutela judiciária não se mostra possível ou suficiente para assegurar o exercício, em tempo útil, do direito, liberdade ou garantia invocado é que deve entrar em cena o processo de intimação.

Como salienta Vieira de Andrade a propósito do requisito da parte final do n.º 1 do artigo 109.º do CPTA (cfr. A Justiça Administrativa (Lições), 7.ª ed., Coimbra, 2005, p. 263): “em rigor, a expressão legal quer mostrar o carácter excepcional da intimação, confirmando a remissão para a acção normal (não urgente) daqueles casos em que, estando embora em causa o exercício de um direito, liberdade e garantia, a decisão de fundo não seja urgente – pois que eventuais perigos de lesão, mesmo que de lesões imediatas e irreversíveis, podem ser resolvidos nesses processos normais através de providências cautelares”[sublinhado nosso].

Neste capítulo, o trecho supra transcrito da sentença recorrida basta para afastar a urgência alegada.

Donde, não se encontra demonstrada a indispensabilidade do recurso a este meio processual.”

No caso em apreço, a alegação produzida pelo Recorrente não permite concluir pela necessária imprescindibilidade do recurso ao presente meio processual, pelo que é de concluir que não pode dar-se por verificado que a situação em presença reivindique uma urgência tal que seja merecedora de uma tutela que imponha a necessidade da célere emissão de uma decisão de mérito e que o art. 109.º, n.º 1, do CPTA exige; sendo de realçar que o Recorrente foi notificado da primeira decisão de indeferimento da pretensão formulada em 6 de Dezembro de 2017 – cfr. item 15 do requerimento inicial – e da segunda decisão de indeferimento no dia 28 de Fevereiro de 2018 – cfr. item 20º da aludida peça processual -, tendo lançado mão do presente meio processual apenas no dia 6 de Setembro de 2019, depois de ter decorrido mais de um ano e meio após a notificação da segunda decisão de indeferimento o que, desde logo, afasta a existência de uma situação que demande a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adopção de uma conduta positiva ou negativa, que se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil de um direito, liberdade ou garantia.

Contudo, a alteração operada no C.P.T.A. pelo D.L. nº 214-G/2015, de 2 de Outubro introduziu neste corpo legislativo o artigo 110º-A – com a epígrafe “Substituição da petição e decretamento provisório de providência cautelar” - cujo nº 1 preceitua da seguinte forma: “Quando verifique que as circunstâncias do caso não são de molde a justificar o decretamento de uma intimação, por se bastarem com a adopção de uma providência cautelar, o juiz, no despacho liminar, fixa prazo para o autor substituir a petição, para o efeito de requerer a adopção de providência cautelar, seguindo-se, se a petição for substituída, os termos do processo cautelar.”

O T.A.F. de Braga considerou ser um acto inútil a convolação dos presentes autos em providência cautelar, referindo ser a mesma um acto inútil dado ser manifesta a falta de fundamento da pretensão cautelar em face da falta de periculum in mora, segmento este da decisão recorrida que importa dissecar.

Conforme resulta do supra transcrito nº 1 do artigo 110º do C.P.T.A. o juiz deverá convolar a intimação para direitos, liberdades e garantias em providência cautelar, fixando prazo para o autor substituir a petição, o que o T.A.F. de Braga não fez dado ter considerado ser manifesta a falta de fundamento da pretensão cautelar por entender não terem sido alegados factos susceptíveis de permitir concluir pelo preenchimento do referido critério de concessão de providências cautelares, olvidando que sempre poderia o Recorrente, se para tal fosse convidado, alegar factos susceptíveis de preencher o requisito do periculum in mora.

Solução que resulta do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 116º do C.P.T.A. nos termos do qual constituem fundamento de rejeição liminar do requerimento a falta de qualquer dos requisitos indicados no nº 3 do artigo 114º, que não seja suprida na sequência de notificação para o efeito, encontrando-se dentro dos requisitos cuja falta o Tribunal deve convidar o requerente a suprir a especificação, de forma articulada, dos fundamentos do pedido – cfr. alínea g) do nº 3 do artigo 144º do C.P.T.A. - pelo que ao invés de rejeitar liminarmente a intimação e decidir não convolar a mesma em providência cautelar deveria ter considerado, como fez, não se mostrarem reunidos os pressupostos para aceder à intimação para direitos, liberdades e garantias, e, nos termos que resultam da alínea a) do nº 2 do artigo 116º e da alínea g) do nº 3 do artigo 114º do C.P.T.A., convidar o ora Recorrente a apresentar requerimento inicial para aí aquilatar da viabilidade da pretensão cautelar, o que não fez, pelo que, nesta estrita medida deve proceder o recurso, devendo os autos ser remetidos ao T.A.F. de Braga para que aí se convide o Recorrente a apresentar requerimento inicial no qual formule pretensão adequada ao direito que, provisoriamente, pretende fazer valer.

Assim, o presente recurso deve ser parcialmente provido devendo os autos ser remetidos ao T.A.F. de Braga para que aí se notifique o Recorrente para apresentar requerimento inicial de providência cautelar, mantendo-se, se este assim não proceder, os pressupostos de rejeição liminar da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, já decidida pelo Tribunal a quo.

IV – Decisão

Assim, face ao exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em conceder parcial provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida apenas quanto ao segmento decisório relativo à impossibilidade de convolação dos autos em providência cautelar, determinando a remessa dos autos ao T.A.F. para os efeitos supra referidos.
Custas pelo Recorrente – este sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia – e pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e da Segurança Social.
Porto, 17 de Dezembro de 2020


Nuno Coutinho
Ricardo de Oliveira e Sousa
Fernanda Brandão