Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00644/16.9BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/25/2018
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Mário Rebelo
Descritores:DECISÃO ADMINISTRATIVA DE APLICAÇÃO DE COIMA
Sumário:1. A decisão administrativa de aplicação de coima deve conter a descrição sumária dos factos e a indicação das normas violadas e punitivas. Não basta a mera remissão para qualquer peça processual, mesmo que se trate do auto de notícia (art.º 79º/b) RGIT).
2. Este preceito estabelece um regime de menor solenidade para as decisões de aplicação de coimas comparativamente com as sentenças criminais, regime esse justificável pela menor gravidade das sanções contra-ordenacionais.
3. O conteúdo da “descrição sumária” dos factos que deve constar da decisão, interpretado à luz das garantias constitucionais do direito de defesa, (artº.32º/10 da CRP) é aquele que for suficiente para permitir ao arguido aperceber-se dos factos que lhe são imputados e poder, com base nessa percepção, defender-se adequadamente. *
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:J..., Lda.
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

RECORRENTE: Autoridade Tributária e Aduaneira
RECORRIDO: J…, Lda.
OBJECTO DO RECURSO: Sentença proferida pela MMª juiz do TAF de Aveiro que julgou verificada a nulidade insuprível da decisão administrativa de aplicação de coima prevista na alínea d) do n.º 1 do art. 63º do RGIT.
CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES:
1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença datada de 30/06/2017, que julgou verificada a nulidade insuprível prevista no artigo 63.º, n.º 1, alínea d) do RGIT, por considerar não poder ter-se como adequadamente cumprido, na decisão de aplicação de coima recorrida, o requisito da descrição sumária dos factos, a que alude a alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT, porque a mesma não faz referência à indicação da origem do montante do pagamento por conta, considerado em falta e à moldura penal aplicável.
2. Contudo, e salvo o devido respeito, não pode a Fazenda Pública concordar com tal entendimento, pois considera preenchido pela decisão de aplicação da coima, datada de 13/04/2015, o requisito da descrição sumária dos factos nos termos em que a mesma é exigida pela alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT, não tendo que ser feita menção à indicação da origem do montante do pagamento por conta considerado em falta e à moldura penal aplicável, sendo que tal omissão não constitui nulidade insuprível nos termos do artigo 63.º, n.º 1, alínea d), do RGIT.
3. Com efeito, de acordo com o disposto no artigo 63.º, n.º 1, alínea d), do RGIT, constitui nulidade insuprível no processo de contra-ordenação tributário, “A falta dos requisitos legais da decisão de aplicação das coimas;”, sendo que estes são os descritos no n.º 1 do artigo 79.º do mesmo diploma, entre os quais, se encontra “A descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas” - sua alínea b).
4. A descrição sumária dos factos prevista como requisito da decisão administrativa de aplicação da coima, deve interpretar-se tendo presente o tipo legal de infracção no qual se prevê e pune a contra-ordenação imputada ao arguido, sendo que os factos que importa descrever, ainda que sumariamente, são os factos tipicamente ilícitos declarados puníveis pela norma fiscal punitiva aplicada, tendo por objetivo assegurar ao arguido a possibilidade do exercício efectivo do seu direito de defesa que constitucionalmente lhe assiste por via do artigo 32.º, n.º 10 da Constituição da República Portuguesa (CRP), no pressuposto de um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, poder com base nessa percepção defender-se adequadamente.
5. Então, em face do tipo legal de contra-ordenação imputada à arguida, os factos a descrever sumariamente na decisão de aplicação da coima têm de ser subsumíveis no tipo legal em apreço, sob pena de atipicidade do facto e consequentemente de não poder haver lugar à aplicação de qualquer coima (cfr. o conceito de infracção tributária constante n.º 1 do artigo 2.º do RGIT).
6. A infracção imputada à Arguida foi a de falta de entrega da prestação tributária devida a título de pagamento por conta nos termos do artigo 104.º, n.º 1, alínea a) do CIRC, sendo as normas punitivas de tal conduta os artigos 114.º, n.ºs 2 e 5 alínea f) e 26.º, n.º 4, ambos do RGIT.
7. A Arguida devia proceder ao pagamento do imposto em três pagamentos por conta, com vencimento em Julho, Setembro e 15 de Dezembro – cfr. artigo 104.º, n.º 1, alínea a) do CIRC e artigo 33.º da LGT, sendo da sua responsabilidade as operações de cálculo e apuramento do montante do pagamento por conta. Caso não proceda a esse apuramento e entrega do montante devido a título de pagamento por conta, incumbirá à AT proceder à respectiva liquidação.
8. Por outro lado, para efeitos contra-ordenacionais é punível como falta de entrega da prestação tributária a falta de pagamento total ou parcial da prestação tributária devida a título de pagamento por conta do imposto devido a final (cfr. artigo 114.º, n.º 2 e 5 alínea f) do RGIT).
9. A letra da alínea f) deste n.º 5 tipifica como contra-ordenação a falta de pagamento por conta do imposto devido a final, por isso, verificando-se que é devido o pagamento por conta, a sua falta de pagamento, configurará infracção contra-ordenacional, punível com coima que varia em função do montante da prestação tributária que deveria ter sido autoliquidada pelo sujeito passivo por conta do IRC e que, na sua falta, foi liquidada pela AT, ou seja, a infracção está absolutamente dependente do acto de liquidação, uma vez que a sanção que lhe é aplicável depende do montante das entregas pecuniárias antecipadas que têm de ser liquidadas e pagas por conta do imposto devido a final.
10. A Arguida no ano de 2012, a que respeita o pagamento por conta em falta, devia ter efetuado pagamentos por conta no montante total de € 24.658,11, efectuou apenas o 1.º pagamento por conta, respeitante ao mês de Julho, no valor de € 8.219,37, conforme resulta do documento 1 por si junto com a petição de recurso, não tendo procedido aos restantes com datas de vencimento em Setembro e até 15 de Dezembro, não havendo, contrariamente, ao que argumentou fundamento legal para a sua suspensão nos termos do artigo 107.º do CIRC, sendo que se veio a apurar imposto devido a final no valor de € 37.071,37, que foi pago pela Arguida (cfr. documento 2 junto com a petição de recurso).
11. Assim, apesar de ter procedido ao pagamento final do IRC (cujo valor é bastante superior aos pagamentos por conta que não foram entregues nos cofres do Estado), o certo é que não efectuou a entrega das prestações tributárias devidas a título de pagamento por conta, no prazo legal conforme impõe o artigo 104.º, n.º 1, alínea a) do CIRC, concretizando, o segundo e terceiro pagamentos por conta na importância de € 8.219,31 cada, perfazendo € 16.438,74.
12. Na decisão de aplicação de coima recorrida (cfr. fls. 10 e 11 dos autos e páginas 6 e 7 da sentença de que se recorre), consta a seguinte “Descrição Sumária dos Factos”:
“Ao (À) arguido (a) foi levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos:
1. Imposto/Trib.: Imposto Sobre Rendimento Pessoas Coletivas (IRC); 2. Valor da prestação tributária em falta: 16.438,74; 3. Período a que respeita a infração: 2012/12; 4. Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2012-12-15; os quais se dão como provados.”
13. A descrição transcrita foi complementada pela indicação da norma infringida, o artigo 104.º, n.º 1, alínea a) do CIRC e da norma punitiva, os artigos 114º n.ºs 2 e 5 f) e 26.º, n° 4, do RGIT.
14. Os factos descritos permitem à Arguida perceber que a coima aplicada se ficou a dever ao facto de não ter entregado, dentro do prazo legal, o montante de € 16.438,74, referente ao pagamento por conta, relativo ao ano de 2012, o que constitui contra-ordenação resultante da violação do disposto no artigo 104.º, n.º 1, alínea a) do CIRC, punível pelos artigos 114.º, n.º 2 e 5.º, alínea f) e 26.º, n.º 4 do RGIT.
15. Com base naquela percepção, a Arguida interpôs recurso da decisão de aplicação da coima nos termos do artigo 80.º do RGIT, pelo que, é de concluir que a decisão de aplicação de coima contém uma descrição sumária dos factos imputados nos termos em que a mesma é exigida pela alínea b) do n.º 1, do artigo 79.º do RGIT.
16. E, que a falta de menção à origem do montante do pagamento por conta considerado em falta, não integra nulidade insuprível prevista no artigo 63.º, n.º 1 alínea d) do RGIT, pois não é facto integrador e essencial do tipo legal de contra-ordenação da falta de entrega da prestação tributária devida a título de pagamento por conta em IRC, prevista e punida pelos artigos 114.º, n.º 2 e 5, alínea f), e 26.º, n.º 4 do RGIT, por violação do artigo 104.º, n,º 1, alínea a) do CIRC, e nessa medida tenha que constar da descrição sumária dos factos.
17. Assim como a indicação da moldura da coima aplicável, em abstracto, pois o que o artigo 79.º, n.º 1, alínea b) impõe como requisito legal da decisão é a indicação da norma punitiva, ou seja, aquela que prevê a penalidade aplicável à infracção, o que aconteceu no caso em apreciação, pois foi indicada como norma punitiva da conduta em causa, a constante do artigo 114.º, n.º 2 e 5 alínea f) e artigo 26.º, n.º 4 do RGIT (a coima é variável entre 15% e metade do montante de imposto em falta, sendo tais valores elevados para o dobro porque a Arguida é uma pessoa colectiva, pelo que a moldura aplicável é de € 4.931,62 a € 16.438,74).
18. Pelo que, entende a Fazenda Pública com a ressalva do devido respeito, que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, pois que a decisão de aplicação da coima recorrida, não obstante, omitir qualquer referência à origem do montante do pagamento por conta considerado em falta e à moldura da coima aplicável em abstracto, cumpre o requisito da descrição sumária previsto na alínea b) do n.º 1 do RGIT, não enfermando a mesma de nulidade insuprível nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º do RGIT.
19. Pelo que deverá a sentença de que ora se recorre, ser revogada e substituída por uma que julgue improcedente o recurso interposto da decisão de aplicação da coima, datada de 13/04/2015, com as legais consequências.
***
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Ex.as, mui doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a douta sentença de que se recorre e o recurso interposto da decisão de aplicação da coima ser julgado improcedente, como se nos afigura mais conforme com o que consideramos ser a melhor realização do Direito e Justiça.

CONTRA ALEGAÇÕES.
O Recorrido contra alegou e concluiu:
2) O recurso da decisão proferida não tem qualquer fundamento legal, porque a simples leitura da notificação de decisão de aplicação e liquidação da coima à recorrida permite verificar a nulidade em que incorreu a AT, por insuficiência de elementos legalmente exigíveis.
3) A notificação efectuada à recorrida através de VIA CTT, comunicando-lhe a decisão de aplicação de coima:
i) não continha a descrição sumária dos factos a que se refere o art.º 79º, n.º 1., al. b), do RGIT;
ii) era omissa quanto à referência da moldura contraordenacional e quanto à ponderação da gravidade dos factos, culpa do agente e a sua situação económica, na fixação da coima.
4) O que determinou que tal notificação se encontrasse afectada por nulidade insuprível, prevista no art.º 63º do RGIT, conforme decidiu, E BEM, o Tribunal a quo..
5) O Representante da Fazenda Pública pretende pôr em causa a bondade da decisão do Tribunal a quo, limitando-se a reproduzir o insuficiente conteúdo da notificação efectuada à arguida e acrescentando a transcrição do texto das normas indicadas naquela notificação.
6) O regime aplicável às coimas é o do RGIT, subsidiariamente o Regime Jurídico das Contraordenações, que remete para o Código Penal e o Código de Processo Penal, respectivamente.
7) A alínea b), do n.º 1, do artigo 79º, do RGIT determina que a decisão de aplicação da coima deve conter a descrição sumária dos factos e a indicação das normas violadas e punitivas.
8) A descrição sumária referida no art.º 79º, do RGIT, exige menção específica dos factos considerados provados e a exposição completa sobre os factos que fundamentam a decisão com indicação e análise das provas, pois são estas que ajudam a fundamentar a decisão de aplicação da coima.
9) No caso em análise tal não acontece e por isso não se cumprem as exigências e garantias do direito de defesa, que se encontra constitucionalmente assegurado no n.º 10, do art.º 32º, da CRP.
10) Não se encontra explicado naquela notificação, qual a origem do valor do tributo devido (€ 16.438,74), nem tão pouco a circunstância de vencimento de dois valores nos quais aquele montante seria subdividido nos termos do art.º 104º, do CIRC.
11) Decidiu o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga no Procº 2925/14.7BEBRG, que “a mera remissão para aqueles factos por via da invocação de norma “infringida” e da norma “punitiva” não é apta a garantir a verificação do elemento essencial consubstanciado na “descrição sumária dos factos”, seja porque tal não se traduz numa efetiva descrição factual, seja porque, onerando o destinatário da decisão, lhe impõe o acesso aos diplomas legais invocados para, por via indireta, se aperceber da factualidade que lhe é imputada, o que é, em abstrato, passível de constituir uma limitação à respetiva defesa”.
12) A decisão de aplicação da coima é omissa quanto à referência da moldura contraordenacional, o que impede a arguida de se aperceber das circunstâncias que levaram à coima aplicada
13) É também omissa quanto ao peso que tiveram a gravidade do facto, a culpa do agente e a sua situação económica (elementos exigidos no artigo 27º do RGIT) para a determinação da medida concreta da coima.
14) A decisão limita-se apenas a aplicar uma coima, exorbitante e desproporcionada, fixada no montante de € 5.385,33, correspondente a 1/3 do valor do tributo, violando, além do mais, os princípios da proporcionalidade e da igualdade (Art.º 55º, da LGT e art.º 13º da Constituição da Republica Portuguesa).
15) Tais elementos em falta assegurariam a legalidade da decisão e nesse sentido decidiu recentemente o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (U.O.5), no Processo 3459/14.5BEPRT.
16) A não observância de tais exigências legais determina a nulidade insuprível do processo de contraordenação tributária.
17) Mostram-se violadas as normas do artigo 79º, n.º 1, alínea b) do RGIT, o artigo 32º, n.º 10 da Constituição da República Portuguesa.
Nestes termos não deverá ser dado provimento ao recurso apresentado, mantendo-se a douta decisão proferida pelo Tribunal da 1ª Instância,
Assim decidindo farão V. Exas. a melhor
JUSTIÇA!


PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA emitiu parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.

II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou ao julgar verificada a nulidade da decisão administrativa prevista na alínea d) do n.º 1 do art. 63º do RGIT.

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:

A) Contra a Recorrente foi autuado o processo de contra-ordenação nº 00352015060000017436, imputando-lhe a prática de infracção ao abrigo do disposto no artº 104º, nº 1, alínea a) do CIRC, punida pelos artigos 114º, nºs 2 e 5 alínea f) e 26º, nº 4 do RGIT, por falta de entrega de pagamento por conta, cfr. teor de fls. 6 dos autos (p.f);
B) Em 13-04-2015, foi proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças de Anadia, a decisão ora recorrida, com o seguinte teor, que consta de fls. 10 e 11 dos autos (p.f.):
- imagem omissa –

Vejamos.
O artigo 79.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pelo artigo 1.º, n.º 1, da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, prescreve, sob a epígrafe “ Requisitos da decisão que aplica a coima”, o seguinte:
«1 - A decisão que aplica a coima contém:
[…]
b) A descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas;
c) A coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação;» (…)
Dispõe, por sua vez, o artigo 63.º do mesmo Regime que:
«1. Constituem nulidades insupríveis no processo de contra-ordenação tributário:
(…)
d) A falta dos requisitos legais da decisão de aplicação das coimas, incluindo a notificação do arguido.(…)»
A decisão de aplicação de coimas deve, pois, sob pena de nulidade, conter a descrição dos factos que concretamente vem imputar ao arguido e nos quais se funda o acto punitivo.
Essa exposição factual, não obstante sumária e sucinta, servirá para dar a conhecer ao arguido os actos concretos e ou omissões cuja prática lhe vem assacada e assim, as razões pelas quais vem condenado. Este poderá então, conhecendo concretamente os factos que lhe são imputados, exercer, por via da impugnação judicial da decisão que neles vem motivada, o direito de defesa que constitucionalmente lhe assiste por via do artigo 32.º, n.º 10, da Lei Fundamental.
Todavia, conforme sufragado no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12 de Dezembro de 2006 (recurso n.º 01045/06), a imposição da descrição sumária dos factos, nos termos do artigo 79.º, n.º 1, alínea b), do RGIT, “tem como finalidade informar o arguido da conduta, por si praticada, que preenche o tipo contra-ordenacional, pelo que, se tal informação for prestada, tal requisito dá-se por preenchido.”.
Por conseguinte, a satisfação das exigências do artigo 79.º “deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício” dos seus direitos de defesa (cfr. Jorge de Sousa e Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado, 3.ª edição, na nota 1 ao artigo 79.º, p. 528).
Na esteira do acórdão proferido a 19 de Março de 1997 pelo Tribunal da Relação do Porto (recurso n.º 10178), a “fundamentação da decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima - uma vez que não estamos perante qualquer audiência de julgamento donde resulte a indicação de factos provados e não provados - há-de consistir na indicação dos factos que são imputados ao arguido, com a interpretação, ponderação e valoração da prova produzida e a integração desses factos na previsão legal.”
Quanto à descrição sumária dos factos na decisão recorrida, a mesma é omissa no que se refere à indicação da origem do montante do PEC considerado em falta, tendo sido indicado um montante, sem mais. A decisão de aplicação da coima é ainda omissa quanto à moldura penal aplicável.
Resulta do exposto que não pode ter-se como adequadamente cumprido, na decisão de aplicação da coima recorrida, o requisito da descrição sumária dos factos, a que alude a alínea b) do n° 1 do artigo 79° do RGIT, enfermando a mesma, assim, da nulidade insuprível prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 63° do mesmo diploma legal.
Pelo exposto, não se mostrando satisfeitas as exigências previstas na alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT, ocorre uma nulidade insuprível no processo de contra-ordenação tributária, por força do prescrito na alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º do mesmo Regime.
E por ser nula a decisão recorrida, devem também anular-se os termos subsequentes do processo, nos termos do n.º 3 deste último preceito.
III. DECISÃO
Em consequência do exposto, julgando-se verificada a nulidade insuprível prevista no art. 63°, nº 1 al. d), por referência ao art. 79°, nº 1 al. b), todos do RGIT, anulo a decisão de fls. 10 e ss. dos autos (p.f.) e todo o processado subsequente. – Artº. 63º, nº 3 do RGIT.
Baixem os autos ao Serviço de Finanças de Anadia para eventual sanação daquela nulidade e renovação do acto sancionatório, se nada à mesma obstar.
Sem custas, nos termos do art. 94.º, n.º 3 “a contrario” do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, aplicável ex vi art. 66.º, 1ª parte do RGIT.

IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Com base em auto de notícia de 28/2/2015 foi instaurado procedimento contraordenacional contra o arguido por falta de pagamento por conta e aplicada coima no montante de € 5.385,33.
Foi interposto recurso, alegando a nulidade do processo de contraordenação por violação do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 79º do RGIT, ou seja, por faltar a descrição sumária dos factos e a indicação das normas violadas e punitivas.
Para além disso, alega que a falta de pagamento da prestação em causa se deveu a um conjunto de circunstâncias que determinou que as 2ª e 3ª entregas do PC não fossem efetuadas na convicção de que os resultados seriam muito baixos e que se encontrava preenchida a condição prevista no art.º 107º do CIRC. Acresce que a coima aplicada corresponde a 33,23% do valor do imposto em falta, mas devia ter sido liquidada pelo mínimo, tanto mais que o imposto veio a ser liquidado em 1/7|/2013 eo Estado não veio a ser prejudicado pela falta de entrega do imposto.

A MMª juiz proferiu sentença julgando procedente a arguição de nulidade insuprível prevista no art.º 63º n.º 1 al. d) do RGIT, por considerar que a “...descrição sumária dos factos na decisão recorrida, a mesma é omissa no que se refere à indicação da origem do montante do PEC considerado em falta, tendo sido indicado um montante, sem mais. A decisão de aplicação da coima é ainda omissa quanto à moldura penal aplicável.
Resulta do exposto que não pode ter-se como adequadamente cumprido, na decisão de aplicação da coima recorrida, o requisito da descrição sumária dos factos, a que alude a alínea b) do n° 1 do artigo 79° do RGIT, enfermando a mesma, assim, da nulidade insuprível prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 63° do mesmo diploma legal.”

O Exmo. Representante da Fazenda Pública discorda. Defende que a descrição sumária dos factos foi feita assim como foi cumprido o disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 79º do RGIT que apenas impõe a indicação da norma punitiva, ou seja, aquela que prevê a penalidade aplicável à infração. E não obstante a decisão administrativa omitir a referência à origem do montante do pagamento por conta considerado em falta e à moldura da coima aplicável em abstracto, tal não é facto integrador do tipo legal de contraordenação, pelo que a decisão cumpre o requisito da descrição sumária previsto na alínea b) do n.º 1 do RGIT, não enfermando a mesma de nulidade insuprível nos termos da al. d) do n.º 1 do art.º 63º do RGIT.

Apreciando.
O artº. 63º do RGIT enumera as nulidades insupríveis praticadas no processo de contraordenação. “Tal qualificação é-lhes atribuída não por não poder haver sanação das anomalias processuais que constituem estas nulidades, mas pelo facto de elas não poderem ser consideradas como sanadas pelo mero decurso do tempo sem arguição pelos interessados ou por qualquer actuação do próprio Tribunal, como é de regra nas nulidades sanáveis ou nas meras irregularidades (art. 120º e 123º do CCP).
Assim, as nulidades referidas apenas poderão ser supridas em alguns casos e, nos casos em que o podem ser, só podem considerar-se sanadas com supressão da deficiência ou irregularidade a que elas se reportam, designadamente com a prática de acordo com a lei do acto omitido ou irregularmente praticado (1)”.

Estas nulidades implicam a anulação do acto em que se verificarem, bem como os actos que dele dependerem e aquelas puderem afectar, tudo sendo determinado na decisão que apreciar a existência da nulidade (art. 63º/3 RGIT).

O conhecimento oficioso das nulidades insanáveis pode ocorrer até ao trânsito em julgado da decisão final. Tal conhecimento tanto pode acontecer na fase administrativa como na fase judicial e, nesta, tanto na parte que corre termos perante os Tribunais Tributários de 1ª. Instância como na fase de recurso jurisdicional, mas sempre até ao trânsito em julgado da decisão que ponha termo ao processo (cfr. artº. 63/5 RGIT e Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos "Regime Geral das Infrações Tributárias" anotado, 2010, pp. 444)

De acordo com a alínea d) do art. 63º RFGIT constitui nulidade insuprível do processo de contra-ordenação fiscal a falta dos requisitos legais da decisão de aplicação de coima, incluindo a notificação do arguido.

Por sua vez, o n.º 1 do art. 79º RGIT densifica o conteúdo da decisão administrativa de aplicação de coimas deve conter e que são:
a) A identificação do arguido e eventuais comparticipantes;
b) A descrição sumária dos factos e a indicação das normas violadas e punitivas;
c) A coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação;
d) A indicação de que vigora o princípio da proibição da “reformatio in pejus”;
e) A indicação do destino das mercadorias apreendidas;
f) A condenação em custas.

Não havendo na fase decisória do processo contra-ordenacional que corre pelas autoridades administrativas a intervenção de qualquer outra entidade que não sejam o arguido e a entidade administrativa que aplica a coima, os requisitos previstos neste artigo para a decisão condenatória do processo contra-ordenacional devem ser entendidos como visando assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão. Por isso, as exigências aqui feitas deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos.

Por outro lado, a exigência de fundamentação da decisão com indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima, impõe à autoridade administrativa uma maior ponderação resultante da necessária racionalização do processo lógico e valorativo que conduziu a essa fixação, e assegura a transparência da actuação administrativa, para além de facilitar o controlo judicial, se a decisão for impugnada.

Porém, é a necessidade de conhecimento daqueles elementos para a defesa do arguido e o carácter de direito fundamental que o direito à defesa assume (cfr. artº. 32º/10, da CRP) que justificam que se faça derivar da sua falta uma nulidade insuprível, nos termos do artº.63º/1-d), do RGIT (cfr. Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.517; Isabel Marques da Silva, Regime Geral das Infracções Tributárias, Cadernos IDEFF, nº.5, 3ª. edição, 2010, Almedina, pág.143 e 144; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/10/2011, proc.4883/11).

Para o que aqui releva, a alínea b) do art. 79º RGIT determina que a decisão administrativa de aplicação de coima deve conter a descrição sumária dos factos e a indicação das normas violadas e punitivas, não bastando por isso, uma mera remissão para qualquer peça processual, mesmo que se trate do auto de notícia.

Como salientam Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, que aqui seguimos de perto, (2) a “descrição sumária” referida neste preceito não exige a enumeração dos factos provados e não provados, bem como uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, conteúdo que é exigido pelo artº.374, nº.2, do C.P.P., para as sentenças proferidas em processo criminal.
Este preceito estabelece um regime de menor solenidade para as decisões de aplicação de coimas comparativamente com as sentenças criminais, regime esse justificável pela menor gravidade das sanções contra-ordenacionais.

O que esta norma exige, interpretada à luz das garantias do direito de defesa, constitucionalmente assegurado (artº.32º/10 da CRP) é que a descrição factual que consta da decisão de aplicação de coima seja suficiente para permitir ao arguido aperceber-se dos factos que lhe são imputados e poder, com base nessa percepção, defender-se adequadamente.

Por ser necessário assegurar que o arguido se apercebe dos factos que lhe são imputados, não pode considerar-se suficiente uma indicação factual implícita, dedutível do enquadramento jurídico que na decisão é dado à infracção.

Por conseguinte, a mera indicação da norma jurídica violada não pode considerar-se suficiente para preencher o requisito de descrição sumária dos factos, pois não é descrição de factos, nem o arguido tem obrigação de conhecer os diplomas legais para suprir a omissão pela Administração Tributária dos deveres de descrição factual (cfr. Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.518).

Mas se “da descrição dos factos é possível ao arguido perceber claramente que não entregou uma prestação tributária que era devida, qual o seu valor, e qual o período a que respeita, deve entender-se que está preenchido aquele requisito legal” (3).

Ora, no caso dos autos, a decisão administrativa contém na “Descrição Sumária dos Factos” o seguinte
“Ao (À) arguido (a) foi levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos:
1. Imposto/Trib.: Imposto Sobre Rendimento Pessoas Coletivas (IRC); 2. Valor da prestação tributária em falta: 16.438,74; 3. Período a que respeita a infração: 2012/12; 4. Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2012-12-15; os quais se dão como provados.”

E o campo relativo às Normas infringidas contém o seguinte:
“1.Art.º 104 n.º 1 a) CIRC – Falta de entrega de Pagamento por Conta”

Refere a MMª juiz não constar “...na decisão administrativa a indicação da origem do montante do PEC considerado em falta”.

Sdr, não acompanhamos a MMª juiz nessa conclusão. Embora na “Descrição Sumária dos Factos” não se mencione o “PEC” (4), no campo relativo às “Normas Infringidas” faz-se referência expressa à Falta de entrega de Pagamento por Conta” e na descrição “Sumária dos Factos” indica-se o período a que se reporta.

Aliás, a arguida não teve dificuldade nenhuma em descortinar a imputação factual típica que lhe era feita, defendendo-se com a alegação de factos relativos à falta de culpa na infração.

No que respeita à omissão da moldura contraordenacional aplicável, temos de ter presente que o art.º 79º do RGIT apenas determina que a decisão que aplica a coima contenha a “coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação” (alínea c) do art. 79º RGIT e esses elementos mínimos constam da decisão administrativa, arredando qualquer nulidade por com essa via (5).

Nestas circunstâncias, procedendo as conclusões de recurso, a sentença não poderá manter-se na ordem jurídica.

V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e ordenar a remessa dos autos à primeira instância para subsequente tramitação que ao caso couber.
Custas pela recorrida.
Porto, 25 de maio de 2018.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina da Nova
Ass. Bárbara Tavares Teles



(1) Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos "Regime Geral das Infrações Tributárias" anotado, 2010, pp. 443
(2) "Regime Geral das Infrações Tributárias" anotado, 2010, pp. 518.
(3) Ac. do STA n.º 0353/07 de 27-06-2007 Relator: JORGE LINO
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/0633394c326a59e6802573150037201b?OpenDocument
(4) No caso estará em causa a falta de “Pagamento por Conta” e não a falta de pagamento “Especial por Conta”.
(5) Ac. do STA n.º 01270/15 de 14-12-2016 Relator: FRANCISCO ROTHES
Sumário: I - Contendo a decisão de aplicação da coima a descrição dos factos e a indicação das normas que prevêem e punem a contra-ordenação, não se verifica a nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do art. 79.º do RGIT.
II - Se foram indicados os elementos ponderados na fixação em concreto da coima, a decisão que a aplicou não enferma da nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do art. 79.º do RGIT, que, ademais, nunca se verificará se a coima foi fixada no mínimo legal.
http://www.gde.mj.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/a75dc76a097b3c3d8025808e00440621?OpenDocument