Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00548/14.0BEBRG |
Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
Data do Acordão: | 10/10/2014 |
Tribunal: | TAF de Braga |
Relator: | Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão |
Descritores: | SUSPENSÃO DA EFICÁCIA |
Sumário: | I - Os requisitos para o decretamento de uma providência cautelar são, em termos muito simplistas, os seguintes - artº 120º do CPTA: que haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal (periculum in mora); que não seja manifesta a falta de fundamentação da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito (fumus boni juris); que da ponderação dos interesses públicos e privados em presença decorra que os danos resultantes da concessão da providência não se mostram superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, ou que, sendo superiores, possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências (proporcionalidade e adequação da providência); I. 1- a verificação destes requisitos tem de ser cumulativa; I. 2- o fumus boni juris pode ter uma formulação positiva e uma formulação negativa; na formulação positiva é preciso acreditar na probabilidade de êxito do recurso principal; tem de se verificar uma aparência de que o recorrente ostenta, de facto, o direito que considera lesado pela actuação administrativa; na formulação negativa basta que o recurso principal não apareça à primeira vista desprovido de fundamento; I. 3- a alínea b) do nº 1 do artº 120º do CPTA satisfaz-se, no que a este segmento importa, com uma formulação negativa, nos termos da qual basta que «não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular» pelo requerente no processo principal «ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito» para que uma providência conservatória possa ser concedida. Consagra-se, deste modo, o que já foi qualificado como um fumus non malus iuris: não é necessário um prejuízo de probabilidade quanto ao êxito do processo principal, basta que não seja evidente a improcedência da pretensão de fundo do requerente ou a falta do preenchimento de pressupostos dos quais dependa a própria obtenção de uma pronúncia sobre o mérito da causa; I. 4- ocorre uma situação de facto consumado prevista no artº 120º/1/b) do CPTA quando, a não ser deferida a providência, o estado de coisas que a acção quer influenciar fique inutilizada ex ante; I. 5 -por seu turno, danos de difícil reparação são aqueles cuja reintegração no planos dos factos se perspectiva difícil, seja por que pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente. II- A sentença recorrida concluiu pelo indeferimento do pedido cautelar deduzido pela Requerente; II. 1-todavia, uma leitura do despacho em crise aponta para a violação do princípio da igualdade, gerador de nulidade nos termos do artº 133º/2/ al. d), do CPA, e portanto para a manifesta ilegalidade do acto administrativo em apreço; II. 2-mas, mesmo que assim se não entenda, da sua leitura, ressalta também a manifesta ilegalidade do acto em análise, por violação dos princípios da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos, conforme alegado no requerimento inicial; II. 3-logo, tudo aponta para o deferimento da providência requerida; II. 4-tal não conflitua com o juízo a adoptar nesta sede cautelar, que terá sempre de ser um juízo indiciário, de verosimilhança e de probabilidade, sob pena de se estar a entrar no domínio da apreciação de mérito; antes aparenta ser mais consentâneo com a prossecução do próprio interesse público, que reclama, nas palavras do MP, que se corte já o mal pela raiz, ao invés de se deixar prosseguir um concurso com a manifesta evidência de vir a ser anulado, com todas as nefastas consequências daí resultantes. * *Sumário elaborado pelo Relator. |
Recorrente: | Associação Portuguesa de C... |
Recorrido 1: | Ministério da Administração Interna e Outro(s)... |
Votação: | Unanimidade |
Meio Processual: | Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: | Emitiu parecer no sentido de ser dado provimentos ao recurso. |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO A Associação Portuguesa de C... requereu contra o Ministério da Administração Interna e o SEF, todos já melhor identificados nos autos, providência cautelar de suspensão da eficácia do Despacho emitido pelo Director Nacional do SEF, que deu origem à abertura do concurso, aviso nº 1733/2014, de 29 de Janeiro de 2014. Por sentença proferida pelo TAF de Braga foi julgada improcedente a providência solicitada. Desta decisão vem interposto recurso. Em alegação a Recorrente concluiu assim: a) A decisão recorrida indeferiu “o requerimento de concessão de providência cautelar de suspensão de eficácia de acto administrativo”, por inexistência dos pressupostos plasmados no art. 120º do CPTA constitutivos dos requisitos para a pretendida concessão. b) Refere a decisão ora recorrida, que a recorrente invocou no seu requerimento inicial, como “que o ato cuja suspensão peticiona é anulável, nomeadamente por vício de violação de lei, por preterição do art.24º do DL nº 290 A/2001, de 17 de Novembro, por desrespeito do Principio da Igualdade, consagrado no art.13º da CRP e também por violação do Principio da Prossecução do Interesse Público e da Proteção e Interesses dos Cidadãos, plasmado no art.4º do CPA”. c) Refere também a decisão aqui em apreço, que “só quanto aos vícios graves, aqueles que concretizam uma lesão insuportável dos valores protegidos pelo Direito Administrativo, e que, por isso implicam a nulidade do ato, é possível ajuizar sobre a evidência da procedência da pretensão principal”. d) Assim, afigura-se manifesto que, na própria óptica da decisão recorrida, a recorrente invocou a violação do Principio da Igualdade que, como é consabido e unanimemente aceite constitui vício grave, gerador de nulidade. e) Tal como referem Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e Pacheco de Amorim, no Código de Procedimento Administrativo Anotado, Almedina, pág.647, “questão que deve colocar-se nesta sede é de saber se a violação por acto administrativo, dos chamados princípios fundamentais implicará a anulabilidade ou nulidade. A regra é, naturalmente, aquela. Entendemos no entanto, que em casos excepcionais, esses princípios- sobretudo os da universalidade, da igualdade e irretroatividade em matéria de direitos, liberdades e garantias – devem ter um tratamento ao nível das sanções jurídicas de verdadeiro direito fundamental, pelo que a sua violação deve dar lugar aí à nulidade do acto administrativo que o ofenda chocante e gravemente, isto é, mutatis mutandis, que o ofenda no seu conteúdo fundamental”. f) Pelo que tal violação gera a nulidade do ato, nos termos do art.133º nº 2 al. d) do CPA. Na verdade, g) Como refere o Ac. do Tribunal Central Administrativo do Sul de 23/02/2012, “o conteúdo essencial de um direito fundamental visado no art.133º do CPA reporta-se ao núcleo duro de um DLG (ou à ofensa chocante e grave de um princípio estruturante do Estado de Direito ou de outro direito fundamental suficientemente densificado da lei ordinária)” – disponível em www.dgsi.pt . Ora, h) O despacho emitido pelo Director Nacional do SEF, que deu origem à abertura do concurso, aviso nº 1733/2014, de 29 de Janeiro de 2014, incorre em evidente e clara violação do princípio da igualdade consagrado no art.13º da CRP. i) O que gera a nulidade de tal ato, por constituir vício grave, concretizador de lesões insuportáveis de valores protegidos pelo direito. Destarte, j) Óbvio se mostra que a decisão recorrida enveredou por caminho errado, contradizendo-se a si própria, ao ignorar o alegado e manifesto vício de violação do princípio da igualdade, alegado pela recorrente, grave e gerador, por si só, de nulidade. k) O que, sem mais, impunha que fosse decretada a providência, como decorre do art. 120º nº1 al. a) do CPTA, por estar em causa a impugnação de um ato manifestamente ilegal, para mais de evidente procedência da pretensão formulada no processo principal. l) Daí decorre, sem mais, a inexorável procedência do presente recurso. Sem prescindir, m) As ilegalidades a que se refere o legislador no art. 120º nº1 al. a) CPTA, são todas aquelas que impliquem nulidade ou anulabilidade dos atos. Pois, n) Não tendo, o legislador estabelecido na referida norma que as providências cautelares somente deverão ser decretadas em casos de impugnação de atos manifestamente nulos. o) Como refere, Teresa de Melo Ribeiro, “onde o legislador não distingue, não deve o intérprete distinguir”- A Justiça Cautelar que temos e a que queremos, ob. cit. p) Referindo ainda a mesma Autora a propósito do citado art. 120º nº1 al. a) CPTA, “que o juiz cautelar (…) não deve deixar de se pronunciar sobre todas as ilegalidades suscitadas pelo requerente, impliquem elas a nulidade ou a mera anulabilidade dos actos, pois a manifesta procedência de uma delas poderá ser suficiente para o preenchimento do critério consagrado no art.120º nº1 al. a)”. Ibidem. Aliás, q) Sem fazer distinção entre a natureza dos vícios atribuídos pelo requerente, decidiu-se no aresto do STA de 18/03/2010, proc.105/2010 que a procedência ou improcedência da pretensão a formular no processo principal será evidente quando se constate de forma “manifesta que procede alguns dos vícios descritos pelo requerente ou que todos eles improcedem”. Cfr. Teresa de Melo Ribeiro, in ob. cit. pág.73. r) Decidiram, ainda, os Acs. do TCA Sul de 10/02/2011, proc. nº 6999/10, do TCA Sul de 23/09/2010, proc. nº 6581/10 e ainda do TCA Sul de 14/05/2009, proc. nº 4464/08, que mesmo quando o ato esteja ferido de vícios que geram a anulabilidade do ato, deverá ser decretada a providência cautelar de suspensão de eficácia do ato, sem mais indagação, desde que a ilegalidade de que o ato padece seja manifesta. s) Assim e ainda nesta óptica jurídica, quiçá mais exigente, seria irrecusável o deferimento da providência requerida, verificados que se mostram os requisitos exigidos pela al. a) do art.120º nº1 CPTA. t) Patente como é já nos autos a manifesta ilegalidade do ato administrativo sub judice, por violação, também, do princípio da igualdade, gerador de nulidade nos termos do art.133º nº2 al. d) CPA. u) Evidente, resulta também, da sua leitura, a manifesta ilegalidade do ato administrativo em apreço, por violação dos princípios da prossecução do interesse público e da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos, conforme alegado no requerimento inicial que, brevitatis causa, se dá aqui por reproduzido. v) Tudo e sempre a apontar para o deferimento da providência requerida, na incontestável procedência do presente recurso. w) Assim, a decisão recorrida, julgando em contrário e indeferindo a requerida providência violou os arts. 120º nº1 al. a) CPTA e 133º nº 2 al. d) do CPA, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que decrete a requerida providência ou, quando assim não se entenda, o que só por hipótese e sem conceder se admite, ordene o prosseguimento dos autos com o adequado e posterior processual. ASSIM DECIDINDO, FARÃO JUSTIÇA O SEF juntou contra-alegação, concluindo que: “Artigo 120º 1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adoptadas:Critérios de decisão ………….. b) Quando, estando em causa a adopção de uma providência conservatória, haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e não seja manifesta a falta de fundamentação da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito. Assim, importa agora analisar a existência de uma situação de facto consumado ou de prejuízos de difícil reparação, o que implica, previamente, determinarmos o conteúdo das expressões “facto consumado” e “prejuízos de difícil reparação”. No que concerne à primeira das expressões referidas deve entender-se que a providência cautelar será de conceder sempre que “…os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, se tornará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração no plano dos factos, da situação conforme à legalidade.” (2) Por sua vez, a segunda das expressões referidas deve ser entendida no sentido de que a providência deve ser concedida sempre que, mesmo não se verificando a situação supra explanada, “…os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, essa reintegração no plano dos factos será difícil, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente – de onde resulta que também nesta segunda hipótese, em que se trata de aferir da possibilidade de se produzirem “prejuízos de difícil reparação”, o critério não pode ser o da susceptibilidade ou insusceptibilidade da avaliação pecuniária dos danos, mas deve ser o da maior ou menor dificuldade que envolve o restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse sido praticada.”(3) Necessário se torna, nesta sede, indagar sobre a existência, no caso concreto, de uma situação de facto consumado ou de um prejuízo de difícil reparação, cabendo à Requerente o ónus da prova dos factos susceptíveis de sustentar uma situação de facto consumado ou prejuízo de difícil reparação que sustente o decretamento da providência requerida. (sublinhado nosso), o que no caso em análise não sucedeu. A Requerente não invoca nos autos fundamentos concretos e objectivos que substanciem a criação de uma situação de facto consumado nem a produção de prejuízos de difícil reparação Conforme se retira de Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, datado de 28 de Outubro de 2004, no âmbito do processo nº 00235/04.7BECBR: “....a providência deve ser concedida desde que os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, no caso da acção principal for julgada procedente, será depois impossível proceder à reintegração, da situação conforme a legalidade e, ainda, mesmo que não seja de prever que a reintegração, no plano dos factos, da situação conforme a legalidade se tornará impossível pela mora do processo, os factos concretamente alegados pelo requerente inspirem um fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação. Para aferir da possibilidade de se produzirem “prejuízos de difícil reparação”, o critério a atender não é o da susceptibilidade ou insusceptibilidade da avaliação pecuniária dos danos, como era no âmbito do art.76º, n.º 1, al. a) da LPTA, mas o de maior ou menor dificuldade que envolve o restabelecimento da situação que deveria de existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar, já que o juiz deve ponderar as circunstâncias concretas do caso em função da utilidade da sentença e não decidir com base em critérios abstractos. – Cfr. Prof. Vieira de Andrade ob. cit. e Prof. Mário Aroso de Almeida in “O novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”. No que aos requisitos da al. b) do artigo 120.º do CPTA diz respeito a Requerente faz afirmações sem conteúdo concreto e objectivo bastante para alicerçar a prova de constituição de uma situação de difícil reparação ou de produção de prejuízos de difícil reparação. À Requerente incumbe fazer prova da existência de prejuízos de difícil reparação, o que não sucede no caso em análise. Assim, a presente providência cautelar é insusceptível de ser concedida, pelos motivos supra explanados.” X Vejamos:É inequívoco que estamos perante uma providência cautelar conservatória, que está intimamente ligada aos autos principais, sendo nestes que a pretensão da Requerente irá ser analisada e decidida com a profundidade necessária, tratando-se, em sede cautelar, apenas de assegurar a utilidade da sentença que aí venha a ser proferida mediante a adopção de medidas urgentes baseadas necessariamente numa apreciação sumária e perfunctória do caso. Daí que ao julgador de um processo cautelar em que é solicitada uma providência conservatória se imponha que proceda a uma apreciação sucinta e sumária das ilegalidades apontadas pelo requerente cautelar ao acto impugnado ou a impugnar com o objectivo de constatar se ocorre a sua manifesta ilegalidade, não lhe competindo analisar e apurar com exaustão se as ilegalidades imputadas ao acto impugnado ocorrem ou não. Assim e quanto à al. a) do nº 1 do artº 120º do CPTA, o que há a fazer é apreciar se elas são flagrantes, ostensivas, evidentes, como a este respeito, escrevem Mário Aroso de Almeida e Carlos A. F. Cadilha, em Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005/ 603; no mesmo sentido Fernanda Maçãs, em As Medidas Cautelares, Reforma do Contencioso Administrativo - O Debate Universitário, vol. I/ 462 e ac. do STA de 16/03/2006, rec. 0141/06, entre outros. E neste tipo de situações (de ilegalidades evidentes) o seu decretamento é quase automático na medida em que assenta em requisitos objectivos, baseando-se num critério de evidência, que incorpora, em simultâneo, a salvaguarda do interesse público (sob a forma do princípio da legalidade - a Administração não deve praticar tais actos -) e a tutela dos interesses privados (o particular tem direito a que a sua situação seja legalmente apreciada e conformada). Já quanto à alínea b) do citado normativo, permite-se que a providência cautelar conservatória seja concedida caso haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal (periculum in mora) e não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao conhecimento de mérito (fumus non malus juris). Nesta análise, o requisito do fumus non malus iuris - alínea b) - não é tão exigente como na alínea a), não impondo um juízo de certeza sobre o bom ou mau direito, sendo suficiente a formulação de um juízo de aparência do bom direito. E através do requisito do periculum in mora, pretendeu-se impedir que durante a pendência da acção principal a situação de facto se altere e se consolide de forma a que a sentença nela proferida, sendo favorável, se esvazie de eficácia prática. Ou seja, se se verificarem os demais requisitos para a concessão da providência cautelar, a mesma terá de ser concedida, como refere Aroso de Almeida, em O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 4ª ed./299/300 “desde que os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se for recusada, se tornará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade - é este o sentido a atribuir à expressão facto consumado”. Igualmente deverá ser concedida sempre que se preveja esta impossibilidade de reintegração devido à demora do processo principal, quando os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação no caso da providência ser recusada e isto, quer porque, a reintegração no plano dos factos se perspectiva difícil, seja porque, pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar, total ou parcialmente. Daí que, como observa Vieira de Andrade, em Justiça Administrativa, 8ª ed./348 “o julgador deverá fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por entretanto se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dele deveria beneficiar, que obstem à reintegração específica da sua esfera jurídica”. A prova, ainda que sumária, quer do fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado, quer da produção de prejuízos de difícil reparação, pertencem naturalmente ao requerente da providência - artº 342º/1 do Código Civil. Na hipótese sub judice o senhor juiz entendeu não estarem preenchidos os requisitos exigidos pelo artº 120 do CPTA. No que concerne ao requisito constante da alínea a) deste dispositivo, escreveu-se na sentença acabada de transcrever que “O critério de concessão de providências cautelares previsto na alínea a) do n° 1 do artigo 120.° do CPTA assume um carácter excepcional face aos critérios gerais de concessão das referidas providências plasmados nas alíneas b) e c) do referido preceito, pelo que só perante situações de ofensa manifesta aos princípios ordenadores do direito administrativo é que deverá operar o critério em apreço como suporte de decisão de concessão de providência cautelar. Em princípio, só quanto aos vícios graves, aqueles que concretizam uma lesão insuportável dos valores protegidos pelo direito administrativo, e que por isso implicam a nulidade do acto, é possível ajuizar sobre a evidência da procedência da pretensão principal. O processo cautelar, atenta a sua natureza instrumental, provisória e sumária, não é o meio próprio para se apreciar a existência do direito invocado. A exigência de uma certeza absoluta quanto à existência do direito alegado, própria de um processo de cognição normal, não é compatível com a função da tutela cautelar e, por isso, fora do contexto do artigo 121° do CPTA, não se pode transformar ou subverter o fumus iuris boni como se estivéssemos perante uma situação de plena cognitio. Adverte Mário Aroso de Almeida que a apreciação deste requisito deve ser feita “dentro dos limites que são próprios da tutela cautelar, para não comprometer nem antecipar o juízo de fundo que caberá formular no processo principal (sublinhado nosso) (cfr. O Novo Regime do processo nos Tribunais Administrativas, 2° ed. Pag. 286)”. Ora, no que a este requisito diz respeito, invoca a Requerente, além do mais, que o acto cuja suspensão peticiona é anulável, nomeadamente por vício de violação da lei, por preterição do artº 24° do DL 290-A/2001, de 17 de Novembro; por desrespeito do princípio da igualdade, consagrado nos artºs 13° da CRP e 5° do CPA e também por violação do principio da prossecução do interesse público e da protecção e interesses dos cidadãos, plasmado no artº 4° do CPA. Alega ainda que o acto cuja suspensão requer comporta prejuízos para os seus associados. Como se viu, considerou o Tribunal a quo que apreciar, em sede da presente providência cautelar, a manifesta ilegalidade do acto cuja suspensão é requerida com base nos vícios apontados, levaria à indesejada antecipação do juízo de fundo da causa principal, o que deve ser evitado, pelo que importa indagar sobre a verificação dos demais critérios de concessão de providências cautelares. Porém, não se nos afigura que a sentença tenha feito a melhor leitura dos comandos legais aplicáveis ao caso. Na verdade, o critério definido na al. a) do citado artº 120º, que funciona sem o periculum in mora, a pretensão de tutela cautelar comunga dos mesmos elementos constitutivos da causa de pedir da acção principal. Os factos relativos à titularidade de uma posição jurídica subjectiva são os mesmos em ambos os processos. Os efeitos subjectivos e os interesses legalmente protegidos que o particular pretende ver satisfeitos no processo principal devem ser alegados e demonstrados na providência cautelar. A jurisprudência e a doutrina perfilham nesta matéria o entendimento de que a concessão da providência cautelar pelo único critério da alínea a) do artº 120° do CPTA só ocorre quando seja evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal. Isto é ao conceder a providência com base neste critério o juiz terá de formular o juízo de que pretensão do requerente na acção principal será procedente porque apresenta possibilidades de êxito. Obviamente que esse juízo não pode ser um juízo de certeza, mas apenas um juízo de previsão, uma vez que na tutela cautelar não se declaram direitos, mas apenas se protege provisoriamente a situação de probabilidade da sua procedência. A função da tutela cautelar é «assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal» (n° 1 do artº 112º do CPTA) e não definir ou regular a pretensão material ameaçada pela entidade pública. A apreciação judicial sobre a evidência da procedência da pretensão formulada no processo principal deve ser feita em moldes de summaria cognitio, materializada num juízo de manifesta viabilidade ou inviabilidade da acção principal cujo efeito útil se pretende acautelar através da providência cautelar requerida. Designadamente, verificar-se-á o critério referenciado quando a ilegalidade do acto a suspender resulte de forma clara dos autos, sem necessidade de mais provas, ou, por outras palavras, quando se esteja perante uma ilegalidade evidente. Por outro lado, as ilegalidades a que se refere artº 120°/1/a) do CPTA serão todas as que implicam nulidade ou anulabilidade do acto, não tendo o legislador estabelecido qualquer distinção para o preenchimento deste requisito. E onde o legislador não distingue, não deve o intérprete distinguir. Neste sentido, fazer distinção entre a natureza dos vícios atribuídos pelo requerente, decidiu-se no acórdão do STA de 18/03/2010, proc. 105/2010 que a procedência ou improcedência da pretensão a formular no processo principal será evidente quando se constate de forma “manifesta que procede alguns dos vícios descritos pelo requerente ou que todos eles improcedem. Referem ainda os acs. do TCA Sul de 10/02/2011, proc. 6999/10, de 23/09/2010, proc. 581/10 e de 14/05/2009, proc. 4464/08, que mesmo quando o acto esteja ferido de vícios que geram a anulabilidade do acto, deverá ser decretada a providência cautelar de suspensão de eficácia do acto, sem mais indagação, desde que a ilegalidade de que o acto padece seja manifesta. Ora, dos factos relatados nos autos resulta, quanto a nós, de forma clara, essa ilegalidade, podendo afirmar-se ser manifestamente evidente a procedência da pretensão da Requerente no âmbito do processo principal. Efectivamente, o despacho emitido pelo Director Nacional do SEF, que deu origem à abertura do concurso, Aviso n° 1733/2014, de 29 de Janeiro de 2014, ao excluir do concurso os licenciados em C... e, tendo admitido como licenciaturas adequadas as constantes do 5.4., da alínea b), do Aviso, configura, uma clara violação de lei. Por um lado, pela preterição do artº 24° do DL 290-A/2001 de 17 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pelo DL 2/2014, de 9 de Janeiro, tendo ainda em conta o artº 53° do mesmo Diploma. Por outro, traduz uma flagrante violação do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da CRP e artº 5º do CPA e do princípio da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos previsto no artº 4º do CPA. Como é sabido, o princípio da igualdade é um princípio comum a todos os Direitos Fundamentais, apontando-se como seus corolários imediatos, entre outros, a igualdade no acesso à função pública (art° 47°/2), e a cargos públicos (art° 50º/1), ambos da CRP, Direitos estes, que foram violados pelo despacho donde emanam as regras do procedimento concursal. Com efeito, não se compreende a exclusão dos licenciados em C..., quando, como bem salienta o senhor PGA, se trataria da licenciatura (eventualmente a par do Direito) que melhor serviria os interesses públicos em causa. Basta analisar o Plano Curricular desta licenciatura nos vários estabelecimentos de Ensino Superior, para se concluir que a preparação e conhecimentos dos respectivos licenciados encaixa perfeitamente no exercício de funções dos inspectores do SEF, funções essas que exigem conhecimentos de investigação criminal, direito penal e processual penal, ciências forenses, de que os licenciados em C... são claramente possuidores. E muito menos se compreende, quando no referido concurso se admite licenciaturas (tais como História e Antropologia) que, em princípio, não se enquadram nas funções e objectivos do SEF, definidos nos artºs 1º e 2º da Lei Orgânica deste organismo, aprovada pelo DL 252/2000, com as alterações introduzidas pelo DL 240/2012. É certo que a Administração actuou, neste caso, no âmbito do seu poder discricionário. Mas discricionariedade não é sinónimo de arbítrio. Os órgãos administrativos devem prosseguir o interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos pelos cidadãos. Mas, como também se salienta no parecer antecedente, é difícil aceitar que a Administração tenha defendido o interesse público ou respeitado os legítimos direitos e interesses dos licenciados em C...; tal equivale a dizer que actuou de forma arbitrária e discriminatória, em ostensiva violação do princípio da igualdade (princípio constitucional contido no artigo 13º da CRP, segundo o qual todos os cidadãos são iguais perante a lei. Como é sabido, na definição aristotélica de igualdade, discernir casos similares e diferentes é crucial: só os casos iguais devem ser tratados de forma igual, devendo os casos diferentes ser tratados de forma desigual na proporção da sua diferença. Como sublinham Gomes Canotilho e Vital Moreira, em Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., o princípio da igualdade "exige positivamente um tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes", o que se traduz, afinal, numa proibição do arbítrio. No mesmo sentido se afirma no ac. do STA de 26/09/2007, rec. 1187/06, “o princípio da igualdade traduz-se numa proibição do arbítrio, impondo, na consideração das suas dimensões igualizante e diferenciante, um tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes". Este sentido vinculante do princípio da igualdade tem sido exaustivamente enunciado pelo Tribunal Constitucional, em inúmeros arestos, de que se destaca o acórdão 186/90, proc. 533/88, de 06/06/90, do qual se destaca o seguinte trecho: "O princípio constitucional da igualdade do cidadão perante a lei é um princípio estruturante do Estado de direito democrático e do sistema constitucional global..., que vincula directamente os poderes públicos, tenham eles competência legislativa, administrativa ou jurisdicional (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição Anotada, 1.° vol., cit., p. 151, e Jorge Miranda, «Princípio da Igualdade», in Polis/Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado, vol. Ill, Lisboa, São Paulo, Verbo, 1985, págs. 404/405). Como referem Fernanda Paula Oliveira/José Eduardo Figueiredo Dias, Noções Fundamentais de Direito Administrativo, 3ª ed., 2013, pág. 116, citados pelo MP, o princípio da igualdade “determina a necessidade de a Administração tratar igualmente os cidadãos que se encontrem em situações objectivas iguais e desigualmente os que se encontrem em situações objectivas distintas. (…) Dele decorre que as diferenças de tratamento radiquem em critérios objectivos que apresentem uma conexão bastante com os fins a prosseguir com a regulação jurídica e nela tenham uma justificação específica (princípio da proibição do arbítrio)”. Deste modo, mesmo no âmbito de um poder discricionário, as escolhas da Administração têm de ser pautadas por critérios definidos pelos princípios e regras gerais do direito, que devem nortear o seu modo de agir no sentido da solução mais adequada ao caso concreto. Ora, na hipótese vertente, não se descortina explicação para a conduta da Administração; antes se afigura que, ao excluir a licenciatura em C..., tenha violado os princípios e regras gerais de direito supra referidos. Deste modo, contrariamente ao sustentado na decisão recorrida, mostram-se preenchidos os pressupostos contidos na al. a) do nº 1 do artº 120º do CPTA. Como é sabido, neste caso, dispensa-se a ponderação de interesses públicos e privados e o juízo de proporcionalidade, quanto à decisão da providência, porque o critério da evidência da pretensão principal incorpora já a salvaguarda de tais interesses. Do interesse público, porque a Administração não pode praticar actos ilegais e dos interesses particulares porque têm direito a que a sua situação seja legalmente apreciada e conformada. Em suma: -os requisitos para o decretamento de uma providência cautelar são, em termos muito simplistas, os seguintes - artº 120º do CPTA: que haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal (periculum in mora); que não seja manifesta a falta de fundamentação da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito (fumus boni juris); que da ponderação dos interesses públicos e privados em presença decorra que os danos resultantes da concessão da providência não se mostram superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, ou que, sendo superiores, possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências (proporcionalidade e adequação da providência); -a verificação destes requisitos tem de ser cumulativa; -o fumus boni juris pode ter uma formulação positiva e uma formulação negativa. Na formulação positiva é preciso acreditar na probabilidade de êxito do recurso principal. Tem de se verificar uma aparência de que o recorrente ostenta, de facto, o direito que considera lesado pela actuação administrativa; na formulação negativa basta que o recurso principal não apareça à primeira vista desprovido de fundamento; -a alínea b) do nº 1 do artº 120º do CPTA satisfaz-se, no que a este segmento importa, com uma formulação negativa, nos termos da qual basta que «não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular» pelo requerente no processo principal «ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito» para que uma providência conservatória possa ser concedida. Consagra-se, deste modo, o que já foi qualificado como um fumus non malus iuris: não é necessário um prejuízo de probabilidade quanto ao êxito do processo principal, basta que não seja evidente a improcedência da pretensão de fundo do requerente ou a falta do preenchimento de pressupostos dos quais dependa a própria obtenção de uma pronúncia sobre o mérito da causa; -ocorre uma situação de facto consumado prevista no artº 120º/1/b) do CPTA quando, a não ser deferida a providência, o estado de coisas que a acção quer influenciar fique inutilizada ex ante; -por seu turno, danos de difícil reparação são aqueles cuja reintegração no planos dos factos se perspectiva difícil, seja por que pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente; -a sentença recorrida decidiu pelo indeferimento do pedido cautelar deduzido pela Requerente; -todavia, uma simples leitura do despacho em crise aponta para a violação do princípio da igualdade, gerador de nulidade nos termos do artº 133º/2/ al. d), do CPA, e portanto para a manifesta ilegalidade do acto administrativo em apreço; -mas, mesmo que assim se não entenda, da sua leitura, ainda que apressada, ressalta também a manifesta ilegalidade do acto em análise, por violação dos princípios da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos, conforme alegado no requerimento inicial; -logo, tudo aponta para o deferimento da providência requerida; -tal não conflitua com o juízo a adoptar nesta sede cautelar, que terá sempre de ser um juízo indiciário, de verosimilhança e de probabilidade, sob pena de se estar a entrar no domínio da apreciação de mérito; antes aparenta ser mais consentâneo com a prossecução do próprio interesse público, que reclama, nas palavras do MP, que se corte já o mal pela raiz, ao invés de se deixar prosseguir um concurso com a manifesta evidência de vir a ser anulado, com todas as nefastas consequências daí resultantes. Procedem, assim, todas as conclusões da alegação. DECISÃO Termos em que se concede provimento ao recurso, revoga-se a sentença recorrida e julga-se procedente a providência cautelar reclamada nos autos. Custas pelos Recorridos e, nesta instância, apenas pelo Recorrido que ofereceu contra-alegação. Notifique e D.N. Porto, 10/10/2014 Ass.: Fernanda Brandão Ass.: Hélder Vieira Ass.: Rogério Martins __________________________ (1) Mário A. Almeida, Carlos Cadilha, ob. cit. pp. 724 e ss. (2) Mário Aroso de Almeida in “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, pág.260. (3) Ob. citada, pág. 261. |