Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00002/13.7BEBRG |
Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
Data do Acordão: | 09/13/2013 |
Tribunal: | TAF de Braga |
Relator: | Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro |
Descritores: | INTIMAÇÃO PARA UM COMPORTAMENTO ERRO NA FORMA DO PROCESSO PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL CONVOLAÇÃO |
Sumário: | O processo de intimação para um comportamento não é meio processual adequado para pedir a condenação da administração tributária a que se abstenha de praticar qualquer acto nos processos de execução fiscal pendentes contra a autora.* * Sumário elaborado pelo Relator. |
Recorrente: | T..., S.A. |
Recorrido 1: | Fazenda Pública |
Decisão: | Negado provimento ao recurso |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO T…, S.A., contribuinte fiscal n.º 5…, não se conformando com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou procedente a excepção de erro na forma do processo e absolveu a Fazenda Pública da instância, interpôs o presente recurso concluindo as suas alegações da seguinte forma: «A) A sentença recorrida faz uma deficiente apreciação da matéria de facto e uma errada aplicação do direito. B) Na avaliação da matéria de facto, a sentença recorrida não ponderou ofícios expedidos pelo IAPMEI e pela Direção de Serviços de Gestão de Créditos Tributários que comprovam que a recorrente e a recorrida têm vindo a negociar a regularização da divida tributaria no âmbito do SIREVE. C) Na ponderação da matéria de direito, a requerida não relevou que, a existência de “ negociações “ no âmbito do SIREVE, obsta à instauração contra a requerente de quaisquer ações executivas e suspende automaticamente as ações executivas em curso – artigo 11/2/3 do D.L 178/2012. D) E, nessa medida confere à requerente o durante o período em que decorrerem as negociações, o direito à suspensão de todos os atos de execução fiscal, nomeadamente penhoras de créditos e outros. E) A requerida apesar de estar legalmente obrigada a não o fazer, prosseguiu com atos de execução fiscal, nomeadamente penhorando créditos e realizando vendas em hasta pública. F) Com a sua conduta a requerida lesou o direito da requerente à suspensão de todos os atos de execução fiscal enquanto decorriam as negociações do SIREVE. G) Mais, ao contrário do que está dito na sentença recorrida – fls. 8, penúltimo parágrafo - não há erro na forma de processo. H) A intimação para um comportamento permite que se ordene à Administração Tributária que se abstenha de proceder à penhora de créditos e de praticar quaisquer atos de execução, antes de eles se efetivarem. I) Ao contrário, a interposição de reclamação, ou da impugnação judicial só pode ocorrer, uma vez CONSUMADO e notificado o ato de execução fiscal. J) Por outras palavras, a intimação para um comportamento permite prevenir a lesão do direito da requerente, qualquer outro instrumento processual só seria possível depois de consumada a lesão do direito do requerente. K) Assim sendo, a intimação para um comportamento é o instrumento processual mais adequado e eficaz para assegurar a tutela plena, eficaz e efetiva do direito da requerente à suspensão das execuções fiscais, enquanto decorrerem as negociações do SIREVE. Face ao exposto, a sentença recorrida deve ser anulada, com fundamentos, no alegado erro na aplicação do direito e na deficiente avaliação da matéria de facto.». Não foram apresentadas contra-alegações. Neste Tribunal a Digna Magistrada do Ministério Público emitiu o seguinte parecer: «Entendemos que a pretensão da recorrente deve improceder na totalidade não sendo valida toda a argumentação expendida nas suas alegações de recurso constantes de fls. 207 e seguintes. A decisão posta em causa fez uma correcta apreciação e valoração da prova constante dos autos e bem como fez uma correcta interpretação dos preceitos legais que a fundamentam, não sendo passível de qualquer crítica ou reparo. A mesma não padece dos vícios que lhe são apontados nas conclusões das alegações, maxime no alegado erro na aplicação do direito e na deficiente avaliação da matéria de facto. O MP perfilha dos doutos argumentos expendidos na decisão recorrida – cfr fls 196 e seguintes – e para os quais se remete. Não vemos maneira de julgar a presente intimação para um comportamento senão nos precisos termos em que o foi. A presente acção tinha de improceder na procedência da excepção de erro na forma processual, com a absolvição da Fazenda Pública da instância. Razão pela qual se entende, sem mais, que deve ser negado provimento ao presente recurso, com a manutenção na ordem jurídica da decisão recorrida.». Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. Questões a decidir: Saber se há erro no julgamento da matéria de facto. Saber se se verifica a nulidade por erro na forma do processo. II – FUNDAMENTAÇÃO II.1. DE FACTO O Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga deu como provada a seguinte factualidade: «A) Contra ““T…, S.A.”, nipc. 5…, correm termos no serviço de finanças de Valença os processos de execução fiscal n.ºs 23330201001014080, 23330201001015478, 23330201001018957, 23330201001000586, 233302001101001221, 233302011010003631 e 2333020101100402, 23330201101016253, e apensos – Facto não controvertido; B) A 4.10.2012, a reclamante apresentou junto do IAPMEI requerimento de adesão aos mecanismos do Decreto-Lei n.º 178/2012, de 3.08, que criou o sistema de recuperação de empresas por via extrajudicial (SIREVE) – cfr fls. 53 dos autos; C) A 10.10.2012, o IAPMEI proferiu despacho de aceitação do requerimento de utilização do SIREVE – cfr. fls. 53 e 54 dos autos; D) A 5.11.2012, a reclamante dirigiu requerimento ao órgão de execução fiscal a solicitar a suspensão da venda agendada para o dia 6.11.2012, bem como todos os demais atos, nomeadamente penhoras relativas a processos executivos em curso, em virtude da adesão ao SIREVE – cfr. fls. 61 e 62 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais; E) A requerente deu entrada de reclamação nos termos do art.º 276.º do CPPT. Do despacho do chefe de finanças de 6.11.2012, proferido no processo de execução fiscal n.º 23330201001018957 e apensos, que prosseguiu com a execução e determinou a venda do prédio ali penhorado, depois da aceitação do requerimento de utilização do SIREVE a qual corre termos neste tribunal sob o n.º 1949/12.3Bebrg – por consulta do SITAF; F) Por sentença de 12.04.2013, transitada em julgado, foi a reclamação julgada improcedente – por consulta do SITAF; G) A requerente deu entrada de reclamação nos termos do art.º 276.º do CPPT. Do despacho do chefe de finanças de 6.11.2012, proferido no processo de execução fiscal n.º 23330201101016253 e apensos, que prosseguiu com a execução e determinou a venda do prédio ali penhorado, depois da aceitação do requerimento de utilização do SIREVE, a qual correu termos neste tribunal sob o n.º 1950/12.7Bebrg – por consulta do SITAF: H) Por sentença de 25.01.2013, já transitada em julgado, foi a reclamação julgada improcedente; I) Encontra-se a correr termos sob o n.º 224/13.0 Bebrg, reclamação, nos termos do art.º 276.º do CPPT, instaurada pela requerente, contra o ato de indeferimento do pedido de anulação de venda, no âmbito da execução fiscal n.º 23330201001018957 e apensos; * Inexistem outros factos provados ou não provados para conhecimento da nulidade invocada. * Motivação: A convicção do tribunal baseou-se nos documentos e informações juntos aos autos e referidos em cada uma das alíneas dos factos assentes, os quais não foram impugnados. E ainda os que resultaram de conhecimento profissional por consulta do SITAF.». II.2 DE DIREITO II.2.1. Do erro de julgamento da matéria de facto Começa a recorrente por discutir o julgamento da matéria de facto dizendo que a sentença recorrida não ponderou os ofícios expedidos pelo IAPMEI e pela Direcção de Serviços de Gestão de Créditos Tributários que comprovam que a recorrente e recorrida têm vindo a negociar a regularização da dívida tributária no âmbito do SIREVE (conclusão “B”). Retira-se do arguido que a recorrente pretende que seja dado como provado que “a recorrente e recorrida têm vindo a negociar a regularização da dívida tributária no âmbito do SIREVE” facto que assentaria, como decorre das suas alegações de recurso, nos documentos: a) “e-mail” de 6 de Março de 2013, subscrito pelo IAPMEI; b) ofício 5103 de 13 de Abril subscrito pela Direcção de Serviços de Gestão dos Créditos Tributários; c) Despacho de 17 de Abril de 2013 subscrito pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP. Ora, o juiz apenas deve fazer o julgamento da matéria de facto que releve para a apreciação da causa segundo as várias soluções plausíveis de direito – artigo 508.º-A, n.º 1, alínea e), 511.º e 659.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC) (de 1961). Analisada a petição inicial vê-se que a ora recorrente alega como fundamento da providência – na qual é pedida a suspensão de todos os processos de execução fiscal - a existência do despacho de aceitação do requerimento de utilização do SIREVE (Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial), ao abrigo do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 178/2012, de 3 de Agosto. E tal facto, o da existência de um despacho de aceitação do requerimento de utilização do SIREVE, consta do probatório, na alínea C). A existência de negociações entre a recorrente e a Autoridade Tributária após a prolação de tal despacho é matéria que não foi alegada na petição inicial nem tem relevância em face do decidido pelo Tribunal recorrido, que concluiu pela existência de erro na forma do processo, não tendo, assim, se debruçado sobre o mérito da questão. Improcede nesta parte o recurso. II.2.2. Da nulidade de erro na forma do processo A ora recorrente requereu ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, abrigando-se no disposto o artigo 147.º do CPPT, a intimação da Autoridade Tributária e Aduaneira, nomeadamente o Serviço de Finanças de Valença, a abster-se de prosseguir com actos de execução, no âmbito dos processos de execução em curso contra a recorrente. O Tribunal recorrido entendeu haver erro na forma do processo por duas ordens de razões: considerou por um lado, que o direito ou interesse invocado pela requerente não estava demonstrado com suficiente segurança, que tal direito era objecto de litígio entre a administração e a ora recorrente, não havendo uma decisão definitiva, designadamente judicial, que tenha previamente definido a existência de um dever cujo cumprimento se imponha à administração tributária; por outro, que a lei confere a possibilidade de atacar os actos do órgão de execução fiscal, através da reclamação de actos do órgão de execução fiscal, nos termos previstos nos artigos 276.º e seguintes do CPPT, como a recorrente fez nos casos dos processos executivos referidos nas alíneas e) e i) dos factos provados. Num segundo momento, após ter verificado o erro na forma do processo, o Tribunal recorrido afastou a possibilidade de convolação para a forma processual correcta. Entendeu que não poderia haver convolação para a reclamação dos actos do órgão de execução fiscal uma vez que a suspensão pretendida respeitava a processos executivos distintos, e que tinha de haver uma petição inicial por cada execução, e que, não havendo, tal obstava também à convolação em requerimento para o órgão de execução fiscal. Reforçou ainda a impossibilidade de convolação com o facto de relativamente a determinadas execuções ter sido deduzida pela parte a reclamação do artigo 276.º do CPPT, uma já decidida, com sentença transitada em julgado, e quanto às pendentes, a convolação determinaria a litispendência, ocorrências que tornariam a convolação inútil. A recorrente defende que não existe erro na forma do processo por ser a intimação para um comportamento o meio processual adequado para se ordenar à administração tributária que se abstenha de proceder à penhora de créditos e de praticar qualquer actos de execução antes de se efectivarem, ao contrário da interposição da reclamação ou impugnação judicial que só pode ocorrer uma vez consumado e notificado o acto de execução fiscal. Vejamos. O artigo 147.º do CPPT, que regula a processo de intimação para um comportamento, estabelece: «1- Em caso de omissão, por parte da administração tributária, do dever de qualquer prestação jurídica susceptível de lesar direito ou interesse legítimo em matéria tributária, poderá o interessado requerer a sua intimação para o cumprimento desse dever junto do tribunal competente. 2- O presente meio só é aplicável quando, vistos os restantes meios contenciosos previstos no presente Código, ele for o meio mais adequado para assegurar a tutela plena, eficaz e efectiva dos direitos ou interesses em causa. 3- No requerimento dirigido ao tribunal tributário de 1ª instância deve o requerente identificar a omissão, o direito ou interesse legítimo violado ou lesado ou susceptível de violação ou lesão e o procedimento ou procedimentos a praticar pela administração tributária para os efeitos previstos n.º 1. 4- A administração tributária pronunciar-se-á sobre o requerimento do contribuinte no prazo de 15 dias, findos os quais o juiz resolverá, intimando, se for caso disso, a administração tributária a reintegrar o direito, reparar a lesão ou a adoptar a conduta que se revelar necessária, que poderá incluir a prática de actos administrativos, no prazo que considerar razoável, que não pode ser inferior a 30 nem superior a 120 dias. 5- A decisão judicial especificará os actos a praticar para integral cumprimento do dever referido no n.º 1. 6- O disposto no presente artigo aplica-se, com as adaptações necessárias, às providências cautelares a favor do contribuinte ou demais obrigados tributários, devendo o requerente invocar e provar o fundado receio de uma lesão irreparável do requerente a causar pela actuação da administração tributária e a providência requerida.». O processo de intimação para um comportamento tem lugar no caso de omissão do dever «de qualquer prestação jurídica» susceptível de lesar o direito ou interesse legítimo em matéria tributária. Tem em vista as situações em que a administração tributária está obrigada a prestar, a actuar e não o faz. Por isso a lei fala em «Em caso de omissão». E é por estar em causa um comportamento omissivo da administração que o n.º 3 do artigo 147.º citado estabelece que o requerente deve indicar o procedimento ou procedimentos «a praticar» pela administração tributária, e que no n.º 5 é dito que a decisão judicial especificará os actos «a praticar». Acresce que o processo de intimação tem em vista a prática pela administração tributária de uma «prestação jurídica». O n.º 4 do mesmo artigo refere que a conduta a adoptar «poderá incluir a prática de actos administrativos» o que significa que para além dos actos administrativos poderá ser determinada a prática de actos de execução de actos administrativos ou tributários, que sendo actos jurídicos, têm relevância jurídica – cfr- Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Vol. II, 6ª edição, nota 2 ao artigo 147.º, p. 583. A intimação para um comportamento tem por objecto impor à administração tributária o dever de realizar uma prestação jurídica, que está em falta. Ora, no caso sub judice a recorrente pretende que seja pelo Tribunal determinado à administração tributária que não pratique qualquer acto nos processos de execução que contra si pendem. Pretende que a administração se abstenha da prática de actos e não que a administração actue. Tal significa que o processo de intimação para um comportamento não é manifestamente o meio adequado ao fim visado pela recorrente. E para se chegar a esta conclusão não é necessário fazer, ao contrário do que fez o Tribunal recorrido, qualquer juízo quanto à evidência do direito invocado pela parte, pois tal análise da evidência do direito só deverá ser efectuada se verificado aquele pressuposto. Concorda-se com a recorrente quando refere que a reclamação prevista no artigo 276.º do CPPT não é adequada ao fim visado, pois é um meio de reacção contra um acto praticado pelo órgão de execução fiscal, e não um meio de prevenção. E sendo assim, nem sequer há que ponderar a hipótese de convolação deste autos para esse meio processual. Nem, acrescenta-se, para qualquer outro. Na verdade, o que a recorrente pretende é que através de um processo judicial seja ordenado ao órgão de execução fiscal que não pratique qualquer acto no processo de execução fiscal. Mas esquece-se a recorrente que o processo de execução fiscal é ele próprio um processo judicial – artigo 103.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária – e não um procedimento administrativo. E que o órgão de execução fiscal, com excepção dos actos materialmente administrativos, que aqui não estão em discussão, não actua na sua veste de ente administrativo, mas «evidencia um estatuto supra partes, intervindo no exclusivo interesse da paz jurídica, obrigado a apreciar e decidir as questões enquanto autoridade exterior e neutra perante o litígio, mesmo que tenha que decidir contra si próprio, como acontece com o reconhecimento oficioso da prescrição.» - Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11-07-2012, recurso n.º 0665/12. Como afirma António Lima Guerreiro, in Lei Geral Tributária Anotada, nota 1 ao artigo 103.º, página 422, «Não é, pois, cindível o processo de execução fiscal em uma fase formalmente administrativa e outra administrativa judicial. Ele é unitariamente um processo de natureza judicial.». E actuando o órgão de execução fiscal despido da veste de autoridade administrativa num processo todo ele judicial, o interessado apenas pode reagir contra os actos nele praticados utilizando a reclamação do artigo 276.º do CPPT. Diga-se que a tutela preventiva está assegurada através da admissibilidade de providências cautelares a favor do contribuinte ou demais obrigados tributários, admitidas no n.º 6 do artigo 147.º do CPPT. Mas, como resulta da própria letra da lei que fala em “lesão irreparável do requerente a causar pela actuação da administração tributária”, as providências cautelares têm por objecto uma actuação ilegal, comissiva ou omissiva da administração tributária, veste que não é a do órgão de execução fiscal no processo executivo, nos termos atrás ditos. E, assim, com esta fundamentação, se conclui, pela existência de erro na forma do processo sem possibilidade de convolação, não merecendo o recurso provimento. III – DECISÃO Assim, pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso. Custas pela recorrente. Porto, 13 de Setembro de 2013 Ass. Paula Ribeiro Ass. Fernanda Esteves Ass. Aragão Seia |