Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00693/09.3BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/15/2015
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:FACTURAS FALSAS
DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
MATÉRIA CONCLUSIVA
Sumário:I) O princípio da livre apreciação das provas, contido no artigo 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, significa que o juiz decide com intermediação de elementos psicológicos inerentes à sua própria pessoa e que por isso não são racionalmente explicáveis e sindicáveis, embora a construção da sua convicção deva ser feita segundo padrões de racionalidade e com uma valoração subjectiva devidamente controlada, com substrato lógico e dominada pelas regras da experiência.
II) Por força do princípio da imediação, a tarefa de reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso está limitada aos casos em que ocorre erro manifesto ou grosseiro ou em que os elementos documentais fornecem uma resposta inequívoca em sentido diferente daquele que foi considerado no tribunal a quo.
III) Da decisão da matéria de facto devem constar factos simplese não matéria conclusiva (somente sobre os primeiros, quando controvertidos, deve recair a produção de prova, já que as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos). As conclusões de facto e de direito são efectuadas em julgamento pelo tribunal.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:J..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

J…., Ld.ª, pessoa colectiva n.º 5…, com sede na Rua…, Rebordosa, Paredes,interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, proferida em 15/02/2013, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações do IRC, do montante de € 24.651,19, relativamente ao exercício de 2005, incluindo os juros compensatórios, bem como contra a decisão proferida na reclamação graciosa.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
“1. - A douta decisão não se pronunciou quanto aos factos:
“Que os serviços constantes das facturas e propostas não foram realizados por mais ninguém”
“Que sem os serviços constantes das facturas e propostas constantes dos autos não era possível as obras ficarem concluídas”
2. - A douta decisão atribuiu apenas credibilidade ao relatório inspectivo e ao depoimento prestado pelo senhor Inspector, quando este nunca esteve na empresa recorrente; não verificou as obras para saber se as mesmas foram ou não realizadas; não verificou se, estando realizadas, quem as realizou; não verificou os elementos contabilísticos da recorrente para saber se relativamente às mesmas obras existem ou não outras facturas.
Pelo que, ao contrário de ser dado credibilidade ao depoimento do Senhor Inspector, o mesmo não merecia crédito.
3. - A ora recorrente não tem trabalhadores ligados à produção, contratando todas as obras que executa.
4. - Errou a douta decisão na matéria dada como provada nos n.°s 11 e 18, pois, ao contrário do referido na douta decisão e conforme consta dos elementos de contabilidade e relatório da Inspecção, a factura 152 foi relevada contabilisticamente em 2005 e não em 2006, o seu pagamento é que ocorreu em 2006, sendo normal o pagamento ocorreu só depois da emissão da factura.
Por outro lado, o utilizador dos documentos forneceu aos serviços de Inspecção tributária as propostas.
A recorrente só contratava serviços tendo aceite as propostas, sendo que as folhas de obra e apólices de seguro apenas dizem respeito às empresas que lhe prestam os serviços e não à recorrente.
5. - O depoimento do Senhor Inspector apenas se pronunciou sobre a empresa de construções “A...”, nada depondo sobre as outras empresas, não se compreendendo que tenha sido dado crédito apenas ao relatório, desprezando-se em absoluto as provas produzidas por documentos e restantes testemunhas.
6. - A matéria dada por não provada, devia ser dada por provada, face à prova produzida.
7. - As regras da experiência levariam em sentido inverso à alegada na douta decisão, a qual necessitaria de fundamentação, pois as obras nunca seriam dadas como concluídas se não existissem os trabalhos que constam nas facturas e propostas juntas aos autos.
8.- As testemunhas arroladas pela ora recorrente demonstraram ter conhecimento directo da substância dos factos, não se entendendo que os seus depoimentos não tivessem sido credibilizados.
9. - Violou a douta decisão, entre o mais, o disposto nos artigos 513° e ss e 668° CPC.
TERMOS EM QUE, REVOGANDO OU ANULANDO A DOUTA DECISÃO, SE FARÁ JUSTIÇA.”
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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em nulidade, por não se ter pronunciado acerca de determinada factualidade, e se enferma de erro de julgamento de facto.

III. Fundamentação

1. Matéria de facto

Da sentença prolatada em primeira instância, consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Dos factos provados com base nos elementos de prova documental existentes nos autos e no depoimento das testemunhas, relevância para a decisão da causa:
1º. - A ora impugnante foi sujeita a acção inspectiva, efectuada através da Ordem de Serviço n.°OI200703319, de 06.07.2007 - cf. teor de fls.1 do relatório de inspecção tributária (RIT) ínsito no processo administrativo (PA), apenso a estes autos.
2.° - A Ordem de Serviço foi emitida sob proposta de 28.06.2007, elaborada no decurso do procedimento inspectivo desencadeado a coberto da Ordem de Serviço OI200604493, de 14.09.2006, às actividades da empresa P... - Construções, Lda. (NIPC: 5…) - cf. teor de fls.1 do RIT, ínsito no PA, apenso a estes autos.
3.º - A acção inspectiva é de âmbito parcial, abarca a cédula de IRC e o exercício de 2005 - cf. teor de fls.1 do RIT, insto no PA, apenso a estes autos.
4.° - Em função dos elementos recolhidos interna e externamente, no decurso do procedimento inspectivo, os serviços de inspecção tributária averiguaram que, a ora impugnante, introduziu nos seus elementos de escrituração diversas facturas, onde são identificados como emitentes, os sujeitos passivos a seguir mencionados, os quais, em função dos elementos recolhidos no decurso do procedimento inspectivo e nas acções levadas a efeito aos emitentes dos documentos, se veio a constatar, com os fundamentos que se enumeram, terem sido inseridas operações a que não correspondem efectivas transmissões de bens ou prestações de serviços, efectuadas com os referidos operadores, sendo por isso fictícias ou simuladas - cf. teor de fls.1 do RIT, ínsito no PA, apenso a estes autos.
5.º - Nos elementos de escrituração da ora impugnante, foi encontrada a factura n.°152, datada de 22.11.2005, na qual figurava como emitente a empresa P... - Construções, Lda., NIPC: 5…, alusiva a “...trabalhos de construções e acabamentos na zona das garagens e lojas, incluindo material, no lote n.°8, obra em Soutelo-Lordelo... - cf. teor de fls.1 do RIT, ínsito no PA, apenso a estes autos.
6.° - A referida operação não está quantificada e importa em € 60 646, 41 (IVA incluído), que foram relevados pelo utilizador na conta 6211503 - Fornecimentos e Serviços Externos/Subcontratos - Serviço de Construção do Plano Oficial de Contabilidade (POC) - cf. teor de fls.1 e 2 do RIT, ínsito no PA, apenso a estes autos.
7.º - O documento encontra-se manuscrito e foi elaborado a partir de uma série de impressos numerados seguida e tipograficamente, fornecidos pela tipografia G…, Lda, NIPC: 5…, sediada à Rua…- Freamunde – cf. teor de fls.2 do RIT, ínsito no PA, apenso a estes autos.
8.° - Em resultado das diligências efectuadas junto da Conservatória do Registo Comercial de Amarante, os serviços de inspecção tributária averiguaram que o registo n.°01526/011128-2, aposto na factura n.°152, encontrada nos elementos de escrituração da empresa J…., Lda., respeita à J…., Lda., NIPC: 5…e não à empresa P... - Construções, Lda., identificada como emitente do documento, que se encontra matriculada naquela Conservatória do Registo Comercial, sob o n.°1…/011008 - cf. teor de fls.2 do RIT, ínsito no PA, apenso a estes autos.
9.º - No decurso da acção inspectiva levada a efeito às actividades da empresa P... - Construções, Lda., a coberto da Ordem de Serviço OI200604493, de 14.09.2006, os serviços de inspecção tributária averiguaram que ao tempo em que foi emitida a factura n°152, encontrada nos elementos de escrituração da ora impugnante, o emitente estava a utilizar impressos de facturas numerados seguida e tipograficamente, fornecidos pela Tipografia de Vila…, de Antero…, NIF: 1…, de formato diferente, nomeadamente:
. Sem qualquer logótipo, o que não acontece com a factura n.°152, encontrada nos elementos de escrituração da ora impugnante;
. Na factura encontrada em poder do referido utilizador, foi aposto o número de telemóvel 91.., que não corresponde ao que figura nos impressos utilizados pela empresa P... - Construções, Lda., o n°96…;
. Na factura n.°152, encontrada nos elementos de escrituração da empresa
J…, Lda., foi indicado como o domicílio do emitente …Telões - Amarante, quando nos impressos utilizados pela empresa P... - Construções, Lda., figura o local da sede social, sita em Tejelinho…Amarante - cf. teor de fls.2 do RIT, ínsito no PA, apenso a estes autos.

10.º - As facturas encontradas nos elementos de escrituração da empresa P… - Construções, Lda., foram elaboradas com um único tipo de grafia, completamente diferente daquela em que foi elaborada a factura n°152, encontrada nos elementos de escrituração da ora impugnante - cf. teor de fls.2 do RIT, ínsito no PA, apenso a estes autos.
11.º - A factura n°152, encontra-se relevada nos elementos de escrituração do utilizador a 29.07.2006 (mais de oito meses após a data da emissão da factura) cf. teor de fls.2 do RIT, ínsito no PA, apenso a estes autos.
12.° - A ora impugnante, justifica o pagamento da referida factura com o cheque n°3074416074, sacado a partir da conta Depósitos à Ordem n,°00196522971, aberta em seu nome na Sucursal de Paredes do Millennium BCP, de que forneceu cópia ao serviço de inspecção tributária - cf. teor de fls,2 do RIT, ínsito no PA, apenso a estes autos.
13.° - Em auto de declarações lavrado a 18.06.2007, o Sr. P…, NIF: 2…, sócio e gerente da empresa P... - Construções, Lda., diz, nomeadamente:
- Que “…a sua representada exerceu a actividade de acabamentos, designadamente pinturas e rebocos, recorrendo em média a 4 assalariados, actividade essa que desenvolveu até Julho de 2004, em imóvel arrendado, sito em Tegelinho - Telões...”, correspondente ao local de emissão da série de facturas que utilizava;
- Que “...não requisitou nem utilizou quaisquer impressos fornecidos pela empresa G…, Lda., nem tem conhecimento de quem os possa ter requisitado em nome da sua representada...”;
- Que “...todas as facturas de serviços prestados da sua representada, eram por si emitidas, com um único tipo de grafia, como os serviços de inspecção tributária constataram através dos documentos desta natureza, encontrados nos elementos de escrituração da empresa P...;
- Que “… não conhece a empresa J…, Sociedade Imobiliária, Lda., nem a sua representada manteve com ela qualquer negócio, negando por isso a autoria da emissão da factura n°152, cuja cópia lhe foi exibida...” e que “...o carimbo aposto no documento nunca foi utilizado pela sua representada, que a rubrica e a grafia... não são suas...”;
- Que “... nunca recebeu qualquer cheque ou meio de pagamento emitido pela referida empresa, nem de outros clientes, por quantias equivalentes às do cheque n.°307441 6074-BCP-Paredes, cuja cópia lhe foi expedida...”;
- Que lhe foram “... furtados da sua viatura um livro de impressos de factura, um de recibos, um de guias de transporte, um livro de cheques e o carimbo da empresa...” (factualidade que foi confirmada junto da Guarda Nacional Republicana de Amarante, que a 28.04.2003, regista sob o n.°IPC/N°395/03.4GBAMT, um furto participado pelo visado, de “...uma pasta com facturas, cheques, contratos de trabalho, carimbo da empresa e outros...”, que na altura da ocorrência, se encontravam no interior da viatura Mat. …DH, propriedade do queixoso tributária - cf. teor de fls.3 do RIT, ínsito no PA, apenso a estes autos.
14.° - Questionado sobre o assunto, em Auto de declarações lavrado a 25.09.2007, o Sr. J…, sócio gerente da empresa ora impugnante, disse, nomeadamente:
- Que “...foi contactado numa obra em Soutelo - LORDELO, por um Sr. Que se identificou pelo nome P…, que lhe veio pedir trabalho, na área de acabamentos, que o declarante veio a aceitar, em nome da sua representada, tendo os trabalhos sido ajustados por orçamento mais ou menos verbal, tendo o visado disponibilizado todo o pessoal necessário à execução da obra...”;
- Que “...a factura n.°152, emitida a 2005/11/22, pela empresa P... - Construções, Lda., lhe foi entregue em mão na obra, segundo se recorda, por um empregado daquela empresa;
- Que “... nunca efectuou qualquer contacto telefónico para o número de telemóvel 916 949 132 aposto no documento, nem voltou a contactar o Sr. P… em data posterior à do pagamento da factura...”;
- Que “...ao fazer o negócio agiu de boa fé e a pessoa com quem contactou, se lhe apresentou como representante legal da empresa P... Construções, Lda;
- Tendo-lhe sido lidas as declarações do Sr. P…, reduzidas a escrito a 2007/06/18, declarou que os trabalhos não foram aceites de imediato, “…tendo-o sido mais tarde, motivo pelo qual, o pagamento se operou meses após a emissão da factura...” cf. teor de fls.3 do RIT, ínsito no PA, apenso a estes autos.
15.° - Foram recepcionadas na Direcção de Finanças do Porto, duas reproduções (frente e verso) do cheque n°307441 6074, sacado pela empresa J…, Lda., sobre o Millennium BCP:
- Uma a 2007/05/27, cópia simples (frente e verso) do documento, que ostenta no verso um carimbo com os dizeres P...-Construções, Lda, A Gerência, que o Sr. P…, em Auto de Declarações de 2007/06/18, afirma não ser o usado pela sua representada e uma assinatura ilegível que o declarante alega não ser sua;
- Outra a 2007/10/29, cópia (frente e verso) autenticada pela instituição financeira sacada, que ostenta no verso, o dito carimbo e assinatura, bem como a referência à conta de depósitos à ordem onde foram depositados os fundos - cf. teor de fls,3 do RIT, ínsito no PA, apenso a estes autos.
16.° - No decurso das diligências efectuadas pelos serviços de inspecção tributária, junto da empresa P... - Construções, Lda., e dos diversos utilizadores conhecidos das facturas emitidas a partir de duas séries numeradas, seguida e tipograficamente fornecidas pelas tipografias A… - Indústria Gráfica, Lda., e G…, Lda., verificaram:
- Com um quadro de pessoal de três a quatro pessoas e sem que se lhe conheça o recurso a outros prestadores, a empresa P... - Construções, Lda., no período em causa, não teria capacidade produtiva suficiente para justificar o volume de facturação de € 928 963,36 que consta das 61 facturas conhecidas emitidas a partir das supra citadas séries nos anos de 2004 a 2006, a que acresce o valor das operações que constam da série de facturas utilizadas nas operações efectivamente realizadas com os seus clientes;
- E tomando em conta os últimos números de cada série recolhidos, indiciam que terão sido emitidas mais de 145 facturas, das quais não foram recolhidas cópias, por se desconhecer, por ora, a identificação dos utilizadores;
- Os exemplares das facturas conhecidas remetem-nos para prestações de serviços efectuadas simultaneamente em diversos locais, distantes uns dos outros, o que pressupunha a existência de adequada infra estrutura logística, que também se lhe não conhece;
- Foram encontrados exemplares de facturas em que foram inseridas transmissões de bens manufacturados, operações essas que são incompatíveis com o tipo de actividade efectivamente desenvolvida pela empresa P... - Construções, Lda., que consistia essencialmente em prestações de serviços, com reduzida ou nula incorporação de matérias primas (acabamentos, pinturas e outros);
- Todos os exemplares de facturas conhecidos donde consta como emitente a empresa P... - Construções, Lda., foram manuscritos e neste conjunto foram encontradas diversas grafias, o que não é normal numa empresa de reduzida dimensão, do tipo familiar, como é o caso, em que tais documentos são normalmente emitidos por um sócio gerente ou pelo contabilista, posição sustentada pelo teor das declarações do seu representante legal, de que “…todas as facturas de serviços prestados da sua representada, eram por si emitidas...”;
- E corroborando esta tese, nos exemplares dos documentos a que nos temos vindo a referir, não foram encontradas grafias que se assemelhem aos exemplares das facturas encontradas nos elementos de escrituração da empresa P... - Construções, Lda., o que indicia que tiveram outra origem;
- Junto dos utilizadores conhecidos, foram encontrados exemplares de facturas donde constam como emitentes outros sujeitos passivos e operações indiciariamente fictícias, elaboradas de forma manuscrita, com grafias semelhantes aos documentos a que nos temos vindo a referir, donde consta como emitente a empresa P... - Construções, Lda., o que demonstra que poderão ter a mesma origem e idêntica finalidade;
- As assinaturas apostas nos exemplares de facturas daquelas duas séries de impressos não correspondem à rubrica do sócio gerente P…, encontrada noutros documentos que integram os elementos de escrituração da sua representada, nem correspondem à do Auto de Declarações elaborado a 2007/06/18, o que indicia que terão sido forjadas;
- Os exemplares de facturas emitidos a partir das sobreditas séries de impressos, têm um formato diferente dos exemplares de facturas encontradas nos elementos de escrituração da empresa P... - Construções, Lda., ostentando um logótipo, que não figura nestes últimos impressos;
- A emissão dos exemplares de facturas destas duas séries de impressos, não obedece a qualquer sequência lógica e numérica, ainda que tal sequência tenha sido respeitada em relação aos documentos encontrados em poder de cada um dos utilizadores conhecidos, particularidades que são características, das denominadas facturas falsas;
- A partir dos elementos recolhidos junto dos diversos utilizadores, notam-se ainda outros factores característicos das facturas fictícias, como sejam, a emissão simultânea de factura e recibo e num grande número de casos, o pagamento alegadamente feito em dinheiro, por montantes significativos, que algumas vezes excedem o limite previsto no n.°3 do art°63°-C da Lei Geral Tributária (LGT), procedimento que não foi adoptado pelos utilizadores em relação a outros fornecedores e idênticos montantes;
- No ano de 2006, existem indícios seguros de que a empresa P... - Construções, Lda., não desenvolveu qualquer actividade, no entanto foram encontrados alguns exemplares de uma das séries de facturas a que nos temos vindo a referir, datadas deste exercício;
- Nenhum dos utilizadores ou dos seus legais representantes, quando questionados sobre o assunto, assumiram ou demonstraram conhecer ou ter negociado com qualquer dos sócios-gerentes da empresa P... - Construções, Lda., optando por descrever os contornos do negócio de modo impreciso, obscuro e incoerente;
- E quando interpelados sobre as declarações feitas pelo Sr. P…, acerca das facturas que utilizaram, não as contradisseram com novos argumentos que objectivamente sustentassem posição diferente;
- Alguns dos utilizadores de facturas obtidas a partir das sobretidas séries de impressos, quando convidados a comprovar a materialidade das operações que delas constam, reconheceram que se tratavam de operações simuladas, optando por repor a verdade declarativa, através da apresentação de novas declarações de substituição e da entrega da prestação tributária em falta - cf. teor de fls.5 e 6 do RIT, ínsito no PA, apenso a estes autos.
17.º - A ora impugnante, foi alvo de procedimento inspectivo interno determinado pelas Ordens de Serviço OI200702633 e OI200702634, no âmbito do qual, se averiguou que terá utilizado diversas facturas, nas quais figura como emitente a Sociedade de Construções A…, Lda, NlPC 5…, tendo-se concluído conterem operações fictícias ou simuladas - cf. teor de fls.6 do RIT, ínsito no PA, apenso a estes autos.
18.° - O utilizador dos documentos não forneceu aos serviços de inspecção tributária, quaisquer elementos que comprovassem a materialidade das operações (orçamentos, contratos, folhas de obra, apólices de seguro do pessoal que participou nas prestações de serviços) - cf. teor de fls.6 do RIT, ínsito no PA, apenso a estes autos.
19.º - A empresa J…, Lda., introduziu nos seus elementos de escrituração, a factura n°8089, datada de 2005.11.24, na qual figura como emitente a empresa J…, LDA., NIPC: 5…, obtida a partir de uma série de impressos numerados seguida e tipograficamente fornecidos pela tipografia G…, LDA, NIPC: 5…, sediada à Rua…Freamunde - cf. teor de fls.7 do RIT, ínsito no PA, apenso a estes autos.
20.º - As operações insertas no documento não se encontram quantificadas e estão descritas genericamente como “… trabalhos efectuados à vossa firma na zona das garagens e nas lojas, de mão de obra e fornecimento de material eléctrico, no lote n.°8, da obra em Soutelo-Lordelo que importaram em € 24 589,62 (IVA Incluído) e foram relevadas pelo utilizador na conta 6211513 - Fornecimentos e Serviços Externos/Subcontratos - Serviço de Construção do Plano Oficial de Contabilidade (POC) - cf. teor de fls.7 do RIT, ínsito no PA, apenso a estes autos.
21.° - O conteúdo da factura n°8089, é apresentado de forma manuscrita, com um tipo de grafia, que:
- É diferente daquela em que foram elaborados outros documentos da mesma natureza, encontrados nos elementos de escrituração de outros utilizadores, nos quais é identificado o nome do emitente (Vg. Facturas n.°s 7080, 8006, 8008, 8010 e 8024, emitidas em nome da T… -lnstalação de Redes de Telecomunicações, Lda); e
- Semelhante à encontrada em documentos da mesma natureza, encontrados noutros utilizadores, nos quais são identificados outros emitentes (Vg, Facturas n.°s 195, 196, 243, 270, 274, nas quais figura como emitente a Sociedade de Construções A…, Lda., NIPC: 5…, com domicilio fiscal em Casais Novos - 4620-023 Aveleda, o que indica que terão a mesma origem e idêntica finalidade - cf. teor de fls.7 do RIT, ínsito no PA, apenso a estes autos.
22.° - Questionado sobre o assunto, pelos serviços de inspecção tributária, em auto de declarações lavrado a 25.09.2007, o Sr. J…, sócio gerente da ora impugnante, alega nomeadamente:
- Que foi contactado numa “...obra em Soutelo - Lordelo, por um Sr. que se identificou pelo nome J…, que lhe veio pedir trabalho, na área de serviços de electricidade, que o declarante veio a aceitar, em nome da sua representada, não se recordando se existirão contratos ou orçamentos escritos, sendo os serviços realizados por pessoal que se identificou como pertencendo à empresa J…, Lda…”;
- Que a “...Factura n.°8089, emitida a 2005/11/24, pela empresa J…, Lda, lhe foi entregue em mão na obra, não se recordando se pelo representante do emitente, se por qualquer empregado seu...”; e
- Que “... nunca efectuou quaisquer contactos para os números de telefone 255… e 255…, apostos no documento...”- cf. teor de fls 7 e 8 do RIT, ínsito no PA, apenso a estes autos.
23.° - O declarante não forneceu aos serviços de inspecção tributária, a identificação da pessoa ou pessoas com quem contratualizou o alegado negócio ou de quem lhe entregou o documento, nem exibiu qualquer documento adicional que comprovasse a materialidade das operações que constam da factura - cf. teor de fls. 8 do RIT, ínsito no PA, apenso a estes autos.
24.° - Da base de dados do Sistema de Informática tributária (SIT), o sujeito passivo identificado como emitente das facturas – J…, Lda., NIPC: 5…, encontra-se cessado oficiosamente nos termos do disposto no n.°2 do art.33° do CIVA, com efeitos reportados a 31,12.2003 - cf. teor de fls. 8 do RIT, ínsito no PA, apenso a estes autos.
25.° - A empresa J…, Lda., foi alvo de duas acções inspectivas desencadeadas pelos Serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças do Porto, levadas a efeito a coberto das Ordens de Serviço N.° 43854 (abarcando os anos de 1999, 2000 e 2001) e 01200501235, de 2005102/24 (englobando os anos de 2002, 2003 e 2004), de cujos relatórios se destacam os seguintes aspectos:
Ordem de Serviço n.°43854
No relatório elaborado a 2003/06/12, diz-se que a empresa J…, Lda., “...exerceu a actividade num estabelecimento comercial (loja) sito à Rua…, em Margaride, Felgueiras, até princípios do ano de 2000...” e que não apresenta folhas de remunerações ao Centro Regional de Segurança Social do Porto desde Outubro de 1998.
Questionado sobre a emissão de várias facturas de avultados montantes, datadas do ano de 2000, o sócio gerente em auto de declarações afirmou que na altura dispunha apenas de “…2 empregados não técnicos para entrega de gás... não tendo capacidade instalada (mão-de-obra) para efectuar serviços de tão elevado montante...”, acrescentando que nem sequer conhecia os utilizadores dos documentos.
É ainda referido no relatório que à data da acção inspectiva, o sócio gerente Sr. J…, se encontrava “...acamado desde há 15 anos foi vítima de acidente, impossibilitado de se locomover...” e, informação recolhida a partir da base de dados do Sistema de Informática Tributária (SIT), dá conta que entretanto terá falecido a 2006/02/21.
Ordem de Serviço n.°OI200501235
No relatório elaborado a 2005/09/20, é reafirmado que “...o único sócio gerente encontra-se acamado a fazer hemodiálise de dois em dois dias...”, estando nesta situação há mais de 15 anos...”, ainda que “...perfeitamente lúcido com capacidade para escrever e assinar embora sem mobilidade física para ser capaz de se deslocar sem ajuda...”.
Segundo declarações então prestadas por escrito pelo sócio gerente J…, a empresa “...encontra-se inactiva desde o ano de 2000...” e desde essa altura “...não possui qualquer empregado ao serviço...”
E acrescenta que “...alguns livros de facturas e recibos que a firma possuía estavam nas instalações na Rua… em Felgueiras, de onde terão sido furtados...” e adianta que “... não foi prestado qualquer serviço nem vendido qualquer bem a partir do ano de 2000…” - cf. teor de fls. 8 e 9 do RIT, ínsito no PA, apenso a estes autos.
26.° - No decurso do procedimento inspectivo desencadeado pela Ordem de Serviço nºOI200501235, foram encetadas pelos serviços de inspecção tributária diversas diligências, no local onde se encontrava sediada a empresa J…, Lda, à Rua… - Felgueiras e junto das distribuidoras de água e energia, que dão conta que a sociedade deixou de exercer qualquer actividade a partir do ano de 2000 - cf. teor de fls. 9 do RIT, ínsito no PA, apenso a estes autos.
27.° - A ora impugnante, registou o pagamento da factura n.°8089, cinco meses após a data da emissão - cf. teor de fls. 9 do RIT, ínsito no PA, apenso a estes autos.
28.° - A sociedade impugnante, justifica o pagamento da referida factura com o cheque n.°3074415977, sacado a partir da conta Depósitos à Ordem n°00196522971, aberta em seu nome na Sucursal de Paredes do Millennium BCP, de que facultou cópia aos serviços de inspecção tributária - cf. teor de fls. 9 do RIT, ínsito no PA, apenso a estes autos.
29.º - O referido cheque é nominativo cruzado, emitido à ordem de Eléctrica…, que ostenta na frente um carimbo com os dizeres PAGO - cf. teor de fls. 9 do RIT, ínsito no PA, apenso a estes autos.
30.° - A matéria tributável apurada para efeitos de IRC, pela empresa ora impugnante, com referência ao exercício de 2005, sofreu as correcções ínsitas no quadro de fls.10 do RIT, ínsito no PA, apenso a estes autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
31.° - A empresa, ora impugnante, foi notificada nos termos e para os fins previstos no art.60° da LGT e art.60° do RCPIT, através do ofício n.°8943910506, de 21.11.2007, da Direcção de Finanças do Porto, para, querendo, exercer o direito de audição prévia sobre a matéria tributária apurada no relatório - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a estes autos.
32.° - Direito que exerceu, através de petição apresentada na Direcção de Finanças do Porto a 30.11.2007- cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a estes autos.
33.° - Foi mantido o teor do projecto do relatório de inspecção tributária - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a estes autos.
34.º - A ora impugnante deduziu reclamação graciosa - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a estes autos.
35.º - Em 24.11.2008, a ora impugnante foi notificada por carta registada, através do ofício n.°8408510403 do teor do projecto de despacho proferido em 21.11.2008, para exercer, querendo, no prazo de 10 (dez) dias, o direito de audição previsto no art.60°, da LGT- cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a estes autos.
36.° - O registo da carta que continha a notificação, tem o carimbo dos CTT datado de 25.11.2008 - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a estes autos.
37.º - Por ausência de resposta, no decurso do exercício do direito de audição, em 12.12.2008, foi proferido despacho definitivo de indeferimento - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a estes autos.
38.° - Em 15.12.2008, o mandatário da ora impugnante, apresentou recurso hierárquico - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a estes autos.
39.º - Por despacho de 14.05.2009, foi indeferido o recurso hierárquico - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a estes autos.
Com relevância para a decisão da causa, o Tribunal julga não provado:
1.º - A factura n.°317 emitida pela Sociedade de Construções A…, Lda. (doravante SCA...), contabilizada pela impugnante no exercício de 2005, corresponde a trabalho efectivamente prestado à impugnante nas obras do Lote n.°8 de Soutelo, Lordelo.
2.° - A factura n.º 152, emitida em nome da P..., contabilizada pela impugnante em 2005, corresponde a trabalho efectivamente prestado à impugnante na obra situada no Lote n.°8 de Soutelo, Lordelo.
3.º - A factura n.º 8089, emitida em nome da J…, contabilizada pela impugnante em 2005, corresponde a trabalho efectivamente prestado à impugnante na obra situada no Lote n.°8 de Soutelo, Lordelo.
4.º - As obras constantes das facturas consistem concretamente no seguinte:
Quanto à factura n°317
- Fazer garagens individuais, com divisões a tijolo;
- Gesso nos tectos das garagens e zonas comuns;
- Arear paredes, chão;
-Pinturas;
- Portões de báscula.
Trabalhos que foram realizados de acordo com as propostas apresentadas à impugnante, conforme docs. n.°s 1 a 3, juntos aos autos de reclamação graciosa.
Quanto à factura n.°152
- Fazer chão em toda a cave com 10 cm de rachão, 5 cm de brita e malhassol;
- Dividir 9 garagens individuais em tijolo de 9 cm de espessura;
- Acabar tectos a gesso;
- Arear paredes;
- Acabamento do chão;
- Pinturas portões;
- Tijoleira no chão;
- Gesso em três lojas no rés do chão;
- Casas de banho.
Trabalhosestes que foram realizados de acordo com a proposta apresentada à impugnante, cf. Doc A, junto aos autos de reclamação graciosa.
Quanto à factura n.°8089
- Execução de trabalhos de electricidade em 15 garagens, 1 sala de condomínio e respectivas zonas comuns e 3 lojas.
- Instalação eléctrica.
Trabalhosestes que foram realizados de acordo com a proposta apresentada à impugnante, cf. doc. 5, junto aos autos de reclamação graciosa.

Motivação:
O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque - art.74°, n°1, da Lei Geral Tributária (LGT).
A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita - art.516° do Código de Processo Civil (CPC).
No que respeita à factualidade considerada provada e relevante à decisão da causa, o Tribunal fundou a sua convicção na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e ao processo de reclamação graciosa e recurso hierárquico, que não foram objecto de impugnação, assim como, em parte dos factos alegados pelas partes que não foram impugnados e que estão, igualmente, corroborados pelos documentos constantes dos autos (cf. artigos 74.º e 76.º, n.°1 da LGT e artigos 362° e seguintes do Código Civil), bem como, nos depoimentos prestados pelas testemunhas apresentadas pela impugnante.
Para a matéria de facto provada o Tribunal relevou ainda o depoimento isento e coerente da testemunha Rogério Rodrigues, que, em síntese, reiterou o teor do relatório de inspecção tributária realizado por si, conjugando-o com a restante prova já carreada para o processo e com as regras da experiência.
A matéria de facto não provada resultou da insuficiência da prova.
Sendo factos alegados pela impugnante, recaía sobre ela o respectivo ónus da prova, cf. resulta do disposto no art.74º, n°1, da LGT.
Para prova dos factos alegados, além dos documentos que já se encontravam juntos aos autos, a impugnante juntou documentos relacionados com as alegadas facturas, designadamente, propostas de orçamento e cheques emitidos para pagamento das facturas e arrolou três testemunhas.
Os documentos juntos, só por si, desacompanhados de outras provas que estabeleçam uma ligação coerente e verosímil entre os documentos apresentados e a efectiva prestação dos serviços que constam das facturas e a que respeitam esses documentos, não são bastantes para convencer o tribunal da prestação efectiva do serviço pelas emitentes das facturas, sobretudo quando ponderada essa prova com a prova consistente e coerente da administração tributária, que revela a existência de fortes indícios que as facturas contabilizadas pela impugnante não correspondem a uma efectiva prestação de serviço.
A prova efectuada pela administração tributária, abalou a credibilidade da contabilidade da impugnante e a presunção da sua veracidade - cf. artigos 73° e 75° da LGT, passando a competir à impugnante o ónus da prova dos factos alegados que demonstrem a veracidade das operações económicas desconsideradas pela administração tributária - art.74°, da LGT.
Os depoimentos das testemunhas revelaram-se genéricos e pouco consistentes.
A testemunha Paulo…, demonstrou nada saber acerca das prestações de serviço de P... e J… e, no que respeita à Sociedade de Construções A…, Lda., (doravante SCA...), referiu de forma genérica que tinha visto a trabalhar nas obras da impugnante, umas pessoas que utilizavam uma carrinha que tinha umas letras “M...’ e que diziam que eram empregadas do M...”. Porém, não identificou essa pessoa, nem soube dizer que vínculo a mesma tinha com a impugnante.
A testemunha Jorge… declarou de forma vaga os trabalhos efectuados pela SCA..., tendo o seu depoimento apresentado algumas discrepâncias com as facturas em causa, uma vez, que, declarou que no Lote n.°8, trabalhou nas lojas e num piso das garagens, quando a factura refere-se apenas a trabalhos efectuados nas garagens.
Esta testemunha, fez uma referência vaga às pessoas que trabalharam na obra e não identificou as empresas emitentes das facturas e no que ao alegado fornecimento de material diz respeito, respondeu de forma imprecisa e com algumas contradições que, abalaram a credibilidade do seu depoimento.
A testemunha Vi…, prestou um depoimento genérico, declarando de forma vaga, que trabalharam nas obras um Sr. M... e um Sr. P..., e na parte eléctrica um Sr. C…a. Além de não os ter sabido identificar cabalmente, não soube identificar as obras concretamente realizadas.
Embora tenha declarado que a SCA... no lote n°8, só trabalhou num dos pisos das garagens, corroborando a factura, quanto à obra da Estrada Nacional n.°209, declarou que “do que sabe” só trabalhou nos armazéns, que não trabalhou nas fracções nem nas garagens. Tal depoimento contraria o teor da factura n°272, que refere reparações realizadas nas fracções A, B, C, D, E e F.
De salientar que, nos seus depoimentos, as testemunhas referiram que, o material era fornecido pelas empresas, o que contraria o teor das facturas da SCA..., que não referem o fornecimento de qualquer material.
De salientar que, embora as obras estejam discriminadas nas propostas de orçamento apresentadas pela impugnante, nas facturas não foram discriminados os trabalhos prestados e materiais fornecidos, nem as testemunhas o fizeram.
Desta forma, não pode dizer-se que os trabalhos prestados foram os alegados pela impugnante.
As incoerências e contradições, sentidas nos depoimentos das testemunhas, abalaram a credibilidade dos mesmos.
Perante a prova objectiva, consistente e convincente que a administração tributária carreou para os autos, através da fundamentação do relatório da inspecção tributária, para prova da inexistência das operações económicas subjacentes às facturas desconsideradas pela administração tributária, a impugnante não logrou fazer prova suficientemente consistente de que as facturas emitidas por esses fornecedores tinham subjacente a prestação efectiva dos respectivos serviços.
A restante matéria alegada pelas partes não foi julgada provada ou não provada por constituir conceito de direito, matéria conclusiva ou não relevar para a decisão da causa.”
*
2. O Direito

A primeira questão suscitada pela recorrente respeita à invocação da nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, remetendo para o artigo 668.°, n.º 1, alíneas b) do Código de Processo Civil (CPC).
A recorrente alerta que a douta decisão não se pronunciou quanto aos seguintes factos:
“Que os serviços constantes das facturas e propostas não foram realizados por mais ninguém”;
“Que sem os serviços constantes das facturas e propostas constantes dos autos não era possível as obras ficarem concluídas”.
Defendendo que a omissão em si destes factos alegados é passível de integrar a nulidade da sentença recorrida, prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC.
Uma sentença tem por obrigação conhecer do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto. Esta peça processual pode padecer de vícios de duas ordens, os quais obstam à eficácia ou validade da dicção do direito:
1-Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e, então, a consequência é a sua revogação;
2-Por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artigo 668.º, actualmente 615.º do CPC.
No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125.º, n.º 1, do CPPT, no penúltimo segmento da norma.
A nulidade por omissão de pronúncia traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artigo 608.º, n.º 2, do CPC, que impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; e, por outro lado, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente.
Entendemos que a sentença identificou e apreciou as questões concretamente suscitadas pela ora recorrente.
Lembramos que ocorre nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, quando se verifica uma violação dos deveres de pronúncia do tribunal sobre questões a que esteja obrigado a pronunciar-se.
Nesta matéria, a jurisprudência tem reiteradamente afirmado que “só pode ocorrer omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio” (cfr. Acórdão do STA, de 19/09/2012, processo n.º 0862/12).
Por conseguinte, só há omissão de pronúncia “quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões” (cfr. Acórdão do STA, de 28/05/2014, processo n.º 0514/14).
In casu, verifica-se que o tribunal terá desconsiderado alguma factualidade alegada.
Ora, o invocado poderá constituir erro de julgamento na valoração da matéria de facto e na (não) subsunção da mesma ao direito, mas já não omissão de pronúncia por não se tratar de “questão” para efeitos do artigo 608.º, n.º 2 do CPC e do n.º 1 do artigo 125.º do CPPT.
Com efeito, nos termos do direito supra exposto, a obrigação que impende sobre o juiz, sob pena de nulidade da sentença, é a de pronúncia sobre todas as questões colocadas pelas partes, nas quais não se inclui matéria de facto que deva (eventualmente) ser valorada e considerada na decisão da causa.
Aliás, a própria recorrente, paralelamente, subsume ao erro de julgamento referindo: “A douta decisão não se pronunciou sobre os factos alegados, os quais deviam ter sido objecto de apreciação e não foram, havendo, deste modo, erro de julgamento”.
Contudo, logo no parágrafo seguinte, a recorrente imputa nulidade à sentença, subsumindo a omissão desses factos alegados à situação prevista na alínea b) do n. 1 do artigo 668.º do CPC.
Nos termos do preceituado neste artigo 668.º, actualmente artigo 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, é nula a sentença, além do mais, quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade.
Como explicava já o Prof. Alberto dos Reis, no “Código de Processo Civil Anotado”, no seu volume V, na página 140, «(…) por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade do n.º 2 do artigo 668.º»
No processo judicial tributário, o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125.º, n.º 1, do CPPT, norma onde estão consagrados todos os vícios (e não quaisquer outros) susceptíveis de ferir de nulidade a sentença proferida em processo judicial tributário.
Voltando ao caso concreto, conforme se retira do exame da decisão recorrida e do exarado quanto à fundamentação da matéria de facto e de direito da sentença do Tribunal “a quo”, é este fundamento do recurso manifestamente improcedente, visto que o vício que consubstancia esta nulidade, conforme supra mencionado, consiste na falta de fundamentação absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente.
Assim, a circunstância de a sentença recorrida não se reportar expressamente ao facto de os serviços constantes das facturas não terem sido “realizados por mais ninguém” ou à impossibilidade de as obras ficarem concluídas sem os mesmos, não permite concluir ser a mesma nula.
Nestes termos, e independentemente da questão de saber se a fundamentação ínsita na sentença é ou não convincente, se está certa ou errada ou, ainda, se está incompleta por não ter considerado toda a matéria de facto invocada (questão que se situa no domínio da validade substancial da sentença, e não da sua validade formal), não pode dizer-se que ocorre a invocada nulidade.
Concluindo, improcedem as conclusões do recurso incidentes sobre as alegadas omissão de pronúncia e falta de especificação dos fundamentos de facto da decisão recorrida.

A recorrente manifesta também discordância quanto ao julgamento sobre a matéria de facto efectuado pelo tribunal recorrido. Refere, por um lado, que o tribunal atribuiu apenas credibilidade ao relatório inspectivo e ao depoimento prestado pelo senhor Inspector Tributário e, por outro, que apresentou prova documental e testemunhal que confirma a veracidade das transacções.
Ora, o tribunal recorrido deu como provado que as liquidações impugnadas tiveram por fundamento um relatório de fiscalização e foi o teor parcial deste relatório que o Tribunal levou ao probatório. Quanto à factualidade julgada não provada, não esteve em causa a credibilidade do depoimento prestado pelo senhor Inspector, mas antes a natureza vaga e genérica dos depoimentos das restantes testemunhas, que, por não exteriorizarem espontaneidade e consistência bastante, não se apresentaram suficientes para a formação de convicção do tribunal com a segurança e certeza exigíveis.
O tribunal recorrido pronunciou-se sobre a factualidade alegada e a matéria de facto fixada na decisão recorrida contemplou toda a prova produzida nos autos, incluindo os depoimentos das testemunhas arroladas pela impugnante. Como se constata da leitura da sentença recorrida, o tribunal recorrido enunciou os factos provados e não provados e fundamentou essa sua decisão ao considerar que a prova apresentada pela impugnante era insuficiente para provar a veracidade das transacções, fazendo um exame crítico do depoimento das testemunhas arroladas pela impugnante.
O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “subjudice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr. Acórdão do T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/6/2013, proc.5618/12; Acórdão do T.C.A. Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7396/14; Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72).
Ainda no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr. artigo 685.º-B, n.º 1, do Código de Processo Civil, “ex vi” do artigo 281.º, do CPPT; Acórdão do T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc.4855/11; Acórdão do T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181).
Assim, estando em causa a decisão sobre a matéria de facto, impunha-se que a recorrente, pretendendo impugná-la, além dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, tivesse indicado os meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham uma decisão diversa daquela que consta da sentença, em observância do disposto no artigo 685º-B do CPC, na redacção aplicável, por força do disposto no artigo 281.º do CPPT.
A este propósito, referiu-se no acórdão deste TCAN de 06/01/2011, proferido no âmbito do processo n.º 813/09.8BECB: “ (….) bem se compreendem estas exigências da lei pois ao tribunal ad quem que tenha competência em matéria de facto não compete reapreciar toda a prova de forma a efectuar um novo julgamento da matéria de facto, como se este não tivesse alguma vez sido efectuado. Quanto ao âmbito do segundo grau de jurisdição em matéria de facto é elucidativo o teor do relatório do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro, diploma que introduziu a redacção ao art. 690.º-A que acima deixámos referida. Aí se diz: «A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso. Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1.ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido. A consagração desta nova garantia das partes no processo civil implica, naturalmente, a criação de um específico ónus de alegação do recorrente, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação”.
No caso, tal ónus não foi cabalmente cumprido pela recorrente.
Nas conclusões das alegações de recurso, a recorrente afirma que os factos não provados foram incorrectamente julgados, devendo transitar como assentes para o probatório, impondo decisão diversa o teor dos depoimentos prestados pelas testemunhas. Referindo, mesmo, que as testemunhas arroladas pela recorrente demonstraram ter conhecimento directo da substância dos factos, não se entendendo que os seus depoimentos não tivessem sido credibilizados.
A recorrente limitou-se a atacar o facto de o tribunal recorrido se ter motivado no depoimento da testemunha indicada pela AT, referindo não ser razoável dar-se crédito a uma testemunha que afinal só elaborou um relatório e depois veio defendê-lo para tribunal.
Contudo, este não foi o principal motivo para o tribunal recorrido considerar os factos que constam identificados nos pontos 1 a 4 como “não provados”.
Vejamos, parcialmente, a fundamentação da decisão da matéria de facto:
“(…)A matéria de facto não provada resultou da insuficiência da prova. (…)
Para prova dos factos alegados, além dos documentos que já se encontravam juntos aos autos, a impugnante juntou documentos relacionados com as alegadas facturas, designadamente, propostas de orçamento e cheques emitidos para pagamento das facturas e arrolou três testemunhas.
Os documentos juntos, só por si, desacompanhados de outras provas que estabeleçam uma ligação coerente e verosímil entre os documentos apresentados e a efectiva prestação dos serviços que constam das facturas e a que respeitam esses documentos, não são bastantes para convencer o tribunal da prestação efectiva do serviço pelas emitentes das facturas, sobretudo quando ponderada essa prova com a prova consistente e coerente da administração tributária, que revela a existência de fortes indícios que as facturas contabilizadas pela impugnante não correspondem a uma efectiva prestação de serviço. (…)
Os depoimentos das testemunhas revelaram-se genéricos e pouco consistentes. (…)
De salientar que, embora as obras estejam discriminadas nas propostas de orçamento apresentadas pela impugnante, nas facturas não foram discriminados os trabalhos prestados e materiais fornecidos, nem as testemunhas o fizeram.
Desta forma, não pode dizer-se que os trabalhos prestados foram os alegados pela impugnante.
As incoerências e contradições, sentidas nos depoimentos das testemunhas, abalaram a credibilidade dos mesmos.
Perante a prova objectiva, consistente e convincente que a administração tributária carreou para os autos, através da fundamentação do relatório da inspecção tributária, para prova da inexistência das operações económicas subjacentes às facturas desconsideradas pela administração tributária, a impugnante não logrou fazer prova suficientemente consistente de que as facturas emitidas por esses fornecedores tinham subjacente a prestação efectiva dos respectivos serviços. (…)”
Ou seja, o Meritíssimo Juiz a quo concluiu que a impugnante não logrou fazer prova suficientemente consistente, coerente e verosímil de que as facturas emitidas por esses fornecedores tinham subjacente a prestação efectiva dos respectivos serviços. Logo, acima de tudo, a recorrente tinha que indicar especificamente que meios probatórios levariam a factualidade constante dos pontos 1 a 4 a transitar para a matéria assente, incluindo as partes da gravação que determinariam decisão da matéria de facto diferente, o que se mostra omisso nas alegações de recurso. Impunha-se uma delimitação positiva desses meios probatórios, apresentando-se insuficiente tentar descredibilizar uma testemunha que o tribunal acolheu.
Não foram, assim, indicados os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou de gravação da prova, que impunham decisão diversa, pois mesmo que se elimine a consideração do depoimento do senhor inspector tributário, continua a falhar a indicação concreta de prova consistente e segura que permita elencar os factos 1 a 4 na matéria de facto provada.
Não obstante, a recorrente reitera, de forma conclusiva, que produziu prova da realização das obras, referindo que o depoimento da testemunha Jorge… deveria ser valorado, sendo exagerado o facto da descredibilização da mesma, já que foi prestado passados muitos anos dos acontecimentos, podendo haver algum esquecimento.
Isto é certo, mas a aqui recorrente não pode também esquecer que cabia à impugnante provar que as facturas emitidas em apreço tinham subjacente a prestação efectiva dos respectivos serviços por esses específicos fornecedores.
O alegado concernente à testemunha V…, funcionária do escritório, é elucidativo de como a recorrente não deu cabal cumprimento ao ónus que sobre si recaía e que decorre do artigo 685º- B, do CPC, inviabilizando uma análise das questões que no entender da mesma foram incorrectamente julgadas, referentes às provas produzidas, e que poderão impor decisão diversa da recorrida: “(…) a testemunha V… também depôs o que sabia. (…) não se deslocava às obras. Mas verificava as facturas, conferindo-as e com conhecimento directo do seu pagamento. (…)”
A acção inspectiva em causa nestes autos é de âmbito parcial, abarcando o IRC relativo ao exercício de 2005.
Em função dos elementos recolhidos interna e externamente, no decurso do procedimento inspectivo, os serviços de inspecção tributária averiguaram que a ora recorrente introduziu nos seus elementos de escrituração diversas facturas, onde são identificados como emitentes P... - Construções, Lda. e J…, Lda, os quais, em função dos elementos recolhidos no decurso do procedimento inspectivo e nas acções levadas a efeito aos emitentes dos documentos, se veio a constatar terem sido inseridas operações a que não correspondem efectivas transmissões de bens ou prestações de serviços, efectuadas com os referidos operadores, sendo por isso fictícias ou simuladas.
Ora, nestes autos, estão apenas em causa correcções ao IRC de 2005, decorrentes da não aceitação dos custos apresentados pela impugnante, por força da eliminação das facturas emitidas por P... - Construções, Lda. e J…, Lda.
Estando somente as facturas destes emitentes em crise, verifica-se que a produção de prova incidiu mais sobre as facturas emitidas pela Sociedade de Construções A…, mostrando-se amputada a almejada prova nestes autos.
Embora, como referimos, o cumprimento do ónus que sobre a recorrente recaía e que decorre do artigo 685º- B, do CPC se mostre bastante deficiente, este tribunal optou por não rejeitar, in limine, esta parte do recurso referente à decisão da matéria de facto. Uma vez que somente a concatenação integral das provas produzidas permitem ao tribunal formar a sua convicção, não descuraremos a prova testemunhal produzida.
Neste âmbito, não podemos deixar de reiterar que o reexame da decisão em matéria de facto em sede de recurso não se confunde com um segundo julgamento, impossível pela inexistência de oralidade e imediação. Corresponde a um remédio jurídico para eventuais erros de procedimento ou de julgamento, mas que passa pela apreciação efectiva de cada uma das questões concretamente colocadas.
Assim, “o princípio da imediação limita a tarefa de reexame da matéria de facto fixada no tribunal a quo, que só pode ser modificada se ocorrer erro manifesto ou grosseiro ou se os elementos documentais fornecerem uma resposta inequívoca em sentido diferente daquele que foi anteriormente considerado (…)” - cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 15/05/2014, proferido no âmbito do processo n.º 07623/14.
O erro de julgamento de facto ocorre quando se conclua, da confrontação entre os meios de prova produzidos e os factos dados por provados ou não provados, que o juízo feito está em desconformidade com a prova produzida, independentemente da convicção pessoal do juiz acerca de cada facto.
Se a decisão do julgador, no que diz respeito à prova testemunhal produzida, estiver devidamente fundamentada e for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
O Meritíssimo Juiz a quo exarou a motivação também quanto à decisão da matéria de facto não provada, da qual se retira a sua convicção, designadamente quanto às testemunhas indicadas pela impugnante, que não lhe mereceram credibilidade pelos motivos que referiu. Daí a conclusão de que a impugnante não logrou fazer prova suficientemente consistente para abalar a credibilidade da prova da AT e comprovar que as facturas emitidas por P... - Construções, Lda. e por J…, Lda.tiveram subjacente o fornecimento efectivo dos serviços aí descritos.
Ora, como o nosso sistema processual consagra o princípio da livre apreciação das provas no artigo 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, tal significa que o juiz decide com intermediação de elementos psicológicos inerentes à sua própria pessoa e que por isso não são racionalmente explicáveis e sindicáveis, embora a construção da sua convicção deva ser feita segundo padrões de racionalidade e com uma valoração subjectiva devidamente controlada, com substrato lógico e dominada pelas regras da experiência, o que, como veremos, se verifica no caso em apreço.
A propósito deste último aspecto, na conclusão 7, a recorrente defende que as regras da experiência levariam em sentido inverso à alegada na douta decisão, a qual necessitaria de fundamentação, pois as obras nunca seriam dadas como concluídas se não existissem os trabalhos que constam nas facturas e propostas juntas aos autos.
Note-se que não foi posto em causa pela AF, nem pelo tribunal, que as obras tenham sido realizadas pela impugnante, impondo-se, antes, a demonstração que os serviços e operações comerciais referidas nas facturas desconsideradas tenham sido efectivamente realizados pelo emitente das facturas (e não por outro empreiteiro diferente, por exemplo).
Neste contexto, importa, novamente, chamar à colação a factualidade que a recorrente invocou na sua petição inicial: “Os serviços constantes das facturas não foram efectuados por mais ninguém” (artigo 55.º); “Sem os serviços constantes das facturas, não era possível dar-se as obras por concluídas” (artigo 57.º).
Efectivamente, a decisão da matéria de facto não se referiu expressamente a esta alegada factualidade, nem tinha que o fazer, por não estarem em causa factos simples, mas sim matéria conclusiva. Aliás, refere-se no final da respectiva fundamentação: “A restante matéria alegada pelas partes não foi julgada provada ou não provada por constituir conceito de direito, matéria conclusiva ou não relevar para a decisão da causa”.
Na verdade, a factualidade relevante para a solução do presente litígio foi apresentada na petição inicial de forma conclusiva, como por exemplo: os serviços foram realizados (artigo 56.º); trabalhosestes que foram realizados de acordo com as propostas apresentadas à impugnante (artigos 47.º e 53.º).
Não obstante se ter concretizado, nos artigos 46.º e 52.º, em que terão consistido concretamente as obras, não foram invocados quaisquer outros factos simples que permitam concluir que as obras foram realizadas especificamente pelas emitentes das facturas - P... - Construções, Lda. e J…, Lda.Não foi produzida qualquer alegação respeitante às relações comerciais existentes, duradouras ou precárias, entre a impugnante e P... - Construções, Lda. e J…, Lda.; embora a recorrente não tenha trabalhadores ligados à produção (conclusão 3), nada invocou concernente à identificação/quantidade dos trabalhadores dos empreiteiros que terão estado especificamente em obra, ou ao início e fim da obra, nomeadamente dos trabalhos descritos. Somente a alegação desta ou outra factualidade respeitante ao circunstancialismo do decurso dos trabalhos, como por exemplo a forma de deslocação dos trabalhadores da P... - Construções, Lda. e da J…, Lda.para a obra, acompanhados de encarregado de obra ou não (eventualmente fiscalizados pelo dono da obra), permitiria concluir que as obras foram realizadas especificamente pela P... - Construções, Lda. e pela J…, Lda.Essa conclusão levaria, necessariamente, à conclusão de que as obras não foram realizados por outro empreiteiro (“por mais ninguém”).
A conclusão de que, sem os serviços constantes das facturas, não era possível dar-se as obras por concluídas, seria uma ilação quase evidente por força do facto de os trabalhos descritos não terem sido efectuados. Contudo, como vimos, irrelevante no caso concreto, por não ter sido colocado em causa pela AF, nem pelo tribunal, que as obras tenham sido realizadas pela impugnante.
Pelas razões constantes da fundamentação da decisão da matéria de facto, o tribunal recorrido considerou que os depoimentos das testemunhas não serviram os propósitos da impugnante, pois não demonstraram a veracidade das transacções desconsideradas pela AT.
Aí se refere que osdepoimentos das testemunhas se revelaram genéricos, pouco consistentes, com incoerências e contradições, conjugados com a objectividade da restante prova carreada para os autos pela AT, o que levou a que o Tribunal não lhes atribuísse credibilidade e consistência suficiente para julgar provada a matéria de facto que foi julgada não provada.
Embora todas as testemunhas tenham respondido a “toda a matéria”, conforme teor da acta de inquirição de testemunhas a fls. 115 a 118 do processo físico, com transcrição dos depoimentos testemunhais a fls. 126 a 244,o certo é que, em rigor, a matéria elencada nos pontos 1 a 3 dos “factos não provados” não consubstancia factualidade simples, mas antes conclusiva; pelo que a mesma não deveria, tal quale, constar nem do elenco dos factos assentes, nem da enumeração dos factos não provados. Trata-se, antes, de ilações a que o tribunal poderia chegar em face da factualidade apurada.
Impõe-se acentuar que a forma como a impugnante, ora recorrente, invocou factualidade na sua petição inicial limita exponencialmente a apreciação em concreto dos fundamentos constantes das suas alegações de recurso. Dado que a prova deve ser produzida sobre factos simples, já que as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos,que, in casu, foram insuficientemente invocados.
No que tange ao ponto 4 da factualidade não provada, não vislumbramos qualquer erro palmar na fundamentação constante da decisão em crise.Embora as obras estejam discriminadas nas propostas de orçamento apresentadas pela impugnante, nas facturas não foram discriminados os trabalhos prestados e materiais fornecidos, nem as testemunhas o fizeram. Desta forma, não pode dizer-se que os trabalhos prestados foram os alegados pela impugnante.Logo, não se tendo logrado provar, com a segurança e certeza exigíveis, que as obras constantes das facturas consistem concretamente nos trabalhos descritos no ponto 4, tal matéria não poderá transitar para a factualidade assente, como pretende a recorrente.
Esta, na sua conclusão 4, sustentou, ainda, que a decisão recorrida errou na matéria dada como provada nos n.°s 11 e 18, pois, ao contrário do referido na douta decisão e conforme consta dos elementos de contabilidade e relatório da Inspecção, a factura n.º 152 foi relevada contabilisticamente em 2005 e não em 2006, o seu pagamento é que ocorreu em 2006, sendo normal o pagamento ocorrer só depois da emissão da factura.
Trata-se, claramente, de um lapso de escrita, dado que o ponto 11 da factualidade assente pretendia somente reproduzir o teor constante do relatório de inspecção, pelo que se corrige a sua redacção para os seguintes termos, segundo o disposto no artigo 712.º, n.º 1, alínea a) do CPC:
11.º O pagamento da factura n.º 152 encontra-se relevado nos elementos de escrituração do utilizador a 29.07.2006 (mais de oito meses após a data da emissão da factura).
No que tange ao ponto 18 da factualidade apurada, a recorrente pretende a alteração do seu teor para: “O utilizador dos documentos forneceu aos serviços de inspecção tributária as propostas dos trabalhos, alegando não possuir outros elementos”.
Para tanto, sublinha que o utilizador dos documentos forneceu aos serviços de Inspecção tributária as propostas. E que a recorrente só contratava serviços tendo aceitado as propostas, sendo que as folhas de obra e apólices de seguro apenas dizem respeito às empresas que lhe prestam os serviços e não à recorrente.
Contudo, também o ponto 18 se resume a uma mera transcrição parcelar do conteúdo constante do relatório inspectivo, pelo que deve manter-se, por lhe ser fiel:
18.º O utilizador dos documentos não forneceu, aos serviços de inspecção tributária, quaisquer elementos que comprovassem a materialidade das operações (orçamentos, contratos, folhas de obra, apólices de seguro do pessoal que participou nas prestações de serviços) - cf. teor de fls.6 do RIT, ínsito no PA, apenso a estes autos.
Aqui chegados, apesar da prova documental e testemunhal produzida, não existem condições para alterar a decisão da matéria de facto, mormente transferindo os factos considerados não provados para os factos provados, pois não foi possível, nomeadamente, formar convicção, com a segurança e certeza exigíveis, de que, no ano de 2005, a recorrente acordou com a P... - Construções, Lda. e com a J…, Lda.a execução dos trabalhos descritos em 4 dos “factos não provados” e que estas os tivessem efectivamente realizado. Saliente-se que tal conclusão seria fulcral para, eventualmente, inverter a decisão recorrida acerca do mérito da causa; não se vislumbrando que o tribunal recorrido tenha cometido qualquer erro grosseiro na apreciação e valoração da prova.
Atento ao exposto, e em suma, o juiz a quo não errou na apreciação e valoração da prova, não se verificando o invocado erro de julgamento; sendo, portanto, de manter a decisão recorrida.

Conclusões/Sumário

I) O princípio da livre apreciação das provas, contido no artigo 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, significa que o juiz decide com intermediação de elementos psicológicos inerentes à sua própria pessoa e que por isso não são racionalmente explicáveis e sindicáveis, embora a construção da sua convicção deva ser feita segundo padrões de racionalidade e com uma valoração subjectiva devidamente controlada, com substrato lógico e dominada pelas regras da experiência.
II) Por força do princípio da imediação, a tarefa de reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso está limitada aos casos em que ocorre erro manifesto ou grosseiro ou em que os elementos documentais fornecem uma resposta inequívoca em sentido diferente daquele que foi considerado no tribunal a quo.
III) Da decisão da matéria de facto devem constar factos simples e não matéria conclusiva (somente sobre os primeiros, quando controvertidos, deve recair a produção de prova, já que as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos). As conclusões de facto e de direito são efectuadas em julgamento pelo tribunal.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo da recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.
Porto, 15 de Outubro de 2015.
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Fernanda Esteves