Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01867/09.2BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/12/2015
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Mário Rebelo
Descritores:OPOSIÇÃO
REJEIÇÃO IMEDIATA
ABSOLVIÇÃO DO PEDIDO
Sumário:1. O processo de execução fiscal tem natureza judicial (art.º 103 do LGT). O prazo para deduzir oposição reveste a mesma caraterística, pelo que se lhe aplica o regime do CPC (art.º 20º/2 do CPPT).
2. Significa isto que o prazo corre continuamente, mas suspende-se nas férias judiciais, transferindo-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte quando terminar em dia em que os tribunais estejam encerrados ou seja concedida tolerância de ponto (art. 144º CPC, actual 138º NCPC)
3. Por o prazo ter natureza judicial, é-lhe aplicável o disposto no art. 145.° do CPC (art. 139 NCPC), relativamente à prática do acto fora de prazo.
4. A extemporaneidade da petição inicial de oposição conduz à sua imediata rejeição (art. 208º/1,a) CPPT), dando lugar à absolvição da Fazenda Pública do pedido (e não da instância).
5. A extemporaneidade como fundamento de rejeição liminar deve assentar em factos evidentes e incontroversos que tornem inútil qualquer instrução e discussão posterior da causa.
6. Se existirem elementos factuais susceptíveis de tornar plausível a tempestividade da ação, a pi não deve ser rejeitada, pelo menos «imediatamente», sem prévia indagação ou instrução do caso e actuação do princípio contraditório nos termos do art. 3º/3 do CPC.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:M...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

Síntese do processado mais relevante.
Foi instaurada execução fiscal contra R... no SF de Porto 4, no âmbito da qual foi penhorado um imóvel.
No PERF foi lavrada informação de que o prédio penhorado fora adquirido pelo executado casado com a oponente, na pessoa da qual não foi feita qualquer citação.
Foi então ordenada a citação desta nos termos do art. 239º do CPPT.
A citação da oponente foi efectuada por carta registada com aviso de recepção.
A carta tem a data de expedição de 30/4/2009 e na data da receção consta 6/3/2009.
A petição inicial foi apresentada no Serviço de Finanças em 3/4/2009, tendo estes serviços lavrado informação segundo a qual a petição inicial é extemporânea
A MMª juiz «a quo» louvando-se nesta informação rejeitou liminarmente a petição inicial por manifesta extemporaneidade, por despacho de 12/7/2009.

O recurso.
inconformada com a decisão, a oponente dela recorreu formulando alegações e concluindo como segue:
1 - Ao contrário do que se diz na, aliás, douta decisão proferida, a citação da ora Recorrente não ocorreu em 6.3.2009 mas, sim, em 6.4.2009, como consta dos documentos juntos aos autos.
2 - Aliás, seria impossível que a citação da Recorrente tivesse ocorrido em 6.3.2009, já que a carta pela qual foi citada é datada de 30.3.2009.
3 - Certo que do aviso de recepção dessa carta consta a data de 6.3.2009, mas tal deve-se a lapso manifesto pois seria impossível que a Recorrente recebesse uma carta em data anterior à da sua expedição.
4 - Assim sendo, a oposição foi apresentada dentro do prazo legal, conclusão a que se
chegaria se, abstraindo-se dos documentos acabados de mencionar, se ficcionasse que
a citação da Recorrente ocorreu no dia seguinte ao que consta da respectiva carta.

5 - Entendendo diferentemente, a, aliás, douta decisão recorrida considerou, erradamente, que a Recorrente foi citada em 6.3.2009 (quando devia considerar, em consonância com a realidade, que tal citação ocorreu em 6.4.2009) o que fez com que aplicasse indevidamente o disposto nos arts. 203º nº 1 al. a) e 209º nº 1 al. a) CPPT, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que receba a oposição apresentada.
As razões invocadas e as doutamente supridas conduzirão ao provimento do presente
recurso, assim se fazendo inteira e sã JUSTIÇA.


CONTRA ALEGAÇÕES.
Não houve.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
A Exma. Sra. PGA junto deste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da decisão recorrida.

II QUESTÕES A APRECIAR.
A questão que se impõe apreciar neste recurso, delimitada pelas conclusões formuladas, conforme dispõem os artºs 635º/4 e 639º CPC «ex vi» do artº 281º CPPT, é saber se a sentença errou no julgamento de facto e de direito ao rejeitar liminarmente a petição inicial de oposição.

Colhidos os vistos dos Exmos Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


III a) FUNDAMENTOS DE FACTO.

A decisão recorrida tem o seguinte teor:
«I.RELATÓRIO
M..., contribuinte nº 1…, veio deduzir oposição à execução fiscal n° 3387200701030655, instaurada pelo Serviço de Finanças do Porto 4, por dividas de IMI, IVA e Coimas, no valor total de 5.486,65€.
Invocou, em síntese, a ilegitimidade para a execução.
Considerando-se ser possível decidir sobre a sorte da oposição em sede liminar, deu-se vista ao M.P. em cumprimento do preceituado no art. 14º nº 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), o qual pugnou pela extemporaneidade da presente oposição.
Analisando a Petição Inicial, verifica-se que a mesma deu entrada no Serviço de Finanças do Porto 4, em 30/04/2009, cf. fls. 4 dos autos.
A citação da oponente para os termos do disposto no art, 239°do C.P.P.T., que lhe confere a qualidade de co-executada nomeadamente a de deduzir oposição nos termos do art. 204° do C,P.P.T., ocorreu em 06/03/2009, cf. fls. 12, 13 e 25 dos autos.
Aplicando ao caso o regime do CPPT, em vigor desde 01/01/2000, o art. 203° n.° 1 do CPPT prescreve o prazo de 30 dias para a dedução de oposição à execução, contados, designadamente, a partir da citação (facto aqui em causa nos autos).
Como é jurisprudência assente, a oposição à execução funciona como uma contestação à pretensão do exequente com os fundamentos previstos no art. 204° do mesmo diploma legal; por outro lado, o processo de execução fiscal, não obstante corra perante órgãos da administração tributária, tem natureza judicial: art. 103° n.° 1 da Lei Geral Tributária (LGT).
Ora, estatui o art. 20° n.° 2 do CPPT que a contagem dos prazos para a prática de actos no processo judicial se fará de acordo com o disposto no CPC, ou seja, de forma contínua: art. 144°.
O supra referido prazo de 30 dias previsto no art. 203° do C.P.P.T, é peremptório e de caducidade fazendo extinguir o direito que se pretende exercer, ou seja, fazendo extinguir-se o direito de deduzir oposição à execução fiscal com os fundamentos previstos na lei.
Assim, aplicando-se á presente oposição o prazo do art. 203° do C.P.P,T., uma vez que a citação da aqui oponente no processa executivo acorreu em 06/03/2009, verifica-se que em 30/04/2009, data em que a Petição Inicial da presente oposição deu entrada no Serviço de Finanças competente, estava já ultrapassado o prazo legalmente previsto.
Consequentemente, por manifesta extemporaneidade, rejeita-se liminarmente a presente oposição.
Custas pela oponente.
Registe e notifique.
Porto, 12/10/2009».


III b) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

Foi instaurada execução fiscal contra R... no SF de Porto 4, no âmbito da qual foi penhorado um imóvel.
O executado foi casado com a oponente, tendo o casamento sido dissolvido por divórcio no dia 6/5/2004.
Lavrada informação de que o prédio penhorado fora adquirido pelo executado casado com a oponente, na pessoa da qual não foi feita qualquer citação, foi então ordenada a citação desta nos termos do art. 239º do CPPT.
A citação da oponente foi efectuada por carta registada com aviso de recepção. A carta tem a data de expedição de 30/4/2009 e na data da receção consta 6/3/2009.
A petição inicial foi apresentada no Serviço de Finanças em 3/4/2009, tendo estes serviços lavrado informação segundo a qual a petição inicial é extemporânea

A MMª juiz «a quo» louvando-se nesta informação remeteu os autos ao EMMP por se lhe afigurar possível decidir sobre a sorte da presente oposição em sede liminar (fls. 28).
O EMMP promoveu a verificação da exceção peremptória de caducidade, com as consequências legais (fls. 29).

Sem notificar à oponente este parecer, a MMª juiz «a quo», por despacho de 12/7/2009, rejeitou liminarmente a petição inicial por manifesta extemporaneidade.

O recorrente insurge-se contra esta decisão, e defende que a data de 6/3/2009 colocada no aviso de recepção constitui um lapso manifesto, pois tendo a carta sido expedida em 30/3/2009, seria impossível tê-la recebido antes, em 6/3/2009.

E de facto assim parece ser.
Pois dos documentos juntos aos autos pelo SF em cumprimento do disposto no art. 208º/1 do CPPT, verificamos que o ofício para a citação tem a data de 30/3/2009 e que o respectivo aviso de recepção se mostra assinado com a data de 6/3/09.
De onde resulta claro que algum destes documentos contém um lapso de escrita.

Nos termos do art. 203º do CPPT, a oposição deve ser apresentada (no Serviço de Finanças –art.º 207º/1 do CPPT) no prazo de 30 dias a contar da citação pessoal, ou não a tendo havido, da primeira penhora (alínea a) ou a contar da data em que tiver ocorrido o facto superveniente ou do seu conhecimento pelo executado (art.º 203º/1,b) CPPT).

O processo de execução fiscal tem natureza judicial (art.º 103 do LGT). O prazo para deduzir oposição reveste a mesma caraterística, pelo que se lhe aplica o regime do CPC (art.º 20º/2 do CPPT).

Significa isto que o prazo corre continuamente, mas suspende-se nas férias judiciais, transferindo-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte quando terminar em dia em que os tribunais estejam encerrados ou seja concedida tolerância de ponto (art. 144º CPC, actual 138º NCPC)
Por o prazo ter natureza judicial, é-lhe aplicável o disposto no art. 145.° do CPC (art. 139 NCPC), relativamente à prática do acto fora de prazo.

A extemporaneidade da petição inicial de oposição conduz à sua imediata rejeição (art. 208º/1,a) CPPT), dando lugar à absolvição da Fazenda Pública do pedido (e não da instância, uma vez que a caducidade do direito de acção obsta à produção do efeito jurídico dos factos articulados pelo oponente - cfr. art. 576º/3, do CPC, ex vi do art. 2.º, alínea e) do CPPT e ac. do STA n.º 0340/13 de 22-05-2013 (Relator: FRANCISCO ROTHES)

Mas a extemporaneidade como fundamento de rejeição liminar não pode deixar de assentar em factos evidentes e incontroversos que tornem inútil qualquer instrução e discussão posterior da causa. Para «haver indeferimento liminar é necessário que se trate de uma razão evidente, indiscutível, em termos de razoabilidade, que permita considerar dispensável a audição das partes, em sintonia com preceituado no n.º 3 do art. 3º do CPC» (Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado, II, Áreas Editora, 2007, pp. 414).

Se existirem elementos factuais susceptíveis de tornar plausível a tempestividade da ação, a pi não deve ser rejeitada, pelo menos «imediatamente», sem prévia indagação ou instrução do caso e actuação do princípio contraditório nos termos do art. 3º/3 do CPC (cfr. o ac. deste TCAN n.º 00017/12.2BEVIS de 10-10-2013 Relator: Pedro Marchão Marques).

Esses elementos existem. Nos autos até, como resulta (pelo menos) da contradição entre a data de expedição da carta para citação da oponente – 30/3/2009 – e a data de 6/3/2009 manuscrita no aviso de recepção.
Nestas condições, a decisão de rejeição liminar da petição inicial não pode manter-se.

IV DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em revogar a decisão recorrida a qual deverá ser substituída por outra que não rejeite liminarmente a petição inicial.

Sem custas.

Porto, 12 de Fevereiro de 2015.

Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Bento
Ass. Paula Teixeira