Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00644/16.9BEAVR |
Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
Data do Acordão: | 05/25/2018 |
Tribunal: | TAF de Aveiro |
Relator: | Mário Rebelo |
Descritores: | DECISÃO ADMINISTRATIVA DE APLICAÇÃO DE COIMA |
Sumário: | 1. A decisão administrativa de aplicação de coima deve conter a descrição sumária dos factos e a indicação das normas violadas e punitivas. Não basta a mera remissão para qualquer peça processual, mesmo que se trate do auto de notícia (art.º 79º/b) RGIT). 2. Este preceito estabelece um regime de menor solenidade para as decisões de aplicação de coimas comparativamente com as sentenças criminais, regime esse justificável pela menor gravidade das sanções contra-ordenacionais. 3. O conteúdo da “descrição sumária” dos factos que deve constar da decisão, interpretado à luz das garantias constitucionais do direito de defesa, (artº.32º/10 da CRP) é aquele que for suficiente para permitir ao arguido aperceber-se dos factos que lhe são imputados e poder, com base nessa percepção, defender-se adequadamente. * * Sumário elaborado pelo Relator. |
Recorrente: | Autoridade Tributária e Aduaneira |
Recorrido 1: | J..., Lda. |
Decisão: | Concedido provimento ao recurso |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: RECORRENTE: Autoridade Tributária e Aduaneira RECORRIDO: J…, Lda. OBJECTO DO RECURSO: Sentença proferida pela MMª juiz do TAF de Aveiro que julgou verificada a nulidade insuprível da decisão administrativa de aplicação de coima prevista na alínea d) do n.º 1 do art. 63º do RGIT. CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES: 1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença datada de 30/06/2017, que julgou verificada a nulidade insuprível prevista no artigo 63.º, n.º 1, alínea d) do RGIT, por considerar não poder ter-se como adequadamente cumprido, na decisão de aplicação de coima recorrida, o requisito da descrição sumária dos factos, a que alude a alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT, porque a mesma não faz referência à indicação da origem do montante do pagamento por conta, considerado em falta e à moldura penal aplicável. 2. Contudo, e salvo o devido respeito, não pode a Fazenda Pública concordar com tal entendimento, pois considera preenchido pela decisão de aplicação da coima, datada de 13/04/2015, o requisito da descrição sumária dos factos nos termos em que a mesma é exigida pela alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT, não tendo que ser feita menção à indicação da origem do montante do pagamento por conta considerado em falta e à moldura penal aplicável, sendo que tal omissão não constitui nulidade insuprível nos termos do artigo 63.º, n.º 1, alínea d), do RGIT. 3. Com efeito, de acordo com o disposto no artigo 63.º, n.º 1, alínea d), do RGIT, constitui nulidade insuprível no processo de contra-ordenação tributário, “A falta dos requisitos legais da decisão de aplicação das coimas;”, sendo que estes são os descritos no n.º 1 do artigo 79.º do mesmo diploma, entre os quais, se encontra “A descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas” - sua alínea b). 4. A descrição sumária dos factos prevista como requisito da decisão administrativa de aplicação da coima, deve interpretar-se tendo presente o tipo legal de infracção no qual se prevê e pune a contra-ordenação imputada ao arguido, sendo que os factos que importa descrever, ainda que sumariamente, são os factos tipicamente ilícitos declarados puníveis pela norma fiscal punitiva aplicada, tendo por objetivo assegurar ao arguido a possibilidade do exercício efectivo do seu direito de defesa que constitucionalmente lhe assiste por via do artigo 32.º, n.º 10 da Constituição da República Portuguesa (CRP), no pressuposto de um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, poder com base nessa percepção defender-se adequadamente. 5. Então, em face do tipo legal de contra-ordenação imputada à arguida, os factos a descrever sumariamente na decisão de aplicação da coima têm de ser subsumíveis no tipo legal em apreço, sob pena de atipicidade do facto e consequentemente de não poder haver lugar à aplicação de qualquer coima (cfr. o conceito de infracção tributária constante n.º 1 do artigo 2.º do RGIT). 6. A infracção imputada à Arguida foi a de falta de entrega da prestação tributária devida a título de pagamento por conta nos termos do artigo 104.º, n.º 1, alínea a) do CIRC, sendo as normas punitivas de tal conduta os artigos 114.º, n.ºs 2 e 5 alínea f) e 26.º, n.º 4, ambos do RGIT. 7. A Arguida devia proceder ao pagamento do imposto em três pagamentos por conta, com vencimento em Julho, Setembro e 15 de Dezembro – cfr. artigo 104.º, n.º 1, alínea a) do CIRC e artigo 33.º da LGT, sendo da sua responsabilidade as operações de cálculo e apuramento do montante do pagamento por conta. Caso não proceda a esse apuramento e entrega do montante devido a título de pagamento por conta, incumbirá à AT proceder à respectiva liquidação. 8. Por outro lado, para efeitos contra-ordenacionais é punível como falta de entrega da prestação tributária a falta de pagamento total ou parcial da prestação tributária devida a título de pagamento por conta do imposto devido a final (cfr. artigo 114.º, n.º 2 e 5 alínea f) do RGIT). 9. A letra da alínea f) deste n.º 5 tipifica como contra-ordenação a falta de pagamento por conta do imposto devido a final, por isso, verificando-se que é devido o pagamento por conta, a sua falta de pagamento, configurará infracção contra-ordenacional, punível com coima que varia em função do montante da prestação tributária que deveria ter sido autoliquidada pelo sujeito passivo por conta do IRC e que, na sua falta, foi liquidada pela AT, ou seja, a infracção está absolutamente dependente do acto de liquidação, uma vez que a sanção que lhe é aplicável depende do montante das entregas pecuniárias antecipadas que têm de ser liquidadas e pagas por conta do imposto devido a final. 10. A Arguida no ano de 2012, a que respeita o pagamento por conta em falta, devia ter efetuado pagamentos por conta no montante total de € 24.658,11, efectuou apenas o 1.º pagamento por conta, respeitante ao mês de Julho, no valor de € 8.219,37, conforme resulta do documento 1 por si junto com a petição de recurso, não tendo procedido aos restantes com datas de vencimento em Setembro e até 15 de Dezembro, não havendo, contrariamente, ao que argumentou fundamento legal para a sua suspensão nos termos do artigo 107.º do CIRC, sendo que se veio a apurar imposto devido a final no valor de € 37.071,37, que foi pago pela Arguida (cfr. documento 2 junto com a petição de recurso). 11. Assim, apesar de ter procedido ao pagamento final do IRC (cujo valor é bastante superior aos pagamentos por conta que não foram entregues nos cofres do Estado), o certo é que não efectuou a entrega das prestações tributárias devidas a título de pagamento por conta, no prazo legal conforme impõe o artigo 104.º, n.º 1, alínea a) do CIRC, concretizando, o segundo e terceiro pagamentos por conta na importância de € 8.219,31 cada, perfazendo € 16.438,74. 12. Na decisão de aplicação de coima recorrida (cfr. fls. 10 e 11 dos autos e páginas 6 e 7 da sentença de que se recorre), consta a seguinte “Descrição Sumária dos Factos”: “Ao (À) arguido (a) foi levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos: 1. Imposto/Trib.: Imposto Sobre Rendimento Pessoas Coletivas (IRC); 2. Valor da prestação tributária em falta: 16.438,74; 3. Período a que respeita a infração: 2012/12; 4. Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2012-12-15; os quais se dão como provados.” 13. A descrição transcrita foi complementada pela indicação da norma infringida, o artigo 104.º, n.º 1, alínea a) do CIRC e da norma punitiva, os artigos 114º n.ºs 2 e 5 f) e 26.º, n° 4, do RGIT. 14. Os factos descritos permitem à Arguida perceber que a coima aplicada se ficou a dever ao facto de não ter entregado, dentro do prazo legal, o montante de € 16.438,74, referente ao pagamento por conta, relativo ao ano de 2012, o que constitui contra-ordenação resultante da violação do disposto no artigo 104.º, n.º 1, alínea a) do CIRC, punível pelos artigos 114.º, n.º 2 e 5.º, alínea f) e 26.º, n.º 4 do RGIT. 15. Com base naquela percepção, a Arguida interpôs recurso da decisão de aplicação da coima nos termos do artigo 80.º do RGIT, pelo que, é de concluir que a decisão de aplicação de coima contém uma descrição sumária dos factos imputados nos termos em que a mesma é exigida pela alínea b) do n.º 1, do artigo 79.º do RGIT. 16. E, que a falta de menção à origem do montante do pagamento por conta considerado em falta, não integra nulidade insuprível prevista no artigo 63.º, n.º 1 alínea d) do RGIT, pois não é facto integrador e essencial do tipo legal de contra-ordenação da falta de entrega da prestação tributária devida a título de pagamento por conta em IRC, prevista e punida pelos artigos 114.º, n.º 2 e 5, alínea f), e 26.º, n.º 4 do RGIT, por violação do artigo 104.º, n,º 1, alínea a) do CIRC, e nessa medida tenha que constar da descrição sumária dos factos. 17. Assim como a indicação da moldura da coima aplicável, em abstracto, pois o que o artigo 79.º, n.º 1, alínea b) impõe como requisito legal da decisão é a indicação da norma punitiva, ou seja, aquela que prevê a penalidade aplicável à infracção, o que aconteceu no caso em apreciação, pois foi indicada como norma punitiva da conduta em causa, a constante do artigo 114.º, n.º 2 e 5 alínea f) e artigo 26.º, n.º 4 do RGIT (a coima é variável entre 15% e metade do montante de imposto em falta, sendo tais valores elevados para o dobro porque a Arguida é uma pessoa colectiva, pelo que a moldura aplicável é de € 4.931,62 a € 16.438,74). 18. Pelo que, entende a Fazenda Pública com a ressalva do devido respeito, que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, pois que a decisão de aplicação da coima recorrida, não obstante, omitir qualquer referência à origem do montante do pagamento por conta considerado em falta e à moldura da coima aplicável em abstracto, cumpre o requisito da descrição sumária previsto na alínea b) do n.º 1 do RGIT, não enfermando a mesma de nulidade insuprível nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º do RGIT. 19. Pelo que deverá a sentença de que ora se recorre, ser revogada e substituída por uma que julgue improcedente o recurso interposto da decisão de aplicação da coima, datada de 13/04/2015, com as legais consequências. *** Nestes termos e nos mais de Direito que V. Ex.as, mui doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a douta sentença de que se recorre e o recurso interposto da decisão de aplicação da coima ser julgado improcedente, como se nos afigura mais conforme com o que consideramos ser a melhor realização do Direito e Justiça. CONTRA ALEGAÇÕES. O Recorrido contra alegou e concluiu: 2) O recurso da decisão proferida não tem qualquer fundamento legal, porque a simples leitura da notificação de decisão de aplicação e liquidação da coima à recorrida permite verificar a nulidade em que incorreu a AT, por insuficiência de elementos legalmente exigíveis. 3) A notificação efectuada à recorrida através de VIA CTT, comunicando-lhe a decisão de aplicação de coima: i) não continha a descrição sumária dos factos a que se refere o art.º 79º, n.º 1., al. b), do RGIT; ii) era omissa quanto à referência da moldura contraordenacional e quanto à ponderação da gravidade dos factos, culpa do agente e a sua situação económica, na fixação da coima. 4) O que determinou que tal notificação se encontrasse afectada por nulidade insuprível, prevista no art.º 63º do RGIT, conforme decidiu, E BEM, o Tribunal a quo.. 5) O Representante da Fazenda Pública pretende pôr em causa a bondade da decisão do Tribunal a quo, limitando-se a reproduzir o insuficiente conteúdo da notificação efectuada à arguida e acrescentando a transcrição do texto das normas indicadas naquela notificação. 6) O regime aplicável às coimas é o do RGIT, subsidiariamente o Regime Jurídico das Contraordenações, que remete para o Código Penal e o Código de Processo Penal, respectivamente. 7) A alínea b), do n.º 1, do artigo 79º, do RGIT determina que a decisão de aplicação da coima deve conter a descrição sumária dos factos e a indicação das normas violadas e punitivas. 8) A descrição sumária referida no art.º 79º, do RGIT, exige menção específica dos factos considerados provados e a exposição completa sobre os factos que fundamentam a decisão com indicação e análise das provas, pois são estas que ajudam a fundamentar a decisão de aplicação da coima. 9) No caso em análise tal não acontece e por isso não se cumprem as exigências e garantias do direito de defesa, que se encontra constitucionalmente assegurado no n.º 10, do art.º 32º, da CRP. 10) Não se encontra explicado naquela notificação, qual a origem do valor do tributo devido (€ 16.438,74), nem tão pouco a circunstância de vencimento de dois valores nos quais aquele montante seria subdividido nos termos do art.º 104º, do CIRC. 11) Decidiu o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga no Procº 2925/14.7BEBRG, que “a mera remissão para aqueles factos por via da invocação de norma “infringida” e da norma “punitiva” não é apta a garantir a verificação do elemento essencial consubstanciado na “descrição sumária dos factos”, seja porque tal não se traduz numa efetiva descrição factual, seja porque, onerando o destinatário da decisão, lhe impõe o acesso aos diplomas legais invocados para, por via indireta, se aperceber da factualidade que lhe é imputada, o que é, em abstrato, passível de constituir uma limitação à respetiva defesa”. 12) A decisão de aplicação da coima é omissa quanto à referência da moldura contraordenacional, o que impede a arguida de se aperceber das circunstâncias que levaram à coima aplicada 13) É também omissa quanto ao peso que tiveram a gravidade do facto, a culpa do agente e a sua situação económica (elementos exigidos no artigo 27º do RGIT) para a determinação da medida concreta da coima. 14) A decisão limita-se apenas a aplicar uma coima, exorbitante e desproporcionada, fixada no montante de € 5.385,33, correspondente a 1/3 do valor do tributo, violando, além do mais, os princípios da proporcionalidade e da igualdade (Art.º 55º, da LGT e art.º 13º da Constituição da Republica Portuguesa). 15) Tais elementos em falta assegurariam a legalidade da decisão e nesse sentido decidiu recentemente o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (U.O.5), no Processo 3459/14.5BEPRT. 16) A não observância de tais exigências legais determina a nulidade insuprível do processo de contraordenação tributária. 17) Mostram-se violadas as normas do artigo 79º, n.º 1, alínea b) do RGIT, o artigo 32º, n.º 10 da Constituição da República Portuguesa. Nestes termos não deverá ser dado provimento ao recurso apresentado, mantendo-se a douta decisão proferida pelo Tribunal da 1ª Instância, Assim decidindo farão V. Exas. a melhor JUSTIÇA! PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA emitiu parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida. II QUESTÕES A APRECIAR. O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou ao julgar verificada a nulidade da decisão administrativa prevista na alínea d) do n.º 1 do art. 63º do RGIT. Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.
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