Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00006/03-Porto
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/12/2012
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro
Descritores:IVA
CADUCIDADE
EXCESSO DE PRONÚNCIA
Sumário:Não há excesso de pronúncia se a impugnante pede na petição inicial a declaração de caducidade da liquidação de IVA dos 1º, 2º e 3º trimestres de 1998 e o tribunal julga esse pedido procedente.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:Auto..., Lda.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. Relatório
A Fazenda Pública não se conformando com sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto na parte que julgou procedente a impugnação judicial intentada por “A…, LDA”, NIPC 5…, com sede na…, interpôs o presente recurso concluindo da seguinte forma as suas alegações:
«A. A douta sentença sob recurso julgou procedente a impugnação deduzida contra a liquidação adicional de IVA e respectivos juros compensatórios relativas ao ano de 1998 (com os ns 022545339 – LA/1998, 02254537 – JC/9812 e 02254538 – JC/9801), resultantes das correcções meramente aritméticas efectuadas pela AT em sede de procedimento inspectivo.
B. Conclui o Tribunal a quo pela procedência parcial da presente impugnação, por parcialmente provada, considerando que “(…) a impugnante foi notificada das liquidações adicionais por cartas datadas de 26/09/2002, …”. Assim, e para as liquidações dos 1º, 2º, e 3º trimestres do ano de 1998, e liquidações de juros compensatórios relativos a estes períodos já havia caducado o direito de liquidar quando foram notificadas as liquidações, o que importa declarar.”.
C. Decidiu ainda o Tribunal a quo manter a liquidação de IVA, e respectivos juros compensatórios, liquidado com referência ao 4º trimestre de 1998 (período de 9812T).
D. Ressalvado o devido respeito com o que desta forma foi decidido, não se conforma a Fazenda Pública, sendo outro o seu entendimento, já que a douta sentença errou no julgamento da matéria de facto, porquanto valorou erradamente a factualidade seleccionada como provada, relevante para decidir da causa.
E. E, porque valorou erradamente a factualidade dada como provada, incorreu ainda a douta sentença sob o recurso em erro de julgamento na aplicação do direito, porquanto fez errónea subsunção das normas aplicáveis in casu, mais correctamente o artº 45º da Lei Geral Tributária (LGT), a factos que não constam da matéria dada como provada.
F. Ademais, tais factos nem sequer poderiam constar dos factos dados como assentes, porquanto não estão em causa nos presentes autos.
G. Como resulta dos autos, particularmente do relatório final da inspecção tributária que fundamenta as liquidações controvertidas (a fls. 24 a 28 do PA), apenas foram alvo de correcções os períodos de 9801 (Janeiro de 1998) e 9812 /Dezembro de 1998).
H. Aliás, isso mesmo resulta do probatório (alínea d) dos factos provados) onde se lê que “a impugnante foi alvo de correcções técnicas ao IVA dos períodos de 9801 e 98012, nos montantes de € 17.778,04 e € 16.288,13, respectivamente”.
I. Porém, aquando da subsunção jurídica da factualidade apurada, conclui o Tribunal a quo que, “para as liquidações dos 1º, 2º e 3º trimestres do ano de 1998 e liquidações de juros compensatórios relativos a estes períodos já havia caducado o direito de liquidar quando foram notificadas as liquidações, (…)”, restando “a liquidação de IVA relativa ao 4º trimestre do ano de 1998 e respectivos juros compensatórios, ao remanescente que não foi objecto de revogação”.
J. Podemos assim concluir que não está em causa nos autos o IVA relativo aos 2º e 3º trimestres do ano em análise,
K. não podendo, pois, a douta sentença ter declarado a caducidade do direito a liquidar o IVA atinente aos mesmos.
L. Resta-nos assim, apenas, o IVA relativo ao 1º trimestre de 1998, sendo que a correcção efectuada e ora em crise diz respeito ao período de 9801 (Janeiro de 1998).
M. Conclui-se, pois, que somente quanto ao imposto relativo a este período, no montante de € 17.778,04, poderia a douta sentença sob recurso declarar a caducidade do direito à liquidação e não em relação aos restantes dois períodos referidos (2º e 3º trimestres).
N. Em conclusão, pelas razões acabadas de explanar, padece a douta sentença de erro de julgamento da matéria de facto e de erro na aplicação do direito, devendo em consequência, anular-se a douta sentença do Tribunal a quo.
Termos em que,
Deve ser dado provimento ao presente recurso revogando-se a douta decisão recorrida, com as legais consequências.».
A impugnante contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso.
O Ministério Público junto deste Tribunal apôs “Visto” no processo.
Cumpridos os vistos legais, cumpre decidir já que a tal nada obsta.
Questão a decidir:
A questão que se coloca, como à frente se desenvolverá, é saber se a sentença recorrida padece de nulidade por excesso de pronúncia, por ter julgado caducado o direito à liquidação do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) relativo aos 2º e 3º trimestres de 1998.
2. Fundamentação
2.1. De facto
2.1.1. O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto deu como provados os seguintes factos:
a) A impugnante exerce a actividade de “manutenção e reparação de veículos automóveis “ (CAE 50200), encontrando-se enquadrada, para efeitos de IVA, no regime normal mensal, desde 01/01/1998 (cf. informação de fls. 35 do processo Administrativo apenso aos autos, doravante apenas PA). ---
b) A impugnante foi alvo de uma acção inspectiva no âmbito da cooperação administrativa comunitária (VIES), após a análise ao sistema do IVA, foram detectadas pelos serviços inspectivos irregularidades relativas ao exercício de 1998, uma vez que “constatou-se que essa empresa mencionou nas suas declarações periódicas, aquisições Intracomunitárias de bens no montante de €176.079,35, sendo os valores do VIES no montante de €460.567,12, originando uma divergência positiva de €284.487,77…” (cf. relatório da inspecção - doc. de fls. 24 a 28 do PA). ---
c) Solicitado à impugnante a regularização das referidas divergências, esta apresentou declarações periódicas de substituição para os períodos de Abril, Maio, Julho e Outubro, alterando dessa forma a divergência enunciada em a) (cf. relatório da inspecção). ---
d) A impugnante foi notificada para efeitos de audição prévia, pelo ofício nº 425412 de 26/06/2002, à qual veio a responder e, posteriormente, porque se manteve uma divergência positiva de €200.389,22, relativamente ao contribuinte italiano “P…, SRL, IT…”, a impugnante foi alvo de correcções técnicas ao IVA dos períodos de 9801 e 9812, nos montantes de €17.778,04 e €16.288,13, respectivamente (cf. informação de fls. 36 e 39 a 51 do PA). ---
e) Os serviços inspectivos remeteram em 27/06/2002, à entidade competente italiana um pedido de informação bem como o envio de elementos que confirmassem a divergência que tinham apurado (cf. doc. de fls. 53 do PA). ---
f) Este pedido veio a ser respondido em 02/11/2002, pelo Estado Membro (Itália) com remessa das cópias das facturas da mercadoria enviada pela “…” à impugnante durante o ano de 1998 (cf. doc. de fls. 54 a 158 do PA). ---
g) Assim, foi elaborada a nota de apuramento mod. 382, para efeitos de liquidação adicional de IVA no valor de €34.066,17, a qual deu origem à liquidação nº 02254539 de 10/09/2002 (cf. doc. de fls. 30 a 34 do PA). ---
h) Foram ainda liquidados juros compensatórios para os referidos períodos, no valor de €8.002,55 e €3.958,24, conforme liquidações nº 002254537 e 002254538 de 10/09/2002, respectivamente (cf. fls. 33 do PA). ---
i) As liquidações referidas em e) e f) foram notificadas à impugnante por cartas datadas de 26/09/2002 (cf. doc. de fls. 21 a 26 dos autos). ---
j) A presente impugnação foi intentada em 17/12/2002 (cf. doc. de fls. 2 dos autos). ---
k) Em 20/02/2003, e debruçando-se sobre a impugnação apresentada pela impugnante, foi elaborado um parecer no Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia que refere “Quanto à alegada divergência aritmética, de facto ocorreu um lapso na transposição do valor da divergência encontrada na acção inspectiva, reflectida no quadro da página 2/3 do relatório (cf. fls. 26), para o quadro/resumo final da página 3/3 (cf. fls. 27), onde foi indicado o valor de 95.812,50 quando deveria ter sido 73.510,88, correspondente à soma da mencionada divergência (67.105.93) com o valor da factura nº 20447, de 16/12/1998, e referida no art. 38º da p.i. admitindo não ter sido considerada, sendo certo que o deveria ter sido no valor de 6.404,95 (cf. fls. 9). Encontra-se, assim, uma divergência a favor do SP no valor de €22.301,62” (cf. doc. de fls. 164 a 165 do PA). ---
l) Conclui-se naquele parecer da seguinte forma. “Em face do exposto sou de parecer que deverá ser parcialmente atendida a pretensão da impugnante, revogando-se a liquidação nº 02254539 na parte excedente á matéria colectável, no valor de €22.301,62 (a que corresponde o imposto de €3.791,28, à taxa de 17%), para o período em que se detectou a divergência – 9812 (cf. Nora de Apuramento Mod. 382 emitido pelos Serviços de Prevenção e Inspecção tributária). Sobre o imposto em questão foram calculados juros compensatórios no valor de €3.958,24 (cf. demonstração do sistema informático de fls. 161 – liquidação nº 02254538. Assim, deverá ser anulada a importância referente àquele excedente, isto é, €921.33 (cf. fls. 162)” (cf. doc. de fls. 185 do PA). ---
m) Sobre este parecer recaiu o despacho de 05/03/2003, do Director do Serviço de Finanças, com o seguinte teor “Em concordância com o parecer infra revogo o acto tributário, quanto ao valor a seguir indicado, com a fundamentação expressa no aludido parecer
IVA ---------------3791,28€
Juros compensatórios --------921,33€” (cf. doc. de fls. 163 dos autos. ---
n) A administração fiscal fez diligências junto das entidades italianas para apurar os valores que constavam do VIES (cf. depoimento das testemunhas). ---
o) A resposta da autoridade italiana veio de acordo com o que foi feita em sede inspectiva e constava do sistema VIES, mantendo-se a divergência apurada (cf. depoimento de M…). ---
Factos não provados
Dos autos não resultaram provados outros factos com interesse para a decisão da causa. ---
As testemunhas arroladas pela impugnante nada aduziram de interesse para a decisão da causa. ---
O depoimento da inspectora tributária confirmou o pedido de informações ao Estado Membro (Itália), a remessa dos documentos e a confirmação do que constava do sistema informático do VIES. ---
A convicção do tribunal alicerçou-se na consideração dos documentos juntos aos autos, mormente os existentes no PA, que não foram objecto de contestação, bem como no depoimento da testemunha M….».
2.2. De direito
A questão que se coloca nos presentes autos é saber se a sentença recorrida padece de nulidade por excesso de pronúncia por ter julgado caducado o direito à liquidação do IVA relativo aos 2º e 3º trimestres de 1998.
É certo que a recorrente não invoca expressamente aquela nulidade, antes falando de erro no julgamento da matéria de facto e erro na aplicação do direito. No entanto, analisando as conclusões de recurso, constata-se que não é posta em causa a factualidade dada como provada, nem é pugnada a sua ampliação. E, para a recorrente, o erro de julgamento de direito de que padece a decisão recorrida traduz-se na pronuncia sobre a caducidade do direito de liquidar referente aos 2º e 3º trimestres de 1998, ou seja, não discute a recorrente a sentença quando julga caducado o direito de liquidar, mas apenas que o não poderia ter declarado relativamente àqueles dois trimestres.
Apesar de não invocada expressamente a nulidade da sentença por excesso de pronúncia, impõe-se a este Tribunal o seu conhecimento, uma vez que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito artigo 664.º do Código de Processo Civil (CPC).
Nos termos do artigo 125.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), se o juiz se pronuncia sobre questões que não deva conhecer, a sentença é nula - no mesmo sentido o artigo 668.º, n.º 1, alínea d) do CPC.
Dispõe o artigo 660.º, n.º 2 do CPC o juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Defende a recorrente que o juiz tratou das liquidações do IVA dos 1º, 2º e 3º trimestre, considerando caducado o direito à liquidação, quando só o poderia ter feito quanto ao 1º trimestre. Isto porque, alega, resulta «do relatório final da inspecção tributária que fundamenta as liquidações controvertidas (a fls. 24 a 28 do PA), apenas foram alvo de correcções os períodos de 9801 (Janeiro de 1998) e 9812 /Dezembro de 1998).». A pronúncia do tribunal, no entendimento da Fazenda Pública, deveria ter ficado pelo 1º trimestre.
Mas sem razão.
É verdade que na origem das liquidações, como resulta do relatório da inspecção tributária, estão em causa correcções aos períodos de Janeiro de 1998 e Dezembro de 1998. Acontece que a administração tributária ao efectuar as liquidações apenas distinguiu os aludidos períodos no que tange aos juros compensatórios, mas já não quanto ao imposto, reportando-o ao ano de “1998”.
A impugnante na petição inicial indica que interpõe impugnação da liquidação de IVA do ano de 1998 e a final pede, entre outras coisas, que «seja declarada a caducidade do direito à liquidação do IVA respeitantes aos 1.º, 2.º e 3.º trimestres de 1998».
Na contestação a Fazenda Pública define o objecto da impugnação como sendo «as liquidações de IVA e JC relativas ao ano de 1998».
Nas alegações de recurso, a Fazenda Pública novamente refere que «Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e respectivos juros compensatórios, relativos ao ano de 1998».
Do relato feito fica evidente que a liquidação do IVA impugnada se reporta ao ano de 1998 e que o pedido de caducidade do direito de liquidação efectuado pela impugnante foi limitado aos 1º, 2º e 3º trimestres.
O tribunal pronunciou-se exactamente sobre o que lhe foi pedido – declarou a caducidade do direito à liquidação referente àqueles períodos -, não havendo qualquer excesso de pronúncia.
Estando na origem da liquidação duas correcções ao exercício de 1998, uma quanto ao mês de Janeiro e outra quanto ao mês de Dezembro, poder-se-ia questionar se a impugnante, relativamente ao 2º e 3º trimestre teria interesse em demandar, se retiraria da lide algum proveito. Porém, tal questão não foi colocada nos autos, designadamente pela Fazenda Pública na contestação, nem é essa a questão que a Fazenda Pública coloca agora a este Tribunal.
O tribunal recorrido respondeu à questão colocada pela impugnante – caducidade do direito à liquidação - nos limites temporais fixados pela parte – 1.º, 2.º e 3.º trimestres do ano de 1998 - não havendo, por isso, excesso de pronuncia na decisão que julgou verificada a caducidade.
E não sendo colocada qualquer outra questão, o recurso não merece provimento.
3. Decisão
Assim, em conformidade com o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
Porto, 12 de Janeiro 2012
Ass. Paula Ribeiro
Ass. Fernanda Esteves
Ass. Álvaro Dantas