Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00911/07.2BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/23/2017
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:SIMULAÇÃO DE NEGÓCIO
PREÇO DECLARADO
SISA
ÓNUS DA PROVA
Sumário:Como tem sido entendimento pacífico da jurisprudência, e sustentado pelo artigo 74º nº 1 da LGT, em termos correspondentes ao disposto no art.º 342º do Código Civil, tendo em conta o princípio da legalidade administrativa, sobre a Administração, recaí o ónus da prova da verificação dos respetivos indícios ou pressupostos da tributação, ou seja, dos pressupostos legais da sua atuação cabendo ao contribuinte provar a existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:J...
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
A Recorrente, FAZENDA PÚBLICA, recorre da sentença proferida Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou procedente a impugnação judicial da liquidação adicional de SISA e de Imposto de Selo, referente a 2002, e respetivos juros compensatórios deduzida por J..., NIF 1…, melhor identificado nos autos.

A Recorrente não se conformou com a decisão tendo interposto o presente recurso formulou nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:

“(...)A. A douta sentença de que se recorre considerou procedente a acção de impugnação e ordenou a anulação da liquidação adicional de Imposto Municipal de Sisa e de Imposto do Selo, do ano de 2002, com base no entendimento que a Administração Tributária não logrou recolher indícios suficientes de que o valor da transacção ascendeu a € 93.275,21.
B. Com o assim decidido não se conforma a Fazenda Pública entendendo que a douta sentença incorreu em erro de julgamento quanto à matéria de facto e de direito, na medida em que o douto tribunal valora erradamente os elementos de prova coligidos pela AT e não valora o ónus de prova que recaia sobre o impugnante.
C. O douto tribunal recorrido fez uma valoração errada da fundamentação/prova carreada pela AT e que se encontra vertida no relatório de inspecção tributária.
D. Ora, a Fazenda Pública não pode partilhar de tal entendimento, na medida em que a AT fundamenta devidamente a correcção operada.
E. Resulta do relatório de inspecção, de forma clara, que a AT reuniu um conjunto de factos/indícios, suficientes e sérios, que lhe permitiu alicerçar o exercício do poder correctivo e da consequente liquidação adicional.
F. O conjunto de indícios recolhidos pela AT asseguravam e asseguram que os valores convencionados de venda eram diferentes (para mais) dos valores declarados, a saber:
· Foi apurado na acção de inspecção realizada pela Inspeção-Geral de Finanças (regime do crédito bonificado) que os preços declarados quanto a um conjunto de fracções de tipologia T1 e T2 do bloco 6, do empreendimento “Porto…” são substancialmente inferiores aos decorrentes da avaliação efectuada pelo banco;
· O empreendimento “Porto…” foi comercializado pela empresa R…, em regime de exclusividade, tendo sido obtido junto desta empresa a informação de que as fracções com a mesma tipologia da fracção DB foram transaccionadas por um valor superior ao declarado;
· O impugnante não autorizou o acesso da Inspecção Tributária às respectivas contas bancárias, tendo apenas enviado comprovativos do pagamento do valor declarado na escritura;
· A Inspecção Tributária efectuou diversas diligências junto de outros compradores tendo comprovado que o preço constante das escrituras de compra e venda realizadas e referentes ao empreendimento “Porto…” não correspondia ao valor efectivo das transacções;
· A empresa vendedora das fracções “Jardins…” procedeu à regularização da situação tributária em sede de IRC do exercício de 2002, através da apresentação de uma declaração Modelo 22 de IRC, de substituição, assumindo que o preço efectivo da fracção adquirida pelo ora impugnante foi de € 93.275,21.
G. Refere o douto tribunal a quo que tais factos/circunstâncias “… não são suficientes para afastar, no caso, a presunção de veracidade do preço de compra declarado na escritura de compra e venda da fracção DB aqui em causa …” e que,
H. “As circunstâncias invocadas referem-se a um conjunto de outras fracções, cuja compra terá sido financiada com recurso a financiamento bancário no âmbito do qual os valores de avaliação dos imóveis pela identificada instituição bancária (…) terão sido superiores aos valores declarados na escritura. Mas tal não será a situação da fracção aqui em causa…”,
I. Também o facto do impugnante não ter autorizado o acesso da AT aos elementos bancários não constitui, segundo o douto decisório, motivo para afastar a veracidade da declaração do contribuinte, uma vez que não se trata de uma recusa ilegítima.
J. Ora, entende a Fazenda Publica que a AT fundamentou, devida e correctamente, a sua posição, tendo por base um conjunto de indícios que comprovadamente asseguravam que o valor convencionado de compra e venda foi diferente do valor declarado, como resulta claramente do relatório de Inspecção Tributária, nomeadamente pelos factos apurados no decurso do procedimento inspectivo e que o douto tribunal reproduz na sentença.
K. Os factos indiciários recolhidos em sede de procedimento inspectivo, atenta a respectiva diversidade e origem, como seja, a recolha de elementos pela Inspecção Geral de Finanças, a análise dos demais casos de comercialização de fracções no mesmo empreendimento, a recolha de informação junto de entidades terceiras (empresa de mediação R…), a avaliação das fracções promovida pelas instituições financeiras, e ainda, o reconhecimento por parte da empresa vendedora da fracção do efectivo preço de venda, com a regularização tributária da situação (correcção dos proveitos auferidos com a venda da fracção), alicerçaram a convicção da AT da existência de divergência no preço declarado na escritura.
L. Acresce que a AT tentou socorrer-se de outros elementos, nomeadamente, extractos bancários ou outros, mas o impugnante não autorizou o acesso às contas bancárias.
M. Ora, para que o contribuinte goze da presunção legal de verdade é necessário que cumpra a obrigação de prestar esclarecimentos à AT, dever que, como foi constatado pela Inspecção Tributária, o impugnante não quis cumprir.
N. Pelo que e nessa medida, entende a Fazenda Pública que o douto tribunal incorreu em erro de julgamento quanto à matéria de direito, por errada interpretação do disposto no art.º 74º da LGT.
O. A AT deu cabal cumprimento à sua obrigação de provar os factos constitutivos do seu direito de tributar, factos que foram expostos na sua fundamentação.
P. Competia, então, ao impugnante provar que o preço de aquisição fora o declarado no respectivo contrato de compra e venda, e isso só poderia provar-se, em nosso entender, caso aquele demonstrasse, como era seu ónus – cfr. artº 74º da LGT - que o preço da fracção era de € 69.582,31.
Q. Aliás, em parte alguma da petição de impugnação, o impetrante consegue abalar a prova recolhida pela AT, inspirando dúvidas ao douto tribunal sobre a quantificação do facto tributário.
R. Assim, o douto tribunal, à revelia do ónus da prova que pendia sobre o impugnante, considerou que a AT não logrou recolher indícios suficientes de qual o valor real da transacção, contrariamente ao disposto no art.º 74º da LGT.

Termos em que,
deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta Sentença recorrida, com as devidas consequências legais. .(…)”

O Recorrido não apresentou contra-alegações.
Pelo Exmo. Procurador - Geral Adjunto junto deste tribunal emitiu parecer pugnando pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, sendo a de saber se a sentença incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, na medida em que a valora erradamente os elementos de prova e não valora o ónus de prova que recaia sobre o Recorrido.

3. JULGAMENTO DE FACTO

3.1 Neste domínio, a sentença recorrida fixou a seguinte factualidade:

“(…)1. O aqui Impugnante J..., NIF 1…foi objecto de uma acção inspectiva incidente sobre o Imposto Municipal de SISA e Imposto de Selo respeitando ao exercício de 2002 com base na Ordem de Serviço OI 200501743, cujo respectivo Relatório de Inspecção, datado de 11/05/2006 (constante de fls. 15 ss. do Processo Administrativo) mereceu despacho de concordância de 25/05/2006 (cfr. 15 ss. do Processo Administrativo).
2. Nos termos vertidos naquele Relatório de Inspecção aquela acção inspectiva foi desencadeada «na sequência da acção de fiscalização à firma “Jardins…, SA”, NIPC 5…, que por sua vez foi originada por uma informação enviada pela Inspecção Geral de Finanças, por haver indícios de infracção de natureza fiscal», sendo que nos termos ali referidos «esses indícios foram detectados no decorrer de uma acção inspectiva efectuada ao Banco de Investimento Imobiliário, SA, no âmbito do regime de crédito bonificado pelo Estado para aquisição de habitação própria e permanente, onde se verificou que os preços declarados nas escrituras relativas ao empreendimento “Porto…” são substancialmente inferiores aos decorrentes da avaliação efectuada pelo Banco» (cfr. 15 do Processo Administrativo).
3. O Relatório de Inspecção verte, no seu Ponto 3. o seguinte a respeito da «Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável»:
«3.1 - De acordo com a escritura de compra e venda, mútuo com hipoteca, lavrada no 6° Cartório Notarial do Porto, em 28-08-2002, J... adquiriu à empresa Jardins… Lda. a fracção autónoma designada pela letra DB, do empreendimento Porto…, correspondente a uma habitação tipologia T1, no R/C Esq.Cen Trás, com entrada pela Rua…, com compartimento de arrumos e lugar de estacionamento, pelo valor declarado de 69582,31 €.
3.2 - Das diligências efectuadas verificou-se a existência de indícios seguros de que o preço real da transacção foi superior ao declarado, consubstanciados nos seguintes factos:
3.2.1 Numa acção de inspecção realizada pela Inspecção Geral de Finanças, no âmbito do regime de crédito bonificado pelo Estado, para aquisição de habitação própria e permanente, foi constatado que os preços declarados quanto a um conjunto de fracções de tipologia T1 e T2 do bloco 6 do empreendimento «Porto…» são substancialmente inferiores aos decorrentes da avaliação efectuada pelo banco.

3.2.2 Tendo o empreendimento «Porto…» sido comercializado por intermédio da “R…”, em regime de exclusividade, obteve-se nesta empresa a informação de que as fracções com a mesma tipologia da fracção DB foram transaccionadas por um valor superior ao declarado, de acordo com os elementos de escrita da empresa “R…”.
3.2.3 Através do n/ oficio n°312117 de 08-04-2005, o sujeito passivo foi notificado(s) do projecto de decisão de acesso a informação protegida pelo sigilo bancário. Em resposta à n/ notificação, no âmbito do exercício do direito de audição prévia, o sujeito passivo não autorizou o acesso ãs suas contas bancárias, tendo remetido documento(s) que comprovam o valor declarado.
3.2.4 Das diligências efectuadas, nomeadamente junto dos outros compradores, ficou demonstrado que o preço constante das escrituras de compra e venda realizadas e referentes ao empreendimento ‘Porto…” não corresponde ao preço efectivo da transacção, o que levou à instauração do inquérito n° 232/05.5IDPRT na Divisão de Processos Criminais Fiscais da Direcção de Finanças do Porto. A empresa vendedora confrontada com o projecto de correcções do relatório de inspecção ao exercício de 2002 assumiu que o preço efectivo da fracção DB foi de €93.275,21, tendo regularizado a sua situação tributária em sede de IRC.
Estes factos indiciam a celebração de negócio simulado quanto ao valor, situação tipificada como crime de fraude fiscal,
3.3 Atendendo ao disposto nos artigos 2° e 19º do Código do Imposto Municipal de SISA e do Imposto Sobre as Sucessões e Doações (CIMSISSD) é devida a liquidação de SISA sobre a transmissão da referida fracção pelo valor de € 93.275,21.
3.4 Assim, propõe-se a liquidação adicional de Imposto Municipal de SISA sobre a diferença entre o valor da transmissão de € 93,275,21 e o valor declarado de € 69.582,31, ou seja € 23.692,90, calculada nos termos do art° 33° do mesmo diploma.
3.5 Nos termos do art. 1° n° 1 do Código do Imposto de Selo, o imposto de selo incide sobre todos os actos ou contratos previstos na Tabela Geral, sendo de acordo com o art° 9º n° 1, o valor tributável o que resulta da mesma tabela. De acordo com a verba 1.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo, aplica-se a taxa de 0,8% ao valor da aquisição onerosa do direito de propriedade ou figuras parcelas desse direito sobre bens imóveis. Assim será de proceder ã liquidação adicional do Imposto de Selo sobre a diferença entre o valor real da transmissão e o valor declarado, ou seja: € 23.692,90 X0,8%189,54».
(cfr. fls. 25 ss. do Processo Administrativo).
4. Na sequência daquela acção inspectiva a Administração Tributária procedeu a correcções de natureza meramente aritmética à matéria tributável em sede de SISA, no valor de 23.692,90 €, apurando, na liquidação adicional efectuada em 27/07/2006 (constante de fls. 25 do Processo Administrativo) a diferença de imposto de SISA a pagar de 1.848,70 € e respectivos juros compensatórios de 311,50 € e de diferença de Imposto de Selo a pagar de 189,54 € e respectivos juros compensatórios de 31,92€, importando tudo a quantia de 2381,67 € (cfr. fls. 25 do Processo Administrativo).
5. Notificado em 06/08/2007 daquela liquidação adicional de SISA e de Imposto de Selo que o aqui Impugnante procedeu ao seu pagamento em 09/08/2006 (cfr. fls. 26-28 do Processo Administrativo).
6. No Relatório de Inspecção é ainda vertido o seguinte, em sede de comentário à pronúncia emitida pelo Impugnante em sede de Audição Prévia:
«A empresa vendedora assumiu no total das correcções efectuadas por regularização voluntária que o preço efectivo da fracção “DB” foi de € 93.275,21 conforme consta do ponto 3.2.4 do presente relatório.
Dado que a empresa vendedora entregou uma declaração mod. 22 de IRC de substituição, com referência ao exercício de 2002, no intuito de repor a verdade fiscal no que concerne ao montante das vendas, no qual foi incluído o preço efectivo de € 93.275,21, no que respeita à transacção da fracção 08 do empreendimento Porto…”, cabe ao(s) contribuinte(s) a prova de que o preço da transacção foi diferente.
Ora tendo sido notificado do projecto de decisão de acesso a informação protegida pelo sigilo bancário, não exibiu os extractos solicitados, nem autorizou a Administração Fiscal a aceder ás suas contas bancárias, pelo que não fez prova de que o preço efectivo da transacção foi diferente do assumido pela empresa vendedora» (cfr. fls. 25 ss. do Processo Administrativo).
7. A «Declaração» emitida pela JARDINS…, SA, NIPC 5…, com data de 16/11/2005 dirigida à aos Serviços de Inspecção Tributaria da Direcção de Finanças do Porto, que foi anexada ao Relatório de Inspecção (e constante de fls. 23 do Processo Administrativo) tem o seguinte teor:
«Declaramos ter entregue a declaração Modelo 22 referente a 2002 pagando, hoje € ………..sendo nesta incluídos os valores constantes do projecto de relatório de 2/11/05, no que concerne às vendas.
Assim, anexa-se fotocópia da referida declaração Modelo 22 enviada pela internet, bem como fotocópia do recibo de pagamento de € ……….efectuado na Tesouraria do Bairro Fiscal Porto 5»
8. O aqui Impugnante deduziu em 24-11-2006 Reclamação Graciosa (Reclamação Graciosa n° 3190200604001451 - apensa aos presentes autos), da liquidação adicional de SISA e de Imposto de Selo, a qual foi indeferida por despacho de 19/03/2007, assente na Informação de 06/03/2007, a cujos fundamentos aderiu (cfr. Reclamação Graciosa n°3190200604001451 - apensa aos presentes autos).
9. O aqui Impugnante foi notificado daquela decisão de indeferimento em 27/03/2007 (cfr. Reclamação Graciosa n°3190200604001451 - apensa aos presentes autos).
10. A Petição Inicial da presente Impugnação foi remetida a este Tribunal por correio electrónico em 11/04/2007 (cfr. fls. 1-2 dos autos) cujo respectivo original (de fls. 16) foi remetido por correio registado em 12/04/2007 (cfr. fls. 16-35).
*
Dos factos alegados considero não provada a seguinte factualidade;

- Que o aqui Impugnante não tenha utilizado qualquer intermediário na compra da fracção DE, antes o tendo comprado directamente à sociedade JARDINS…, SA. . (…)”

4. JULGAMENTO DE DIREITO
4.1. A Recorrente entende que a sentença incorreu em erro de julgamento quanto à matéria de facto e de direito, na medida em que valora erradamente os elementos de prova coligidos pela Administração Tributária e não valora o ónus de prova que recaia sobre o impugnante.
E que o tribunal recorrido fez uma valoração errada da fundamentação / prova carreada pela Administração Tributária que se encontra vertida no relatório de inspeção tributária.
Alega a Recorrente que resulta do relatório de inspeção, de forma clara, que a Administração Tributária reuniu um conjunto de factos / indícios, suficientes e sérios, que lhe permitiu alicerçar o exercício do poder corretivo e da consequente liquidação adicional.
Apreciemos:
Para melhor compreensão da questão objeto de recurso, importa descrever a quadro factual objeto de recurso.
Trata-se de uma liquidação adicional efetuada ao Recorrido em 27.07.2006, relativa ao imposto de Sisa e Imposto de Selo e respetivos juros compensatórios importando na quantia de 2.38147 €.
A liquidação adicional foi efetuada na sequência de ação inspetiva ao Impugnante com base na Ordem de Serviço OI 200501743, referente ao Imposto Municipal de SISA e Imposto de Selo respeitante a 2002, tendo por base as correções de natureza meramente aritmética à matéria tributável efetuada nos termos do respetivo Relatório de Inspeção, datado de 11.05.2006.
A liquidação adicional de imposto de Sisa e de Imposto de Selo aqui em causa refere-se, à compra, pelo Recorrido, da fração autónoma letra DB, correspondente a uma habitação de tipologia T1, com compartimento para arrumos e lugar de estacionamento, efetuada no ano de 2002, à sociedade Jardins…, S.A.
Nos termos patenteados no Relatório de Inspeção, a Administração Tributária, considerou que o preço declarado na escritura de compra e venda de 69.582,31 € não corresponde ao preço efetivo da transação, tendo então procedido à correção à matéria tributável, considerando ter sido de 93.275,21 € o valor real da compra venda daquela fração.
A Lei Geral Tributária, nos artigos 58.º e 63.º, concede à Administração Tributária poderes de descoberta da verdade material da situação tributária dos contribuintes, podendo proceder à correção das declarações de rendimentos bem como, proceder à desconsideração do valor indicado como preço de compra e venda de certo imóvel constante em escritura pública, nos termos do disposto no art.º 39.º da LGT, sem necessidade de previamente, haver decisão judicial que declare a nulidade de tal ato, como constitui jurisprudência corrente (Cfr. acórdão do STA 01083/04 de 15.12.2006 e TCAS n.º 05688/12 de 05.03.2013).
Porém, para desconsiderar o preço declarado em certa escritura pública de compra e venda, a Administração Tributaria terá de carrear elementos certos, seguros e consistentes, que demonstrem com um elevado grau de certeza que o montante do preço declarado não foi aquele, mas outro superior, o que pode ser efetuado através de indícios, desde que certos e seguros, donde deles se possa extrair, a simulação no preço.
Como tem sido entendimento pacífico da jurisprudência, e sustentado pelo artigo 74º nº 1 da LGT, em termos correspondentes ao disposto no art.º 342º do Código Civil, tendo em conta o princípio da legalidade administrativa, sobre a Administração, recaí o ónus da prova da verificação dos respetivos indícios ou pressupostos da tributação, ou seja, dos pressupostos legais da sua atuação cabendo ao contribuinte provar a existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito.
Como se refere no Acórdão do STA de 23.05.07 n.º 0128/07 “(…) O entendimento sempre perfilhado é o de que à Administração cumpre apenas, tendo em conta o princípio da legalidade administrativa e em termos correspondentes ao disposto no artigo 342.° do Código Civil, o ónus da prova da verificação dos respectivos indícios ou pressupostos da tributação, ou seja, dos pressupostos legais da sua actuação.
E, ao invés, cabe ao contribuinte provar a existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito, seja, a efectiva existência das alegadas transacções.
Como se refere no dito acórdão de 17 de Abril,
[acórdão n.º 0102/02] “cabe à Administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, ou seja, (...) da existência dos factos de que depende legalmente que ela deva agir ou possa agir em certo sentido”, como factos constitutivos de tal direito, em termos daquele princípio da legalidade, segundo a sua actual compreensão, entendido não como mero limite à actividade da administração mas como fundamento de toda a sua actividade.
O que corresponde ao ensinamento de Vieira de Andrade, in Justiça Administrativa, 2ª edição, p. 269: “há-de caber, em princípio à Administração, o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável); em contrapartida, caberá ao administrado apresentar prova bastante da ilegalidade do acto, quando se mostrem verificados estes pressupostos”.
Assim “quando o acto da Administração se traduza na afirmação positiva da prática, pelo contribuinte, do facto tributário e da sua expressão quantitativa, é a ela que incumbe a prova da sua verificação, devendo a dúvida ser resolvida pelo tribunal contra ela” - Cfr. acórdão citado (…)”.
A sentença recorrida entendeu que os indícios recolhidos pela Administração Fiscal não eram suficientes para afastar a presunção da veracidade do preço de compra declarado na escritura pública compra e venda da fração DB, aqui em causa.
Vejamos então se a sentença recorrida valora erradamente os indícios coligidos pela Administração Fiscal.
Fluiu do probatório, não impugnado, que:
i) em sede de ação inspetiva realizada pela Inspeção Geral de Finanças no âmbito do regime de crédito bonificado pelo Estado, para aquisição de habitação própria e permanente, junto do Banco de Investimento Imobiliário, S.A., foi constatado que os preços declarados quanto a um conjunto de frações do empreendimento onde se insere a fração DB, em causa nos autos, serem substancialmente inferiores aos decorrentes da avaliação efetuada pelo banco;
ii) o empreendimento “Porto…”, onde se situa a fração, ter sido comercializado, em regime de exclusividade, pela sociedade R…, a qual informou que as frações, com a tipologia T1 e T2 haviam sido transacionadas por um valor superior ao declarado, de acordo com os elementos de escrita daquela mesma sociedade;
iii) o aqui Recorrente não autorizou o acesso às suas contas bancárias cujo acesso lhe havia sido solicitado pela Administração Tributária a coberto do ofício n° 312117 de 08.04.2005, tendo na sequência remetido documentos (dois cheques) destinados a comprovar o valor declarado de 69.582,31 €.
iv) Das diligências efetuadas, junto dos outros compradores, ficou demonstrado que o preço constante das escrituras de compra e venda realizadas e referentes ao empreendimento ‘Porto…” não corresponde ao preço efetivo da transação, o que levou à instauração do inquérito n° 232/05.5IDPRT na Divisão de Processos Criminais Fiscais da Direcção de Finanças do Porto.
v) A empresa vendedora confrontada com o projeto de correções do relatório de inspeção ao exercício de 2002 assumiu que o preço efetivo da fração DB foi de € 93.275,21, tendo regularizado a sua situação tributária em sede de IRC.
É certo que muitas dúvidas legítimas, se podem levantar, de como é que um prédio urbano adquirido em 2002, por apenas € 69.582,31, quando no mesmo empreendimento, e com a mesma tipologia foram vendidos por € 93.275,21.
Competiria a Administração Tributária, como bem refere a sentença recorrida, para proceder à correção à matéria tributável (com desconsideração do preço declarado no ato da compra) se tivesse adquirido a séria convicção, ainda que formada em factos indiciários sólidos e consistentes, que o preço da transmissão que havia sido declarado era inferior ao real.
Os indícios apresentados pela Administração Tributária espelhados no relatório de inspeção e transportados para o probatório são muito fluidos e genéricos.
A verificação num banco, de que os preços declarados quanto a um conjunto de frações do empreendimento onde se insere a fração DB, serem substancialmente inferiores aos decorrentes da avaliação efetuada pelo banco, por si só, sem se reportar concretamente à avaliação da fração em questão e ser averiguado se na aquisição da mesma houve recurso a financiamento, não é um indício seguro.
E o mesmo se diga da alegação que no empreendimento “Porto…”, onde se situa a fração, ter sido comercializado, em regime de exclusividade, pela sociedade R…, a qual informou que as frações, com a tipologia T1 e T2 haviam sido transacionadas por um valor superior ao declarado, de acordo com os elementos de escrita daquela mesma.
A Administração não cuidou de averiguar, se a fração em causa foi vendida com recurso a intermediação e tal esforço probatório não seria difícil quer junto da sociedade imobiliária quer pela análise da escritura pública.
Acresce que em sede de impugnação judicial, não ficou provado que o Recorrente não tenha utilizado qualquer intermediário na compra da fração, antes o tendo comprado diretamente à sociedade Jardins…, SA.
No que concerne às diligências efetuadas, junto dos outros compradores, ficou demonstrado que o preço constante das escrituras de compra e venda realizadas e referentes ao empreendimento ‘Porto…” não corresponde ao preço efetivo da transação, o que levou à instauração do inquérito n° 232/05.5IDPRT na Divisão de Processos Criminais Fiscais da Direção de Finanças do Porto, também não é um indício seguro pois nem sequer é referido se a fração em causa está incluído no referido inquérito.
Por fim, e no que concerne ao facto da empresa vendedora confrontada com o projeto de correções do relatório de inspeção ao exercício de 2002 assumir que o preço efetivo da fração DB foi de € 93.275,21, tendo regularizado a sua situação tributária em sede de IRC, é um juízo que não está alicerçado em qualquer prova substancial.
Preceitua o n.º1 do art.º 76.º da LGT que “ As informações prestadas pela inspeção tributária fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objetivos, nos termos da lei.”
A Administração Fiscal, não junta o modelo 22 do IRC, nem o projeto de relatório de inspeção da sociedade Jardins…, S.A, nem extrata qualquer passagem dele, que se reporte à referida fração, nomeadamente os valores apurados e valores a corrigir
Consta da matéria de facto, no ponto n.º 7 que . «Declaração» emitida pela JARDINS…, SA, NIPC 5…, com data de 16/11/2005 dirigida à aos Serviços de Inspecção Tributaria da Direcção de Finanças do Porto, que foi anexada ao Relatório de Inspecção (e constante de fls. 23 do Processo Administrativo) tem o seguinte teor:
«Declaramos ter entregue a declaração Modelo 22 referente a 2002 pagando, hoje--------- € sendo nesta incluídos os valores constantes do projecto de relatório de 2/11/05, no que concerne às vendas.
Assim, anexa-se fotocópia da referida declaração Modelo 22 enviada pela internet, bem como fotocópia do recibo de pagamento de €……… efectuado na Tesouraria do Bairro Fiscal Porto 5»
Da supra citada missiva não se pode extrair que a vendedora assumiu que o preço efetivo da fração DB foi de € 93.275,21, tendo regularizado a sua situação tributária em sede de IRC, pois dele nada consta.
Este indício, não seria de desperdiçar, mas a Administração Fiscal no relatório não o sustenta em critérios objetivos.
Por fim e no que concerne ao facto de o Recorrente não autorizar o acesso às suas contas bancárias, não pode ser interpretado como um indício, pois a recusa é legítima, no entanto, houve por parte do mesmo colaboração com a Administração Fiscal, fornecendo documentos e sugerindo diligência para o apuramento da verdade material.
Nesta conformidade, a Administração poderia ter ido mais longe, designadamente através da verificação da correção do preço pelo vendedor da fração em causa, avaliações efetuadas para efeito de venda, recurso a empréstimos bancários, os meios de pagamento utilizados pelo comprador cruzados com informação da vendedora e recolha de elementos junto da sociedade de intermediação imobiliária entre outros.
Assim, valorando as provas coligidas pela Administração, cada facto individualizado ou em conjunto, e conjugados entre si, segunda as regras de experiência, não são suscetíveis de constituir indícios seguros de que na escritura de compra e venda foi indicado valor mais baixo, não correspondendo ao valor real da transação.
À Administração Tributária não basta a enunciação, alegação ou suspeita para fundamentar a correção efetuada, antes tem de carrear provas nesse sentido e nos termos acima explanados o que, não o tendo feito, não pode a liquidação deixar de ser anulada.
Nesta conformidade, a sentença não incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, na medida em que valora corretamente os elementos de prova coligidos pela Administração Tributária, e face a esse juízo, não esta justificada a sua atuação devendo a dúvida ser resolvida pelo tribunal contra si.
Improcedendo assim todas as conclusões do recurso.


4.2 E assim formulamos as seguintes conclusões/Sumário:
Como tem sido entendimento pacífico da jurisprudência, e sustentado pelo artigo 74º nº 1 da LGT, em termos correspondentes ao disposto no art.º 342º do Código Civil, tendo em conta o princípio da legalidade administrativa, sobre a Administração, recaí o ónus da prova da verificação dos respetivos indícios ou pressupostos da tributação, ou seja, dos pressupostos legais da sua atuação cabendo ao contribuinte provar a existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito.

5. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, negar provimento ao recurso mantendo-se a sentença recorrida.
Custas nesta instância pela Recorrente.
Porto, 23 de novembro de 2017
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Travassos Bento