Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00011/05.0BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/20/2011
Relator:José Luís Paulo Escudeiro
Descritores:FIXAÇÃO DO EFEITO DO RECURSO
TAXA DE OCUPAÇÃO DO SUBSOLO DO MUNICÍPIO COM CONDUTAS DE GÁS
ILEGALIDADE DE VIOLAÇÃO DE LEI – PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA, DA IGUALDADE E DA PROPORCIONALIDADE
ISENÇÃO FISCAL
Sumário:I- No Contencioso Tributário, os recursos têm efeito meramente devolutivo, salvo se for prestada garantia nos termos do CPPT ou o efeito devolutivo afectar o efeito útil dos recursos – Cfr. artº 286º-4 2 do CPPT.
II- Não tendo sido prestada garantia tal como exige aquele normativo legal nem se configurando que a o efeito devolutivo do recurso possa afectar o efeito útil do recurso, deve ser fixado ao recurso jurisdicional o efeito meramente devolutivo.
III- A colocação de tubagens no subsolo consubstancia uma utilização individualizada deste, uma vez que, mantendo a Recorrente essa utilização, não será possível utilizar o mesmo espaço para outras finalidades, ficando, assim, limitada a possibilidade de utilização desse subsolo para outras actividades de interesse público.
IV – É assim de qualificar como taxa o tributo liquidado pelo município por essa utilização.
V - O que justifica a exigência da taxa não é o uso de interesse público do subsolo, mas o de interesse privado que, concomitantemente, a Recorrente dele retira.
VI- A taxa, ao ser igual para todos os que ocupam o subsolo, sejam ou não concessionários de serviços públicos, não ofenda o princípio da igualdade, nem o da proporcionalidade.
VII- A transferência de direitos e poderes da pessoa colectiva de direito público para o concessionário limita-se, no entanto, aos que sejam necessários à gestão do serviço por este.
VIII- Nesta perspectiva, a isenção tributária contida no artigo 33º da Lei 42/98 a favor do Estado não integra o complexo de direitos e poderes que se transferiram, por força da concessão.
IX- A par da satisfação do interesse público, a actividade da concessionária proporciona-lhe a satisfação dos seus interesses como empresa comercial privada e que opera numa lógica lucrativa e também por essa razão não encontra cobertura legal a pretendida extensão da isenção consagrada no artº no artigo 33º da Lei 42/98, de 06.AGO (Lei das Finanças Locais).*
* Sumário elaborado pelo Relator
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Tributário do TCAN:
I- RELATÓRIO
“P…– SOCIEDADE DE PRODUÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DE GAS, SA”, devidamente id. nos autos, inconformada com a sentença do TAF de Penafiel, datada de 24.SET.07, que, julgou improcedente a IMPUGNAÇÃO por si deduzida contra a Câmara Municipal de Santo Tirso, recorreu para o TCAN, formulando as seguintes conclusões:
I - Face ao requerimento da recorrente para prestação de caução idónea, deve o Venerando Relator apreciar e alterar o efeito devolutivo atribuído ao presente recurso, atribuindo-se-lhe efeito suspensivo (ainda que - o que se requer).
A - Falta de legitimidade ou competência da Câmara Municipal de Santo Tirso para liquidar à recorrente taxas pela ocupação da via pública e subsolo
II - Compete ao Estado a implantação, manutenção e expansão da rede de transporte e distribuição do gás canalizado em Portugal - cfr. DL n.° 379/89, competência que o Estado transferiu na Região Norte (nomeadamente no Município de Santo Tirso) para a recorrente por contrato de concessão de um serviço público essencial.
III - Durante a vigência da concessão a titularidade dos direitos e poderes continua na entidade concedente (Estado), embora a faculdade de os exercer passa a ser exclusivamente do concessionário (recorrente).
IV - Através da "Lei de Bases de exploração, em regime de serviço público, de redes de distribuição regional de gás natural" (Base XVII do Decreto-Lei n.° 33/91, de 16 de Janeiro), o Estado procedeu a uma mutação dominial parcial dos domínios públicos afectos a outras entidades - designadamente autarquias -, afectando-os também à instalação do serviço público de distribuição de gás.
V - Apesar de previsto o domínio público autárquico no artigo 84.° da Constituição da República Portuguesa, não existe qualquer lei que individualize um conjunto de bens qualificados como pertencentes a tal domínio.
VI - Certos bens públicos, atenta a função que desempenham, não podem deixar de se encontrar na titularidade do Estado, designadamente os bens afectos a serviços públicos não municipalizados - como é o caso sub judice.
VII - Não tem assim a Câmara Municipal de Santo Tirso legitimidade ou competência para liquidar à recorrente quaisquer taxas pela ocupação da via pública, uma vez que aquela, por força da Lei, ficou privada dos poderes de administração das porções do solo e/ou subsolo da via pública necessárias à instalação da rede de gás.
Sem prescindir,
B - Da natureza do tributo liquidado (imposto): violação dos princípios constitucionais da legalidade tributária, da igualdade e da proporcionalidade.
VIII - Não existe sinalagma/correspectividade entre os tributos liquidado e qualquer contraprestação da autarquia, pelo que estamos perante um imposto.
A) DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA
IX - Os tributos que servem de base à execução em causa não podem classificar-se como taxas, pois que lhes falta o carácter sinalagmático: não lhes corresponde, como contrapartida, uma actividade do Município especialmente dirigida à recorrente.
X - O conceito de taxa pressupõe uma utilização que satisfaça, para além de necessidades colectivas, necessidades individuais de satisfação activa (que exigem a procura das coisas pelo consumidor) e não toda e qualquer utilização de tais bens.
XI - As infra-estruturas da rede de gás natural destinam-se à satisfação de necessidades gerais (colectivas) da população do município de Santo Tirso.
XII - Por força da lei e do contrato de concessão, para prosseguir o serviço público de que está incumbida, a recorrente é obrigada a utilizar o domínio público, de forma a instalar e manter no subsolo as infra-estruturas necessárias à distribuição de gás natural.
XIII - Nos termos do contrato, a extinção da concessão opera a transmissão para o Estado das infra-estruturas da rede de distribuição de gás.
XIV - In casu, o que se verifica é a ocupação e utilização de bens dominiais para instalação e funcionamento de um serviço público; trata-se de bens públicos que são utilizados na sua função própria de satisfação de necessidades colectivas (rede de distribuição de gás natural).
XV - A recorrente nada pode exigir, individualmente, como contraprestação específica das "taxas" de ocupação que lhe foram liquidadas.
XVI - Independentemente da bondade formal e material da solução consagrada, no artigo 21.° do Orçamento do Estado para 2005, aprovado pela Lei n.° 55-B/2004, de 30-12, a Assembleia da República concede uma autorização legislativa ao Governo para alargar as competências dos municípios em matéria de "taxas" de ocupação do subsolo a empresas no domínio da distribuição do gás.
XVII - O que significa que os Municípios não o podem fazer ao abrigo da actual redacção do artigo 19.° da Lei n.° 42/98, de 06-08 (Lei das Finanças Locais).
XVIII - Os actos de liquidação que servem de base à execução a que a recorrente se opõe são verdadeiros impostos, ou pelo menos tributos especiais (em todo o caso, com um tratamento jurídico equiparado ao imposto).
XIX - Pelo que a sua criação e aplicação ultrapassa o poder tributário dos municípios, limitado ao estabelecimento de taxas.
XX - Assim, as normas do Regulamento de Liquidação e Cobrança de Taxas da Câmara Municipal de Matosinhos são inconstitucionais, por violação das normas dos artigos 103.º n.° 2 e 165.° da Constituição da República Portuguesa - princípio da legalidade fiscal.
XXI - A eventual interpretação das normas dos artigos 11.º e 19.° da Lei n.° 42/98, de 06-08, do artigo 4.° da Lei Geral Tributária, das normas do DL n.° 33/91, de 16-01 e do DL n.° 374/89, de 25-10, e do artigo 21.° da Lei n.° 55B/2004, de 31-12, no sentido de as concessionárias de serviços públicos serem "sujeitos passivos" de tributos de ocupação do solo e subsolo e de o tributo municipal relativo à ocupação do solo e subsolo ter uma qualquer contrapartida sinalagmática prestada município, assim consubstanciando uma taxa (e não um imposto), é também manifestamente inconstitucional, por violação dos artigos 103.° e 165.° da Constituição da República Portuguesa.
Sem prescindir,
XXII - Ainda que se entenda (no que não se consente) que os Municípios podem prever a cobrança de taxas a uma concessionária de serviço público como contrapartida da utilização de um bem do domínio público, tal previsão não pode ficar sujeita à total arbitrariedade dos Municípios, havendo limites à sua actuação.
XXIII - O entendimento vertido pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.° 365/2003 não é aplicável ao caso em apreço, pois refere-se a um litígio em que estava causa a utilização por uma sociedade comercial, a actuar no exclusivo interesse privado, do subsolo de Matosinhos para o transporte de combustível, existindo várias diferenças entre os dois casos: (1°) a recorrente é uma sociedade comercial concessionária de um serviço público que realiza necessidades básicas da população, e está obrigada (pela lei e pelo contrato de concessão) a utilizar o subsolo para construção de infra-estruturas; (2°) o produto que circula nas tubagens construídas pela recorrente é não poluente e não degrada o subsolo, não estando em causa custos ambientais; (3°) por força das cláusulas 47 e 48 do Contrato de Concessão, a recorrente não pode repercutir nos preços do gás natural a cobrar aos seus clientes os tributos impostos pelas autarquias.
XXIV - O montante concreto da taxa não pode ser superior, muito menos consideravelmente superior, ao custo do eventual serviço de gestão do subsolo prestado pelos municípios.
XXV - Se o critério de cálculo da taxa deixasse de ser o custo da contrapartida oferecida pelo ente público e passasse a ser a "utilidade para o particular dessa utilidade, seria impossível calcular em concreto essa utilidade e verificar se existe a “desproporção intolerável” de que fala o Tribunal Constitucional – incerteza essa sim intolerável para qualquer entidade.
XXVI - O recurso a um critério de "utilidade para o beneficiário" para cálculo de taxas a cobrar por serviços camarários viola a ratio legis do legislador constitucional para a inexistência, no caso das taxas, de reserva de lei idêntica à estabelecida para a criação de impostos: a natureza bilateral do acto que dá origem ao dever de pagamento da taxa imporia que a determinação do montante da taxa resultasse unicamente do custo da contrapartida oferecida pela autarquia.
XXVII - Os municípios oferecem esses "serviços" em situação de "monopólio", pelo que o recurso àquele critério de utilidade para o beneficiário não obstaria a que aqueles municípios actuem exclusivamente numa lógica de procura do lucro.
XXVIII - Na determinação prática do montante das taxas (como se pode verificar dos regulamentos de taxas e licenças dos municípios e respectivas tabelas anexas), as autarquias - em particular a de Santo Tirso - não têm respeitado qualquer critério, muito menos o desejável critério do custo da contrapartida oferecida pelo município.
XXIX - De uma situação em que nada lhe era liquidado, a recorrente viu-se confrontada a partir de 2004 com a aplicação de taxas de valores muito elevados e que têm vindo a aumentar de forma continuada (mas irregular) e insustentável para a recorrente.
XXX - Cada Município tem vindo a fixar de forma absolutamente arbitrária o montante das taxas devidas pela ocupação do respectivo solo e subsolo (em alguns casos a diferença chega a atingir os 1580%!!).
XXXI - De modo diferente ao que acontece com a distribuição de gás natural, a Lei da Assembleia da República n.° 5/2004, de 10-02 (regime jurídico aplicável às redes e serviços de comunicações electrónicas) define claramente as situações em que podem ser estabelecidas taxas municipais de direitos de passagem, fixando os critérios e os montantes máximos das taxas a fixar pelos municípios – artigos 24º e 106º nº 2 e 3.
Acresce que,
XXXII - Partindo da ideia de que a utilização do subsolo tem um valor económico e que qualquer particular que usufrua dessas utilidades deve satisfazer uma contrapartida, coloca-se a questão prévia da diferença entre a propriedade pública e privada.
XXXIII - As entidades públicas estão vinculadas à satisfação de interesses públicos, devendo utilizar os direitos de propriedade ao serviço interesses da comunidade no seu conjunto.
XXXIV - Se um particular utilizar bens públicos com fins meramente egoísticos, estaremos perante a celebração de negócios privados, tendo por objecto bens públicos, que pela sua natureza devem ser insusceptíveis desses negócios.
XXXV - A utilização de bens públicos deveria estar reservada a actividades que, de alguma forma, fossem publicamente relevantes (nomeadamente, a instalação de redes de distribuição de gás), não se justificando uma contrapartida que exceda o custo municipal da gestão do subsolo.
XXXVI - A asserção de carácter genérico e aberto de que a gestão do interesse público exige que as entidades titulares do domínio público cobrem pela sua utilização o correspondente ao valor que proporcionam aos interessados, valor a que se poderá chegar, nomeadamente, por confronto com o que lhes custaria a utilização de subsolo privado ou o transporte por meios alternativos (por estrada, por exemplo), ou ainda considerando outras utilizações possíveis do subsolo que ficam excluídas, justificaria qualquer coisa.
XXXVII - Ao fazer uso do critério do custo da utilização do subsolo privado, estamos a assimilar a propriedade pública à propriedade privada, equiparação que não é aceitável.
XXXVIII - Sendo que a utilização de subsolo privado está assegurada à recorrente pelo recurso à constituição de servidões administrativas (artigos 8.° e 23.° e seguintes do Código das Expropriações).
XXXIX - Para actividades de interesse público, uma eventual contrapartida pela ocupação do subsolo não pode exceder o estritamente necessário para suportar os custos de gestão que a autarquia deve(ria) fazer do seu subsolo. Assim,
XL - A relação sinalagmática entre a contrapartida do tributo e os montantes liquidados à recorrente inexiste no caso concreto, uma vez que: (1°) este montante excede o necessário para suportar os custos autárquicos de gestão do subsolo; (2°) se verifica a ausência de qualquer critério orientador na fixação do montante pelos diversos municípios; (3°) a Câmara Municipal de Santo Tirso tem procedido ao continuado aumento anual irrazoável e insustentável para a recorrente.
XLI - Faltando o sinalagma, os actos de liquidação que servem de base à execução tributária só podem ser qualificados como verdadeiros impostos ou, pelo menos, como tributos especiais com tratamento jurídico equiparado ao imposto.
XLII - Como visto, a criação de impostos é reserva de lei e da competência da Assembleia da República - artigos 103.° n.° 2 e 165.°, n°1, al. i) da Constituição da República Portuguesa.
XLIII - Ou seja, também por esta ordem de razões, o princípio constitucional da legalidade fiscal foi manifestamente violado pelas normas do Regulamento de Taxas e Licenças de Santo Tirso, que são por isso inconstitucionais.
XLIV - Conclui-se, pois, nesta sede que a interpretação dos artigos 11.° e 19.° da Lei n.° 42/98, de 06-08, do artigo 4.° da Lei Geral Tributária, das normas do DL n.° 33/91, de 16-01 e do DL n.° 374/89, de 25-10, e do artigo 21° da Lei n.° 55-B/2004, de 31-12, de forma a fundamentar que os tributos criados e liquidados pelos Municípios a título de ocupação do solo/subsolo consubstanciam uma taxa (e não um imposto), é inconstitucional por violação do princípio da legalidade tributária consagrado nos artigos 103.° n.° 2 e 165.° n.° 1 alínea i) da Constituição da República Portuguesa.
Sem prescindir,
B) DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA IGUALDADE E DA PROPORCIONALIDADE
XLV - Os actos impugnados ao fazerem uma aplicação directa das taxas previstas na Tabela e Regulamento Camarários estão a aplicar à recorrente, concessionária de serviço público, exactamente as mesmas taxas que estão previstas para entidades particulares, que actuam com base em interesses próprios.
XLVI - Entre a actuação de um particular e a da recorrente há uma diferença tão substancial que justifica um tratamento díspar, pelas razões supra expostas nas presentes alegações.
XLVII - A recorrente não pode, como outra empresa, repercutir as taxas pagas na facturação ao consumidor, pois a sua actuação está limitada, quer pelo contrato de concessão (cláusulas 47° e 48° do contrato), quer pela lei.
XLVIII - Diferentemente, o regime jurídico das telecomunicações confere às empresas do ramo o direito a repercutirem as taxas municipais de direitos de passagem (previstas, reguladas e limitadas na própria lei) nas facturas dos clientes finais - artigos 24.° e 106.° n.° 2 e 3 da Lei n.° 5/2004.
XLIX - Ou seja, as normas do Regulamento e Tabela anexa da Câmara Municipal de Santo Tirso tratam de forma igual situações que são materialmente diferentes, e que deveriam ser objecto de tratamento diverso, violando assim o princípio da igualdade (na sua vertente de igualdade material), vertido no artigo 13.°, n.° 1 da Constituição da República Portuguesa.
Acresce que,
L - Ainda que se entendesse ser a cobrança de taxas à recorrente permitida, por força do princípio da proporcionalidade, sempre a sua liquidação teria de atender à finalidade do uso requerido - o que não sucedeu no caso em apreço (não foi considerada nomeadamente a quase inocuidade ambiental da aludida ocupação, nem o serviço público prestado aos munícipes de Santo Tirso).
LI - O respeito pelo princípio da proporcionalidade impõe que não sejam aplicadas as mesmas taxas aos usos privativos de interesse privado e aos usos de interesse público.
LII- Poderíamos afirmar, como no acórdão n.° 365/2003 do Tribunal Constitucional, que não "é do facto de não ter existido nenhuma alteração na prestação da Câmara que, necessariamente, se pode concluir pela violação da proporcionalidade; seria necessário, para o efeito, que tivesse sido feita a demonstração de que há uma desproporção intolerável entre a quantia a pagar e, por exemplo, o montante que o particular teria de desembolsar se recorresse a outro meio alternativo de circulação, ou se tivesse de pagar a utilização de subsolo sob propriedade privada".
LIII - Mas, como visto, a recorrente está legal e contratualmente obrigada a construir as infra-estruturas enterradas, não podendo utilizar meios alternativos de circulação, sendo que a utilização de subsolo privado está assegurada pelo direito de constituir servidões administrativas.
LIV - Ressalvado o máximo respeito, o entendimento vertido no douto acórdão do Tribunal Constitucional se fosse aplicável ao caso em apreço (no que não se consente) levaria a que a recorrente se visse impedida de demonstrar a "desproporção intolerável" entre a taxa e a utilização do solo/subsolo municipal.
LV - A justa indemnização devida pela servidão administrativa não pode servir para a definição da desproporção aludida, pois tal indemnização resulta do sacrifício imposto ao proprietário particular pela afectação da sua propriedade à prossecução do interesse público. Ora, a propriedade das autarquias está, por definição, afecta à prossecução desse interesse público (em sentido lato), não havendo qualquer sacrifício imposto às autarquias pela afectação do subsolo a uma actividade de indiscutível interesse público.
LVI - Esta impossibilidade de a recorrente estabelecer critérios seguros para a determinação da invocada "desproporção intolerável" só pode significar que um tributo fixado para além do custo de uma adequada gestão do subsolo, por parte das Câmaras deve ser considerado excessivo.
LVII - Pelo exposto, a interpretação dos artigos 11.° e 19.º da Lei n.° 42/98, de 0608, do artigo 4.° da Lei Geral Tributária, das normas do DL n.° 33/91, de 16-01 e do DL n.° 374/89, de 25-10, que sufrague o entendimento de que os Municípios podem proceder à livre fixação da taxa em montante igual para todos os que ocupam o subsolo, sem atender à finalidade do uso requerido e ao facto de se tratar de uma concessionária de um serviço público, é inconstitucional por violação os princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade, plasmados nos artigos 13.° n.° 1 e 266.° da Constituição da República Portuguesa, bem como o alcance do princípio da autonomia patrimonial dos municípios - artigo 238.° da Constituição da República Portuguesa.
Sem prescindir,
C - DA ILEGALIDADE DAS LIQUIDAÇÕES POR VIOLAÇÃO DAS NORMAS QUE IMPÕEM A ISENÇÃO (ARTIGO 33° EX VI DO ARTIGO 19° DA LEI DAS FINANÇAS LOCAIS)
LVIII - Por contrato de concessão, foi atribuída pelo Estado à recorrente a competência da gestão do serviço público de distribuição de gás e de todos os meios afectos a essa concessão.
LIX - "O serviço público pelo facto de passar a ser feito por uma entidade privada não perde a sua natureza".
LX - Apesar de se verificar uma transferência do exercício de poderes durante o prazo da concessão ou enquanto esta subsistir a titularidade dos direitos e poderes continua na entidade concedente (Estado), mas a faculdade de os exercer passa a ser exclusivamente do concessionário (recorrente).
LXI - Estando em causa um serviço público que o Estado concessionou e tornando-se necessária, para o cumprimento desse serviço público, a ocupação da via pública, à recorrente (concessionária) deve ser aplicada a isenção prevista no artigo 33.° n.° 1 da Lei das Finanças Locais.
LXII - A não aplicação dessa norma de isenção ao caso dos autos, inquina os actos impugnados de vício de violação de lei.
LXIII - Violou, assim, a sentença recorrida, nomeadamente por erro de interpretação, as normas dos artigos 13.°, 84.°, 103.°, 106.0, 112.°, 165.°, 238.° e 266.° da C.R.P.; os artigos 11.0, 19.° e 33.° da Lei n.° 42/98, de 06-08 (Lei das Autarquias Locais); o artigo 4.° da Lei Geral Tributária; e ainda as normas da Lei 55-B/2004, de 31-12, do DL 33/91, de 16-01 e do DL 374/89, de 25-10; o despacho que admitiu o recurso violou os artigos 280.°, 281.°, 282.° e 286.° do CPPT e o artigo 687° n.° 4 do Código de Processo Civil.
LXIV - Errou ainda a sentença recorrida ao não declarar inconstitucionais as normas do Regulamento de Taxas e Licenças da Câmara Municipal de Santo Tirso e da respectiva Tabela anexa.
TERMOS EM QUE,
Deve ser concedido efeito suspensivo ao presente recurso, pois que foi oportunamente prestada garantia idónea.
Deve conceder-se provimento ao presente recurso.
A Recorrida não apresentou contra-alegações.
O Mº Pº emitiu parecer nesta instância, no sentido da improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, o processo é submetido à Secção do Contencioso Tributário para julgamento do recurso.
II – QUESTÕES A DECIDIR NO RECURSO
a) A atribuição do efeito suspensivo ao recurso jurisdicional;
b) O erro de julgamento de direito quanto à apreciação da falta de legitimidade ou competência da Câmara Municipal de Santo Tirso para liquidar à Recorrente taxas pela ocupação da via pública e subsolo;
c) O erro de julgamento de direito por errada apreciação da ilegalidade de violação de lei, por violação do princípio constitucional da legalidade tributária, por um lado, e por violação dos princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade, por outro lado; e
d) O erro de julgamento de direito quanto à apreciação da ilegalidade de violação de lei por violação das normas que impõem a isenção (artº 33° ex vi do artº 19° da Lei das Finanças Locais).
III – FUNDAMENTAÇÃO
III-1. Matéria de facto
A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:
- Em 16.12.1993, foi outorgado entre o Estado Português, na qualidade de concedente, e a ora impugnante, na qualidade de concessionária, um "Contrato de Concessão da Rede de Distribuição Regional de Gás Natural do Norte" - cfr. doc. de fls. 28 a 65 dos autos.
- De acordo com o estipulado no referido contrato de concessão, a impugnante tem a seu cargo a exploração, em regime de serviço público, da rede de distribuição regional de Gás Natural do Norte, bem como a respectiva construção e a instalação das obras e dos equipamentos para o efeito necessários - cfr. cláusula 2ª n.°1 do contrato.
- E a manutenção e reparação dos instalações da rede de distribuição, constituída pelo "conjunto de todas as tubagens, respectivas antenas, estações de compressão e equipamento de controlo, regulação e medida necessárias à operação do sistema, a jusante dos postos de redução de pressão de la classe"- cfr. cláusulas 2ª n.°2, 1a n.°1 e 13ª do contrato.
- A Câmara Municipal de Santo Tirso procedeu às liquidações à ora impugnante constantes dos ofícios n.°s DT/2435/04, DT/3661/04, DT/3728/04, DT/4080/04, respectivamente no valor de 394,97 euros, 394,43 euros, 644,12 euros e 380,16 euros, a título de taxas de ocupação da via pública e subsolo situados em diversos locais do município por tubos e condutas.
III-2. Matéria de direito
Como atrás se deixou dito, constitui objecto do presente recurso jurisdicional, a apreciação das seguintes questões:
a) A atribuição do efeito suspensivo ao recurso jurisdicional;
b) O erro de julgamento de direito quanto à apreciação da falta de legitimidade ou competência da Câmara Municipal de Santo Tirso para liquidar à Recorrente taxas pela ocupação da via pública e subsolo;
c) O erro de julgamento de direito por errada apreciação da ilegalidade de violação de lei, por violação do princípio constitucional da legalidade tributária, por um lado, e por violação dos princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade, por outro lado; e
d) O erro de julgamento de direito quanto à apreciação da ilegalidade de violação de lei por violação das normas que impõem a isenção (artº 33° ex vi do artº 19° da Lei das Finanças Locais).
III-2.1. Da atribuição do efeito suspensivo ao recurso jurisdicional.
A Recorrente insurge-se contra a atribuição do efeito meramente devolutivo ao presente recurso jurisdicional, pugnando pela atribuição ao mesmo de efeito suspensivo.
Invoca para tanto, ter prestado caução idónea.
Vejamos.
Em matéria de recursos jurisdicionais, estabelecem os artºs 281º e 286º-2 do CPPT, do modo seguinte:
“Artº 281.º
(Interposição, processamento e julgamento dos recursos)
Os recursos serão interpostos, processados e julgados como os agravos em processo civil.
Artº 286.º
(Subida do recurso)
1 – (…).
2 - Os recursos têm efeito meramente devolutivo, salvo se for prestada garantia nos termos do presente Código ou o efeito devolutivo afectar o efeito útil dos recursos.”.
Por seu lado, dispõe o artº 687º- 4 do CPC, que:
Artº 687.º
(Interposição do recurso - Despacho do requerimento)
(…)
4. A decisão que admita o recurso, fixe a sua espécie ou determine o efeito que lhe compete não vincula o tribunal superior, e as partes só a podem impugnar nas suas alegações.
(…)”.
No caso dos autos, estamos perante recurso jurisdicional de sentença proferida em Processo de Impugnação judicial de acto tributário.
Ora, de acordo com o enunciado no nº 2 do artº 286º do CPPT, no Contencioso Tributário, os recursos têm efeito meramente devolutivo, salvo se for prestada garantia nos termos do CPPT ou o efeito devolutivo afectar o efeito útil dos recursos.
Alega a Recorrente ter prestado caução idónea.
Acontece que, uma vez compulsados os autos, deles não decorre ter a Recorrente prestado a mencionada caução. É certo que a Recorrente, na Petição Inicial requereu a prestação de caução. Porém não o veio a fazer.
Assim, não tendo sido prestada garantia tal como exige aquele normativo legal nem se configurando que a o efeito devolutivo do recurso possa afectar o efeito útil do recurso, não se vislumbram razões para alterar a fixação do efeito meramente devolutivo ao recurso jurisdicional interposto.
Termos em que improcede a requerida atribuição de efeito suspensivo ao recurso jurisdicional.
III-2.2. Do erro de julgamento de direito quanto à apreciação da falta de legitimidade ou competência da Câmara Municipal de Santo Tirso para liquidar à Recorrente taxas pela ocupação da via pública e subsolo.
Sustenta a Recorrente competir ao Estado a implantação, manutenção e expansão da rede de transporte e distribuição do gás canalizado em Portugal - cfr. DL 379/89 - competência que o Estado transferiu na Região Norte (nomeadamente no Município de Santo Tirso) para a recorrente por contrato de concessão de um serviço público essencial.
Durante a vigência da concessão a titularidade dos direitos e poderes continua na entidade concedente (Estado), embora a faculdade de os exercer passa a ser exclusivamente do concessionário (recorrente), sendo que através da "Lei de Bases de exploração, em regime de serviço público, de redes de distribuição regional de gás natural" (Base XVII do DL 33/91, de 16 de JAN), o Estado procedeu a uma mutação dominial parcial dos domínios públicos afectos a outras entidades - designadamente autarquias -, afectando-os também à instalação do serviço público de distribuição de gás.
Apesar de previsto o domínio público autárquico no artigo 84.° da CRP, não existe qualquer lei que individualize um conjunto de bens qualificados como pertencentes a tal domínio, sendo certo que, certos bens públicos, atenta a função que desempenham, não podem deixar de se encontrar na titularidade do Estado, designadamente os bens afectos a serviços públicos não municipalizados - como é o caso sub judice – pelo que a Câmara Municipal de Santo Tirso não legitimidade ou competência para liquidar à recorrente quaisquer taxas pela ocupação da via pública, uma vez que aquela, por força da Lei, ficou privada dos poderes de administração das porções do solo e/ou subsolo da via pública necessárias à instalação da rede de gás.
Cumpre decidir.
Estabelecem a Base XVII do DL 33/91, de 16 de JAN, e o artº 19º-c) da Lei 42/98, de 06.AGO, do modo seguinte:
“Base XVII
(Utilização do domínio público)
A concessionária terá o direito de utilizar o domínio público para efeitos de implantação e exploração das infra-estruturas da concessão nos termos da legislação aplicável.
Artº 19.º
(Taxas dos municípios)
Os municípios podem cobrar taxas por:
(…)
c) Ocupação ou utilização do solo, subsolo e espaço aéreo do domínio público municipal e aproveitamento dos bens de utilidade pública;
(…)”.
Ora, atento o disposto em tais normativos legais temos, por um lado, que não parece resultar da Base XVII do DL 33/91, de 16 de JAN, que tenha havido qualquer transferência do domínio público municipal para o estadual, mas tão só que a Recorrente enquanto concessionária de serviço público tem o direito de utilizar o domínio público, seja municipal seja estadual, para efeitos de implantação e exploração das infra-estruturas da concessão nos termos da legislação aplicável; e, por outro lado, a atribuição à da concessão à Recorrente não impede o Município de exercer o seu poder, conferido pela alínea c) do artº 19º da Lei 42/98, de 06.AGO, de cobrar taxas pela ocupação ou utilização do solo, subsolo e espaço aéreo do domínio público municipal.
Deste modo não se vislumbra que a actuação da Recorrida padeça de incompetência ou ilegitimidade.
Termos em que improcedem as conclusões de recurso atinentes à invocada falta de legitimidade ou competência da Câmara Municipal de Santo Tirso para liquidar à Recorrente taxas pela ocupação da via pública e subsolo.
III-2.3. Dos erros de julgamento de direito por errada apreciação da referenciada ilegalidade de violação de lei (por violação de princípios constitucionais da legalidade tributária, por um lado; e da igualdade e da proporcionalidade, por outro lado).
As questões que constituem objecto de recurso jurisdicional têm sido objecto de reiterada pronúncia por parte do Supremo Tribunal Administrativo e também deste Tribunal Central Administrativo Norte e com um sentido uniforme.
Assim, em observância ao disposto no artº 8º-3 do CC, limitamo-nos a assumir a fundamentação do acórdão deste TCAN, de O3.DEZ.10, in Rec. nº 597/06.1BEPRT, em que a mesmas questões foram tratadas e em que também é Recorrente a P…:
Quanto à 1ª questão:
«Analisemos agora a questão relativa ao facto de aferir se as taxas liquidadas a título de ocupação do subsolo se subsumem no conceito de taxa ou se são impostos.
Defende a impugnante que as quantias liquidadas configuram verdadeiros impostos, criados pelo município ao arrepio da Constituição da República Portuguesa em manifesta violação do princípio da legalidade fiscal.
Mais indica que lhe falta o carácter sinalagmático por não lhe corresponder como contrapartida, uma actividade do Estado especialmente dirigida ao respectivo obrigado, pelo que a contribuição corresponde a um verdadeiro imposto.
Argui também a inconstitucionalidade das taxas em causa e as normas regulamentares subjacentes por violação do princípio consagrado no art. 103°, n° 2 da CRP.
Importa, desde já, precisar o conceito de taxa.
O Prof. Alberto Xavier considera que as taxas, são receitas tributárias que têm "carácter sinalagmático, não unilateral, o qual, por seu turno deriva funcionalmente da natureza do facto constitutivo das obrigações em que se traduzem e que consiste ou na prestação de uma actividade pública ou, na utilização de bens do domínio público ou na remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares" (neste sentido cf. "Manual de Direito Fiscal" pag. 42/43). —
Ora, o imposto tem sido caracterizado como uma prestação, em regra, pecuniária, mas sempre coactiva e unilateral sem o carácter de sanção, exigida pelo Estado com vista à realização de fins públicos.
No que respeita à questão da natureza das taxas pela ocupação do subsolo (como taxa ou imposto), e tal como é referido no Douto Parecer do Ministério Público, ela tem sido apreciada, ultimamente, tanto pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA) como pelo Tribunal Constitucional (TC) sendo jurisprudência pacifica a sua classificação como verdadeiras taxas.
É que aqueles Venerandos Tribunais têm considerado que as taxas de ocupação do subsolo são verdadeiras taxas e não impostos (neste sentido cf. Ac. do STA Processo n° 603/07 de16/01/2008, 500/08 de 09/10/2008, 701/08 de 12/11/2008, 650/04, de 27/11/2004, 1339/04, de 13/04/2005, 1338/04 de 27/04/2005 e 0648/06, de 08/11/2006, (todos in www.dgsi.pt.) e Ac. do TC nos processos n° 365/2003 e 266/2003 ambos de 14/07/2003).
Ante o que vem dito, salienta-se que a taxa de ocupação do subsolo, encontra a sua justificação legal na necessidade de compensar o município pela utilização individualizada dos bens do domínio municipal a favor da, aqui, impugnante.
Face ao referido existe uma relação sinalagmática e como tal podemos concluir que estamos na presença de verdadeiras taxas.»
Por outro lado e, conhecendo em questão idêntica a esta, sendo em ambas a mesma impugnante e ora Recorrente, só naquele caso a Recorrida foi a Câmara Municipal de Braga, decidiu o Supremo Tribunal Administrativo ( Acórdão de 08/11/2006, proferido no Recurso nº 0648/06 e consultável na íntegra em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/9121c91000c390848025722e00437e66?OpenDocument ) da mesma forma, com a seguinte fundamentação:
«O segundo fundamento do recurso, (…), tem a ver com a natureza do tributo liquidado, que a recorrente defende ser um imposto, não obstante a sua designação como taxa, em resultado da falta de «carácter sinalagmático».
É ponto doutrinaria e jurisprudencialmente assente que não é o nomem escolhido pelo legislador que faz com que seja necessariamente taxa aquilo que como tal designa, ou imposto o que assim qualifica.
Como diz a recorrente, «o conceito de taxa pressupõe uma utilização que satisfaça, para além de necessidades colectivas, necessidades individuais de satisfação activa (…) e não toda e qualquer utilização de tais bens».
É, porém, isso mesmo que acontece no caso vertente.
A recorrente dispôs-se a desenvolver uma actividade económica lucrativa, e para isso reuniu e organizou meios que lhe permitiram obter uma concessão de serviço público. É da prestação desse serviço que se propõe conseguir os seus ganhos. Mas, para tanto, necessita de transportar e distribuir o bem que comercializa, no âmbito de tal concessão. Também por isso e para isso precisa de ocupar o subsolo com instalações atinentes àquele fim. Deste modo, a utilização que a recorrente faz do subsolo satisfaz, desde logo, as suas necessidades individuais, enquanto empresa que assim assegura um factor de produção; mediatamente, satisfaz, ainda, a necessidade colectiva de dispor, nos locais de consumo, do gás que ela distribui e comercializa.
Deste modo, se é certo que a ocupação e utilização do subsolo ainda integra a «sua função própria de satisfação de necessidades colectivas, menos certo não é que, do mesmo passo, é satisfeita a necessidade individual da recorrente, enquanto entidade organizada com vista à exploração de um ramo de negócio.
Por isto, o tributo exigido a propósito da ocupação e utilização do subsolo tem contrapartida na disponibilidade dessas ocupações e utilização em benefício da recorrente, para satisfação das suas necessidades individuais de empresa dedicada à distribuição e venda de gás.
O que vale por dizer que se trata de uma taxa, e não de um imposto.
E que, consequentemente, o princípio da legalidade fiscal não implica que a criação do tributo fosse da autoria da Assembleia da República.»
E, em relação à 2ª questão:
No que concerne à 2ª questão mostra-se também decidida naquele aresto que atrás referenciámos, do STA e, não vendo quaisquer razões para dela dissentir, aqui a deixamos respigada, no que à fundamentação respeita:
«As conclusões (…) formuladas pela recorrente põem-nos perante a questão da violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade.
Esse atentado resultaria de a recorrente, na qualidade de concessionária de serviço público, estar a ser tratada como outra qualquer entidade a quem falta tal qualidade, quando a diferença imporia tratamento diferente. A taxa liquidada, igual à que incide sobre «usos privativos de interesse privado», não atende nem «à finalidade do uso requerido» nem à «quase inocuidade da aludida ocupação».
Em primeira linha, o princípio da igualdade só impõe que à recorrente, como concessionária, seja dado tratamento igual ao das suas congéneres. Para que se imponha, também, dar-lhe tratamento distinto daquele que, em geral, merecem os demais contribuintes, seria preciso demonstrar que entre ela e eles há uma diferença tal que justifica essa disparidade.
O que diz a recorrente a este respeito é que não pode repercutir as taxas pagas nos preços que factura, por estar «limitada, designadamente pelo contrato de concessão e pelo facto de ser uma concessionária de serviço público».
Mas, dizendo isto, a recorrente contraria a sentença recorrida, aonde se lê que «a impugnante no exercício da sua actividade empresarial e comercial pode (…) fazer repercutir as taxas pagas a título de ocupação do subsolo, na facturação ao consumidor». Estamos perante um juízo em sede de matéria de facto que nem é posto expressamente em causa pela recorrente – que não aponta à sentença erro de julgamento sobre os factos –, nem é sindicável por este Tribunal, aqui agindo como de revista.
De resto, não é apodíctico que qualquer outra empresa possa, sem mais, repercutir nos preços que pratica todos os custos que suporta. É do conhecimento geral que as condições do mercado não raras vezes obstam a que isso ocorra.
E mesmo sendo verdade que a posição da recorrente no mercado não é igual à de outra empresa que nele actue fora do âmbito de uma concessão de serviço público, não se vê que essa sua posição seja, neste pormenor, de tal modo diferente das demais entidades que imponha um tratamento diferenciado, sob pena de ofensa do princípio da igualdade.
Por demonstrar está, também, que seja «quase inócua» a ocupação do solo pelas estruturas da recorrente. Afirmação que, em todo o caso, não deixa de estranhar-se, geralmente sabido como é que as condutas de gás ocupam espaço e constituem um sistema exigente em termos de segurança e manutenção; (…).
Por último, viu-se já que o que justifica a exigência da taxa não é o uso de interesse público do subsolo, mas o de interesse privado que, concomitantemente, a recorrente dele retira. O que faz com que a taxa, ao ser igual para todos os que ocupam o subsolo, sejam ou não concessionários de serviços públicos, não ofenda o princípio da igualdade, nem o da proporcionalidade.
Como se escreveu no acórdão nº 365/2003, do Tribunal Constitucional ( Consultável na íntegra em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20030365.html ), proferido em 14/07/2003:
«Em suma, o Tribunal entende que os critérios constantes das normas em apreciação permitem avaliar a vantagem individualizada que o particular retira do uso privativo do subsolo do domínio público de que beneficia, vantagem essa que há que compensar mediante o pagamento do tributo correspondente. Inaceitável seria que o valor a pagar fosse meramente simbólico, por implicar a reserva sem contrapartida aos beneficiários de vantagens proporcionadas por bens públicos».
Como escreveu Marcello Caetano, (Manual de Direito administrativo, II, 3ª reimp. da 10ª edição., Coimbra, 1986, págs. 943-944), “O uso privativo, ao contrário do uso comum, não é em regra gratuito: os particulares são obrigados ao pagamento de taxas, calculadas em função da área a ocupar e do valor das utilidades proporcionadas”; em nota a esta afirmação, acrescentou que se admitem isenções ou reduções “a favor das pessoas colectivas de direito público ou de particulares para fins de beneficiência” (nota 1 da pág. 944).»
Neste sentido e, sendo a mesma a impugnante e Recorrente nestes autos, decidiu o STA ainda, por acórdão proferido em 17/11/2004, no Recurso nº 0650/04 ( Consultável na íntegra em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/81d5ea564a7c286a80256f5f003f55f9?OpenDocument ), e, por mais recentes, em 09/10/2008, no Recurso nº 0500/08 ( Consultável na íntegra em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/dc8ec0a229116564802574e20049b0c8?OpenDocument ) e 12/11/2008, no Recurso nº 0701/08 ( Consultável na íntegra em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d630a87efa16aa83802575050052a34a?OpenDocument ). Também no mesmo sentido tem decidido o TCAS, referindo-se apenas o acórdão proferido em 02/10/2007, no Recurso nº 01764/07 ( Consultável na íntegra em
http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/a10cb5082dc606f9802565f600569da6/6d41c215e219e87e8025736e0039d20b?OpenDocument ). Não temos, por isso, razões que nos levem agora a decidir em sentido diferente.
Damos ainda conta que o Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão do Pleno, proferido em 20/01/2010, no Recurso 0731/09 ( Consultável na íntegra em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/029c2a0b4b800207802576b600508dfb?OpenDocument ), decidiu neste mesmo sentido, mantendo a jurisprudência já anteriormente firmada”.
II-2.4. Do erro de julgamento de direito quanto à apreciação da ilegalidade de violação de lei por violação das normas que impõem a isenção (artº 33° ex vi do artº 19° da Lei das Finanças Locais).
Esta questão foi, igualmente, objecto de apreciação por parte do mesmo aresto jurisprudencial, pelo que, e uma vez que com ela se concorda se assume a respectiva fundamentação.
“(…)
Estabelecia-se no artigo 33º da Lei 42/98, de 6 de Agosto (Lei das Finanças Locais), aqui aplicável:
1. O Estado, seus institutos e organismos autónomos personalizados estão isentos de todos os impostos, emolumentos taxas e encargos de mais-valias devidos aos municípios e freguesias nos termos do presente diploma”.
Entende a Recorrente que, na qualidade de concessionária de serviço público, deve beneficiar da isenção que naquela norma se consagra a favor do Estado.
Salvo o devido respeito, a Recorrente não tem razão.
É certo que, na concessão de serviço público, este, pelo facto de passar a ser gerido por uma entidade privada, não perde a sua natureza e que o concessionário desempenha uma função pública, é um colaborador da Administração na realização dos interesses gerais.
Por outro lado, de acordo com a doutrina tradicional, a concessão implica a transferência temporária do exercício de direitos e poderes da pessoa colectiva de direito público necessários à gestão do serviço pelo concessionário – cfr. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, Volume II, 10ª edição, págs. 1099-1100.
A transferência de direitos e poderes da pessoa colectiva de direito público para o concessionário limita-se, no entanto, aos que sejam necessários à gestão do serviço por este.
Ora, nesta perspectiva, é manifesto que a isenção tributária contida no artigo 33º da Lei 42/98 a favor do Estado não integra o complexo de direitos e poderes que se transferiram, por força da concessão, para a Impugnante.
A isto acresce que, a par da satisfação do interesse público, a actividade da concessionária proporciona-lhe a satisfação dos seus interesses como empresa comercial privada e que opera numa lógica lucrativa e também por essa razão não encontra cobertura legal a pretendida extensão da isenção consagrada naquele normativo legal à Recorrente, enquanto concessionária de serviço público – neste mesmo sentido, acórdão STA 12 Nov. 2008, recurso 701/08, www.dgsi.pt.
(…)”.
Nestes termos improcedem as alegações de recurso, impondo- -se, em consequência, a manutenção da sentença recorrida.
IV- CONCLUSÃO
Termos em que acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TACN em negar provimento ao recurso jurisdicional e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Porto, 20.JAN.11
José Luís Paulo Escudeiro
Francisco António Pedrosa de Areal Rothes
Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro