Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02739/08.3BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/03/2022
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rosário Pais
Descritores:ASSOCIAÇÕES DE MUNICÍPIOS; ISENÇÃO DE IRC
Sumário:I – As isenções de IRC de que beneficiam o Estado e as autarquias locais, previstas no artigo 9º do CIRC não abrangem as entidades públicas com natureza empresarial nem as associações e federações de municípios que exerçam atividades de natureza comercial, industrial e agrícola.

II - A isenção prevista no artigo 36º da Lei n.º 11/2003, de 13/05, segundo o qual «As comunidades e as associações beneficiam das isenções fiscais previstas na lei para as autarquias locais.» deve ser interpretada em conjugação com o artigo 9.º, alínea b), do CIRC, referente às associações e federações de municípios, sendo que, de acordo com esta, apenas ficam isentas de IRC as que não exerçam atividades comerciais, industriais ou agrícolas.

III - A isenção vertida na alínea b) do nº 1 do artigo 9º do CIRC pressupõe o não exercício de atividades comerciais, industriais ou agrícolas, pelo que, desenvolvendo a Recorrente uma atividade de natureza comercial, ainda que com carácter acessório, não lhe deve ser reconhecido o direito à referida isenção.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:L
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. O Exmº Representante da Fazenda Pública vem recorrer da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 29.04.2014, pela qual foi julgada procedente a impugnação judicial que a “P” intentou contra a liquidação de IRC do ano de 2005, no valor de €942.987,59.

1.2. A Recorrente Fazenda Pública terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões:
«A. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou procedente a impugnação sub judice, deduzida da liquidação de IRC de 2005 lançada à impugnante, declarando que “a atividade exercida pela impugnante (...) reveste natureza eminentemente dum serviço público – vulgarmente designada de recolha e tratamento de lixo urbano”, e concluindo que “não restam dúvidas de que a impugnante sempre usufruiria de isenção à luz do artigo 9º, al.b), do CIRC”.
B. Com o assim decidido, e salvo o devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se, por entender que a sentença recorrida se mostra afetada de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, já que selecionou de modo insuficiente e valorou erroneamente a factualidade evidenciada da prova produzida no processo, da qual cumpria fazer a adequada qualificação jurídica, em termos que afetam irremediavelmente a validade substancial da sentença.
C. Dá-se aqui por reproduzida a factualidade que, na ótica da Fazenda Pública, deve complementar a matéria de facto assente na sentença recorrida, que se indicou no desenvolvimento em cumprimento do disposto no art. 640º CPC, no exercício dos poderes concedidos ao Tribunal ad quem pelo art. 662º, nº 1, do CPC, aplicáveis por via da al. e) do art. 2º do CPPT, que se documentalmente demonstrados nos autos e se reputar essenciais à boa decisão da causa, nomeadamente os extratos do Relatório de Inspeção Tributária transcritos no ponto D. do título “III – Dos Factos” da sentença recorrida.
D. A razão de ser do enquadramento da associação de municípios impugnante como sujeito passivo não isento de IRC que exerce a título principal atividades de natureza comercial e industrial, como decorre da factualidade que se pretende seja acrescentada à fundamentação da decisão, na realização dessas operações económicas com caráter empresarial, ie, pela melhor combinação dos fatores de produção para a perceção de acréscimos patrimoniais, visando obter uma diferença positiva entre os valores do património líquido no início e no fim do período de tributação, que a impugnante destina segundo a gestão dada pela sua administração
E. Relevante‚ para o caso delineado nos autos, é, então, a natureza e modo de exercício da atividade pela impugnante, que gerou os valores objeto de tributação, pois que ao direito fiscal importa sobretudo a real configuração das situações de facto, a realidade económica, a realidade de facto, conforme estatui, de forma genérica, no nº 3 do art. 11º da LGT.
F. Resulta demonstrado que a impugnante dispõe de organização comercial e industrial em ordem ao exercício de uma atividade de produção ou troca de bens e serviços que é capaz de gerar rendimentos e, portando de acréscimo patrimonial.
G. Esse acréscimo patrimonial lhe advém principalmente do produto da sua atividade de produção ou troca de bens e serviços, mormente dos clientes privados da recolha de resíduos e da venda dos produtos reciclados e de energia elétrica, da contraprestação dos Municípios que pagam preços – tarifas – pela prestação de serviços de reciclagem e incineração de resíduos sólidos urbanos, e da contraprestação dos Municípios que pagam preços – tarifas – pela prestação de serviços de reciclagem e incineração de resíduos sólidos urbanos, que servem à redução das comparticipações para investimentos, e das subvenções públicas, nacionais ou comunitárias.
H. Daí que não assuma relevo a omissão do escopo legal ou estatutário da impugnante de qualquer finalidade lucrativa efeito excludente, pois que, segundo a realidade dos factos apurada no processo sub judice, as atividades exercidas pela impugnante têm sido dirigidas à obtenção sucessivos acréscimos patrimoniais, obtidos pela eficiente combinação de fatores de produção, conseguindo não apenas economias de escala, mas “maior rentabilidade”, “redução de custos” e, por isso, aumento de proveitos.
I. Tais acréscimos destinam-se a ser aplicados na estrutura produtiva, reduzindo as contribuições financeiras que os Municípios associados têm o dever de prestar, e, assim, repartindo indiretamente os proveitos entre esses associados.
J. É esse acréscimo patrimonial verificado na associação impugnante em consequência do modo como exerce a sua atividade que determina a sua tributação em IRC, e não a finalidade, existente ou não, de enriquecimento dos seus associados.
K. O legislador fiscal liga a obrigação do imposto, não a formas jurídicas, mas à prática de atos, ao exercício de atividades e ao gozo de situações, pois, como observa Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Ato Tributário, pág. 324, “o facto tributável com ser facto típico, só existe como tal, desde que na realidade se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos que, por esta nova ótica, se convertem em elementos do próprio facto”.
L. A prossecução de um serviço público não obsta em si mesma, na perspetiva da Fazenda Pública, ao preenchimento das condições para que a associação de municípios impugnante se constitua em sujeito passivo não isento de IRC,
M. Desde que exerça as atividades atribuídas em vista daquela prossecução com natureza empresarial e escopo lucrativo – que o Relatório de Inspeção Tributária demonstra e a prova produzida na presente impugnação corrobora.
N. As atividades de tratamento e valorização dos resíduos urbanos sólidos que compõem a parte do objeto da associação impugnante indicada no nº1 do art. 2º dos seus Estatutos podem ter sido estabelecidas em função da satisfação de fins ou interesses da coletividade, podem manifestar a prossecução de um serviço público,
O. mas o modo empresarial através do qual é exercida, em conjunto com as demais, e o resultado lucrativo que, em repetidos exercícios económicos é conseguido, reintegrado em toda a estrutura produtiva, preenche a estatuição da lei fiscal de sujeição e não isenção, e deve determinar a tributação daquela entidade em sede de IRC.
P. Posto que a impugnante exerce a sua atividade de modo empresarial, buscando acréscimos patrimoniais entre o início e o fim de cada exercício económico, tem de concluir-se que os seus custos ou gastos, tal como os seus proveitos ou ganhos, fazem parte do apuramento do resultado líquido desse exercício.
Q. Em face do exposto, a associação aqui impugnante exercendo sua atividade de modo empresarial em vista do contínuo incremento do seu património, aliviando a carga financeira que impende sobre os seus membros, e evidenciando capacidade contributiva, é sujeito passivo não isento de IRC.».

1.3. A Recorrida “P” apresentou contra-alegações, que concluiu nos seguintes termos:
A. Inconformada com a decisão a Fazenda Pública interpôs o presente recurso, a cujas alegações se apresenta agora resposta.
B. Entende a recorrida que a decisão de que vem interposto o presente recurso não merece censura, não lhe sendo imputável qualquer erro de julgamento de facto ou de direito, por a mesma se encontrar em conformidade com as exigências de fundamentação impostas pelo artigo 123º do CPPT e pelos nº 2 e 3 do artigo 659º do CPC, ou, bem assim, qualquer nulidade das previstas no artigo 125º do CPPT e no artigo 668º do CPC. Na verdade, não pode deixar de reconhecer-se que a sentença identifica convenientemente os factos objecto de litígio, sintetiza a pretensão da impugnante e a posição do representante da Fazenda Pública, bem como os respectivos fundamentos, assim como fixa a questão que ao tribunal cumpre solucionar e no modo como descrimina a matéria provada e fundamenta – de facto e de direito – as suas decisões. Percebe-se que o Tribunal procede a um exame das provas testemunhal e documental que se lhe são apresentadas, apreciando-as, censurando-as e valorando-as ao ponto de as estabilizar e de com elas consubstanciar as suas opções de direito.
C. Pelo contrário, a recorrente limitou-se a uma vez mais reiterar aquele que é o seu posicionamento originário – impugnado – face às questões jurídicas suscitadas, chamando ao seu rol factual elementos parciais e descontextualizados retirados desajeitadamente dos depoimentos das testemunhas inquiridas nos autos: os factos que o recorrente reproduziu nas suas alegações como correspondendo a citações de depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela aqui impugnante são retirados parcialmente de um contexto abrangente que tem por objectivo a demonstração da tese a que acaba por aderir o Tribunal a quo e que verdadeiramente nunca chega a ser impugnada pela AT, nem em sede inspectiva, nem nos autos da presente acção.
D. A Fazenda Pública limitou-se, enfim, a repetir nesta sede, quanto à matéria de facto, os mesmos dogmas ou preconceitos que já tinha tornado públicos no relatório que fundamenta o acto tributário impugnado, basicamente assentes em falsos pressupostos, num incompreensível desconhecimento da matéria de facto e numa profunda ignorância do alcance das funções e do serviço públicos.
E. Com efeito, pode dizer-se, os “factos” invocados no relatório de inspecção tributária não têm uma correspondência exacta à realidade, pelo que não têm por que ser considerados provados. O facto que o Tribunal a quo é apto a admitir como provado é a sua existência e notificação à parte, com o teor que pode ou não entender reproduzir. A recorrente pode ter a pretensão de ver provados todos os factos que apenas indicia no referido documento, o que não pode é ferir de anulabilidade a decisão judicial que os não conforma como tal, quer porque relativamente aos mesmos foi feita uma prova contraditória (pela então impugnante e aqui recorrida), quer porque entendeu melhor acomodá-los a uma tese menos parcial e redundante.
F. Os factos que o recorrente reproduziu nas suas alegações como correspondendo a citações de depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela aqui impugnante são retirados parcialmente de um contexto abrangente que tem por objectivo a demonstração da tese a que acaba por aderir o Tribunal a quo e que verdadeiramente nunca chega a ser impugnada pela AT, nem em sede inspectiva, nem nos autos da presente acção.
G. Convém, pois, recordar que, computada a prova documental e testemunhal produzida, a factualidade alegada pela impugnante é definitivamente coerente com os fundamentos invocados na sentença, que se apresentam como conclusões óbvias face à ausência de contraditório eficaz por parte da AT e agora da Fazenda Pública.
H. A propósito do vício arguido pela recorrente sobre o julgamento da matéria de direito, convém esclarecer, antes de mais, que, ao contrário daquele que é o ponto de partida da recorrente, a alínea b) do n.º 1 do artigo 9º do Código do IRC não se pode aplicar à situação da “P”: o regime que se deve aplicar à situação ora em análise é o do artigo 36º da Lei n.º 11/2003, de 13 de Maio (usado, e bem, pelo Tribunal a quo), o qual estabelece que as associações de municípios beneficiam das isenções fiscais previstas na lei para as autarquias locais, entre as quais se conta a isenção de IRC, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 9º do respectivo Código.
I. Ao aplicar na solução jurídica do caso o artigo 36º da Lei n.º 11/2003, de 13 de Maio, o Tribunal a quo actuou com respeito pelas normas jurídicas mobilizáveis e de um modo conforme e coerente face à sucessão das leis no tempo.
J. Já quanto à questão central dos presentes autos, a de saber se a “P” exerce ou não, a título principal, uma actividade comercial e industrial, o Tribunal a quo não hesita em responder negativamente. E falo com a consciência de que “como consta dos estatutos da Impugnante publicados em Diário da República e não colocado em causa pela Administração Tributária, o objecto imediato da impugnante é a reciclagem, valorização, tratamento e aproveitamento final dos resíduos sólidos entregues pelos municípios associados e por outras entidades que a associação venha admitir, bem como a gestão, manutenção e desenvolvimento das infraestruturas necessárias para o efeito. Assim sendo, a actividade exercida pela Impugnante tratamento e eliminação de outros resíduos não perigosos reveste natureza eminentemente dum serviço público – vulgarmente designado de recolha e tratamento de lixo urbano – pois, a circunstância de tal actividade poder ser exercida por privados (o que não é o caso), não retira esse carácter de serviço público (pelo menos, no sentido de utilidade pública)”, e, além disso, que “prosseguindo a impugnante eminentemente um serviço público o de recolha e tratamento de resíduos e não existindo qualquer referência no Relatório de Inspecção Tributário de que não afecte todos os rendimentos que obtém à satisfação desse serviço público, não restam dúvidas de que a Impugnante sempre usufruiria de isenção à luz do artigo 9º, al, b) do CIRC”.
K. Ora, assim não pensa a recorrente, que coloca a noção de “actividade exercida a título principal” no centro das soluções que propõe: todo o Direito a que a recorrente recorre – uma vez estabelecida a sua posição de não aplicação à “P” da isenção de IRC – para apurar o lucro tributável e as tributações autónomas da empresa tem esse conceito como pressuposto.
L. A tese prosseguida pela recorrente merece, no entanto, alguns esclarecimentos: pela actividade comercial ou industrial (ou, ainda, agrícola) que consubstancia o objecto de uma sociedade comercial entende-se, nos termos do n.º 4 do artigo 3º do Código do IRC, uma actividade que consista na realização de operações económicas. Depois, de acordo com a Doutrina unanime, por actividade económica entende-se uma actividade que em regra gera lucros distribuíveis pelos sócios (cfr., por todos, JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, Vol. II – Das Sociedades –, págs. 8 e seguintes). De resto, é o que se recolhe da lei: segundo o artigo 980º do Código Civil, o “[c]ontrato de sociedade é aquele em que duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum de certa actividade económica, que não seja de mera fruição, a fim de repartirem os lucros resultantes dessa actividade”.
M. Sublinhe-se, neste momento, que, nem nas associações do regime geral (cfr. o artigo 157º do Código Civil), nem nas associações municipais, o lucro pode ser repartido pelos associados.
N. Ora, a noção de “actividade exercida a título principal” tem de ser interpretada por remissão para os conceitos de fim associativo ou ainda, subsidiariamente, de objecto social, e atendendo, mais concretamente, ao entendimento que possamos fazer do que é que são fins ou objectos principais e acessórios.
O. Neste ponto, a sentença recorrida é exímia: subjacente ao sentido da decisão do Tribunal está, pois, a caracterização de um determinado fim de uma associação ou objecto de uma sociedade como “principal” dever-se-á fazer por apelo ao critério que melhor conjugue, por uma lado, a teleologia – isto é, o propósito, quanto a essa matéria, de quem constituiu a associação ou a sociedade – com, por outro lado, a formalidade – ou seja, a percepção que a comunidade jurídica pode ter de qual é esse objecto a partir dos documentos públicos que garantem a transparência e a segurança do tráfego jurídico. Assim sendo, melhor meio não há para averiguar qual o objecto principal de uma associação ou sociedade do que indagá-lo a nível estatutário.
P. E esta tese é, de resto, bem apoiada na Doutrina societária, que vem definindo o objecto da sociedade como a actividade económica de não mera fruição que o sócio ou os sócios se propõem exercer através da sociedade ou propõem que a sociedade exerça (cfr., de novo por todos, JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, Ob. Cit., págs. 8 e seguintes). Pelo que, então, o objecto principal dessa sociedade (ou o fim principal de uma associação) há-de sempre ser aquele que os sócios (ou os associados) fizeram, em primeira linha, constar expressamente do acto constituinte ou negócio jurídico por excelência expressivo da sua vontade – isto é, os estatutos.
Q. Ora, de acordo com o n.º 2 do artigo 2º da Lei 11/2003, as associações de municípios de fins específicos (como a P) são pessoas colectivas de direito público criadas para a realização de interesses específicos comuns aos municípios que as integram, isto é, interesses exclusivamente de serviço público, não lucrativo ou empresarial. Aliás, do artigo 5º do mesmo diploma extrai-se a confirmação de que as mesmas não podem exercer (pelo menos a título principal) uma actividade que gere lucros para os associados (os municípios que as integram). As atribuições aí elencadas, enquadradas até pela referência do corpo do n.º 1 a “fins públicos”, nada têm a ver com um qualquer carácter empresarial, constituindo simplesmente atribuições dos próprios municípios, agora levadas a cabo de forma delegada pelas associações.
R. É o que acontece no caso concreto, como bem preconiza a sentença de que se recorre: é ao Estado e, mais especificamente, aos municípios – como todos reconhecem – que compete promover e garantir a realização dos serviços básicos de recolha e tratamento dos lixos: não é este um compromisso ou responsabilidade do Estado – dos municípios – nos resultados da actividade, mas um verdadeiro “dever que visa garantir sua existência”, o que, aplicado ao caso e à questão sub judice, transforma a actuação de uma associação com aquela natureza numa decorrência daquela responsabilidade de execução, não focalizada num interesse de cariz lucrativo, e já não numa responsabilidade de execução privada (embora de interesse público) de carácter empresarial.
S. Por outro lado, qualquer outro critério (de cariz material) para qualificação como principal de um determinado fim associativo ou objecto social seria imprestável.
T. Referimo-nos a um critério relativo, por exemplo, à contribuição das receitas respectivas para a globalidade dos resultados da associação ou da empresa ou aos níveis de afectação a esse fim dos recursos da entidade em causa – segundo o qual apenas poderíamos concluir que uma actividade não-lucrativa é a actividade exercida a título principal se as receitas e/ou os níveis de afectação de recursos superassem as receitas e os níveis de afectação às restantes. Um tal critério seria imprestável, desde logo, em abstracto, porque, de novo, não podemos esquecer a natureza das associações de municípios.
U. É que, como também se defende na decisão recorrida, uma associação deste tipo dedica-se, exclusiva ou principalmente, à realização, fora da lógica concorrencial, dos serviços de interesse público (não-lucrativos) típicos da actividade municipal (tendo essencialmente como contrapartida financeira o produto das contribuições, transferências, dotações, subsídios ou comparticipações municipais, estatais e comunitárias), para o que necessita, muitas vezes, de recorrer ao exercício de outras actividades, a esta acessórias, como meio de financiamento da actividade principal – é o que acontece no caso concreto! –
V. Nestes termos, o Tribunal a quo compreendeu (bem) que uma qualquer actividade complementar da associação, a que estejam subjacentes prestações de serviços com escopo lucrativo e uma actuação no mercado, facilmente represente a fatia maioritária dos rendimentos da associação, por muito acessória que seja a intencionalidade dos associados na sua prossecução e residuais os meios a ela afectos. Mas o mesmo critério seria imprestável igualmente em concreto.
W. Tendo em conta que a actividade acessória da “P” se resume à recolha e tratamento de resíduos, bem se percebe também, como já dissemos, que os respectivos (e eventuais) lucros só sejam possíveis porque a “P” aproveita todo um know-how e uma estrutura montada para a sua actividade principal de serviço público, assim logrando objectivos de economia de escala que de outra forma nunca conseguiria.
X. Ademais, como bem reconhece o Tribunal a quo, os proveitos resultantes daquela actividade acessória são sempre aplicados no desenvolvimento das condições em que é levada a cabo a actividade principal, muitas vezes até por imposições de Directivas comunitárias e regulamentos do sector.
Y É, pois, partindo do princípio de que a “P” não exerce uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola a título principal que devemos interpretar a sua situação tributária.
Z. No fundo, temos que, a título principal, cabe à “P” a assunção directa de responsabilidades que relevam imediatamente da prossecução das atribuições dos municípios nela integrados (recolha e tratamento de resíduos) – é esta a destinação do essencial da sua actividade –, assumindo a Impugnante a condição de um operador dedicado, isto é, de uma entidade cuja actuação de serviço público e, nessa medida, desinteressada e altruísta, visa em derradeira instância alimentar ou satisfazer as necessidades daqueles municípios no sector específico da gestão de resíduos.
AA. Sobre o conceito de exercício, a título principal ou meramente acessório, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, deve atender-se ainda ao teor do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, em 29.11.2000, no âmbito do processo nº 025580, de acordo com o qual “1 – Podem beneficiar da isenção de IRC prevista na alínea a) do nº 1 do art. 9º do CIRC, as pessoas colectivas de utilidade pública que tenham fins predominantemente científicos. II – Podem beneficiar desta isenção pessoas colectivas de utilidade pública que tenham por fins primaciais actividades científicas de qualquer natureza, incluindo de divulgação científica, não se restringindo a isenção às que tenham actividades próprias de investigação científica”. Para concluir desta forma, esclarece aquele Tribunal, com inte­resse essencial para o presente caso, que “O que é relevante para que se conclua que as pessoas colectivas de utilidade pública visam predominantemente fins científicos, para efeitos da norma em apreço, é que as actividades de natureza comercial ou industrial a que respeita a isenção de IRC, sejam meramente acessórias dos uns científicos, designadamente, que os proventos obtidos no seu exercício se destinem a ser utilizados na satisfação desses fins científicos(o sublinhado é nosso).
BB. Nestes termos, a AT só pode tributar a “P” com base no seu (alegado) lucro tributável se esta prosseguir uma actividade económica a título principal (e não a qualquer outro título – acessório, marginal, residual, isolado), algo que, como vimos, não se verifica.
CC. As liquidações são, portanto, também por força deste desajustamento entre a natureza da actividade da Impugnante e o Direito aplicado, ilegais.
TERMOS EM QUE DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO IMPROCEDENTE, POR NÃO PROVADO, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, DESIGNADAMENTE A MANUTENÇÃO, NESTA PARTE, DA SENTENÇA RECORRIDA.».

1.4. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer com o seguinte teor:
«O Ministério Público junto deste Tribunal, vem, nos termos do disposto no artigo 289º, nº 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário, emitir o seguinte
PARECER
INTRODUÇÃO
A Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 29 de Abril de 2014, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por “P”, contra a liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 2005, no valor de €942.987,59 (cf. fls. 278 a 288 do processo, em suporte físico, doravante designado por processo fiscal).
Ora é unânime na doutrina e na jurisprudência que o âmbito do recurso se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação dos recorrentes, não podendo o tribunal ad quem conhecer da matéria nelas não inserida, ressalvados os casos em que se impõe o seu conhecimento oficioso, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 282º, nºs 5 a 7, do CPPT e 635º, nº4, do CPC, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, aqui aplicável ex vi do artigo 281º, do CPPT.
E a Recorrente vem imputar à douta sentença recorrida erro de julgamento da matéria de facto por errónea selecção e valoração da prova produzida e erro de julgamento da matéria de direito por errónea aplicação do artigo 9º, nº 1 alínea b), do CIRC.
Cumpre-nos, pois, emitir parecer, o que faremos de imediato.
ERRO DE JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO
No que concerne ao juízo formulado pela Recorrente quanto à decisão da matéria de facto, mediante as Conclusões C) e D) das alegações em análise, pugna a recorrente pela sua alteração, indicando o material probatório susceptível de legitimar essa alteração (relatório de inspecção e depoimento das testemunhas V, F e C).
Sucede que, no que concerne à impetrada modificação da decisão de facto, aquando da afixação dos pontos de facto assinalados no probatório, limitar-nos-emos a exarar que não nos suscita qualquer reparo a leitura conjugada da prova produzida, efectuada na decisão sob recurso,
Não se justificando, no nosso entendimento, o aditamento ao probatório dos factos elencados nas alíneas), I), J), L), M) e N), das alegações da Recorrente insertas a fls. 302 e 303 do processo fiscal.
Na verdade, é um dado adquirido e insofismável que a trave-mestra da valoração da prova testemunhal assenta nos princípios da livre apreciação, da oralidade e da imediação e daí que, em bom rigor, o tribunal ad quem não possa sindicá-la na globalidade.
Além disso, conforme foi afirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça, “O recurso em matéria de facto («quando o recorrente impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto»), não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas apenas uma reapreciarão sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal q quo relativamente à decisão sobre «os pontos de facto» que o recorrente considere incorrectamente julgados, na base da avaliação das provas que, na indicação do recorrente, imponham «decisão diversa» da recorrida (cf. Acórdão do STJ, de 10/01/2007, no proc. Nº 06p3518; sublinhado nosso).
Ora, a Recorrente não logrou convencer-nos de que a decisão da matéria de facto enferme efectivamente de erro, quer nos pressupostos em que se estribou quer, ainda, nas conclusões a que chegou, de forma a dar como provados certos factos, de sentido diferente ou oposto ao almejado pela Recorrente e não outros, mais consentâneos com os seus interesses.
Com efeito, a concessão ou, ao invés, a negação da credibilidade aos depoimentos das testemunhas, tem de radicar na livre convicção do tribunal, mas tal liberdade de apreciação do material probatório não significa que esta seja infundada, imotivada ou irracional.
Ora, no caso em análise, além da prova documental apresentada, foi ainda requerida (e admitida) a produção de prova testemunhal, tendo sido inquiridas as testemunhas indicadas pela Impugnante, ora Recorrida, e a testemunha indicada pela Recorrente (cf. fls. 259 e 260, do processo fiscal).
Porém, os factos dados como assentes pela sentença recorrida tiveram por único fundamento “os documentos e informações constantes do processo”, não se tendo feito qualquer referência ao depoimento das testemunhas (cf. fls. 283 do processo fiscal-Fundamentação da matéria de facto).
Assim sendo, a conclusão a retirar é que o depoimento das testemunhas não teve qualquer relevância na formação da convicção do julgador, ou seja, o tribunal não lhe atribuiu qualquer importância
E tal convicção não se nos afigura irrazoável, infundamentada, ou arbitrária, de molde a justificar ou até impor a censura deste Tribunal.
E, para assim concluir basta atentar que os factos que a Recorrente reproduziu nas suas alegações como correspondendo às citações das testemunhas, são retirados de um contexto que tem por objectivo a demonstração de que a Impugnante, ora Recorrida, não exerce a título principal, actividade de natureza comercial e industrial,
E que os proveitos obtidos na venda de produtos e prestação de serviços se destinam a financiar os custos resultantes da recolha e subsequente tratamento dos lixos urbanos.
Nesta conformidade, afigura-se-nos, salvo o devido respeito por melhor opinião, que o facto de a sentença recorrida não ter considerado toda a factualidade alegada e atendido a todos os elementos probatórios constantes dos autos, designadamente a prova testemunhal, não constitui qualquer erro de julgamento.
Consequentemente, sem necessidade de outros considerandos, somos de parecer de que o recurso não merece provimento, nesta parte
ERRO DE JULGAMENTO DA MATÉRIA DE DIREITO
Permanecendo inalterada a matéria de facto dada por prova, afigura-se-nos que a douta sentença recorrida não incorre em erro de julgamento em matéria de direito uma vez que se aplica ao caso em análise o disposto no artigo 9º nº 1, alínea b) do CIRC.
Na verdade, a interpretação defendida pelo Tribunal a quo, para além de perfeitamente adequada à letra da citada disposição, respeita a ratio do mesmo preceito legal e daí que não nos mereça qualquer censura.
Acresce que a Recorrente, no âmbito da motivação do recurso em apreço, não logrou derrubar a argumentação invocada pelo Tribunal a quo quanto à interpretação da norma legal invocada para a solução do caso vertente.
É que, sendo a Impugnante uma associação de municípios de fins específicos, dedica-se, exclusiva ou principalmente, à realização de serviços de interesse público (não lucrativos) típicos da actividade municipal (recolha e tratamento de resíduos urbanos),
Tendo essencialmente como contrapartida financeira o produto das contribuições, transferências, dotações, subsídios ou comparticipações municipais, estatais e comunitárias,
Necessitando, frequentemente, de recorrer ao exercício de outras actividades (a esta acessórias), como meio de financiamento da actividade principal.
Consequentemente, deve beneficiar das isenções fiscais previstas na lei para as autarquias locais, entre as quais se inclui a isenção de IRC prevista na alínea b), do nº 1, do artigo 9º do CIRC.
Nesta conformidade, na nossa óptica, carece de todo e qualquer fundamento a imputação à douta decisão recorrida da violação da legalidade, muito especificamente do disposto no acima citado preceito legal.
Destarte, forçoso se torna concluir que deverá ser confirmada a douta sentença sob recurso.
CONCLUSÃO
Nos termos e com os fundamentos acima expostos, somos do parecer de que deverá ser negado provimento ao recurso jurisdicional, mantendo-se integralmente, a douta sentença recorrida.».

Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 657º, nº 4, do CPC, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente, cumpre apreciar e decidir se se justifica a alteração da matéria de facto, nos termos requeridos pela Recorrente, e se a sentença recorrida enferma do erro de julgamento de direito que lhe vem apontado, ao concluir que a Recorrida beneficia da isenção de IRC.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
«A. A Impugnante foi constituída através de escritura pública a 12 de Novembro de 1982 como associação de municípios, tendo sido publicado o seu estatuto no Diário da República a 10 de Dezembro de ….., tendo aquele sido alterado a …. – cfr. DRE;
B. A Impugnante foi objecto de inspecção tributária, a qual se iniciou a 10 de Janeiro de 2008 e que terminou a 09 de Setembro de 2008 e que incidiu sobre os exercícios de 2004 e 2005 – cfr. fls,. 29 do P.A.;
C. Após elaboração de projecto de relatório de inspecção tributária, a Impugnante foi notificada pelo ofício 63175/0504 de 12 de Setembro de 2008 para, querendo, exercer o seu direito de audição – cfr. fls. 98 e 99;
D. Finda a inspecção tributária referida em B), foi elaborado a 15 de Outubro de 2008, Relatório de Inspecção, o qual se considera aqui integralmente reproduzido e, no qual consta:
“(...)
Assim, a “P” é a entidade responsável pela gestão, tratamento e valorização dos resíduos produzidos e recolhidos pelos oito municípios municipais associados, tendo vindo a implementar uma gestão integrada de resíduos, recuperando, ampliando e construindo infra-estruturas, complementadas com campanhas de sensibilização junto da população.
Nesse âmbito tem desenvolvido uma estratégia integrada de valorização e tratamento de resíduos sólidos, (...)
Em resultado das operações realizadas no âmbito da sua actividade, a “P” aufere diversos proveitos, como se descreve:
a) Venda de Produtos (recicláveis/composto)
Do sistema de reciclagem multimaterial resultam vários produtos (recicláveis) como o cartão, mescla, PEAD, PET, PVC, T-PACK, alumínio, aço, madeira, vidro, esferovite, filme de plástico, sucata de ferro, sucata de folhagem, plásticos, etc. O principal cliente é a Sociedade O. SA. Em 2006, a “P” iniciou a comercialização do composto produzido na CVO (N.).
Com o objectivo de incentivar a separação multimaterial e a valorização orgânica, a “P” não debita qualquer prestação de serviços pela recepção e tratamento deste tipo de resíduos (isentos de tarifa ou tarifário “0”).
b) Venda de Produtos (energia eléctrica)
A energia eléctrica produzida na CVO (incineradora é vendida à R…, SA
c) Prestação de Serviços (cedência de energia eléctrica)
A “P” debita a cedência de energia eléctrica, que é consumida pela entidade que explora e gere a incineradora, o que constitui uma prestação de serviços.
d) Prestação de Serviços (tratamento de RSU às Câmaras associadas)
Os resíduos recolhidos pelas Câmaras Municipais, são entregues à ”P” para o seu tratamento na CVE – “P II” e no confinamento técnico (aterros, nos casos aplicáveis). Pela entrega e tratamento dos resíduos a “P” factura as respectivas prestações de serviços às Câmaras associadas, de acordo com as quantidades/toneladas recebidas.
Em paralelo, e mensalmente, a “P” debita aos municípios associados um valor, a título de “comparticipação para investimentos”, que constitui parte integrante das contraprestação devida pela prestação de serviços às Câmaras, suas clientes.
e) Prestação de Serviços (tratamento de RSU a outros clientes)
A “P” também factura prestações de serviços a empresas que procedam à entrega para tratamento de resíduos equiparados a urbanos na CVE – “P” II e no confinamento técnico.
f) Outros proveitos
Neste ponto há a referir a obtenção de outros proveitos provenientes do diferimento de subsídios do Fundo de Coesão para financiamento de projectos de investimento, da venda de cadernos de encargos, subsídios obtidos de organismos como o IEFP e juros de depósitos bancários.”
E. A Impugnante foi notificada do Relatório de Inspecção Tributária através do oficio 74819/0804 de 22 de Outubro de 2008 – cfr. fl. 95 a 97 do PA;
F. No seguimento da inspecção tributária foi emitida a liquidação 2008 8310037456, de 29 de Outubro de 2008, cuja data limite de pagamento ocorreu a 15 de Dezembro de 2008 – cfr. fls. 39.
Factos não provados
Para a decisão da causa, sem prejuízo das conclusões ou alegações de matéria de direito produzidas, de relevante, nada mais se provou.
Fundamentação da matéria de facto:
A decisão da matéria de facto, consonante ao que acima ficou exposto, efectuou-se com base nos documentos e informações constantes do processo».
Por se afigurar com interesse para a decisão da causa, ao abrigo da faculdade que nos é conferida pelo artigo 662.º do CPC, vamos proceder ao seguinte aditamento à matéria de facto, em conformidade com o requerido pela Recorrente:
G. Extrai-se, ainda, do RIT aludido no ponto D. supra, o seguinte:
«(…)
Dos Estatutos (2001) da “P” (cfr. art. 2.º) consta como objecto imediato a reciclagem, valorização, tratamento e aproveitamento final dos resíduos sólidos entregues pelos municípios associados, e por outras entidades que a associação venha a admitir, bem como a gestão, manutenção e desenvolvimento das infra-estruturas necessárias para o efeito. É mencionado, ainda, que a “P” pode, por si ou associada a terceiros, dedicar-se ao tratamento de outros resíduos sólidos, ao tratamento de resíduos industriais ou hospitalares e à exploração de actividades de natureza energética conexas com o seu objecto.
Os municípios associados são obrigados a entregar a totalidade dos resíduos sólidos urbanos (RSU) recolhidos nos respectivos concelhos e recorrer em exclusivo à associação, para a prestação de serviços por ela programados (cfr. art. 6.º, n.º 1, alíneas c) e f) dos Estatutos de 2001). Por outro lado, a “P” desenvolve a sua actividade na área dos municípios associados, por sua conta e risco, através de serviços próprios (cfr. n.º 4 do art. 2.º).
Assim, a “P” é a entidade responsável pela gestão, tratamento e valorização dos resíduos produzidos e recolhidos pelos oito municípios associados, tendo vindo a implementar uma gestão integrada de resíduos, recuperando, ampliando e construindo infra-estruturas, complementadas com campanhas de sensibilização junto da população [in sítio da “P”: www.”P”.pt, acedido em 29/04/2008].
Nesse âmbito tem desenvolvido uma estratégia de valorização e tratamento de resíduos sólidos, baseada nas seguintes componentes:
a) Valorização Energética, que consiste na recuperação da energia calorífica dos resíduos, mediante um processo térmico de tratamento controlado, e na sua transformação em energia eléctrica, que ocorre na Central de Valorização Energética (CVE), designada “P” II.
Neste processo, os resíduos que não possam ser aproveitados através da compostagem e reciclagem, chegam à CVE provenientes dos vários circuitos camarários dos Municípios que integram a “P”, e são armazenados numa fossa de recepção: sendo posteriormente transferidos para duas linhas de tratamento onde são queimados a elevadas temperaturas. Do processo de combustão, resulta a produção de energia eléctrica que permite por um lado, a autosuficiência da própria central (que consome cerca de 10% da energia produzida) e por outro, a venda à R. SA , dos restantes 90% da energia produzida.


As cinzas e escórias resultantes deste processo, têm como destino o seu confinamento em aterro sanitário. Contudo, cfr. informação disponível no referido sítio da internet, as escórias potenciam uma possível utilização como material granular, substituindo os solos ou os agregados naturais obtidos na indústria extractiva.
b) Valorização Orgânica, processo que consiste na compostagem da fracção orgânica dos RSU, assegurada através da Central de Valorização Orgânica (CVO), associada á implementação de circuitos de remoção da fracção orgânica, junto de grandes produtores (restauração, grandes superfícies, mercados), nas zonas de recolha selectiva porta-a-porta (resíduos domésticos), esquemas de recolha de resíduos verdes e complementada com iniciativas locais de compostagem caseira. A matéria orgânica produzida (composto), designada pela marca N., é comercializada desde 2006.
c) Valorização Multimaterial, processo cuja infra-estrutura fundamental é o Centro de Triagem “P”, com capacidade de processamento de 35.000ton/ano, em que é realizada uma separação complementar, com a triagem das matérias provenientes da recolha selectiva, enfardando e acondicionando as mesmas para posterior venda às industrias recicladoras (o principal cliente é a entidade O, SA., (…).
(…)».
Tendo em conta o contexto dos excertos dos depoimentos das testemunhas arroladas pela Recorrida e que a Recorrente pretende sejam relevados para a factualidade a aditar, não serão os mesmos considerados para tal efeito.

3.2. DE DIREITO
3.2.1. Do erro de julgamento
A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de direito:
«A lei 11/2003, de 13 de Maio (aplicável ao tempos aos factos em causa nos presentes autos) fixa o regime das comunidades intermunicipais, entre as quais se constam as associações de municípios de fins específicos comuns aos municípios que a integram.
Especificamente, o artigo 36º da supra referida Lei 11/2003, de 13 de Maio, dispõe que “as comunidades e as associações beneficiam das isenções fiscais previstas na lei para as autarquias locais.” Trata-se, portanto, de uma norma remissiva que importa analisar em sede – na presente situação – de IRC.
Ora, dispõe o artigo 9º, alíneas a) e b) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas que:
“1 - Estão isentos de IRC:
a) O Estado, as Regiões Autónomas e as autarquias locais, bem como qualquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados, compreendidos os institutos públicos, com excepção das entidades públicas com natureza empresarial;
b) As associações e federações de municípios e as associações de freguesia que não exerçam actividades comerciais, industriais ou agrícolas”.
Por sua vez, ainda com interesse para a solução jurídica a dar à presente situação, temos que o artigo 3º, nº 4 do CIRC dispõe que “para efeitos do disposto neste Código, são consideradas de natureza comercial, industrial ou agrícola todas as actividades que consistam na realização de operações económicas de carácter empresarial, incluindo as prestações de serviços.”
Sendo este o quadro legal aplicável à presente situação, vejamos se assiste razão à impugnante:
Como é sabido, as isenções fiscais, são de natureza excepcional relativamente à tributação-regra, visto contrariarem o principio da generalidade e “(...) a natureza excepcional das normas que regulam os beneficias fiscais em sentido técnico, tem ainda, portanto, interesse em matéria de interpretação, pois, nestes casos, não é permitida a integração analógica apenas porque, havendo lacuna da norma beneficiante excepcional, cai-se automaticamente, na regra, que é a tributação.”1
1 Nuno de Sá Gomes, in “Teoria Geral dos Benefícios Fiscais”, CTF nº 359, página 84.
Assim, sendo certo que se na isenção fiscal é produzido o facto tributário, o cumprimento da obrigação tributária é contudo dispensado pela norma de isenção de limitação negativa da incidência. Todas as isenções fiscais têm, pois, que ser estabelecidas por lei.
Atento o quadro legal supra referido, ternos como certo que a Lei – Lei 11/2003, de 13 de Maio – estabelece uma equiparação entre a associação de municípios e autarquias locais – em sede de isenção.
No entanto, face à redacção vigente de IRC, uma vez que a sua alínea b) refere expressamente a isenção quanto a “associação de municípios”, coloca-se o problema de se saber, qual das alíneas é aplicável à presente situação.
Porém, na opinião deste Tribunal, independentemente da situação retratada recair sobre a alínea a) ou b), a mesma encontra-se sempre abrangida pela isenção.
Na verdade, se se considerar que a remissão da Lei 11/2003, de 13 de Maio é realizada para os termos previstos na alínea a) do artigo 9º, nº 1 do CIRC, as associações de municípios são equiparados a Autarquias Locais e como tal estão isentas de IRC – por mais discutível que seja opção legislativa ou a redacção da norma remissiva e da norma de isenção. Sendo certo que o artigo 9º, alínea a) do CIRC não menciona qualquer exigência quanto aos meios e organização utilizados para que as autarquias possam prosseguir os seus fins.
Por sua vez, se se entender que a remissão da Lei 11/2003, de 13 de Maio é realizada para os termos previstos na alínea b) do artigo 9º, nº 1 do CIRC, a mesma encontra-se abrangida pela tal isenção uma vez que, na opinião deste Tribunal, não se pode concluir que a Impugnante exerce uma actividade comercial, industrial ou agrícola.
Como consta dos estatutos da Impugnante publicados em Diário da República e não colocado em causa pela Administração Tributária, o objecto imediato da impugnante é a reciclagem, valorização, tratamento e aproveitamento final dos resíduos sólidos entregues pelos municípios associados e por outras entidades que a associação venha admitir, bem como a gestão, manutenção e desenvolvimento das infra-estruturas necessárias para o efeito.
Assim sendo, a actividade exercida pela Impugnante – tratamento e eliminação de outros resíduos não perigosos – reveste natureza eminentemente dum serviço público – vulgarmente designado de recolha e tratamento de lixo urbano – pois, a circunstância de tal actividade poder ser exercida por privados (o que não é o caso), não retira esse carácter de serviço público (pelo menos, no sentido de utilidade pública).
Ora, prosseguindo a impugnante eminentemente um serviço público – o de recolha e tratamento de resíduos – e não existindo qualquer referência no Relatório de Inspecção Tributário de que não afecte todos os rendimentos que obtém à satisfação desse serviço público, não restam dúvidas de que a Impugnante sempre usufruiria de isenção à luz do artigo 9º, al. b) do CIRC.
Aliás, o Relatório de Inspecção Tributária faz ampla referência aos proveitos obtidos pela Impugnante na venda de produtos e prestação de serviços como forma de justificar o seu entendimento de que a impugnante exerce a título principal, actividade de natureza comercial e industrial, fazendo, no entanto, parca referência aos custos da recolha e tratamento subsequente dos lixos urbanos.
Como tal, assim considerando, deve a presente impugnação ser considerada desde já procedente.».
Não acompanhamos o entendimento do Tribunal a quo no que se refere à aplicação à Recorrida da isenção prevista no artigo 36º da Lei n.º 11/2003, de 13/05, segundo o qual «As comunidades e as associações beneficiam das isenções fiscais previstas na lei para as autarquias locais.».
Com efeito, o transcrito normativo deve ser lido com referência à alínea b) do artigo 9.º, do CIRC, referente às associações e federações de municípios, o qual não pode nem deve ser considerado tacitamente revogado (pois que ainda se mantem vigente na ordem jurídica); antes pelo contrário, deve ser adequada e conjugadamente interpretado com aquele artigo 36º, sendo que, numa interpretação harmoniosa destas normas, apenas ficam isentas de IRC as associações de municípios que não exerçam atividades comerciais, industriais ou agrícolas.
Acresce que, ao contrário do Tribunal a quo, entendemos que a Recorrida exerce uma atividade comercial, ainda que não a título principal.
Vejamos porquê:
Nos termos do estabelecido pelo nº 4 do artigo 3º do CIRC "Para efeitos do disposto neste Código, são consideradas de natureza comercial, industrial ou agrícola todas as actividades que consistam na realização de operações económicas de carácter empresarial, incluindo as prestações de serviços”.
Ora, tal como decorre do RIT (por nós aditado ao probatório) a Impugnante tem por objeto imediato a reciclagem, valorização, tratamento e aproveitamento final dos resíduos sólidos entregue pelos seus associados e por outras entidades que a associação venha a admitir, bem como a gestão, manutenção e desenvolvimento de infra-estruturas necessárias para o efeito.
Acresce que, por força do que decorre dos seus estatutos, possibilitando-a por si ou associada a terceiros dedicar-se ao tratamento de resíduos sólidos, de resíduos industriais ou hospitalares e à exploração de atividades de natureza energética conexas com o seu objeto, a Impugnante aufere proveitos resultantes da venda de produtos e prestação de serviços aos municípios seus associados e outras entidades públicas e privadas.
Assim, a Impugnante exerce, a par de uma atividade de carácter público - a recolha e tratamento de resíduos - uma atividade de natureza comercial.
Por outro lado, do texto da alínea b) do artigo 9.° do CIRC não resulta que a atividade exercida tenha de ser a atividade principal, sendo feita somente referência ao exercício de “actividades comerciais, industriais ou agrícolas”.
Onde a lei não distingue não cabe ao intérprete distinguir, sendo o elemento gramatical o primeiro e principal ponto de partida na interpretação da lei (artigo 9.° do CC). O intérprete deve presumir que o legislador soube consagrar na lei o seu pensamento e não pode retirar do elemento literal aquilo que lá não consta.
Acresce que a própria Recorrente afirma nas suas contra-alegações queTendo em conta que a actividade acessória de “P” se resume à recolha e tratamento de resíduos, bem se percebe também, como já dissemos, que os respectivos (e eventuais) lucros só sejam possíveis porque a “P” aproveita todo um know-how uma estrutura montada para a sua actividade principal de serviço publico”.
«Neste contexto, sendo irrelevante, pelas razões já apontadas «que a dita actividade desenvolvida possa ser considerada acessória da actividade principal desenvolvida a favor de municípios, pois que, pelo menos, para efeitos do disposto no C.I.R.C., a mesma foi autonomizada, conforme resulta da previsão “todas as actividades que consistam na realização de operações económicas de carácter empresarial, incluindo as prestações de serviços”, constante também do art. 3º nº 4 do CIRC, sendo que tal encontra-se directamente ligado à regra de incidência, a qual, de acordo com o art. 3º nº 1 do CIRC é diversa, consoante seja exercida uma actividade com a dita natureza, “a título principal” ou não - há forçosamente que concluir que aquela regra se aplica «sobre o “lucro”, ou o rendimento global, corresponde à soma algébrica dos rendimentos das diversas categoriais consideradas para efeitos de IRS e, bem assim, dos incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito”, conforme melhor consta expresso nas suas alíneas a) e b).» - cfr. acórdão do STA de 10.11.2021, rec. 02857/12.3BEPRT, que vimos acompanhando, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3f648ac2742a790e8025878e0050c70a?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1
Concluímos, assim, que a sentença recorrida enferma do erro de julgamento que lhe vem assacado pela Recorrente, pelo que o presente recurso merece provimento, devendo ser revogada a sentença sob escrutínio, negando-se provimento à impugnação judicial e mantendo-se a liquidação impugnada.

3.2.2. Dispensa do remanescente da taxa de justiça
O valor deste processo ascende a 942.987,59€ e preceitua o artigo 6.º, n.º 7 do RCP que, nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz, de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.
A dispensa do remanescente da taxa de justiça prevista neste preceito legal depende, portanto, da verificação de dois requisitos cumulativos: a simplicidade da questão tratada e a conduta das partes facilitadora e simplificadora do trabalho desenvolvido pelo tribunal.
No caso, entendemos que se justifica a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida pelo recurso à luz do disposto no n.º 7 do artigo 6.º do RCP, uma vez que as questões a decidir no recurso não se afiguraram particularmente complexas, encontrando-se já tratadas pelo STA, a conduta processual das partes não é merecedora de qualquer censura ou reparo e o concreto valor das custas a suportar pela parte vencida se afiguraria (não havendo dispensa do pagamento do remanescente) algo desproporcionado relativamente ao concreto serviço público prestado.

4. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgar a impugnação improcedente e manter a liquidação impugnada.

Custas a cargo da Recorrida em ambas as instâncias, por nelas sair vencida, nos termos do artigo 527º, nº 1 e 2 do CPC, dispensando-se ambas as partes do remanescente da taxa de justiça.


Porto, 3 de fevereiro de 2022

Maria do Rosário Pais - Relatora
Tiago Afonso Lopes de Miranda - 1.º Adjunto
Cristina da Nova - 2.ª Adjunta