Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00691/14.5BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/05/2021
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:CONVERSÃO DE CONTRATO DE TRABALHO A TERMO EM CONTRATO POR TEMPO INDETERMINADO.
Sumário:I- As exigências de interesse público e a conformação com o direito constitucional de acesso à função pública (artigo 47.º, n.º2 da Constituição), impedem a conversão do contrato a termo em contrato por tempo indeterminado.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:R.
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CIÊNCIA
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte:

I.RELATÓRIO

1.1. R., Professora, residente na Rua do (…), intentou a presente ação administrativa comum contra o MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CIÊNCIA e o ESTADO PORTUGUÊS, peticionando ao Tribunal:
a) Serem os contratos de trabalho celebrados entre a Autora e o Réu desde o dia 30/07/2001 (data da transposição da Diretiva) declarados como contratos de duração indeterminada assim que perfaçam três anos decorridos desde tal dia, com a antiguidade e a remuneração base legalmente fixadas;
b) Se condene o Réu a proceder à integração da Autora nos seus quadros e em postos de trabalho adequados;
c) Se condene o Réu no pagamento das diferenças salariais, de acordo com a antiguidade, a partir de 30/07/2004 em relação aos professores com contrato de trabalho por tempo indeterminado, das remunerações vencidas e vincendas, quantia cujo montante a Autora relega para liquidação em execução de sentença.
d) Caso assim não se entenda, se condene o Réu no pagamento de indemnização que corresponda ao produto de 45 dias de remuneração base com a antiguidade contada tendo como limite máximo a data da transposição da Diretiva, ela não transposição da Diretiva 1999/70/CEE respeitante ao Acordo Quadro CES, UNICE e CEEP, relativo a contratos de trabalho a termo no âmbito das relações jurídicas de emprego público dos docentes abrangidos pelo D.L. n.º 139-A/90 de 28/04, relegando a quantificação de tal indemnização para liquidação em execução de sentença;
e) Se condene o Réu ao pagamento de juros de mora, à taxa legal.

Alegou, para tanto, em síntese, que celebrou diversos contratos a termo certo para o exercício da docência, mas o Réu não alegou os motivos concretos que justificassem a celebração de tais contratos a termo certo, sendo certo que a contratação do trabalho da Autora, durante 22 anos, resultou de uma necessidade permanente do Réu.
Mais alega que em 10/07/1999 foi publicada no Jornal Oficial da Comunidade Europeia a Diretiva 1999/70/CEE do Conselho de 28/06/1999, respeitante ao acordo quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo aplicável aos contratos de trabalho celebrado entre a Autora e o Réu em apreço nos presentes autos, mas que o Réu não transpôs para o Direito Interno a Diretiva de molde a que a mesma fosse aplicável aos contratos de trabalho que celebrou com a Autora.
Entende que inexistem, no regime do contrato de trabalho em funções públicas, aprovado pelo Lei n.º 59/2008, de 11/09, normas que impeçam ao Réu a utilização abusiva dos contratos de trabalho a termo, e que a sanção de nulidade prevista no n.º 3 do art.º 92.º do RCTFP é igualmente inapta para prevenir a utilização abusiva de contratos de trabalho a termo, pois pressupõe o regime geral das causas de invalidade do negócio jurídico, não assumindo a natureza de medida dissuasora da celebração dos contratos de trabalho a termo.
Afirma que o legislador tratou como igual aquilo que a Diretiva quis que fosse acautelado e tratado como diferente e caso o Réu tivesse transposto para a ordem jurídica interna a Diretiva, os contratos de trabalho celebrados entre o Réu e a Autora, atendendo à sucessão e ao tempo decorrido entre o início da prestação de trabalho da Autora para com o Réu (quinze anos), estariam convertidos em contratos por tempo indeterminado.

1.2. Citado para contestar, veio o Réu Ministério da Educação defender-se por exceção suscitando a questão prévia da inutilidade superveniente da lide, porquanto a Autora ingressou nos quadros dos docentes com contrato a termo resolutivo na sequência do concurso externo extraordinário ao abrigo do D.L. n.º 60/2014 de 22/04. Mais se defendeu por exceção, suscitando a falta de personalidade judiciária, porquanto em ações de responsabilidade extracontratual e contratual é ao Estado que cabe a legitimidade, a exceção inominada de pedido genérico e a exceção da prescrição dos créditos laborais. Defendeu-se por impugnação pugnando pela improcedência da ação, alegando, em suma, que a possibilidade de conversão equivaleria à possibilidade de acesso ao quadro de pessoal por quem foi contratado sem rigor concursal e quando não haveria lugar no quadro.

1.3. Citado, o Estado Português contestou suscitando a questão prévia da inutilidade superveniente da lide, porquanto o ingresso nos quadros dos docentes com contrato a termo resolutivo é possível mediante concurso externo extraordinário ao abrigo do D.L. n.º 60/2014 de 22/04. Mais se defendeu por exceção invocando a ineptidão da petição inicial, a ilegitimidade passiva e a prescrição dos créditos salariais e da indemnização. No demais, pugnou pela improcedência do pedido, porquanto, em suma, que a possibilidade de conversão equivaleria à possibilidade de acesso ao quadro de pessoal por quem foi contratado sem rigor concursal e quando não haveria lugar no quadro.

1.4. Proferiu-se saneador sentença que julgou improcedente a invocada inutilidade superveniente da lide e, bem assim, as todas as exceções invocadas, fixou o valor da ação e decidiu quanto ao mérito, julgando a presente ação improcedente, constando da mesma o seguinte segmento decisório:
«Nestes termos, e pelas razões expostas, julgo a presente ação administrativa totalmente improcedente e, em consequência, absolvo os Réus do pedido.
*
Custas a cargo da Autora, nos termos do art.º 527.º, n.º 1 e 2 do NCPC e
Regulamento das Custas Processuais.
Registe e notifique.»
1.5. A autora, inconformada com a sentença proferida que julgou a ação totalmente improcedente interpôs o presente recurso jurisdicional, formulando as seguintes conclusões:

«a) A A. intentou a presente acção administrativa comum, sob a forma de processo comum contra o MEC e o Estado Português.
b) Na mesma acção, formulou, entre outros, o pedido de condenação do Réu na conversão dos contratos de trabalho de duração determinada celebrados entre A. e R. em termo indeterminado e pagamento de indemnização pela não transposição da Directiva Comunitária 1999/70/CEE;
c) O Réu Estado Português não transpôs para a ordem jurídica interna tal Directiva Comunitária;
d) E com isso, causou prejuízos à A.
e) Todos os pedidos formulados pela A. tiveram por base e fundamento a não transposição da referida Directiva Comunitária;
f) O Tribunal a quo entendeu pela improcedência da alegação do Autor de que o Estado Português não transpôs a Directiva 1999/70/CEE do Conselho de 28/06/1999 e de que inexistem no RCTFP normas que impeçam ao Réu a utilização abusiva dos contratos de trabalho a termo;
g) E fundamentou tal improcedência com o facto de que “o acordo quadro não impõe uma obrigação geral de os Estados-membros preverem a conversão dos contratos a termo em contratos sem termo e a legislação portuguesa cumprir as exigências impostas pela Directiva de adoptar as medidas destinadas a evitar a utilização abusiva de contratos a termo sucessivos que a causa de pedir da presente acção assentou na não conversão dos contratos de trabalho em tempo indeterminado”;
h) Mais concluindo pela improcedência da Autora de que se o Réu tivesse transposto para a ordem jurídica interna a Directiva, os contratos celebrados entre o Réu e a Autora estariam convertidos em contratos por tempo indeterminado, na medida em que entende que “a jurisprudência constitucional e comunitária é no sentido de não imporem uma obrigação geral de os Estados-Membros preverem a conversão dos contratos a termo sem termos e de não proibirem a contratação a termo”.
i) Ao fazê-lo e, salvo o devido respeito, a sentença recorrida enferma de violação de lei, nomeadamente da lei constitucional portuguesa (artigos 13º, 47º, nº 2, e 53º da Constituição da República Portuguesa) e colide com os princípios estabelecidos pela Directiva Comunitária nº 1999/70/CE, do Conselho de 28.07, respeitante ao acordo quadro CES, UNICE e CEEP, a qual deve prevalecer sobre o direito interno, nomeadamente o RCTFP;
j) Esta Directiva “tem como objetivo a aplicação do acordo-quadro relativo a contratos de trabalho a termo, celebrado a 18 de Março de 1999 entre as organizações interprofissionais de vocação geral (CÊS, UNICE e CEEP)”.
k) Os Estados-Membros ficaram obrigados a pôr em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para [lhe] dar cumprimento... até 10 de Julho de 2001” ou com o dever de se “certificar..., até esta data, de que os parceiros sociais puseram em prática as disposições necessárias por via de acordo, devendo [em qualquer caso] os Estados-Membros tomar qualquer disposição necessária para, em qualquer momento, poderem garantir os resultados impostos pela presente Directiva.
l) O acordo-quadro, anexo à Directiva, destina-se a enquadrar o recurso sucessivo a esta última categoria de relações de trabalho, considerada fonte potencial de abusos em prejuízo dos trabalhadores, prevendo um certo número de normas de proteção mínima destinadas a evitar a precarização da situação dos trabalhadores dependentes.
m) Quando tenha ocorrido uma utilização abusiva do vínculo labora! temporário “uma medida que apresente garantias efetivas e equivalentes de proteção dos trabalhadores deve poder ser aplicada para punir devidamente esse abuso e eliminar as consequências da violação do direito comunitário.
n) Desde 1989 que a Recorrente tem vindo a exercer funções de docente em escolas públicas, de forma ininterrupta e sucessiva, sob a forma de contratos de trabalho a termo certo de 1 (um) ano escolar.
o) Quando a razão invocada para a celebração destes contratos é uma e sempre a mesma, ou seja, o “aumento excepcional e temporário da actividade do órgão ou serviço”, prevista no artigo 93º, nº 1, alínea h), da Lei nº 59/2008, de 11 de Setembro (RCTFP).
p) A aqui Recorrente não foi contratada para satisfação das necessidades transitórias e temporárias, mas sim para a satisfação de reiteradas e sucessivas necessidades permanentes das escolas onde foi colocado em resultado do concurso público, apenas com o intuito de tornar permanente a precariedade do trabalho.
q) Os artigos 13º e 53º da Constituição da República Portuguesa impõem uma protecção igual ou semelhante, isto é, que se estenda aos trabalhadores precários do sector público a nota distintiva protectora ou compensadora que a legislação laboral do sector privado tem reconhecido aos trabalhadores precários do sector privado, cumprindo-se assim o princípio da não discriminação previsto no artigo 4º da Directiva, na medida em que “não poderão os trabalhadores contratados a termo receber tratamento menos favorável do que os trabalhadores permanentes numa situação comparável pelo simples motivo de os primeiros terem um contrato a termo”.
r) A obrigação, decorrente de uma Directiva, de os Estados-Membros atingirem o resultado nela previsto, bem como o dever de tomarem todas as medidas gerais ou especiais adequadas para assegurar o cumprimento dessa obrigação, impõe-se a todas as autoridades dos Estados-Membros, segundo a Jurisprudência do Tribunal de Justiça.
s) Não sendo possível efectuar uma interpretação e uma aplicação da regulamentação nacional conformes com as exigências do direito da União, os tribunais nacionais e os órgãos da administração têm o dever de aplicar integralmente o direito da União e de proteger os direitos que este confere aos particulares, deixando de aplicar, se necessário, qualquer disposição contrária de direito interno.
t) O artigo 2º, al. n), da Lei Preambular ao Código do Trabalho, prevê que “com a aprovação do Contrato de Trabalho é efectuada a transposição, parcial ou total, das seguintes directivas comunitárias: Directiva nº1999/70/CE, do Conselho, de 28 de Junho, respeitante ao acordo quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo”.
u) Tendo em conta os princípios estabelecidos pela Diretiva 1998/70/CE, o Estado Português está obrigado a definir medidas concretas que punam o recurso sucessivo à celebração de contrato de trabalho a termo, quer na Administração Pública quer no Setor Privado.
v) Nem o DL nº427/89 de 07.12 nem a Lei nº 59/2008, de 11.09, consagram medidas efectivas de protecção dos trabalhadores contra o uso e abuso da celebração de contratos de trabalho a termo, e como tal não cumpre os objectivos impostos pela Directiva.
w) Não o fazendo, viola claramente o direito à segurança no emprego previsto no art.53º da Constituição da República Portuguesa e colide com os princípios estabelecidos pela Directiva Comunitária nº 1999/70/CE, do Conselho de 28.07, respeitante ao acordo quadro CES, UNICE e CEEP, a qual deve prevalecer sobre o direito interno, nomeadamente o RCTFP.
x) a douta sentença recorrida, ao assim não entender, enferma de violação de lei constitucional portuguesa (artigos 13º, 47º, nº 2, e 53º da Constituição da República Portuguesa) e colide com os princípios estabelecidos pela Directiva Comunitária nº 1999/70/CE, do Conselho de 28.07, respeitante ao acordo quadro CES, UNICE e CEEP, a qual deve prevalecer sobre o direito interno, pelo que deverá ser revogada.

Nestes termos e nos mais de Direito, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a douta sentença recorrida e substituída por douto Acórdão desse prestigiado Tribunal que reconheça à Recorrente o direito a ver os contratos celebrados desde 10/07/2001 convertidos em contratos de duração indeterminada, com a antiguidade e a remuneração legalmente fixadas e ao pagamento das diferenças salariais, e o Réu, ora Recorrido, condenado no pagamento da indemnização peticionada pela não transposição da Directiva, com as demais consequências legais.»

1.6. O Ministério da Educação contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:
«I. A sentença deve tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da ação, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão (cfr. n.º 1 do art. 611.º do CPC)
II. Ora, a argumentação de direito aduzida pela recorrente encontra-se ultrapassada desde a alteração ao atual diploma dos concursos – Decreto-lei n.º 132/2012, de 27 de junho -, operada pelo Decreto-Lei n.º 83-A/2014, de 23 de maio, tornando inútil a colocação da sua questão de mérito.
III. A ratio do tratamento jurídico, que levou à emissão daquelas normas, que não foram colocadas em crise, foi precisamente a aplicação do art. 5.º do acordo-quadro CES, UNICE e CEEP, relativo a contratos de trabalho a termo, que figura em anexo à Diretiva 1999/70/CE do Conselho, de 28 de junho de 1999, que, inusitadamente, o Autor considera violado.
IV. O artigo 5.º, n. º 1, do acordo-quadro impõe aos Estados-Membros, com o fim de prevenir os abusos resultantes da utilização de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo, a adoção de uma ou várias das medidas que enumera, sempre que o seu direito interno não preveja medidas legislativas equivalentes.
V. No entanto, atendendo a que as referidas medidas não são claras, nem precisas, nem incondicionais, o artigo 5.º, n.º 1, do acordo-quadro limita-se a atribuir aos Estados-Membros um objetivo geral, que consiste na prevenção desses abusos, deixando-os, no entanto, escolher os meios para o alcançar.
VI. Pelo que, é larga a margem de apreciação deixada aos Estados-Membros na transposição da referida Diretiva, não sendo clara nem precisa quanto aos direitos conferidos aos cidadãos nacionais.
VII. Neste sentido, o Tribunal de Justiça, no acórdão proferido no Processo C-268/06, questão colocada a título prejudicial pelo Labour Court de Dublin, decidiu que o art. 5º, nº 1, do Anexo ao acordo-quadro não é incondicional e suficientemente preciso para poder ser invocado por um particular perante um juiz nacional (ponto 3 da parte decisória).
VIII. Daí que, antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 83-A/2014, de 23 de maio, não houvesse disposição legal com a:
a. «determinação da duração máxima total dos sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo [artigo 5.º, n.º 1, alínea b)];
b. determinação do número máximo de renovações dos contratos ou relações laborais a termo [artigo 5.º, n.º 1, alínea c)].»
IX. Foi esta incompletude (que não ilegalidade) no ordenamento jurídico referente aos contratos de trabalho a termo sucessivos, no domínio da Educação, que levou o legislador do Decreto-Lei n.º 83-A/2014, de 23 de maio, na alteração que operou ao Decreto-Lei n.º 13212012, de 27 de junho, a introduzir normas que estabelecessem a «duração máxima total dos sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo [artigo 5.º, n.º 1, alínea b)]» e o «número máximo de renovações dos contratos ou relações laborais a termo [artigo 5.º, n.º 1, alínea c)].»
X. Nesta transposição da diretiva, estão, pois, em causa, os contratos de trabalho a termo sucessivos.
XI. Só a combinação dos critérios utilizados pelo legislador são indícios de uma necessidade permanente que, não só é atual, como se perspetiva vir a existir no futuro, de modo a justificar a celebração de um contrato por tempo indeterminado.
XII. E esses critérios são: 5 anos ou quatro renovações de contratos a termo sucessivos, em horário anual e completo, no mesmo grupo de recrutamento, existentes à data do termo do contrato celebrado no ano escolar a decorrer no prazo de apresentação da candidatura ao concurso externo.
XIII. Por outro lado, as necessidades permanentes ou temporárias têm que ser aferidas face a um concreto estabelecimento de ensino.
XIV. Ora, a recorrente ao longo dos seus «alegados» 22 anos em contrato a termo resolutivo, esteve colocado e celebrou contrato com 14 estabelecimentos de ensino diferentes.
XV. Ou seja, a sua contratação a termo não se destinou à satisfação de necessidades permanentes de cada um daqueles estabelecimentos de ensino.
XVI. A contratação a termo foi sendo permitida por lei ao recorrido em virtude das particularidades da relação laborai docente atinentes ao respetivo objeto, resultantes da necessidade de na sua disciplina jurídica se conciliar a dinâmica laborai com as necessidades temporárias de serviço docente, compatibilizando a proteção do docente trabalhador com a tutela constitucional do sistema educativo.
XVII. Com efeito, as necessidades dos estabelecimentos de ensino podem ser permanentes, pela continuidade do número de turmas que originam um certo número de horários letivos anuais que se prolongam no tempo, dando lugar a relações de trabalho por tempo indeterminado, ou, podem ser temporárias, correspondendo às variações anuais de serviço docente, que justificam a temporalidade do vínculo e, consequentemente, a diminuição das garantias de estabilidade da relação jurídica de emprego.
XVIII. Haverá, assim, que distinguir entre aqueles docentes que exercem a sua atividade como uma profissão certa e permanente e aqueles outros que apenas executam uma prestação contratual a título precário justificando-se plenamente que a lei estabeleça, consoante os casos, diferentes condições de segurança e estabilidade na respetiva relação de trabalho.
XIX. No regime próprio de recrutamento e seleção de pessoal docente consagra-se uma contratação obrigatória a termo devido à transitoriedade que se encontra associada às mutações dos horários letivos, em que se estruturam as necessidades temporárias estabelecimentos de ensino, que correspondem ao diferente número de alunos que se agrupam para constituição anual de turmas distintas, em função das diferentes disciplinas a lecionar.
XX. A legislação subsidiária aplicável aos contratos de trabalho a termo docentes começou por ser a Lei n.º 23/2004, de 22 de junho, que entrou em vigor aos 22.07.04, que dispunha:
O contrato de trabalho a termo resolutivo celebrado por pessoas coletivas públicas não se converte, em caso algum, em contrato por tempo indeterminado.
A celebração de contratos de trabalho a termo resolutivo com violação do disposto na presente lei implica a sua nulidade e gera responsabilidade civil, disciplinar e financeira dos titulares dos órgãos que celebraram os contratos de trabalho.
XXI. As disposições legais referidas a propósito da Lei n.º 23/2004 mantiveram-se no Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (RCTFP), aprovado pela Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro, e na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, que entrou em vigor no dia 1 de agosto de 2014.
XXII. Por outro lado, o Tribunal de Justiça tem igualmente vindo a reconhecer a eficácia horizontal indireta das diretivas, desde que precisas e incondicionais, não transpostas no prazo fixado, eficácia essa que se revela através do princípio da interpretação do direito nacional conforme o direito comunitário e do princípio da responsabilidade do Estado pela sua não transposição.
XXIII. Importa, no entanto, referir que a obrigação da interpretação conforme da Diretiva, vinculando embora os tribunais nacionais, tem sido interpretada, quanto aos seus limites, como não podendo implicar uma interpretação “contralegem”.
XXIV. Neste sentido, aponta o Acórdão do Tribunal de Justiça, no processo C-268/06, em que, no seu ponto 103, diz que “(...), o direito comunitário, em particular a exigência de interpretação conforme, não pode, sob pena de obrigar o órgão jurisdicional de reenvio a interpretar o direito nacional contra legem, ser interpretado no sentido de que o obriga a conferir (...)”.
XXV. No entanto, e independentemente dessa questão, a verdade é que à interpretação da conversão dos contratos a termo em contratos sem termo, se opõe o art. 47º, nº 2, da CRP, o que nos leva à delicada questão da hierarquização do direito constitucional e comunitário.
XXVI. Neste aspeto particular, tem-se entendido que o direito comunitário ocupa uma posição infraconstitucional, embora supralegal, nos termos do n.º 1 do art. 277.º da CRP (Cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Anotada, 3ª Edição, Coimbra Editora, pág. 90/91).
XXVII. Ora, através do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 368/2000, de 11 de julho, inequivocamente se afirmou (revalidando argumentos que já constavam do Acórdão n.º 683/99, mas que fora proferido antes da alteração introduzida ao artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 427/89 pelo Decreto-Lei n.º 218/98, que consagrou expressamente a não conversão dos contratos), não apenas que a não conversão dos contratos a termo em contratos sem termo não padecia de inconstitucionalidade, mas que era inconstitucional essa eventual conversão.
XXVIII. A interpretação da Diretiva 1999/70/CE do Conselho, de 28.06.99, respeitante ao Acordo-Quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo, no sentido de que, no caso dos autos, imporia a conversão do contrato a termo em contrato sem termo seria inconstitucional por violação do disposto no art. 47º, nº 2, da Constituição, por não ter existido concurso externo de ingresso em lugar de quadro.
XXIX. Neste sentido se pronunciou o extenso e recente Acórdão do TCA Norte, de 29-05-2014, proferido no processo n.º 03260/10.5BEPRT.
XXX. Quanto à eficácia horizontal indireta das diretivas refletida no princípio da responsabilidade do Estado pela sua não transposição, igualmente se exige que aquelas sejam claras e precisas quanto aos direitos conferidos aos cidadãos nacionais.
XXXI. Com efeito, embora a jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre a responsabilidade do Estado por violação do Direito Comunitário tenha resultado da perceção de que a teoria do efeito direto e a solução da interpretação do direito nacional conforme ao direito comunitário originário ou derivado não eram suficientes para conferir exequibilidade aos direitos dos particulares,
XXXII. No Acórdão Brasserie du Pêcheur, o Tribunal de Justiça considerou relevante destrinçar entre o grau de vinculação a que o legislador nacional se encontra vinculado ou, dito de outra forma, os critérios de aferição da clareza e inteligibilidade das posições jurídicas acolhidas pela norma comunitária.
XXXIII. Daí que, no §57., se tenha espraiado em precisões sobre o segundo pressuposto de responsabilização traduzido na fórmula “violação suficientemente caracterizada” ou “violação manifesta e grave” dos limites do poder de livre conformação do Estado.
XXXIV. Posição que voltou a reafirmar no Acórdão de 25 de novembro de 2010, (Günter Fuß contra Stadt Halle).
XXXV. Já no mais recente Acórdão de 16 de Setembro de 2013 Animal Trading Company (ATC) BV e outros contra Comissão Europeia), esclarece o Tribunal de Justiça:
«É unicamente quando essa instituição ou órgão disponha apenas de uma margem de apreciação consideravelmente reduzida, ou mesmo inexistente, que a simples infração ao direito comunitário pode bastar para provar a existência de uma violação suficientemente caracterizada (acórdãos do Tribunal de Justiça de 4 de julho de 2000, Bergaderm e Goupil/Comissão, C-352/98 P, Colet., p. I-5291, n.os 42 a 44, e de 10 de dezembro de 2002, Comissão/Camar e Tico, C-312100 P, Colet., p. I-1355, n. º 54; acórdãos do Tribunal Geral de 12 de julho de 2011, Comafrica e Dole Fresh Fruit Europe/Comissão, T-198/95, T-171/96, T-230/97, T-174/98 e T-225/99, Colet., p. II-1975, n.º 134, e Arcelor/Parlamento e Conselho, n.º 61, supra, n.º 141).»
XXXVI. Ora, como se disse, o Tribunal de Justiça, no acórdão proferido no Processo C-268/06, questão colocada a título prejudicial pelo Labour Court de Dublin, decidiu que o art. 5º, nº 1, do Anexo ao acordo-quadro não é incondicional e suficientemente preciso para poder ser invocado por um particular perante um juiz nacional (ponto 3 da parte decisória).
Nestes termos e nos mais de Direito, que muito doutamente serão supridos por VV. Exas., deverá ser proferida decisão que conclua pela improcedência do presente recurso.»

1.7. O Estado contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:
«1 - Os contratos celebrados pela A. foram acordados quanto ao termo inicial e termo final.
2 - Foram celebrados em diversas escolas e para necessidades distintas
3 - Nunca esteve em causa uma necessidade e vínculo permanente, antes necessidades excepcionais e temporárias.
4 - O Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, então em vigor, Lei nº 59/2008, de 11/9, prevê a celebração de contratos a termo, suas renovações e obrigatoriedade que todos os contratos celebrados com as diversas escolas teriam de consagrar o motivo da celebração desse contrato a termo certo.
5 - O pedido da A. de conversão dos diversos contratos a termo em contratos sem termo é legalmente impossível.
6 - A mera possibilidade de um contrato a termo se converter num contrato sem termo, violaria o princípio da igualdade de acesso à função pública e o princípio da igualdade de tratamento previsto no art13º da CRP.
7 - Não corresponde à verdade que o réu Estado não tivesse transposto para o direito interno a Diretiva 1999/70/CEE, do Conselho de 28/6/1999, respeitante ao Acordo Quadro CES, UNICE e CEEP, relativa aos contratos a termo.
8 - O Regime de Contrato de Trabalho em Funções públicas, aprovado pela Lei 59/2008 de 11/9 não violava o direito comunitário.
9 - O Regime de Contrato de Trabalho em Funções Públicas, aprovado pela Lei 59/2008 de 11/9 contém regulamentação que impede a utilização abusiva dos contratos de trabalho a termo.
10 - As disposições legais internas satisfazem as exigências mencionadas no artigo 5º do acordo-quadro anexo à Directiva 1999/70/CE, consagrando a aplicação das regras da nulidade e o uso abusivo gera responsabilidade civil, disciplinar e financeira dos dirigentes máximos dos órgãos ou serviços que os tenham celebrado ou renovado.
11 - O Acordo-Quadro não impõe uma obrigação geral de os Estados-Membros procederem à conversão dos contratos a termo em contratos sem termo e a legislação portuguesa cumpre as exigências impostas pela Directiva de adoptar as medidas destinadas a evitar a utilização abusiva de contratos a termo sucessivos».

1.8. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 146º, n.º 1 do CPTA, o Ministério Público, não emitiu parecer.

1.9. Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
*
II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.
2.1. Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Acresce que por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.

2.2.Assentes nas enunciadas premissas, as questões que se encontram submetidas à apreciação do tribunal ad quem passam por saber se a decisão recorrida enferma de erro de direito por o Tribunal a quo ao julgar pela improcedência da alegação do Autor de que o Estado Português não transpôs a Diretiva 1999/70/CEE do Conselho de 28/06/1999 e de que inexistem no RCTFP normas que impeçam ao Réu a utilização abusiva dos contratos de trabalho a termo; violou a lei constitucional portuguesa (artigos 13º, 47º, nº 2, e 53º da Constituição da República Portuguesa) e os princípios estabelecidos pela Directiva Comunitária nº 1999/70/CE, do Conselho de 28.07, respeitante ao acordo quadro CES, UNICE e CEEP, a qual deve prevalecer sobre o direito interno, nomeadamente o RCTFP.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
A.DE FACTO
3.1. A 1.ª Instância deu como assente a seguinte matéria de facto:
«A) Em 27/02/1989, a Autora celebrou com o Ministério da Educação um contrato de prestação de serviço docente, nos termos do D.L. n.º 18/88 de 21/01, com início em 27/02/1989 enquanto durar o impedimento do titular – Cf. fls. 78 do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
B) Em 09/11/90, a Autora celebrou com o Ministério da Educação um contrato de prestação de serviço docente, nos termos do D.L. n.º 18/88 de 21/01, com início em 09/11/90 até ao final do ano escolar – Cf. fls. 80 do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
C) Em 04/10/91, a Autora celebrou com o Ministério da Educação um contrato de prestação de serviço docente, nos termos do D.L. n.º 18/88 de 21/01, com início em 04/10/91 até ao final do ano escolar – Cf. fls. 82 do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
D) Em 31/10/92, a Autora celebrou com o Ministério da Educação um contrato de prestação de serviço docente, nos termos do D.L. n.º 18/88 de 21/01, com início em 31/10/92 enquanto durar o impedimento do titular – Cf. fls. 84 do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
E) Em 22/09/93, a Autora celebrou com o Ministério da Educação um contrato de prestação de serviço docente, nos termos do D.L. n.º 18/88 de 21/01de 28/04, com início em 22/09/93 até final do ano escolar – Cf. fls. 86 do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
F) Em 19/10/95, a Autora celebrou com o Ministério da Educação um contrato de prestação de serviço docente, nos termos do D.L. n.º 18/88 de 21/01, com início em 19/10/95 até ao final do ano escolar – Cf. fls. 88 do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
G) Em 01/09/94, a Autora celebrou com o Ministério da Educação um contrato de prestação de serviço docente, nos termos do D.L. n.º 18/88 de 21/01, com início em 01/09/94 até ao final do ano escolar – Cf. fls. 90 do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
H) Em 08/10/96, a Autora celebrou com o Ministério da Educação um contrato de prestação de serviço docente, nos termos do D.L. n.º 18/88 de 21/01, com início em 08/10/96 enquanto durar o impedimento do titular– Cf. fls. 92 do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
I) Em 25/09/2001, a Autora celebrou com o Ministério da Educação um contrato de prestação de serviço docente, nos termos do n.º 2 do art.º 33.º do D.L. n.º 139-A/90 de 28/04, com início em 25/09/2001 até ao final do ano escolar – Cf. fls. 94 do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
J) Em 25/09/2002, a Autora celebrou com o Ministério da Educação um contrato de prestação de serviço docente, nos termos do n.º 2 do art.º 33.º do D.L. n.º 139-A/90 de 28/04, com início em 20/09/2002 até ao final do ano lectivo – Cf. fls. 96 do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
K) Em 06/10/2003, a Autora celebrou com o Ministério da Educação um contrato de prestação de serviço docente, nos termos do n.º 2 do art.º 33.º do D.L. n.º 139-A/90 de 28/04, com início em 06/10/2003 até ao final do ano escolar – Cf. fls. 98 do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
L) Em 14/10/2004, a Autora celebrou com o Ministério da Educação um contrato de prestação de serviço docente, nos termos do n.º 2 do art.º 33.º do D.L. n.º 139-A/90 de 28/04, com início em 14/10/2004 enquanto durar o impedimento do titular – Cf. fls. 100 do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
M) Em 16/09/2005, a Autora celebrou com o Ministério da Educação um contrato de prestação de serviço docente, nos termos do n.º 2 do art.º 33.º do D.L. n.º 139-A/90 de 28/04, com início em 16/09/2005 até ao final do ano escolar – Cf. fls. 102 do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
S) Do registo biográfico da Autora extrai-se o seguinte:
(Imagem do documento no original da sentença)
Cf. fls. 16 do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

S) A acção deu entrada em 28/08/2014- Cf. fls. 1 do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
T) O Ministério da Educação foi citado em 01/09/2014 - Cf. fls. 28 do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
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Não existem quaisquer outros factos provados ou não provados relevantes para a boa decisão da causa.»
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III.B.DE DIREITO

Vem o presente recurso jurisdicional interposto do despacho saneador-sentença que julgou improcedente ação intentada pela autora por via da qual a mesma pretendia ver reconhecido o direito à conversão dos contratos de trabalho a termo celebrados para o exercício de funções de professor, entre os anos de 2001 a 2013 em contratos de duração indeterminada, com a antiguidade e remuneração base legalmente fixadas, à integração nos quadros do MEC, ao pagamento das diferenças salariais das remunerações vencidas e vincendas e, subsidiariamente, o direito a ser indemnizada pela não transposição da Diretiva 1999/70/CEE, respeitante ao Acordo quadro CES, UNICE e CEE.

A decisão sob sindicância julgou a ação improcedente, por entender que: (i) o « acordo-quadro não impõe uma obrigação geral de os Estados-Membros preverem a conversão dos contratos a termo em contratos sem termo, impondo, contudo, a adoção de medidas destinadas a evitar a utilização abusiva de contratos a termo sucessivos»; (ii) as « disposições da legislação nacional satisfazem as exigências mencionadas no artigo 5º do acordo-quadro anexo à Diretiva 1999/70/CE», uma vez que «a nossa legislação consagra a aplicação das regras da nulidade e que o uso abusivo gera responsabilidade civil, disciplinar e financeira dos dirigentes máximos dos órgãos ou serviços que os tenham celebrado ou renovado»; (iii) «a existência de diversos contratos a termo sucessivos entre a Autora e o Réu não é circunstância bastante para fundar a conclusão que o Estado recorreu de forma abusiva à contratação a termo, tanto mais que foi em diversas escolas e para necessidades distintas e não está vedado ao Estado o recurso à contratação a termo».

O Tribunal a quo decidiu negar à autora a sua pretensão, seguindo o entendimento professado no Acórdão do Tribunal de Justiça, de 04 de julho de 2006, processo C-212/04 e no Acórdão n.º 683/99 do Tribunal Constitucional.
A apelante não se conforma com o assim decidido, por considerar que a despacho saneador sentença enferma de violação de lei, tanto interna, como comunitária.

Advoga que o entendimento professado pela decisão recorrida viola a lei constitucional portuguesa ( artigos 13.º, 47.º, n.º2 e 53.º da CRP) e colide com os princípios estabelecidos pela Diretiva Comunitária n.º 1999/70/CE, do Conselho de 28.07, respeitante ao Acordo-Quadro anexo à Diretiva 1999/70/CE, do Conselho de 28 de junho de 1999, publicada em 10 de julho no Jornal Oficial da Comunidade Europeia, que deve prevalecer sobre o direito interno.

Mas sem nenhuma razão.

A questão da impossibilidade legal da conversão dos contratos a termo sucessivamente celebrados em contratos de duração indeterminada, desde logo por configurar uma violação ao disposto no art.º 47.º, n.º2 da CRP e, bem assim, que os princípios estabelecidos pela Diretiva Comunitária n.º 1999/70/CE, do Conselho de 28.07, respeitante ao Acordo-Quadro anexo à Diretiva 1999/70/CE, do Conselho de 28 de junho de 1999, publicada em 10 de julho no Jornal Oficial da Comunidade Europeia, não impõem uma obrigação geral dos Estados membros preverem a conversão dos contratos a termo em contratos sem termo, e que a legislação nacional cumpre as exigências impostas pela citada Diretiva no sentido da adoção de medidas destinadas a evitar a utilização abusiva de contratos a termo sucessivos, tem sido objeto de discussão e decisão em inúmeros arestos, designadamente, por parte deste TCAN, no sentido expresso na decisão em análise.

Assim se decidiu, entre outros, nos Acórdãos do TCAS de 05.05.2011 e de 12.05.2011, tirados nos P. 07393/11, P. 07388/11 e 04977/09; e os Acórdãos do TCAN, de 02.03.2012, P. 02637/09.3BEPRT; de 29.05.2014, P. 03260/10.5BEPRT; e de 10.02.2017 P. 0939/15BEPRT.

Também na jurisprudência dos tribunais judiciais se encontram decisões no mesmo sentido. Veja-se, por exemplo, o Acórdão do TRC de 20.01.2011, P. 207/09.5TTCVL.C1, onde se conclui pela “impossibilidade legal de conversão em contrato de trabalho por tempo indeterminado o contrato de trabalho a termo celebrado com uma pessoa coletiva de direito público” (no caso, para efeito de considerar que a comunicação feita pela entidade pública ao trabalhador, anunciando a caducidade da relação contratual, não consubstancia um despedimento).

Além disso, como bem sublinha o voto de vencido aposto no citado
Acórdão do TRP de 22.02.2010, P. 375/08, o Supremo Tribunal de Justiça tem reiteradamente considerado inconstitucional, por violação do artigo 47.º/2, da CRP, a interpretação segundo a qual seria permitida a conversão do contrato de trabalho a termo em sem termo, não recusando a aplicação, e respetiva interpretação, das normas que impedem essa conversão com fundamento na inconstitucionalidade por violação do artigo 53.º da CRP (cfr., entre outros, os Acórdãos de 14.11.07, P. 08S2451; de 18.06.08, P. 06S2445; de 01.10.08, P. 08S1536; de 26.11.08, P. 08S1982; de 01.07.09, P. 08S344 e de 25.11.09, P. 1846/06.1YRCBR.S1).

Pelas razões já desenvolvidas na jurisprudência citada, que subscrevemos e para a qual remetemos, a interpretação do quadro legal aplicável não pode deixar de corresponder à que foi adotada na decisão recorrida.

Note-se que a proibição de conversão do contrato de trabalho a termo celebrado com entidade pública em contrato sem termo, decorre expressamente das normas legais sucessivamente em vigor no nosso ordenamento jurídico, mas também e antes disso, do artigo 47.º/2 da CRP, que postula um direito de acesso à “função pública” (ou, atualmente, ao “emprego público” ou “trabalho em funções públicas”) em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso.

As exigências de interesse público e a conformação com o direito constitucional de acesso à função pública, impedem a conversão do contrato a termo em contrato por tempo indeterminado.

Foi precisamente com fundamento na violação deste artigo 47.º/2 da CRP que o Tribunal Constitucional decidiu, no Acórdão n.º 368/2000, “declarar inconstitucional, com força obrigatória geral, o artigo 14º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, na interpretação segundo a qual os contratos de trabalho a termo celebrados pelo Estado se convertem em contratos de trabalho sem termo, uma vez ultrapassado o limite máximo de duração total fixado na lei geral sobre contratos de trabalho a termo”. Em sentido idêntico, o Acórdão n.º 61/2004, declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade, “por violação do disposto no n.º 2 do artigo 47.º da Constituição, da norma constante do artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 342/99, de 25 de Agosto, que cria o Instituto Português de Conservação e Restauro, na medida em que admite a possibilidade de contratação do pessoal técnico superior e do pessoal técnico especializado em conservação e restauro mediante contrato individual de trabalho, sem que preveja qualquer procedimento de recrutamento e seleção dos candidatos à contratação que garanta o acesso em condições de liberdade e igualdade”.

Assim, a proibição de conversão dos contratos de trabalho a termo, celebrados por entidades públicas, em contratos de trabalho sem termo, não apenas resulta expressamente das normas legais citadas, como tal interpretação do regime legal é constitucionalmente imposta pelo artigo 47.º/2 da CRP, entendendo-se que o direito à segurança do emprego consagrado no artigo 53.º da CRP não tem na conversão uma garantia necessária.

A tal entendimento não obsta a invocada Diretiva 1999/70/CE, como também já foi salientado na jurisprudência administrativa. A este respeito, lê-se o seguinte no Acórdão do TCAN de 02.03.2012, P. 02637/09.3BEPRT:
“I - A lei continua a distinguir claramente a possibilidade de acesso ao trabalho por tempo indeterminado em entidade pública da possibilidade da contratação que seja (apenas) a termo, e por isso, justificadamente (e sem violar preceitos constitucionais) impede a conversão (artigo 10.º, n.º 2 da lei 23/2004).
II - Assim, a não conversão de um contrato de trabalho a termo, celebrado por um trabalhador e uma pessoa coletiva pública, num contrato por tempo indeterminado não viola o direito comunitário (concretamente a Diretiva 1999/70/CE) nem a Constituição (concretamente o princípio contido no seu artigo 53º) e corresponde à vontade da lei.”
E, mais recentemente, conclui-se no já referenciado Acórdão deste TCAN de 29.05.2014, P. 03260/10.5BEPRT que
“(...) a solução de conversão de um contrato a termo resolutivo em contrato por tempo indeterminado, não se mostra suscetível de, em qualquer circunstância, constituir fator de dissuasão da celebração deste tipo de contratos ditos precários no âmbito da Administração pública ou como forma de evitar os abusos decorrentes da utilização de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo, ou como forma de reintegração da ordem jurídica violada, pois quando utilizados de acordo com a lei tais contratos visam colmatar necessidades pontuais da administração pela forma e tempo legalmente previstos; E se utilizados em abuso ou violação da lei, tal solução é inidónea do ponto de vista da legalidade para suprir tal deficiência ou corruptela, já que outra é a solução normativa cumpridora da Diretiva 1999/70/CE, pois a contratação em violação do respetivo regime implica a sua nulidade e gera responsabilidade civil, disciplinar e financeira dos dirigentes máximos dos órgãos ou serviços que os tenham celebrado ou renovado — artº 92, nº 2, do RCTFP aprovado pela Lei nº 59/2008.”

Em resumo, a decisão recorrida fez uma correta interpretação do regime legal aplicável que, pelas razões referidas, não permite reconhecer à apelante o direito peticionado.
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IV – DECISÃO.
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
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Custas pela apelante ( art.º 527., n.ºs 1 e 2 do CPC)
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Notifique.

Porto, 05 de fevereiro de 2021.

Helena Ribeiro
Conceição Silvestre
Alexandra Alendouro