Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00253/14.7BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/30/2014
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Mário Manuel Feliciano Rebelo
Descritores:DERROGAÇÃO DE SIGILO BANCÁRIO.
FACTO PROVADO CUJO CONTEÚDO É REMETIDO PARA DOCUMENTO.
TUTELA DA CONFIANÇA.
Sumário:1) É prática incorrecta e ilegal que o conteúdo de um facto provado seja preenchido apenas pela remissão para documento nos autos.
2) Este procedimento ilegal configura uma omissão da especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão, fulminando com nulidade a respectiva sentença (art.º 615º/1,b) CPC e 125º/1 do CPPT).
3) Sob pena de violação do princípio da boa fé, a ATA não pode frustrar a confiança que a sua declaração legitimamente gerou no sujeito passivo.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:P...
Recorrido 1:Direção Geral dos Impostos
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

P..., inconformado com a sentença proferida no TAF de Penafiel que julgou totalmente improcedente o recurso interposto da decisão proferida pelo Exmo. Senhor Director – Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, autorizando que funcionários da inspecção Tributária, devidamente credenciados, possam aceder directamente a todas as contas existentes nas instituições bancárias, relativamente ao ano de 2012, dela recorreu formulando alegações e concluindo como segue:

A) É objecto do presente recurso a sentença que julgou improcedente o recurso judicial interposto pelo Recorrente da decisão de derrogação do sigilo bancário, relativamente a todas as contas e documentos bancários existentes nas instituições bancárias, em sociedades financeiras ou instituições de crédito portuguesas, de que é titular o Recorrente, relativamente ao ano de 2012, deve ser anulada e substituída por outra que a anule;

B) A sentença ora recorrida incorre em vícios formais susceptíveis de conduzir à sua nulidade, e em vício de erro de julgamento que implica a sua anulabilidade.

C) Desde logo, a sentença recorrida deve ser declarada nula por incorrer em vício formal de falta de especificação dos fundamentos de facto, de acordo com o preceituado nos artigos 125.º do CPPT e 615.º do CPC, e conforme os ensinamentos da doutrina, segundo os quais há nulidade da sentença quando esta não discrimina, relativamente à matéria de facto, os factos provados e não provados.

D) Assim, decorre da alínea K) da matéria de facto dada como provada, que “O Recorrente foi notificado da decisão que consta do ofício n.º 59918/0504, de 26/09/2013, junto aos autos de fls. 203 a 207, cujo teor aqui se dá por reproduzido”.

E) Todavia, não resulta claro para o Recorrente qual é exactamente o facto que Tribunal a quo considerou provado na referida alínea, ou seja, não se consegue alcançar se o Tribunal a quo considerou como provado a existência do aludido ofício, ou se considerou provado que, na verdade, ocorreu, efectivamente, a anulação e substituição dos ofícios n.ºs 42783/0504, de 03.07.2003, e n.º 51668/0504, de 13.08.2013.

F) Ora, esta delimitação factual é absolutamente essencial à decisão da causa, porque, se se considerar que o Tribunal a quo dá como provado, na referida alínea, a anulação dos dois primeiros ofícios, isso quer dizer que considerou como provado que, relativamente ao ano de 2012, aqui em causa, simplesmente não existiu procedimento prévio conducente à verificação da avaliação de métodos indirectos e, por consequência, não existiu procedimento prévio conducente à derrogação do sigilo bancário,

G) facto que, por si só, inquina todo o procedimento prosseguido pela AT relativamente à derrogação do sigilo bancário aqui em causa,

H) e, forçosamente, determina uma decisão judicial em sentido inverso à que foi proferida pelo Tribunal a quo nos presentes autos.

I) Por outro lado, não pode o Tribunal a quo socorrer-se de uma fórmula genérica, dando o teor do despacho como reproduzido, sem referir de forma concreta, objectiva, e evidente qual o facto que dá como provado, ou como não provado,

J) na medida em que não estamos a falar de um facto qualquer, mas antes do facto que, por si só, permite, mediante uma boa aplicação do direito, decidir a presente causa.

K) Porém, conforme é possível constatar, essa factualidade não resulta circunscrita na motivação de facto, pelo menos de forma clara e congruente, o que conduz inevitavelmente à nulidade da sentença.

L) Acresce, por outro lado, que, o Recorrente, aquando do exercício de audição prévia, na sequência do ofício n.º 42783/0504, de 03/07/2013, para além de justificar parte das divergências identificadas relativamente a 2010, solicitou à AT, ao abrigo do dever de colaboração, que, em virtude de estar a diligenciar junto das entidades bancárias para obtenção de documentos, se abstivesse da prática de qualquer acto lesivo.

M) Também este facto é, no entendimento do Recorrente, relevante para estes autos, porém, o mesmo não consta, pelo menos de forma inequívoca, da matéria de facto julgada provada.

N) O Tribunal a quo valorou também erradamente os documentos integrantes do processo administrativo, designadamente o significado do acto administrativo de anulação e substituição dos Ofícios n.ºs 42783/0504, de 03/07/2013 e o 51668/0504, de 13/08/2013, pelo Ofício n.º 59918/0504, de 26.09.2013.

O) Por outro lado, não é aceitável que a sentença simplisticamente afirme que “com relevância para a decisão da causa, inexiste matéria de facto julgada não provada”.

P) Por todas estas razões, padece a sentença do vício de falta de especificação dos fundamentos de facto susceptível de produzir a sua nulidade, o que expressamente se invoca para todos os devidos e legais efeitos, devendo, em consequência, ser substituída por outra em cumprimento da lei.

Q) Declarando nula a sentença recorrida, deve o Venerando Tribunal, em substituição, conhecer do objecto do presente recurso, que é de apelação, já que os autos fornecem todos os elementos de prova documental e para o efeito do disposto no artigo 665.º n.º 1 e 2 do CPC.

R) Requer-se, além do mais, que sejam acrescidos à matéria de facto julgada provada, aqueles três factos:
• que o Recorrente, através do exercício de audição prévia, praticado em 01.08.2013, ao abrigo do dever de colaboração, informou a AT que estava a diligenciar junto das entidades bancárias para obtenção de documentos e que nessa medida, se abstivesse da prática de qualquer acto, até que os mesmos fossem conseguidos;
• que o Ofício n.º 59918/0504, de 26.09.2013, anulou os anteriores, concretamente os n.ºs 42783/0504, de 03/07/2013 e o 51668/0504, de 13/08/2013;
• que o Ofício n.º 59918/0504, de 26.09.2013 substituiu os dois únicos ofícios anteriores, os n.ºs 42783/0504, de 03/07/2013 e o 51668/0504, de 13/08/2013.

S) Labora, ainda, a sentença recorrida em manifesto erro de julgamento por errada interpretação e aplicação do direito, ao não julgar procedente a ilegalidade da decisão de derrogação do sigilo bancário por quatro motivos a saber.

T) Preterição de formalidade essencial, por violação do disposto no n.º 5, do artigo 267.º, da Constituição da República Portuguesa (adiante, “CRP”) e da alínea d), do n.º 1, do artigo 60.º, da Lei Geral Tributária (adiante, “LGT”),

U) porquanto, uma vez que desapareceu da ordem jurídica qualquer procedimento relativamente a manifestações de fortuna respeitantes a 2012, por via da anulação praticada pela AT,

V) para que pudesse, consequentemente, ser derrogado o sigilo bancário em relação a esse ano, a AT teria que, previamente, notificar o Recorrente para justificar as divergências existentes entre o acréscimo de património realizado no ano de 2012, convidando-o a apresentar elementos que comprovem a origem, titularidade e mobilização dos fundos, assim como a relação no tempo entre a manifestação de fortuna evidenciada e a disponibilidade dos fundos obtidos para o efeito.

W) Não o tendo o feito, a AT preteriu uma formalidade essencial, uma vez que o Recorrente tinha necessariamente que poder participar na formação da decisão por força do disposto no artigo 60.º da LGT.

X) De igual modo incorreu o Tribunal a quo em vício de erro de julgamento, ao não julgar procedente a preterição de audição prévia conducente à anulação da sentença.

Y) Erro nos pressupostos de facto, por ter a actuação da AT assentado na alegada verificação dos pressupostos de que depende a avaliação indirecta nos termos da alínea f), do artigo 87.º, da LGT, os quais, na realidade, não se encontram reunidos;

Z) O Tribunal a quo valorou erradamente o vício de erro nos pressupostos de facto, de que inquina a decisão de derrogação do sigilo bancário abinitio, uma vez que assenta num facto não provado que “(…) foi justificada a aquisição levada a cabo em 2010, não tendo sido apresentados elementos justificativos da capacidade financeira para realizar nova aquisição no ano de 2012”.

AA) Ora, não foram apresentados elementos justificativos da capacidade financeira para realizar nova aquisição no ano de 2012 porque o Recorrente não fora notificado para o efeito.

BB) Pelo que a conclusão do Tribunal a quo enferma de erro de julgamento.

CC) Errada interpretação e aplicação do Direito, porquanto a interpretação e aplicação que a AT faz dos efeitos da anulabilidade dos Ofícios e do regime da avaliação indirecta no caso dos imóveis se afigura, no entendimento do Recorrente, ilegal e, mesmo, inconstitucional.

DD) Entende o Recorrente que a alínea f), do artigo 87.º, da LGT não pode ser interpretada no sentido de se aplicar nos casos de aquisição de imóveis de valor superior a € 100.000,00 e inferior a € 250.000,00.

EE) Para efeitos de determinação da matéria colectável por métodos indirectos, o legislador previu expressamente que a aquisição de imóveis releva enquanto manifestação de fortuna, no caso de o respectivo valor ser igual ou superior a € 250.000,00;

FF) Apenas naqueles casos – e não no caso subjudice, em que o valor do imóvel adquirido em 2012 é de € 248.500,00 – poderá a aquisição de imóveis relevar em sede de avaliação indirecta da matéria colectável;

GG) A interpretação da alínea f), do artigo 87.º, da LGT como sendo aplicável à aquisição de imóveis de valor inferior a € 250.000,00 é inconstitucional, por violação do princípio da capacidade contributiva, corolário do princípio da igualdade tributária, consagrado no artigo 13.º, da CRP;

HH) Tal interpretação conduz a um resultado prático que conflitua com princípios constitucionais basilares na medida em que um sujeito passivo que adquira um imóvel de valor inferior a € 250.000,00 possa ser tributado de forma significativamente mais gravosa do que outro que adquira um imóvel de valor superior a € 250.000,00;

II) Total inexistência de fundamentação, que resulta da inobservância, por parte da AT, do dever de fundamentação que sobre si recai, nos termos conjugados do n.º 3, do artigo 268.º, da CRP e do artigo 77.º, da LGT,

JJ) Porquanto não se encontrarem mencionados de forma expressa, como exige o n.º 4, do artigo 63.º-B, da LGT, os motivos pelos quais se entende estarem reunidos os pressupostos de que depende a avaliação indirecta da matéria colectável nos termos da alínea f), do artigo 87.º, da LGT, no qual se baseou a AT para sustentar que, nos termos do n.º 11, do artigo 89.º-A e alínea c), do n.º 1, do artigo 63.º-B, ambos da LGT, estaria legitimada a tomar a referida decisão;

KK) Consideração que, o Tribunal a quo, não julgou procedente, pelo que a também nesta matéria, incorre a sentença recorrida, em erro de julgamento.

LL) Significa isto que, a argumentação do Recorrente e a prova documental instruída com o recurso judicial, provaram, de forma inequívoca, a ilegalidade da decisão de derrogação do sigilo bancário.

MM) Assim, atenta toda a factualidade vertida, conclui-se que o Tribunal a quo, incorreu em vício de erro de julgamento ao decidir como decidiu, devendo a sentença ora posta em crise ser anulada com todos os efeitos legais daí de correntes.

TERMOS EM QUE, EM FACE DO QUE SE ALEGA,

A) DEVERÁ SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, DECLARANDO-SE, EM CONSEQUÊNCIA, NULA A SENTENÇA RECORRIDA POR VERIFICAÇÃO DO VÍCIO FORMAL DE FALTA DE ESPECIFICAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DE FACTO;
B) OU CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA O QUE – APENAS POR MERA CAUTELA SE REFERE – DECLARANDO-SE ANULÁVEL A SENTENÇA POR VERIFICAÇÃO DO VÍCIO DE ERRO DE JULGAMENTO;
C) JULGANDO PROCEDENTE A O RECURSO JUDICIAL, DECLARANDO ILEGAL COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS A DECISÃO DE DERROGAÇÃO DO SIGILO BANCÁRIO, CONFORME PETICIONADO.

COMO É LEGAL E JUSTO.


CONTRA ALEGAÇÕES.
A ATA, por seu turno, contra alegou e concluiu assim:
73.
Em face de tudo quanto acima se expôs e demonstrou, e salvo o devido respeito, à AT não resta senão concluir que o acto recorrido não padece de qualquer vício, e, consequentemente, bem andou o tribunal a quo em acolher os argumentos aduzidos pela AT e negar provimento à pretensão do Recorrente.
74.
Os pressupostos para a avaliação da matéria colectável por métodos indirectos por aplicação da ai. F) do Art.° 87° da LGT, estão amplamente demonstrados e fundamentados, justificando-se o procedimento de derrogação de sigilo bancário em crise pela falta de comprovação das discrepâncias verificadas entre o acréscimo patrimonial e os rendimentos declarados pelo Recorrente, como lhe foi solicitado e era seu ónus.
75.
Em consonância a argumentação aduzida pelo Meritíssimo Juiz de Direito no despacho de admissão de recurso proferido, e reiterando veementemente a posição anteriormente assumida em sede de oposição ao recurso da decisão de derrogação de sigilo bancário, a AT respeitosamente considera que a sentença ora Recorrida não padece de qualquer vício, pelo que deverá manter-se com todos os seus efeitos na ordem jurídica.

Nestes termos e nos demais de Direito, doutamente supridos por V.ª Ex.ª
deverá ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a douta sentença proferida no tribunal a quo, que nega provimento à pretensão do Recorrente e mantém a decisão do Director-Geral da AT, de 10-03-2014, que determinou o acesso à informação bancária dos recorrentes, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do art.° 63.°-B da LGT.


PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
O Exmo. PGA junto deste TCAN emitiu esclarecido parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.

DISPENSA DE VISTOS.
Com dispensa de vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr. artigo 675º/4 CPC e artigo 278º/5 do CPPT), o mesmo é submetido à Secção do Contencioso Tributário para julgamento do recurso.


II QUESTÕES A APRECIAR.
As questões que se impõe apreciar neste recurso, delimitadas pelas conclusões formuladas, conforme dispõem os artºs 635º/4 e 639º CPC «ex vi» do artº 281º CPPT, são as seguintes:
Nulidade da sentença (conclusões C) a K) e O) a Q)
Erro no julgamento de facto (conclusões L) e R)
Erro de Julgamento de direito (conclusões S) a LL)

III a) FUNDAMENTOS DE FACTO.

A sentença fixou os seguintes factos provados:
A) Em 16/03/2012 o recorrente comprou a fração autónoma descrita na Conservatória do Registo Predial de Santo Tirso sob o n.º 1., da freguesia de Água Longa, daquele concelho, inscrita na matriz predial urbana da referida freguesia sob o artigo 1…, pelo preço de €248.500,00 (fls. 54 a 86).
B) No ato de compra o recorrente pagou o montante de €228.500,00 (fls. 54 a 58).
C) O recorrente pagou o preço deste imóvel sem recorrer a empréstimos junto de instituições financeiras (confissão do recorrente nos artigos 5.º a 18.º da petição inicial e documentos de fls. 88 a 95).
D) O recorrente pagou parte do preço do imóvel através do recurso à mobilização de depósitos a prazo, no valor de €160.000,00 (confissão do recorrente nos artigos 5.º a 18.º da petição inicial e documentos de fls. 88 a 95).
E) Nos anos de 2008 a 2012 o recorrente declarou para efeitos de IRS os seguintes rendimentos líquidos: €9.619,36; €10.112,00; €11.296,00; €11.296,00; e €16.023,05 (fls. 48).
F) Em 08/7/2013 o recorrente foi notificado para apresentar os elementos justificadores das manifestações de fortuna evidenciadas pela divergência existente, entre o acréscimo patrimonial realizado nos anos de 2010 e 2012, através do ofício n.º 42783/0504, de 03/07/201, da Divisão de Inspeção Tributária 1, da Direção de Finanças do Porto, junto aos autos de fls. 97 a 99, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
G) O recorrente exerceu o direito de audição em 01/08/2013 pelo requerimento de fls. 104 a 117, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
H) Esse requerimento foi instruído com os documentos de fls. 119 a 196, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
I) O recorrente foi notificado da decisão que consta do ofício n.º 51668/0504, de 13/08/2013, junto aos autos de fls. 203 a 207, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
J) Em 30/08/2013 o recorrente apresentou o requerimento junto aos autos de fls. 212 a 214, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
K) O recorrente foi notificado da decisão que consta do ofício n.º 59918/0504, de 26/09/2013, junto aos autos de fls. 216 e 217, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
L) Em resposta a esta notificação o recorrente apresentou o requerimento de fls. 221 a 227, instruído com os documentos de fls. 228 a 279, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
M) As notificações, requerimento e decisões constantes das alíneas F) a L) foram todas realizadas, apresentadas ou proferidas no âmbito dos procedimentos de inspeção interna n.ºs OI201303322 e OI 201303529 do IRS de 2010 e 2012 do recorrente (fls. 1, 2 e seguintes do PA).
N) Nesse procedimento de inspeção foi lançada a informação para efeitos de derrogação do sigilo bancário, o parecer e o despacho que constam de fls. 47 a 51, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
O) Com base nessa, parecer e despacho, foi proferida a decisão de fls. 46, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

No que respeita aos factos não provados, consta da sentença o seguinte:
Com relevância para a decisão da causa, inexiste matéria de facto julgada não provada.
E quanto à motivação da decisão de facto a sentença referiu o seguinte:

O tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base nos documentos juntos aos autos e no processo administrativo que não foram impugnados, identificados em cada um dos factos.
A restante matéria de facto alegada não foi julgada provada ou não provada, por revelar-se inútil para a decisão da causa, conforme melhor resultará da fundamentação de direito, ou por constituírem conceitos de direito ou alegações conclusivas.

Aditamento de factos:
Ao abrigo do disposto no art.º 662º/1 do CPC, aditam-se ao probatório os seguintes factos:
P)
O ofício n.º 42783/0504, de 03/07/2013, com o assunto: Notificação para apresentação de elementos – Manifestações de Fortuna, remetido ao recorrente P..., com o assunto: Notificação para apresentação de elementos – Manifestações de Fortuna continha, além do mais, o seguinte:
1 – No âmbito do dever de colaboração com a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), previsto no art.º 59º da Lei Geral Tributária (LGT) e art.°s 9.º. 29.º n.º 4 e 48.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária, fica, por este meio, notificado para, no prazo de 15 dias, justificar a divergência existente entre o acréscimo de património realizado nos anos de 2010 e 2012, no valor de 350.000,00 € e 248.500,00€ respectivamente e os rendimentos líquidos declarados em sede de IRS naqueles anos, juntando para tal os elementos que comprovem inequivocamente a origem, titularidade e mobilização destes fundos, assim como a relação no tempo entre a manifestação de fortuna evidenciada e a disponibilidade dos fundos obtidos para o efeito.
2 – Nos anos de 2010 e 2012, adquiriu por escritura notarial os seguintes imóveis:
Freguesia ArtigoFração Valor de aquisição
1314021…350.000,00€
1314021…248.500,00€

(…)
4 - Caso a divergência existente não seja Justificada, considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, a diferença entre o acréscimo de património ou a despesa efectuada, e os rendimentos declarados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação, nos termos do n.” 5 do artigo 89.° A da LGT.

Mais se informa que, se porventura não cumprir o dever de cooperação, justificando as fontes/origens do incremento patrimonial, estarão criadas as condições substantivas para o desencadeamento da tributação pelos Métodos Indirectos, o qual, nos termos do n.º 11 do referido art.º 89º A da LGT incluirá a abertura do procedimento de derrogação do sigilo bancário.
O acesso o acesso às contas bancárias deve ser autorizado pelos sujeitos passivos através da assinatura do impresso que se anexa. Caso contrário será, como atrás foi referido, aberto procedimento administrativo próprio.
(…) – fls. 97
Q)
Em anexo à notificação precedente, foi enviado pela AT uma declaração a ser preenchida e assinada pelo notificando a autorizar a ATA a consultar ou solicitar junto de qualquer Instituição de crédito ou sociedade financeira, todos os documentos bancários, incluindo os referentes a operações realizadas mediante utilização e cartões de crédito (..)- fls. 99
R)
Na sequência da notificação operada pelo ofício precedente n.º 42783/0504, o recorrente exerceu o direito de audição, recusando além do mais, a verificação dos requisitos do n.º 1 da alínea f) do art.º 87 da LGT, mas sim os previstos no art.º 89º-A/1,d) da LGT.
Alegou factos tendentes à demonstração de que outra é a manifestação de fortuna ou do acréscimo do património em relação às duas aquisições.
Disse ainda que em relação «…ao remanescente dos montantes pagos, o Exponente encontra-se a diligenciar junto das instituições bancárias no sentido de obter os demais documentos comprovativos da origem dos fundos aplicados na aquisição dos imóveis em causa, desde já se comprometendo a apresentar os mesmos assim que os obtenha.
54. Pelo que, como tal, desde já requer a V. Exa, que se abstenha de proferir qualquer decisão até que os mesmos sejam juntos aos presentes autos (…)
Terminou pedindo que, «…em cumprimento do princípio da descoberta da verdade material, se digne a ordenar todas as diligências de prova que se afigurem necessárias e que, nessa sequência, decida, em definitivo, pela não aplicação de métodos indirectos».Além do requerimento, juntou variada documentação (fls. 104 e segs.).
S)
Respondendo ao exercício do direito de audição prévia do contribuinte, a ATA através do ofício n.º 51668/0504, de 13/08/2013, disse além do mais, o seguinte:
Em resposta ao Direito de Audição Prévia exercido relativamente á notificação de apresentação de elementos, efetuada através do ofício n.” 42783/0504, de 03/07/2013, cumpre-nos informar:
(…)
Tendo em conta que o contribuinte não justificou a divergência existente entre o acréscimo de património realizado nos anos de 2010 e 2012. No valor de 350.000,00€ e 248.500.00 €, respetivamente, e os rendimentos líquidos declarados em sede de IRS naqueles anos, há lugar a avaliação indirecta da matéria colectável, de acordo com o disposto na alínea f) do o n° 1 do art.º 87º da Lei Geral Tributária (LGT), uma vez que naqueles anos há acréscimo de património de valor superior a 100.000,00€ e no ano de 2010 existe uma divergência não justificada com os rendimentos declarados, estes no montante de 11.295,00€, e quanto ao ano de 2012 não foi apresentada a respetiva declaração de rendimentos.
(…)
Assim, encontram-se criadas as condições substantivas para o desencadeamento da tributação pelos Métodos Indirectos, o qual, nos termos do n° 11 do referido art.º 89.º A da LGT, incluirá a abertura do procedimento de derrogação do sigilo bancário.
O acesso às contas bancárias pode ser autorizado pelos sujeitos passivos através da assinatura do impresso que se anexa, pelo que, fica notificado para, no prazo de 15 dias, caso o pretenda, dar acesso às contas bancárias.
Caso contrário será, como atrás foi referido, aberto procedimento administrativo próprio. (fls. 203 a 206)
T)
Em anexo ao ofício em referência foi junta uma declaração idêntica à mencionada em Q)
U)
Na sequência da notificação operada pelo ofício precedente n.º 51668/0504, de 13/08/2013, o ora recorrente expôs, além do mais, que em face do teor daquele ofício não era capaz de compreender se em causa estará a decisão definitiva de fixação da matéria colectável por métodos indirectos, ou a decisão de derrogação de sigilo bancário, ou uma simples notificação para, querendo, autorizar o acesso às contas bancárias.
Requereu ainda esclarecimentos quanto ao tipo de acto que está em causa. E ainda que fosse complementada a notificação indicando os meios de reação, os respectivos prazos ao dispor do Exponente, bem como a data a partir da qual terá início a contagem dos mesmos, caso aquele não se conforme com a decisão proferida (fls. 212 e 213)
V)
Através do ofício n.º 59918/0504, de 26/9/2013, proveniente da DF do Porto, Divisão de Inspecção Tributária, endereçado à ilustre mandatária do recorrente, a ATA disse, além do mais, o seguinte:
«Assunto: Notificação – Manifestações de Fortuna.
1 – No âmbito do dever de colaboração com a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), previsto no art.º 59º da Lei Geral Tributária (LGT) e art.°s 9.º. 29.º n.º 4 e 48.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária, fica, por este meio, notificado para, no prazo de 15 dias, justificar a divergência existente entre a manifestação de fortuna realizada no ano de 2010, com a aquisição do imóvel sob o artigo 1… fracção…, da freguesia de Água Longa, pelo valor de 350.000,00€ e os rendimentos líquidos declarados em sede de IRS naquele ano, juntando para tal os elementos que comprovem inequivocamente a origem, titularidade e mobilização destes fundos, assim como a relação no tempo entre a manifestação de fortuna evidenciada e a disponibilidade dos fundos obtidos para o efeito.
(…)
A presente notificação anula e substitui os ofícios n.º 42783/0504, de 03/07/2013, e n.º 51668/0504, de 13/08/2013….» (fls. 216 e segs.)


III b) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Quanto à nulidade da sentença (conclusões C) a K), O) a Q).
O recorrente invoca a nulidade da sentença por esta incorrer em vício formal de falta de especificação dos fundamentos de facto não discriminando, relativamente à matéria de facto os factos provados e não provados.

E concretizando esta nulidade, diz o recorrente nas conclusões D) e E):
D) Assim, decorre da alínea K) da matéria de facto dada como provada, que “O Recorrente foi notificado da decisão que consta do ofício n.º 59918/0504, de 26/09/2013, junto aos autos de fls. 203 a 207, cujo teor aqui se dá por reproduzido”.

E) Todavia, não resulta claro para o Recorrente qual é exactamente o facto que Tribunal a quo considerou provado na referida alínea, ou seja, não se consegue alcançar se o Tribunal a quo considerou como provado a existência do aludido ofício, ou se considerou provado que, na verdade, ocorreu, efectivamente, a anulação e substituição dos ofícios n.ºs 42783/0504, de 03.07.2003, e n.º 51668/0504, de 13.08.2013.

Efectivamente a sentença usou excessivamente da prova por remissão para o conteúdo dos documentos (veja-se os factos provados I), J) K), L), N), O), sem especificar que facto, ou factos relevantes para a decisão, se extraem daqueles, em total violação do que dispõe o Art.º 607º/4 CPC (…o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados…).
Este modo de fixação dos factos provados tem sido objecto de repetida condenação por parte dos tribunais superiores (cfr. a título de exemplo os Ac. do STA n.º 0596/07 de 31-10-2007 (Relator: ANTÓNIO CALHAU) Sumário: « I - Na sentença, o juiz discriminará a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões. II - A mera remissão para um documento tem apenas o alcance de dar como provada a existência desse documento, um meio de prova, e não o de dar como provada a existência de factos que com base neles se possam considerar como provados» e do STJ n.º 186/1999.P1.S1 (Relator: OLIVEIRA ROCHA) de 25-03-2010) Sumário : «I - Os documentos não são factos, mas meros meios de prova de factos, constituindo, portanto, prática incorrecta, na decisão sobre a matéria de facto, remeter para o teor de documentos».).

Com esta prática incorrecta o juiz omite o dever de fixar os factos que julga provados, não os discrimina, como lhe impõe o art.º 607º/3 CPC, ou especifica, como exige o art.º 125º/1 do CPPT.

Esta prática tem consequências graves que se reflectem na clareza devida na fundamentação (de direito e de facto) mas também na própria validade da sentença.

Com efeito, uma vez que nos factos provados não consta qualquer facto, mas apenas a remissão para um documento, este procedimento configura para todos os efeitos uma omissão da especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão, fulminando com nulidade (parcial) a respectiva sentença (art.º 615º/1,b) CPC e 125º/1 do CPPT).

Tal é, evidentemente, o caso dos autos. No entanto, tendo em conta o aditamento dos factos nesta instância e o disposto no art.º 665º/1 do CPC, este TCAN conhecerá do objecto do recurso.

Ora a questão central radica no conteúdo e efeitos da notificação efectuada a coberto do ofício n.º 59918/0504, de 26/9/2013 em especial a parte final em que anula e substitui os ofícios n.ºs 42783/0504, de 03.07.2003, e n.º 51668/0504, de 13.08.2013.

Para interpretar o conteúdo desta notificação vamos atender aos antecedentes procedimentais, e depois ao seu conteúdo propriamente dito.

Vejamos então os antecedentes procedimentais.
1º A primeira notificação (de que se tem conhecimento nestes autos) realizada pela ATA ao sujeito passivo é feita a coberto do ofício n.º 42783/0504, de 3/7/2013 para no prazo de 15 dias justificar a divergência existente entre o acréscimo de património realizado nos anos de 2010 e 2012, no valor de € 350.000,00 e 248.500,00, respectivamente.
2º Por ofício de datado de 31 de Julho o recorrente apresentou articulado que identificou como «Direito de Audição», pedindo a não aplicação de métodos indirectos. Mas disse não ter ainda todos os documentos bancários confirmativos do alegado e manifestou total disponibilidade para, se for necessário, juntar qualquer elemento que seja solicitado pela Autoridade Tributária em rodem à comprovação da fonte da manifestação de fortuna aqui em causa.
3º Em resposta à audição prévia, a ATA enviou o ofício n.º 51688/0504, de 13/8/2013, no qual defende a legalidade do procedimento e adverte o sujeito passivo de que por não justificar a divergência entre o acréscimo de património realizado nos anos de 2010 e 2012, no valor de € 350.000,00€ e 248.500,00€ respectivamente, e os rendimentos líquidos declarados em sede de IRS naqueles anos, há lugar a avaliação indirecta da matéria colectável (…).
Anexo ao mesmo ofício foi enviado um impresso para autorizar o acesso às contas bancárias, caso contrário será, como atrás referido, aberto procedimento administrativo próprio (fls. 203 a 206)
4º Por ofício datado de 30/8/2013 o sujeito passivo requereu esclarecimento quanto ao tipo de acto a praticar pela ATA e ainda que a notificação fosse complementada nos termos e para os efeitos do disposto pelo n.º 1 do artigo 37º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, indicando os meios de reação, os respectivos prazos ao dispor do Exponente, bem como a data a partir da qual terá início a contagem dos mesmos, caso aquele não se conforme com a decisão proferida (fls. 212 e 213).
5º É então que a ATA notifica o sujeito passivo através do ofício n.º 59918/0504, de 26/9/2013 para no prazo de 15 dias justificar a divergência existente entre a manifestação de fortuna realizada no ano de 2010 (…).
E comunica, a final, que A presente notificação anula e substitui os ofícios n.ºs 42783/0504, de 03.07.2003, e n.º 51668/0504, de 13.08.2013.

Com este conteúdo, o MMº juiz «a quo» decidiu que a anulação se reporta apenas ao ano de 2010, porque «…as notificações dos ofícios n.ºs 42783/0504, de 03/07/2013 e 51668/0504, de 13/08/2013, reportavam-se aos anos de 2010 e 2012 e o ofício n.º 59918/0504, de 26/09/2013, reporta-se apenas ao ano de 2010, pelo que apesar de no seu teor referir genericamente a anulação daqueles, a anulação reporta-se apenas à notificação relevante para o ano constante do ofício n.º 59918/0504, de 26/09/2013, ou seja, para o ano de 2010, mantendo-se as notificações anteriores relativamente ao ano de 2012…».

Mas sdr, não subscrevemos tal conclusão. Ela é compreensível, pois sabendo-se que a AT determinou o acesso a todas as contas bancárias em nome do sujeito passivo, relativamente ao ano de 2012, é fácil perceber, agora, que a «anulação e substituição» dos ofícios se reportava apenas a 2010. E sabe-se agora, pela simples razão de que entretanto, ie, depois do tal ofício n.º 59918/0504, foi ordenado o levantamento do sigilo bancário em relação a 2012. Assim, poder-se-á sem esforço concluir que o ofício em questão não quis anular nem substituir os ofícios n.º 42783/0504, de 03.07.2003, e n.º 51668/0504, de 13.08.2013 em relação ao ano de 2012, mas só em relação a 2010.

Mas sabemos isso «agora» porque estamos na posse de um dado que não existia quando o contribuinte foi notificado. Quer dizer, agora conhecemos o despacho do Exmo. Director Geral da ATA proferido em 10/3/2014 a autorizar o acesso às contas bancárias do sujeito passivo relativamente ao ano de 2012; mas sem o conhecimento desse despacho (superveniente), será que poderíamos estar cientes que a anulação e substituição dos ofícios em questão era apenas referente a 2010?

A nosso ver não. Sabendo-se que esse despacho era inexistente ao tempo, a única informação disponibilizada ao contribuinte é que os ofícios n.ºs 42783/0504, de 03.07.2003, e n.º 51668/0504, de 13.08.2013 (ambos referentes aos anos de 2010 e 2012) foram anulados e substituídos pelo ofício n.º 59918.

E como este só contemplava o acréscimo patrimonial referente a 2010, parece-nos legítimo concluir que a anulação e substituição se reportava ao ano de 2012.

Atente-se ainda como nota impressiva, que este último ofício é notificado ao sujeito passivo após o seu requerimento a pedir «esclarecimentos» e indicação dos meios de reação, prazos etc., o que torna ainda mais plausível e aceitável a interpretação que lhe é dada pelo sujeito passivo.

É certo que o ofício n.º 59918/0504, de 26/09/2013 notifica a il. mandatária do ora recorrente para justificar a divergência existente entre a manifestação de fortuna realizada no ano de 2010, com a aquisição do imóvel sob o artigo 1268 fração, sem fazer qualquer referência ao ano de 2012.
Porém, quando na parte final diz que a presente notificação anula e substitui os ofícios n.ºs 42783/0504, de 03.07.2003, e n.º 51668/0504, de 13.08.2013, não faz qualquer ressalva, como se impunha caso pretendesse restringir a determinado período a anulação e substituição.

Posto isto, só podemos concluir que se a ATA notifica para justificar a divergência existente entre a manifestação de fortuna realizada em 2010 e os rendimentos declarados nesse ano, e anula e substitui, sem qualquer ressalva, os ofícios anteriores em que a mesma solicitação era efectuada em relação a 2012, o contribuinte tem razões para confiar na veracidade da declaração administrativa e que esta é feita com rigor e ponderação, utilizando as palavras próprias para exprimir a respectiva decisão.

E não nos parece que se trate de mera convicção psicológica do sujeito passivo, uma vez que se mostra alicerçada em critérios objectivos.
De resto, se tais palavras, por erro, não veiculassem correctamente a decisão da ATA (nas alegações de recurso o ERFP assume tratar-se de «..aparente (…) mero lapso dos serviços» - art. 34 das alegações) seria de esperar a correcção tempestiva do erro dando a conhecer ao contribuinte o sentido real da sua declaração.

Porém, tanto quanto sabemos, nenhuma notificação foi feita a corrigir o conteúdo do ofício n.º 59918/0504, na parte em questão (cfr. art.º 148º/1 do CPA).

Nestas circunstâncias, o contribuinte tem razões para acreditar que a declaração é verdadeira, não radica em qualquer ilegalidade, e por conseguinte aspira legitimamente a um comportamento consentâneo por parte da AT, que não fruste a confiança que nele gerou (cfr. Ac. do STA n.º 0753/11 de 21-09-2011).

Mas a ATA feriu este princípio ao determinar o acesso às contas bancárias do sujeito passivo relativamente ao ano de 2012, quando antes dera sem efeito as notificações relativas a essa ação.
Com este procedimento, viola claramente o princípio confiança e da boa fé: «criada a confiança do contribuinte num certo comportamento administrativo, vai contra a boa fé contrariá-lo. Mesmo que a conduta fosse ilegal» (Diogo Leite de Campos e Mónica Horta Neves Leite de Campos, Direito Tributário, 2ª ed. Almedina, pp. 239).
Este princípio não está explicitamente previsto como critério norteador da actividade da ATA no art.º 55º da LGT, mas está implícito e é acolhido nos artigos 59º/2 e 68º do mesmo diploma (Cfr. Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, "Lei Geral Tributária", 4ª ed. 2012, pp. 449). Para além disso, este princípio faz parte da própria ideia de Estado de direito democrático (cfr. António Francisco de Sousa, Código do Procedimento Administrativo, 2ª ed. pp. 67 e art.º 266º/2 da Constituição), pelo que a ATA, e toda a administração, não pode deixar de com ele conformar a sua actividade.

Violando o princípio da confiança, impõe-se a anulação do despacho recorrido, proferido pelo Exmo. Sr. Director Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, datado de 10/3/2014 (art. 135º do CPA, «ex vi» do art. 2º/c) CPPT.
Procedendo desta forma a argumentação do recorrente, na questão da nulidade da sentença e da ilegalidade do despacho recorrido, fica assim, prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso.

IV DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em declara a nulidade da sentença recorrida e julgando em substituição, julgar procedente o recurso e em consequência anular o despacho recorrido.

Custas pela recorrida.

Porto, 30 de Setembro de 2014.

Ass. Mário Rebelo
Ass. Pedro Vergueiro
Ass. Vital Lopes