Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02064/13.8BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/15/2014
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos
Descritores:DISPENSA DA PRESTAÇÃO DE GARANTIA; RESPONSABILIDADE DO EXECUTADO; ÓNUS DE ALEGAÇÃO; FACTO NOTÓRIO
Sumário:1. Constitui pressuposto da dispensa da garantia a que alude o artigo 52.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária que a inexistência ou insuficiência de bens não seja responsabilidade do requerente;
2. Recai sobre o requerente o ónus de alegar os factos concretos que demonstrem a verificação desse pressuposto e que não sejam factos notórios – artigos 170.º, n.º 3, do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 87.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo.
3. Não constitui facto notório a relação entre a crise económico-financeira do país e a insuficiência de bens do requerente.
4. Não demonstra tal relação o requerente que se limita a declarar que a inexistência ou insuficiência de património para a prestação da garantia não resulta da sua atuação empresarial.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:S..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. Relatório

1.1. S... – Indústria Gráfica, Lda., n.i.f. 5…, com sede indicada na Rua…, 4470-114 Maia, recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a presente reclamação de atos do órgão de execução fiscal, que interpôs a coberto dos artigos 276.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário, tendo por objeto a decisão da Direção de Finanças do Porto que incidiu sobre o pedido de dispensa de prestação de garantia que formulou no processo de execução fiscal n.º 1805200501004140 e apensos.

Com a interposição do recurso, apresentou as respetivas alegações e formulou as conclusões que a seguir transcrevemos:

«IV - CONCLUSÕES

1º. A Recorrente não se conforma com a improcedência da Reclamação com fundamento na falta de alegação de factos concretos que permitissem concluir que a insuficiência ou inexistência de património não é da sua responsabilidade porquanto o Tribunal a quo, salvo o devido respeito, aplicou erradamente o direito.

2º. De acordo com o n.° 1 do artigo 169° do CPPT “a execução fica suspensa até decisão do pleito em caso de reclamação, impugnação judicial ou recurso judicial (…) desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195º ou prestada nos termos do artigo 199°...”

3º. Não obstante, pode a ATA, nos termos do nº 4 do artigo 52° da Lei Geral
Tributária (LGT), isentar o executado da prestação de garantia destinada à suspensão da execução fiscal, desde que:

iii) ocorra manifesta falta de meios económicos revelados pela insuficiência de bens penhoráveis;
iv) a insuficiência ou inexistência não seja da responsabilidade da executada.

4º. ORA, e estando-se num processo de natureza judicial, as regras aplicáveis em matéria de ónus da prova são as previstas no Código Civil, designadamente as que constam dos seus artigos 342° e 344°.

5º. O essencial deste critério de repartição do ónus da prova é também
adoptado no procedimento tributário, por força do disposto no n.° 1 do artigo 74° da LGT ao estabelecer que “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.

6º. Não obstante, e excepcionalmente, são afastadas as regras do artigo 342° do Código Civil “quando haja presunção legal, dispensa ou liberação do ónus da prova, ou convenção válida nesse sentido, e, de um modo geral, sempre que a lei o determine» e «quando a parte contrária tiver culposamente tomado impossível a prova ao onerado» (cfr. Artigo 344° do Código Civil).

7º. NESTE CONTEXTO é de concluir que é sobre o executado, que pretende a dispensa de garantia, invocando explícita ou implicitamente o respectivo direito, que recai o ónus de provar que se verificam as condições de que tal dispensa.

8º. CONTUDO, a dificuldade de prova que possa resultar para o executado em provar o facto negativo que é a sua irresponsabilidade na génese da insuficiência ou inexistência de bens não é obstáculo à atribuição do ónus da prova respectivo.

9º. ASSIM, a acrescida dificuldade da prova de factos negativos deverá ter
como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade,
uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, aplicando a máxima latina «iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur».

10º. O que, nesta situação, se reconduzirá, no mínimo, a dever-se considerar
provada a falta de culpa quando o executado demonstrar a existência de alguma causa da insuficiência ou inexistência de bens que não lhe seja imputável e não se fizer prova positiva da concorrência da sua actuação vara a verificação daquele resultado
” (in Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte proferido em 14/03/2013 no âmbito do processo 00997/12.8BEPRT) (sublinhado nosso)

11º. Entendimento, aliás, também, consagrado no acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 17/12/2008 proferido no âmbito do processo como n.° 327/08.

12º. ADICIONALMENTE, são ainda considerados, de acordo com o n.° 1 do artigo 5140 do Código de Procedimento Civil (CPC), factos notórios os que são do conhecimento geral, não carecendo, por isso, nem de alegação, nem de prova.

13º. Nestes termos, e na definição de Lebre de Freitas, são notórios os factos «conhecidos ou facilmente cognoscíveis pela generalidade das pessoas normalmente informadas de determinado espaço geográfico, de tal modo que não haja razão para duvidar da sua ocorrência.» (in Lebre de Freitas e Outros, Código de Processo Civil, anotado, Vol. 2.°, 2.ª ed., p. 428).

14º. NESTE ENQUADRAMENTO, resulta provado que a Recorrente tal como consta dos autos do Processo Gracioso, não dispõe de quais bens imóveis no seu património societário. não detém depósitos bancários que lhe permitam sustentar a apresentação de uma garantia daquele valor, nem dispõe de rendimentos que permitam obter uma garantia prestada por instituição bancária.

15º. ACRESCE QUE, resulta notório e é do conhecimento geral que o tecido empresarial português tem passado por uma grave e profundo crise económico-financeira o que tem determinado uma acentuada diminuição na procura,

16º. E um aumento dos custos de produção o que tem desaguado numa drástica redução dos seus resultados operacionais e tem colocado as empresas numa situação de clara dificuldade.

17º. Ora, de acordo com os documentos juntos aos autos resulta demonstrado documentalmente que em face da referida conjuntura económica [este um facto notório e do conhecimento geral] a ora Recorrente tem sofrido de forma paulatina uma redução dos seus resultados operacionais e financeiros.

18º. O que determinou uma diminuição da procura bem como do aumento dos encargos associados ao desenvolvimento da actividade por ela desenvolvida verifica-se uma clara insuficiência de bens para a Recorrente poder fazer face à prestação da supra mencionada garantia, situação essa que não lhe é, nem pode ser, imputada.

19º. FACE AO EXPOSTO, considerando a dificuldade de prova que possa resultar para o executado em provar o facto negativo que é a sua irresponsabilidade na génese da insuficiência, terá de ser exigido uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse.

20º. ASSIM, o facto de a ora Recorrente ter demonstrado que a comprovada insuficiência de bens necessários à prestação de garantia para efeitos de suspensão de execução deveu-se à conjuntura económica e respectivos efeitos nefastos no desenvolvimento da sua actividade económica,

21º. na medida em que esta determinou uma redução nos proveitos e um aumento dos encargos o que confluiu numa redução dos resultados operacionais e financeiros, e constitui fundamento para a degradação paulatina da situação económico-financeira da empresa,

22º. o mesmo cumpriu com o dever de prova quanto ao requisito de que a situação de inexistência e insuficiência de património não lhe era imputável.

23º. Neste enquadramento, andou mal o Tribunal a que ao negar provimento à reclamação e ao manter o acto reclamando.

24º. A sentença recorrida violou, assim, o disposto nos artigos 52° n.° 4 e 74º n.° 1 da LGT, 170° do CPPT, 342° e 344° do Código Civil e 514° n.° 1 do CPC.

25º. Nestes termos, assinalada a ilegalidade da decisão em recurso, não poderá deixar de se reparar a decisão proferida pelo Tribunal a que, concluindo-se pela revogação da sentença que julgou improcedente a reclamação e manteve a decisão reclamada e ordenar a anulação da decisão da ATA que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia.

Termos em que deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a Sentença a quo.

Com o que V. Exas. farão a habitual Justiça.

1.2. O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito devolutivo. A Recorrida não apresentou contra-alegações.

Os autos foram remetidos ao Supremo Tribunal Administrativo que, por decisão da Mmª Juiz Conselheira relatora, julgou verificado o erro na expedição dos autos e determinou a sua remessa para o tribunal indicado pela própria Recorrente. Ou seja, para este Tribunal Central Administrativo Norte.

Neste Tribunal, o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso.

Com dispensa dos vistos legais (artigos 36.º, n.º 2, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e 707.º, n.º 4, do Código de Processo Civil), cumpre agora apreciar e decidir, visto que nada a tal obsta.

2. Do Objeto do Recurso

A única questão a decidir é a de saber se o tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento ao concluir que a Recorrente não alegou nem provou que a insuficiência ou inexistência de património não é da sua responsabilidade.

3. Do Julgamento de Facto

Foi o seguinte o julgamento de facto em primeira instância:

«Factos provados com interesse para a decisão da causa:

1. A reclamante S... – Industria Gráfica, Lda., com o NIPC 5…foi notificada em 26.03.2010 para penhora de créditos n.º 1805201000000029331, no âmbito do PEF n.º 1805200501004140, que a AF instaurou contra L…, com o NIPC 5… (fls. 228 e ss., do PEF em anexo);

2. Em face do silêncio da Reclamante a AF instaurou execução contra a ora Reclamante;

3. A Reclamante foi citada em 29.03.2011 (fls. 239 e ss., do PEF em anexo);

4. A Reclamante deduziu Oposição à execução fiscal que corre neste Tribunal sob o n.º 2431/11;

5. Em 23.05.2011 a Reclamante requereu ao OEF a dispensa da prestação de garantia para suspensão da execução fiscal (fls. 320 e ss. do PEF em anexo);

6. Tendo alegado, no que se refere à questão da responsabilidade o seguinte:

A executada declara que a inexistência ou insuficiência de património para a prestação da garantia não resulta da sua actuação empresarial cfr. Art. 52.º, n.º 4, da LGT

(art. 13.º, do requerimento, consultado no sitaf, no processo 2756/11, uma vez que o de fls. 320 do PEF está incompleto);

7. O que lhe foi indeferido por despacho do OEF de 27.06.2011 (fls. 327 e ss., do PEF em anexo);

8. A reclamante apresentou reclamação do acto do órgão de execução fiscal (RAOEF) que correu termos neste Tribunal sob o n.º 2756/11;

9. A qual foi julgada improcedente;

10. A Reclamante apresentou recurso para o TCANorte, que veio a ser julgado procedente, por acórdão de 14.03.2012;

11. Do referido acórdão consta a decisão seguinte:

(…) Do que vimos de dizer se conclui que a sentença recorrida ao ter julgado improcedente a reclamação deduzida pela recorrente com fundamento da falta de alegação por parte desta de factos que a mesma não estava, concretamente, obrigada a alegar, incorreu em erro de julgamento implicante da respectiva revogação com a consequente procedência do recurso. Decisão. Assim pelo exposto, acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em: a) revogar a sentença recorrida; em substituição julgar a reclamação procedente e, em consequência anular a decisão reclamada.

12. Por despacho do OEF de 05.03.2013 foi indeferido o pedido de dispensa de garantia (fls. 569, do PEF em anexo);

13. Daquela decisão consta o seguinte:

Concordo. Nos termos e com os fundamentos da presente informação, indefiro o pedido;

14. Da respectiva informação conta o teor seguinte:

(…) Apreciação do pedido

1 – Quanto à manifesta insuficiência de meios económicos: a) Relativamente a esta matéria, o TAF do Porto a fls. 433, já tinha dado como assente.

2 – Do conceito de prejuízo irreparável causado pela prestação de garantia:

a) Torna-se irrelevante a apreciação deste quesito, para a decisão da causa.

3 – Importa verificar, se cumulativamente está preenchido o requisito da falta de responsabilidade do executado, para as situações referidas:

Para a verificação deste pressuposto, deve ser prestada prova pelo reclamante de que não lhe é imputável a insuficiência de bens no seu património.

No caso das pessoas colectivas, apenas está verificado o pressuposto, nos casos em que a dissipação dos bens esteja na sai absoluta indisponibilidade, como nos casos de catástrofe natural ou humana imprevisível.

Fora destes casos, existirá sempre uma responsabilidade da empresa pelo destino dado aos bens ou da falta de meios, com base na actuação dos seus gerentes (art. 64.º, do CSC).

A requerente não prova, que não lhe cabe a responsabilidade pela insuficiência de bens.

Pelo que não se encontra demonstrada a falta de responsabilidade na insuficiência dos bens, para garante da divida.

Conclusão

O TAF deu como provado que a executada não tinha bens para prestar garantia idónea.

A dispensa de garantia só é admissível no caso da prestação causar prejuízo irreparável ao devedor ou manifesta falta de meios para a prestar desde que em ambos os casos, não seja da sua responsabilidade, o qual não provou…

15. Deste despacho a reclamante deduziu a presente reclamação;

16. Por despacho do OEF, de 13.08.2013, foi mantido o despacho reclamado (fls. 24).


*

Factos não provados:

Com interesse para a decisão da causa não houve.


*

MOTIVAÇÃO.

O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque (art. 74.º, n.º 1, da LGT).

A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita (art. 516.º do CPC).

O tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa, com base na análise conjugada e crítica dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados, e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados (art. 74.º da Lei Geral Tributária (LGT)), também são corroborados pelos documentos juntos aos autos (arts. 76.º, n.º 1, da LGT e 362.º e seguintes do Código Civil (CC)), nomeadamente, aqueles para os quais se remete no probatório.

Os restantes factos alegados não foram julgados provados ou não provados, por constituírem considerações pessoais ou conclusões de facto ou de direito e por não terem relevância para a decisão da causa.»

4. Do Julgamento de Direito

Vem o presente recurso interposto da douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que, por falta de verificação do requisito da dispensa da prestação da garantia que retira da parte final do n.º 4 do artigo 52.º da Lei Geral Tributária (que «a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado»), julgou improcedente a reclamação da decisão do órgão de execução fiscal que indeferiu o pedido respetivo.

Na fundamentação do assim decidido, consignou-se, a este respeito, na douta sentença o seguinte:

«(…) No caso concreto, conforme resulta do probatório o Reclamante limitou-se a alegar de forma conclusiva a referir que a inexistência ou insuficiência do património para prestar garantia não resulta da sua actuação empresarial, o que não basta por si só para se considerar verificado o requisito legalmente exigido pelo art. 52.º, n.º 4, da LGT.

Portanto, a Reclamante não alegou quaisquer factos concretos que pudessem conduzir aquela conclusão de que a insuficiência ou inexistência de património não é da sua responsabilidade, ficando-se pela asserção conclusiva.

E como o ónus de tal alegação e prova impende sobre o Reclamante, nos termos atras expostos, terá de ser decidida contra ele a falta da sua demostração. (…)» (pág. 15 da douta sentença, fls. 62 dos autos).

Com o assim decidido não se conforma a Recorrente por entender, na essência, que:

«(…) de acordo com os documentos juntos aos autos resulta demonstrado documentalmente que em face da referida conjuntura económica [este um facto notório e do conhecimento geral] a ora Recorrente tem sofrido de forma paulatina uma redução dos seus resultados operacionais e financeiros.

Em consequência da diminuição da procura bem como do aumento dos encargos associados ao desenvolvimento da actividade por ela desenvolvida verifica-se uma clara insuficiência de bens para a Recorrente poder fazer face à prestação da supra mencionada garantia, situação essa que não lhe é, nem pode ser, imputada.» (pág. 10 das doutas alegações de recurso, fls. 78 dos autos).

Mas a Recorrente não tem razão.

Assinale-se, como ponto prévio, que não está em causa – e a Recorrente reconhece-o expressamente – que sobre si recaía o ónus de alegar e provar os factos integradores dos requisitos de dispensa da prestação da garantia.

Que é sobre quem requer a dispensa da garantia que recai o ónus de alegar factualidade integradora dos requisitos de dispensa da prestação da garantia decorre, de resto, do artigo 170.º, n.º 3, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, segundo o qual o pedido respetivo deve ser «fundamentado de facto».

E que é sobre quem requer a dispensa da garantia que recai o ónus de provar essa factualidade resulta do artigo 74.º da Lei Geral Tributária, segundo o qual a prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária e dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Dispositivo que aqui se invoca atendendo ao facto de estarmos perante um procedimento tributário enxertado na execução fiscal, como tem entendido maioritariamente a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (ao qual serão, por isso aplicáveis em primeira mão as regras próprias dos procedimentos tributários). Com o que, de resto, a Recorrente expressamente concorda (vd. 5.ª e 7.ª conclusões do recurso).

É verdade, no entanto, que não carecem de alegação nem de prova os factos notórios – artigo 87.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo, aplicável subsidiariamente aos procedimentos tributários a coberto do artigo 2.º, alínea d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

O facto é notório quando uma pessoa de normal diligência o teria podido notar – artigo 257.º, n.º 2, do Código Civil (o conceito de facto notório do direito civil é aqui invocável por outro não decorrer das leis tributárias – artigo 11.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária). Sendo que qualquer pessoa regularmente informada teria podido notar que, à data em que foi requerida a dispensa da prestação da garantia, Portugal atravessava um período de crise económico-financeira que afetou negativamente a procura de bens transacionáveis e de serviços e, por essa via, as empresas que exerciam a atividade nesses setores e no mercado interno. Pelo que a crise económico-financeira e a acentuada diminuição da procura de bens e serviços no mercado interno poderá ser considerada um facto notório, que não careceria de alegação.

Mas já não é um facto notório que a crise económico-financeira tenha provocado uma acentuada diminuição da procura de bens ou serviços transacionados pela Recorrente. De um lado, porque a crise não afetou nem afetou do mesmo modo todas as empresas, nem sequer todas as empresas que operavam no mercado interno, nem sequer todas as empresas do mesmo setor de atividade. De outro lado, porque não é do conhecimento geral nem é acessível aos meios normais de informação a posição de mercado da Recorrente nem a variação da procura de bens e serviços que presta. Finalmente, porque não sendo do conhecimento geral todos estes fatores, também não o pode ser a relação de causalidade entre a crise económico-financeira e a invocada diminuição da procura.

Assim sendo, competia à Recorrente alegar e demonstrar, através de factos concretos, que a insuficiência de meios económicos se deveu à indicada diminuição da procura nos anos em causa e que essa diminuição se ficou a dever, por sua vez, ao referido facto notório, a crise economico-financeira.

Ora, na douta sentença ficou consignado – e a Recorrente nunca o pôs em causa – que a respeito da responsabilidade pela insuficiência de bens esta se limitou a declarar que a inexistência ou insuficiência de património para a prestação da garantia não resulta da sua atuação empresarial (cfr. ponto 6 dos factos provados).

Quer dizer: a Recorrente nem sequer tentou demonstrar o que quer que fosse. Limitou-se a anunciar que não existia relação entre a atuação empresarial e a insuficiência de bens. Trata-se de uma declaração completamente despida de factualidade justificativa, sem quaisquer dados factuais que a sustentem e que possam ser externamente confirmados e sem – por conseguinte – fundamentação de facto alguma.

Por outro lado a Recorrente também não aludiu ali a nenhuma crise económico-financeira do país. Pelo que também não invocou nenhuma relação de causalidade entre essa insuficiência de bens e a propalada crise. E já vimos que o facto de ser dispensada a alegação dos factos que demonstrem a ocorrência de uma crise que seja do conhecimento geral não significa que deva também ser dispensada a invocação da relação entre essa crise e a insuficiência de bens da requerente e a referenciação dos factos que tal demonstrem. Porque isso já não é do conhecimento geral.

Veio agora a Recorrente aludir a uma paulatina redução dos seus resultados operacionais e financeiros resultante dessa crise financeira. E que isso mesmo resulta dos documentos juntos aos autos.

Mas também a paulatina redução dos resultados operacionais e financeiros não passa de uma afirmação de natureza conclusiva, que não está minimamente consubstanciada em dados concretos para que o tribunal pudesse agora acompanhar. A Recorrente não o fez nem sequer por remissão para o específico teor de determinados documentos que tivesse inserido nos autos, tendo-se limitado a remeter o tribunal, de forma absolutamente vaga e genérica, para «os documentos juntos aos autos». Remetendo, por isso, para o próprio tribunal de recurso a tarefa de desencantar do processo os factos concretos que pudessem sustentar essa afirmação e assumir, do mesmo passo, que foram os que não alegou mas que concerteza teria pretendido alegar.

O mesmo se dizendo da relação entre a anunciada redução desses resultados e a conjuntura económica, de um lado, e a insuficiência de bens, do outro. Extrapolações que o tribunal nunca conseguiria fazer, sem ter dados sobre a sua estrutura empresarial, a sua clientela ou as suas condições de mercado.

Mas o que é mais importante é que, não tendo sido a factualidade correspondente invocada no requerimento de dispensa da garantia e não sendo a mesma do conhecimento oficioso da administração, também não poderia agora servir para sustentar a ilegalidade da decisão administrativa que sobre esse requerimento incidiu ou o acerto da decisão judicial recorrida.

Pelo que o recurso não merece provimento e a douta sentença recorrida deve ser confirmada.

5. Conclusões

5.1. Constitui pressuposto da dispensa da garantia a que alude o artigo 52.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária que a inexistência ou insuficiência de bens não seja responsabilidade do requerente;

5.2. Recai sobre o requerente o ónus de alegar os factos concretos que demonstrem a verificação desse pressuposto e que não sejam factos notórios – artigos 170.º, n.º 3, do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 87.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo.

5.3. Não constitui facto notório a relação entre a crise económico-financeira do país e a insuficiência de bens do requerente.

5.4. Não demonstra tal relação o requerente que se limita a declarar que a inexistência ou insuficiência de património para a prestação da garantia não resulta da sua atuação empresarial.

6. Decisão

Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao presente recurso.

Custas pela Recorrente.

Porto, 15 de Maio de 2014

Ass. Nuno Bastos

Ass. Fernanda Esteves

Ass. Pedro Vergueiro