Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01381/10.3BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/27/2014
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Pedro Marchão Marques
Descritores:DESPACHO DE REVERSÃO; GERÊNCIA.
Sumário:i) A garantia do duplo grau de jurisdição não subverte o princípio da livre apreciação das provas (cfr. art. 655.º, n.º 1 do CPC, actualmente o art. 607.º, n.º 5) já que o juiz aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, sendo que, na formação dessa convicção, não intervêm apenas factores racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que, em caso algum, podem ser importados para o registo escrito, para a gravação vídeo ou áudio;
ii) Na reapreciação da matéria de facto ao tribunal de recurso apenas cabe um papel residual, limitado ao controle e eventual censura dos casos mais flagrantes, como sejam aqueles em que o teor de algum ou alguns dos depoimentos prestados no Tribunal a quo lhe foram indevidamente indiferentes, ou, de outro modo, eram de todo em todo inidóneos ou ineficientes para suportar a decisão a que se chegou.
iii) Para se afirmar a responsabilidade subsidiária dos gerentes por dívidas tributárias exige-se a demonstração de que os mesmos exerceram a gerência de modo efectivo ou de facto.
iv) É sobre a Administração Tributária, enquanto exequente e como titular do direito de reversão, que recai o ónus de alegar e provar os factos integradores do efectivo exercício da gerência, não existindo qualquer presunção legal que imponha a conclusão de que quem tem a qualidade de gerente de direito exerceu a gerência de facto.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:G...
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A Fazenda Pública (Recorrente), não se conformando com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a oposição deduzida por G...(Recorrido), na qualidade de responsável tributário subsidiário, no processo de execução fiscal n.º 3468200701047990 e apensos, originariamente instaurada contra a sociedade “G...– Transportes Expresso, Lda.”, por dívidas de IRC de 2005 e de IVA de 2006, no valor global de EUR 9.093,19, dela veio interpor o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:

A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a oposição deduzida contra a reversão efectuada contra o aqui oponente nos autos de execução fiscal n.º 3468200701047990 e apensos, instaurado pelo serviço de finanças de Gondomar 2 para cobrança de dívidas de IRC do ano de 2005 e IVA do ano de 2006, em que é executada a devedora originária G… Transporte Expresso Lda., NIPC 5….

B. Entendeu o Tribunal a quo que a AT não logrou provar os pressupostos necessários à efectivação da responsabilidade subsidiária, por via reversão da execução operada nos presentes autos, nomeadamente, o exercício efectivo da gerência de facto da devedora originária por parte do oponente, bem como, a sua culpa pela insuficiência do património da sociedade, concluindo pela procedência da presente oposição.

C. Contudo, não pode a Fazenda Pública concordar com este entendimento, perfilhando a convicção que a sentença sob recurso incorre em erro de julgamento de facto e de direito, porquanto, por um lado, foram juntos aos autos elementos suficientes que provam o exercício de facto das funções de gerente pelo aqui oponente, e,

D. por outro lado, uma vez provado esse exercício efectivo de funções, não era à AT a quem incumbia a prova da culpa pela inexistência de bens na esfera da sociedade, devedora originária, mas sim, era sobre o oponente que recaía o ónus de provar que não foi por sua culpa que as dívidas não foram pagas, o que não logrou fazer.

E. Quanto à gerência de facto, estatui o art. 24º, n.º 1, da LGT, que a responsabilidade subsidiária prevista no art. 23º depende do exercício, de facto, das funções de gerência da devedora originária, sendo jurisprudência assente que da mera designação de gerente de uma sociedade comercial não se presume que a pessoa nomeada exerceu, de facto, essas funções.

F. Assim, não existindo qualquer presunção legal quanto ao exercício da gerência de facto a partir da gerência de direito, a conclusão de que o nomeado gerente exerceu, na realidade, essas funções constituirá um juízo judicial, a assentar em factos instrumentais, analisados segundo as regras da experiência comum.

G. Entende a Fazenda Pública que andou mal o Tribunal a quo na avaliação da matéria de facto, uma vez que, sendo certo que o oponente foi nomeado gerente da sociedade, devedora originária, a verdade é que não pode o Tribunal concluir como não provado esse exercício de funções quando é exactamente o oponente que as assume na sua PI, ao que acresce, ainda, todos os elementos juntos aos autos que, exactamente, comprovam essa confissão do oponente.

H. Resulta directamente da PI, nomeadamente nos seus artigos 8º e ss, a confissão do oponente que, de facto, exerceu as funções de gerência da sociedade devedora originária.

I. Declara o oponente na PI que em finais do ano de 2003 “o sócio Júlio, que era quem estava responsável pela gestão e administração da sociedade e tinha o know how, ausentou-se do país por diversos problemas de ordem pessoal”, cfr. artigo 6º da PI, acrescentando que perante esse facto “não conseguiu fazer face a todas as situações com que se deparava”, cfr. artigo 8º da PI, continuando no artigo 9º, “…apesar dos esforços, não conseguiu que a sociedade vingasse…” e no artigo 10º, “A gestão do aqui oponente, apesar de esforçada, não foi bem sucedida”, para concluir “Do exposto resulta inexistir culpa…”, cfr. artigo 14º da PI.

J. Ou seja, o próprio oponente confessa que assumiu a gerência de facto da sociedade, desde finais do ano de 2003, devido à ausência do outro sócio-gerente Júlio.

K. Ao que não serão alheios todos os elementos de prova desse exercício de funções por parte do oponente constantes dos autos, que, de resto, integram a matéria de facto assente, nomeadamente,

Em 10-04-2003 subscreveu requerimento dirigido ao chefe de finanças de Gondomar, informando o extravio dos livros de facturas – cfr. ponto 5 da matéria assente;

O oponente foi citado como sócio gerente da devedora originária - cfr. ponto 6 da matéria assente, sendo que uma das citações ocorreu em 17-12-2003;

Subscreveu, na qualidade de representante legal da sociedade devedora originária, declarações de alterações – cfr. ponto 4 da matéria assente, sendo que uma das quais subscrita em 24-03-2004;

Nos anos de 2003, 2004 e 2005, a declaração anual de IRS, IRC, IVA e Imposto de Selo, foi entregue com a menção do NIF do ora oponente, enquanto representante legal.

L. Do exposto resulta provado que o oponente exerceu, de facto, a gerência da sociedade devedora originária não apenas a partir de finais do ano de 2003, conforme confessa na PI, mas mesmo já anteriormente a essa data, uma vez que comunicou o extravio de 250 facturas em 10-04-2003.

M. Pelo que, deveria o meritíssimo Juiz ter dado como provado a gerência de facto exercida pelo oponente, uma vez que, quer em face da confissão do oponente, quer, ainda, em face dos elementos de prova juntos aos autos, apenas poderia concluir que o oponente foi quem exercia as funções de gerente da devedora originária no período a que respeita a dívida.

N. Incorrendo o Tribunal recorrido em erro de julgamento de facto ao valorar, como valorou, o depoimento prestado pelo filho do oponente, segundo o qual, o oponente “deu nome” à sociedade, e que era o sócio gerente Júlio quem geria a empresa até aos anos de 2005/2006, altura em que se ausentou do país, uma vez que esse depoimento contraria o declarado pelo próprio oponente, quer quanto à confissão do exercício de gerência, quer quanto à data da ausência do referido Júlio (finais de 2003), quer ainda, quanto a toda a prova documental junta aos autos.

O. Quanto ao ónus da prova da culpa, estipula o art. 24º, n.º 1, da LGT, dois regimes diferenciados de responsabilização dos gerentes, responsáveis subsidiários, pelas dívidas constituídas pela sociedade da qual foram gerentes, determinando na sua al. a) que, no caso do exercício do cargo de gerência em período anterior ao termo do prazo legal de pagamento, é à AT a quem incumbe fazer a prova da culpa do gerente pela insuficiência do património da sociedade, ao invés do determinado na al. b), no caso do exercício do cargo de gerência no período em que terminou o prazo legal de pagamento, que faz recair sobre o gerente o ónus da prova de que a falta de pagamento da dívida não lhe é imputável, independentemente de ter exercido, ou não, essas funções aquando dos factos constitutivos das dívidas3.

P. Conforme acima exposto, o oponente exerceu a gerência de facto da sociedade, devedora originária, também no período em que terminou o prazo legal de pagamento das dívidas, tendo sido, por isso, responsabilizado nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 24º da LGT, conforme consta na carta de citação da reversão realizada, cfr. ponto 12 da matéria de facto assente.

Q. Deste modo, também errou o meritíssimo Juiz ao concluir que a AT não alegou nem provou que foi por culpa do oponente que o património da sociedade se tornou insuficiente, uma vez que, ao invés do concluído, era sobre o oponente que recaía o ónus de provar que a falta de pagamento da dívida não lhe é imputável, nos termos da referida al. b) do art. 24º da LGT.

R. Prova essa, da falta de culpa pelo não pagamento, que não logrou, sequer, fazer, atendendo a que para afastar a presunção de culpa consagrada na referida al. b) não basta arguir genericamente os “esforços” despendidos ou a não locupletação “à custa da empresa”.

S. Neste contexto e com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, porquanto considera existir erro de julgamento quanto à matéria de facto, por errada valoração dos elementos constantes dos autos de execução, e erro de julgamento quanto à matéria de direito.

Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, por verificação de erro de julgamento sobre a matéria de facto e de direito.




O Recorrido, G..., não apresentou contra-alegações.

Neste Tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, defendendo a improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.


I. 1. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar:

- Se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito ao não ter considerado que o executado ora Recorrido havia exercido de facto a gerência da devedora originária, com o que o julgou parte ilegítima na execução.



II. Fundamentação

II.1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto:

1 - Foi instaurado à sociedade G...Transportes Expresso, Ld.a, pelo Serviço de finanças de Gondomar 2, o Processo de execução fiscal n.° 346820070l047990, por dívidas de IRC de 2005 e IVA de 2006 - Cfr. fls. 15 a 17 dos autos;

2 - Em 11 de Janeiro de 2010, foi emitida informação no seio do serviço de finanças de Gondomar 2, dela se extraindo, com interesse para a decisão a proferir, o que segue:

“[…]

2. Compulsados os elementos disponíveis no sistema informático, constata-se que em nome da firma devedora não são conhecidos quaisquer bens passíveis de penhora.

3. Encontram-se assim reunidas as condições previstas no n.° 2 do artigo 153.º

do (C.P.P.T.) para o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários.

[…]”

3 - Desde a data de constituição da sociedade G..., Ld.ª, que o Oponente é um dos dois sócios-gerentes - Nos termos da escritura de constituição, lavrada em 09 de Julho de 2001, e da matricula da sociedade, n.° 55397/20010725 - Cfr. fls. 24 a 33 dos autos;

4 - O Oponente subscreveu, na qualidade de representante legal da sociedade devedora originária, declarações de alteração – Cfr. fls. 36 e 37, 46 e 47 dos autos;

5 - Em 10 de Abril de 2003, o Oponente subscreveu requerimento dirigido ao Chefe de finanças de Gondomar, informando o extravio dos livros de facturas que compreende as facturas n.°s 51 a 300 - Cfr. fls. 49 elos autos;

6 - No âmbito do PEF e apensos, o Oponente foi citado como sócio gerente da devedora originária - Cfr. fls. 50 a 52 dos autos;

7 - Nos anos de 2003, 2004 e 2005, a declaração anual de IRS, IRC, IVA e Imposto do selo, foi entregue com a menção do NIF do ora Oponente, enquanto representante legal - Cfr. fls. 36 e 37, 46 e 47 dos autos;

8 - Por despacho datado de 08 de Janeiro de 2010, o Chefe de finanças de Gondomar 2, face ao constante da informação referida em 2) supra, determinou a preparação da reversão da execução contra o Oponente, tendo o mesmo sido citado para audição nessa mesma data - Cfr. fls, 71 e 72 dos autos;

9 - Em 16 de Março de 2010, no serviço do serviço de finanças de Gondomar 2, foi proferida informação, da qual, com interesse, para aqui se extrai o que segue:

“Não foram recebidas quaisquer respostas às notificações pura audição prévia

[…]

Analisados os elementos constantes da informação a fls. 9, da Certidão emitida pela Conservatória do Registo Comercial, constante a fls 7/8, verifiquei que foram notificados os subsidiários responsáveis que exerciam as funções de gerência no período a que respeitam as dívidas.

[…]”

10 - Nesse mesmo dia 16 de Março de 2010, o Chefe do Serviço de finanças de Gondomar 2, enunciou os fundamentos da reversão, nos termos que, por facilidade, para aqui se extraem como segue:

“Pela informação a fls. 9, dos autos, conclui-se pela inexistência de bens penhoráveis da executada originária […]

Havendo inexistência de bens penhoráveis da devedora para pagamento da divida tributária […]

Verifica-se a condição prevista na alínea a) do n.º 2 do art. 153.º do CPPT, para o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários, nomeadamente os sócios, que na data da dívidas exerciam as funções de gerência, conforme consta da certidão emitida pela Conservatória do Registo Comercial de Gondomar […]”

11 - Em 22 de Março de 2010, o Oponente foi citado em reversão - Cfr. fls. 75 a 77 dos autos;

12 - Da citação em reversão extrai-se, em sede dos Fundamentos da reversão, o que segue:

“Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do beneficio da excussão (art. 23°/n.° 2 da LGT):

Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento /entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art. 24°/n° 1/b) da LGT]”

13 - O Oponente “deu o nome” à sociedade, para ajudar o seu filho mais velho, e lhe garantir emprego, dela não tendo retirado qualquer rendimento, sendo o sócio gerente Júlio, quem geria a empresa, contratando funcionários e alugando as carrinhas para distribuição, até aos anos de 2005/2006, altura em que o mesmo se ausentou do país - Nos termos do depoimento prestado por G..., que pese embora ser filho do Oponente, julgamos prestado com isenção e imparcialidade, o que permitiu fixar a factualidade como enunciada neste item;

14 - Desde os anos de 2005/2006, que a sociedade G...Ld.ª não mais funcionou, por nela não mais estar aquele que detinha o “Know how”, o sócio gerente Júlio - Nos termos do depoimento prestado por G..., que pese embora ser filho do Oponente, julgamos prestado com isenção e imparcialidade, o que permitiu fixar a factualidade como enunciada neste item;

15 - A sede da G...Ld.ª” era na garagem da casa onde habitava o Oponente, na qual não havia escritório - Nos termos do depoimento prestado por G..., que pese embora ser filho do Oponente, julgamos prestado com isenção e imparcialidade, o que permitiu fixar a factualidade como enunciada neste item;

16 - A Petição inicial que motiva os presentes autos de Oposição, foi entregue no Serviço de finanças de Gondomar em 19 de Abril de 2010 - Cfr. fls. 5 dos autos.

Com interesse para a decisão a proferir, nada mais se julgou provado ou não provado.

Dão-se aqui como integralmente enunciados, os documentos enunciados nos factos supra.



II.2. De direito

A Recorrente aponta erro de julgamento sobre a matéria de facto à decisão do Mmo. Juiz do TAF do Porto, concluindo que “deveria o meritíssimo Juiz ter dado como provado a gerência de facto exercida pelo oponente, uma vez que, quer em face da confissão do oponente, quer, ainda, em face dos elementos de prova juntos aos autos, apenas poderia concluir que o oponente foi quem exercia as funções de gerente da devedora originária no período a que respeita a dívida” (conclusão L. do recurso). Mais alega que o Tribunal recorrido errou ao valorar, como valorou, o depoimento prestado pelo filho do oponente, segundo o qual, aquele apenas “deu nome” à sociedade e que era o sócio-gerente Júlio quem geria a empresa até aos anos de 2005/2006, altura em que se ausentou do país.

Vejamos pois, estando em causa a matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo, concretamente o seu ponto 13 (derivada da prova testemunhal produzida), a par da pretensão de levar ao probatório factualidade alegadamente confessada e que respeita ao suposto exercício efectivo da gerência pelo oponente.

Quanto à valoração do meio de prova efectuada pelo Tribunal a quo, consubstanciando a questão uma divergência quanto à valoração dada ao depoimento da testemunha inquirida em Juízo, importa desde logo ter presente, como primeira premissa de análise, que a garantia de duplo grau de jurisdição em matéria de facto (art.º 712.º do CPC, na redacção aplicável) deve harmonizar-se com o princípio da livre apreciação da prova (idem, art. 655.º, n.º 1).

Como se refere, a este propósito no Acórdão do STA de 18.03.2004, Recurso n.º 065/04: “A valoração do depoimento das testemunhas situa-se no domínio da livre apreciação da prova enunciada no artigo 655º do C.P.C., intimamente conexionado com o princípio da mediação. As respostas do tribunal colectivo não constituem proposições isoladas. O sentido da decisão sobre determinado ponto da matéria de facto pode ser extraído, por interpretação, no contexto das demais respostas e da respectiva fundamentação e em conjugação com a fonte de que emerge a formulação do respectivo quesito”.

De igual modo, se concluiu no Acórdão do STA de 19.10.2005, Recurso n.º 0394/05: “O Tribunal de recurso só deve modificar a matéria de facto quando a convicção do julgador, em 1ª instância, não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se assim a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova e à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto.
O art. 690-A do CPC impõe ao recorrente o ónus de concretizar quais os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e de indicar os meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida.

Este artigo deve ser conjugado com o 655° do C.P.Civil que atribui ao tribunal o poder de apreciar livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto. Daí que dos meios de prova concretamente indicados como fundamento da crítica ao julgamento da matéria de facto deva resultar claramente uma decisão diversa. É por essa razão que a lei utiliza o verbo “impor”, com um sentido diverso de, por exemplo, “permitir” [sublinhado nosso]. Esta exigência decorre da circunstância do tribunal de recurso não ter acesso a todos os elementos que influenciaram a convicção do julgador, só captáveis através da oralidade e imediação e, muitas vezes, decisivos para a credibilidade dos testemunhos. (‘É pacifico o entendimento dos Tribunais da Relação, neste ponto. Só deve ser alterada a matéria de facto nos casos de manifesta e clamorosa desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando assim prevalência ao princípio da oralidade, da prova livre e da imediação - cfr. ANTONIO SANTOS ABRANTES GERALDES, in “TEMAS DA REFORMA DO PROCESSO CIVIL”, II volume, 4ª edição, 2004, págs. 266 e 267 e o Acórdão da Relação do Porto de 2003-01-09, na Internet, in www.dgsi.pt, JTRP00035485 e o Acórdão da Relação de Lisboa de 2001-03-27, in Colectânea de Jurisprudência, Ano XXVI-2001, Tomo II, págs. 86 a 88). Entendimento semelhante posto em causa no Tribunal Constitucional por ofensa da garantia do duplo grau de jurisdição, foi considerado conforme à constituição (...): “A garantia do duplo grau de jurisdição não subverte, nem pode subverter, o princípio da livre apreciação das provas e não se pode perder de vista que na formação da convicção do julgador entram, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova e factores que não são racionalmente demonstráveis”, de tal modo que a função do Tribunal da 2ª-. Instância deverá circunscrever-se a “apurar a razoabilidade da convicção probatória do 1° grau dessa mesma jurisdição face aos elementos que agora lhe são apresentados nos autos” Acórdão de 13.10.2001, in Acórdãos do T. C. vol. 51°, pág. 206 e ss..)” [sublinhado nosso].

Ou seja, dos meios de prova concretamente indicados como fundamento da crítica ao julgamento da matéria de facto deve resultar claramente uma decisão diversa (cfr. também o Acórdão do STA de 6.07.2006, Recurso n.º 220/06, bem como, i.a., os Acórdãos deste TCAN de 8.03.2007, Processo n.º 110/06 e de 12.07.2013, Processo n.º 123/05.0BEVIS).

Como já defendia Alberto dos Reis (in Código de Processo Civil Anotado, vol. IV, p. 137): “É já hoje lugar-comum a nota de que tanto ou mais do que o que o depoente diz vale o modo por que o diz, é que se as declarações contam, contam também as reticências, as hesitações, as reservas, enfim a atitude e a conduta do declarante no acto do depoimento (…).”

Com efeito, como se escreveu no referido Ac. deste TCAN de 8.03.2007: “Daí que a convicção do tribunal se forma de um modo dialéctico, pois, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas produzidas nos autos, importa atender também à análise conjugada das declarações produzidas e dos depoimentos das testemunhas, em função das razões de ciência, da imparcialidade ou falta dela, das certezas e ainda das lacunas, das contradições, das hesitações, das inflexões de voz, da serenidade, dos “olhares de súplica” para alguns dos presentes, da "linguagem silenciosa e do comportamento", da própria coerência de raciocínio e de atitude demonstrados, da seriedade e do sentido de responsabilidade evidenciados, das coincidências e inverosimilhanças que transpareçam no decurso da audiência de julgamento entre depoimentos e demais elementos probatórios.

Ao invés do que acontece nos sistemas da prova legal em que a conclusão probatória está prefixada legalmente, nos sistemas da livre apreciação da prova, como o nosso, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do discussão em sede de julgamento, com base apenas no juízo que se fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.

Note-se, contudo, que este sistema não significa puro arbítrio por parte do julgador. É que este, pese embora, livre, no seu exercício de formação da sua convicção, não está isento ou eximido de indicar os fundamentos onde aquela assentou por forma a que, com recurso às regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquele processo de formação da convicção sobre a prova ou não prova daquele facto, permitindo, desta feita, sindicar-se o processo racional da própria decisão.

Aliás, a nossa lei processual determina e faz impender sobre o julgador um ónus de objectivação da sua convicção, através da exigência da fundamentação da matéria de facto (da factualidade provada e da não provada), devendo aquele analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção (cfr. art. 653.º, n.º 2 do CPC).

É que não se trata de um mero juízo arbitrário ou de simples intuição sobre veracidade ou não de uma certa realidade de facto, mas antes duma convicção adquirida por intermédio dum processo racional, objectivado, alicerçado na análise critica comparativa dos diversos dados recolhidos nos autos na e com a produção das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações, sendo que aquela convicção carece de ser enunciada ou explicitada por expressa imposição legal como garante da transparência, da imparcialidade e da inerente assunção da responsabilidade por parte do julgador na administração da justiça.

À luz desta perspectiva temos que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.

(…)

Para além disso e na sequência com que anteriormente fomos referindo importa ainda ter em atenção que pese embora a maior amplitude conferida pela reforma de processo civil a um segundo grau de jurisdição em sede de matéria de facto a verdade é que, todavia, não se está perante um segundo julgamento de facto (tribunal “ad quem” aprecia apenas os aspectos sob controvérsia) e nem o tribunal de recurso naquele julgamento está colocado perante circunstâncias inteiramente idênticas àquelas em que esteve o tribunal “a quo” apesar do registo da prova por escrito ou através de gravação magnética dos depoimentos oralmente prestados.
É que o Tribunal “ad quem” não vai à procura duma nova convicção, não lhe sendo pedido que formule novo juízo fáctico e sua respectiva fundamentação. O que se visa determinar ou saber é se a motivação expressa pelo Tribunal “a quo” encontra suporte razoável naquilo que resulta do ou dos depoimento(s) testemunhal(ais) (registados a escrito ou através de gravação) em conjugação com os demais elementos probatórios existentes ou produzidos nos autos.

Tal como tem sido jurisprudencialmente aceite, a garantia do duplo grau de jurisdição não subverte o princípio da livre apreciação das provas (cfr. art. 655.º, n.º 1 do CPC) já que o juiz aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, sendo que, na formação dessa convicção, não intervêm apenas factores racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que, em caso algum, podem ser importados para o registo escrito, para a gravação vídeo ou áudio.
Será, portanto, um problema de aferição da razoabilidade, à luz das regras da ciência, da lógica e da experiência da convicção probatória do julgador no Tribunal “a quo”, aquele que, no essencial, se coloca em sede de sindicabilidade ou fiscalização do julgamento de facto pelo Tribunal “ad quem”.

Em conclusão, como a jurisprudência tem consistente e reiteradamente afirmado, na reapreciação da matéria de facto ao tribunal de recurso apenas cabe um papel residual, limitado ao controle e eventual censura dos casos mais flagrantes, como sejam aqueles em que o teor de algum ou alguns dos depoimentos prestados no Tribunal a quo lhe foram indevidamente indiferentes, ou, de outro modo, eram de todo em todo inidóneos ou ineficientes para suportar a decisão a que se chegou. Dito de outro modo, ao tribunal de recurso apenas e só é dado alterar a decisão sobre a matéria de facto em casos excepcionais de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e essa mesma decisão.

De regresso ao caso dos autos, o TAF do Porto consignou no ponto 13. da factualidade assente o seguinte:

13 - O Oponente “deu o nome” à sociedade, para ajudar o seu filho mais velho, e lhe garantir emprego, dela não tendo retirado qualquer rendimento, sendo o sócio gerente Júlio, quem geria a empresa, contratando funcionários e alugando as carrinhas para distribuição, até aos anos de 2005/2006, altura em que o mesmo se ausentou do país – Nos termos do depoimento prestado por G..., que pese embora ser filho do Oponente, julgamos prestado com isenção e imparcialidade, o que permitiu fixar a factualidade como enunciada neste item.

Ora, certo é que a Recorrente não vem demonstrar a existência de erro grosseiro de julgamento quanto à resposta que foi dada pelo Tribunal a quo e que pretende ver alterada – o que, aliás, não vem sequer alegado –, sendo que não basta referir conclusivamente que esse depoimento é contrariado pela documentação junta aos autos.

E quanto à alegada confissão de actos de gerência praticados pelo ora Recorrido, o recurso terá igualmente que soçobrar.

Sustenta neste ponto a Recorrente que: “Resulta directamente da PI, nomeadamente nos seus artigos 8º e ss, a confissão do oponente que, de facto, exerceu as funções de gerência da sociedade devedora originária. //Declara o oponente que em finais do ano de 2003 “o sócio Júlio, que era quem estava responsável pela gestão e administração da sociedade e tinha o know how, ausentou-se do país por diversos problemas de ordem pessoal”, cfr. artigo 6º da PI, //acrescentando que perante esse facto “não conseguiu fazer face a todas as situações com que se deparava”, cfr. artigo 8º da PI, continuando no artigo 9º, “…apesar dos esforços, não conseguiu que a sociedade vingasse…” e no artigo 10º, “A gestão do aqui oponente, apesar de esforçada, não foi bem sucedida”, // para concluir “Do exposto resulta inexistir culpa…”, cfr. artigo 14º da PI. //Ou seja, o próprio oponente confessa que assumiu a gerência de facto da sociedade, desde finais do ano de 2003, devido à ausência do outro sócio-gerente Júlio (cfr. H., I. e J. das conclusões de recurso).

A confissão judicial plena só tem esse efeito nos casos e sob o formalismo constante do art. 358.º do C.Civil, ou seja, quando se trate de confissão judicial escrita feita nos articulados, ainda que da responsabilidade do mandatário judicial (art. 356.º, n.º 1, do C. Civil e art. 38.º do CPC, na redacção aplicável), ou confissão feita em qualquer outra peça processual pela própria parte ou por mandatário com poderes especiais para o efeito (art. 356.º, n.º 1, 2.ª parte do C.Civil), ou, por último, confissão resultante do depoimento de parte (registada em acta).

Por outro lado, abarcando a confissão mais do que um facto, existindo entre eles uma conexão lógica, no atendimento da necessária indivisibilidade confessória, deverá com essa extensão ser acolhida, sob pena de ser contrariada a intenção do confitente, de acordo com o disposto no art. 360.º do C.Civil (cfr. o Ac. do STJ de 1.10.1998, proc. n.º 98B316).

E não pode ser esquecido que a interpretação da declaração confessória, como acto jurídico, deverá ser realizada no achamento do reconhecimento da realidade de um facto que seja desfavorável para o confitente. Nessa medida, não é despicienda a análise do contexto da declaração efectuada e que se prende, necessariamente, com o atendimento do demais alegado na peça processual em causa (cfr., neste sentido, i.a. e para citar o mais recente, o Acórdão do TRL de 15.01.2013, proc. n.º 2845/05.5TCLRS.L1-7).

No caso sob análise, em sede da petição inicial, no seu art. 3.º foi alegado pelo oponente que “De verdade, o oponente é uma pessoa de idade avançada – 83 anos – e com problemas de saúde graves, nunca tendo por esse motivo exercido a gerência de facto”; no art. 4.º que “Desde o ano de 2001, que a saúde do oponente se vem agravando, tendo sido este forçado a afastar-se da sociedade”; no art. 5.º que “Pelo que esta ficou entregue ao sócio Júlio”; e no art. 7.º que “Tendo a sociedade entrado em «auto-gestão», entrando em situação de incumprimento geral”. Tudo isto, portanto, em desenvolvimento da alegação primeira efectuada no art. 3.º da p.i. de que o oponente não exercia a gerência de facto.

Ou seja, a pretensa declaração confessória surge num contexto alegatório exactamente com o sentido contrário daquele que pretendido pela Recorrente. E dúvida não existe em como a causa de pedir vertida na p.i. de oposição assenta na alegada ausência da prática de actos típicos do gerente, como se extrai do alegado nos referidos artigos. É certo que no art. 10.º da p.i. o oponente refere que a sua gestão “apesar de esforçada não foi bem sucedida”, mas tal afirmação terá que ser entendida no contexto do alegado no art. 9.º: “(…) era o Júlio quem detinha os conhecimentos, quer ao nível dos clientes, quer ao nível das rotas, e que era, afinal, quem conseguia fazer com que a sociedade funcionasse”.

Ora, se do exposto resulta que o oponente nunca aceitou a prática da gerência de facto da sociedade devedora originária, por outro lado evidencia-se que a integral formulação constante dos pela Recorrente citados artigos da p.i. não permite considerar que o oponente, ora Recorrido, por alguma forma o veio a admitir, na medida em que o alegado se insere, desde logo, num âmbito alegatório diverso (aliás, oposto).

Em síntese, e conexionando o acabado de concluir com a supra aludida questão atinente à valoração da prova testemunhal produzida em Juízo, temos que, por um lado, não se evidencia qualquer erro grosseiro de julgamento, antes se mostrando a decisão suficiente e detalhadamente justificada (v. supra a motivação do questionado facto 13.), e, por outro lado, não ocorre qualquer flagrante desconformidade com os elementos probatórios disponíveis. Pelo que entendemos que inexiste razão para alterar a resposta dada pela 1.ª instância.

Pelo que, nesta parte, terá o recurso que improceder.

Por outro lado, do quadro factual existente não se permite extrair a conclusão da prática pelo oponente e ora Recorrido de actos efectivos de gerência.

Neste ponto refere a sentença recorrida o seguinte:

“(…) quanto aos documentos subscritos pelo Oponente, ou com a aposição do seu n.º de contribuinte, titulando correspondência da devedora originária, dirigidos à Administração fiscal, tal não é bastante, dada a natureza isolada desse atos, para, só por si, provar a gerência de facto.

De todo o modo, em termos documentais, para lá da prova da gerência de direito da G..., Ld.ª, por parte do Oponente, feita por reporte à inscrição na Conservatória de registo comercial, a Administração fiscal, para sustentar a reversão da execução contra o Oponente, não apresenta qualquer documentação contemporânea do tempo em que são devidos os impostos que constituem a dívida exequenda, para efeitos de provar que, nesse período [IRC de 2005 e IVA de 2006], o Oponente era gerente de facto.

E lendo o despacho de reversão, verifica-se que o que nele consta é tão-somente o seguinte (cfr. o provado em 10.): “Verifica-se a condição prevista na alínea a) do n.º 2 do art. 153.º do CPPT, para o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários, nomeadamente os sócios, que na data da dívidas exerciam as funções de gerência, conforme consta da certidão emitida pela Conservatória do Registo Comercial de Gondomar.” Nada vem referido, portanto, quanto à prática de actos efectivos de gerência.

E mesmo considerando o provado em 4., 5. e 7. supra, não pode afirmar-se que os referidos elementos, desacompanhados de outros, permitam concluir que o oponente, ora Recorrido, exerceu a gerência de facto, mas apenas que foi gerente de direito. Neste capítulo, como referiu o Exmo. Procurador da República junto do TAF do Porto, a prova da gerência através da CRC e de uma comunicação de extravio de facturas em que o oponente assina pela firma (cfr. o provado em 5.), não assumindo aqui sequer a qualidade de gerente, embora possa constituir um indício no sentido de que este geria efectivamente a sociedade, é para tanto insuficiente.

Como se referiu na sentença recorrida: “(…) se perante as circunstâncias particulares do caso se suscitarem dúvidas sobre se a gerência de facto foi efectivamente exercida pelo gerente de direito a ponto de não poder afirmar-se a existência de uma forte probabilidade de a gerência de facto ter sido exercida, essas dúvidas devem ser valoradas processualmente contra a Fazenda Pública, e não contra o gerente, por ser sobre aquela que recai o ónus da prova dos factos em que assenta a decisão de reversão da execução fiscal sobre o responsável subsidiário (Cfr. neste sentido, entre outros, o Acórdão do TCA Sul de 11/07/2007, Proc. n° 1794/07). E assim é efectivamente.

No âmbito da LGT (como já acontecia no âmbito do CPT), para se afirmar a responsabilidade subsidiária dos gerentes por dívidas tributárias exige-se a demonstração de que os mesmos exerceram tal gerência de modo efectivo ou de facto (cfr., i.a., o ac. deste TCAN de 31.05.2012, proc. n.º 959/08.0BEBRG). E a gerência de facto constitui requisito da responsabilidade subsidiária dos gerentes, não bastando, portanto, a mera titularidade do cargo, a gerência nominal ou de direito.

É sobre a Administração Tributária, enquanto exequente e como titular do direito de reversão, que recai o ónus de alegar e provar os pressupostos que lhe permitem reverter a execução fiscal contra o gerente da devedora originária, designadamente, os factos integradores do efectivo exercício da gerência de facto, de acordo com a regra geral de quem invoca um direito tem que provar os respectivos factos constitutivos (art. 342.º, n.º 1, do CC). Como se disse no Acórdão deste TCAN de 22.02.2012, proc. n.º 207/07.0BEBRG, “não há qualquer presunção legal que faça decorrer da qualidade de gerente de direito o efectivo exercício da função e que faça inverter o referido ónus que recai sobre a administração tributária [a inscrição no registo comercial da nomeação de alguém como gerente apenas resulta a presunção legal (cf. art. 11.º do Código do Registo Comercial) de que é gerente de direito, não de que exerce efectivas funções de gerência] e só quem goza de uma presunção legal, escusa de provar o facto a que ela conduz (artigo 350.º, n.º 1, do CC)”. Ou como se afirmou no acórdão do STA (Pleno da Secção do Contencioso Tributário) de 28.02.2007, Recurso 1132/06, “a prova da gerência de direito não permite presumir, nem legal nem judicialmente, a gerência de facto, impondo-se ao exequente fazer a respectiva alegação e subsequente prova”. Dúvida não há, pois, em como é sobre a Fazenda Pública que recai o ónus de demonstrar que o gerente de direito contra quem reverteu a execução fiscal exerceu de facto funções de gerência, o que no caso significava que era à Fazenda que competia alegar a factualidade que permitisse concluir que o Recorrido exerceu efectivas funções como gerente no período a considerar, o que não fez (e não pode a Fazenda pretender, no pressuposto da existência de uma presunção judicial, que não recaía sobre ela o ónus da prova da gerência de facto; muito menos pode pretender que, ao abrigo dessa possibilidade, fique dispensada de alegar essa gerência efectiva, o efectivo exercício de funções de gerência, como requisito para reverter a execução ao abrigo do art. 24.º da LGT – cfr., o ac. deste TCAN de 14.01.2010, proc. n.º 787/06.7BEBRG).

Certo é que a Administração Tributária, no despacho de reversão, limitou-se a invocar que o ora Recorrido era gerente no período respeitante à dívida, reportando-se exclusivamente à gerência de direito, como resulta da referência aí feita ao teor dos factos registados na Conservatória do Registo Comercial de Gondomar. Quanto à gerência de facto, ao efectivo exercício das funções de gerência pelo revertido, o despacho de reversão é de todo omisso, não podendo agora a Fazenda Pública, em sede de oposição à execução fiscal, mais enfaticamente aliás nesta instância de recurso, alterar o âmbito da fundamentação expendida no despacho de reversão, alargando-a de forma a nela incluir a gerência de facto que, oportunamente, não aduziu como fundamento da reversão

Assim, analisada a factualidade dada como assente na sentença recorrida, a qual ficou devidamente estabilizada, a par do seu discurso fundamentador, constata-se não ter sido dada como provada factualidade que permita concluir pelo exercício efectivo dos poderes de gerência por parte do oponente e ora Recorrido. Como já referimos, a Fazenda Pública (a quem competia o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente) nada alegou ou provou quanto ao efectivo exercício da gerência de facto por parte do oponente, pelo que sempre contra si teria de ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência e, por outro lado, também não existem nos autos quaisquer elementos que permitam concluir pelo efectivo exercício da gerência de facto.

Donde, como está bom de ver, não ficando provado o exercício efectivo da gerência pelo oponente, ora Recorrido (apesar da prova efectuada quanto à gerência de direito), não poderia a oposição deixar de proceder. Como referiu o tribunal a quo, “falha, assim, desde logo, um pressuposto necessário da reversão da execução.” Ou seja, o oponente não pode ser responsabilizado pelas dívidas tributárias ao abrigo do disposto no artigo 24.º da LGT, por não resultar provado nos autos que tenha exercido a gerência de facto da sociedade devedora originária nos períodos a que se reportam tais dívidas, sendo, pois, parte ilegítima na execução fiscal.

Pelo que, forçoso se impõe concluir que o recurso terá que improceder integralmente, devendo, deste modo, manter-se a sentença recorrida.


III. Conclusões

Sumariando:

i) A garantia do duplo grau de jurisdição não subverte o princípio da livre apreciação das provas (cfr. art. 655.º, n.º 1 do CPC, actualmente o art. 607.º, n.º 5) já que o juiz aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, sendo que, na formação dessa convicção, não intervêm apenas factores racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que, em caso algum, podem ser importados para o registo escrito, para a gravação vídeo ou áudio;

ii) Na reapreciação da matéria de facto ao tribunal de recurso apenas cabe um papel residual, limitado ao controle e eventual censura dos casos mais flagrantes, como sejam aqueles em que o teor de algum ou alguns dos depoimentos prestados no Tribunal a quo lhe foram indevidamente indiferentes, ou, de outro modo, eram de todo em todo inidóneos ou ineficientes para suportar a decisão a que se chegou.

iii) Para se afirmar a responsabilidade subsidiária dos gerentes por dívidas tributárias exige-se a demonstração de que os mesmos exerceram a gerência de modo efectivo ou de facto.

iv) É sobre a Administração Tributária, enquanto exequente e como titular do direito de reversão, que recai o ónus de alegar e provar os factos integradores do efectivo exercício da gerência, não existindo qualquer presunção legal que imponha a conclusão de que quem tem a qualidade de gerente de direito exerceu a gerência de facto.


IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Porto, 27 de Fevereiro de 2014

Ass. Pedro Marques

Ass. Pedro Vergueiro

Ass. Nuno Bastos